segunda-feira, 5 de maio de 2014

Nádia Battella Gotlib (A Literatura Feita por Mulheres no Brasil) Parte 2

O PERIODISMO FEMININO

Um dos veículos dessa emancipação, que possibilitou a divulgação dos textos das mulheres, tanto literários quanto mais propriamente políticos, foi a imprensa. E, dentro da imprensa, o periodismo feminino. O primeiro deles foi provavelmente, segundo Dulcília S. Buitoni, o jornal carioca O Espelho Diamantino, lançado em 1827.[34] Desde então, outros jornais feitos por mulheres foram fundados com a intenção de tratar de questões ligadas às mulheres e, por vezes, problematizando questões importantes de caráter político, incluindo aí o direito ao voto.

Mas a matéria era, em geral, variada. Um dos pioneiros, intitulado Correio das Modas (1839-1841), trazia “bastante literatura, crônica de bailes e teatros e figurinos pintados à mão, vindos da Europa”.[35] E o Jornal das Senhoras, editado no Rio de Janeiro, numa primeira fase, por Joana Paula Manso de Noronha, em 1852 anunciava como objetivo colaborar para a educação da mulher, livrando-a do peso de ser considerada, pelo homem, “como sua propriedade”.[36]

Na década de 70, em 1873, é fundado o primeiro jornal feminista, O Sexo Feminino[37], com o objetivo de defender a educação da mulher. Durante a campanha abolicionista, participaram de sociedades ora simplesmente angariando fundos, ora escrevendo panfletos, ora proferindo palestras, como é o caso da pernambucana Maria Amélia de Queiroz, que em 1887 faz conferência e mais tarde colaborará no jornal A Família, editado e publicado por Josefina Álvares de Azevedo, este, mais firme nas reivindicações, chegando a defender o divórcio. Ligada ao movimento de campanha pelo sufrágio feminino, Josefina Álvares de Azevedo escreveu peça de teatro intitulada O voto feminino, em 1893, que foi representada no Teatro Dramático do Rio de Janeiro.

E tem regularidade também, uma “revista literária” publicada na virada do século, em São Paulo, intitulada A Mensageira, dirigida por Presciliana Duarte de Almeida, de 1897 a 1900.[38] A revista, centrada em questões referentes à mulher, tem como eixo das considerações a necessidade da educação feminina, no sentido de se proclamar, nas palavras da diretora, “a igualdade na diferença”. Traduz posições mais conservadoras, na defesa de uma educação da mulher que não interfira no papel de mãe e esposa, não aceitando, conforme afirmação de um colaborador da revista, “nem a mulher que vota, nem a mulher que mata!”.[39] E insere também artigos mais avançados, que defendem o voto feminino e o trabalho como instrumento de independência econômica. Um deles chega a defender um feminismo político engajado a uma prática socialista, como é o caso do artigo da escritora portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho, escrito e publicado na revista por ocasião do encerramento do Congresso Internacional das Mulheres, em Londres, em agosto de 1899.[40]

A importância dessa revista deve-se, sobretudo, à preocupação com a formação de um grupo ativo de intelectuais e artistas preocupado com a construção de um contexto de cultura literária. E os textos aí publicados tendem, na maioria, para a feição artística, na linha de um sentimentalismo romântico, por vezes eloquente, em sonetos e demais poemas das escritoras;  e na linha de estilo leve de crônicas alertas ao cotidiano da vida brasileira e, ao mesmo tempo, à literatura e ao feminismo internacional. Essa visão dupla causa, por vezes, contrastes curiosos. Em seção intitulada “Carta do Rio”, uma colaboradora lamenta, em tom solene, a morte do grande escritor francês Alphonse Daudet e, em seguida, comenta o aparecimento de uma “onça pintada lá para os lados do Irajá”…[41]

A publicação revela a existência de um público feminino não radical, que incorpora na revista colaboradores do sexo masculino que publicam aí textos literários e artigos de opinião. E revela também a existência de um grupo de intelectuais e artistas colaboradores que trazem dados de informação sobre a literatura feminina que se fazia nas várias regiões do Brasil da época, funcionando pois como um centro irradiador de informação a respeito da situação da literatura feminina da época.[42]

O tom da revista é o da literatura da belle-époque brasileira: leve, aparentemente descontraído, por vezes mais crítico e até polêmico, com certa ironia sutil. Os textos literários traduzem esse mesmo tom de época, situando-se entre um sentimentalismo de tradição romântica, um rigor formal de índole parnasiana e uma etereidade diáfana, típica da arte simbolista. No campo político das reivindicações, mostra a mulher entre os ‘novos’ rumos trazidos pelos movimentos emancipatórios liberais, com o abolicionismo e o republicanismo, mas atrelada ainda aos laços fortes de uma tradição burguesa calcada no exclusivismo dos seus papéis sociais domésticos.

Colaboram na revista tanto escritoras da segunda metade do século XIX, provenientes da era romântica, como Narcisa Amália, quanto escritoras que continuarão a escrever pelo início do século XX, até a segunda década, na fase do pré-modernismo brasileiro, como Júlia Lopes de Almeida.

Nesta segunda metade do século XIX, portanto, as mulheres ganham progressivamente espaço cultural, ainda que de modo um tanto acanhado e quase que sem repercussão nacional, sobretudo se se encontram em regiões afastadas da região sudeste (do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo). Além disso, a maioria das mulheres escritoras da época acumula à atividade da escrita, um trabalho didático, mais ou menos profissionalizado, e um trabalho jornalístico, na divulgação das propostas de teor feminista, mais ou menos politicamente engajado.

É o caso de, por exemplo, Maria Firmina dos Reis, professora de família humilde, que escandalizou cidade do interior do Estado quando fundou, em 1880, uma sala de aula mista, formada por meninos e meninas. Além de poesia e de romances que tratam da relação entre brancos e índios, publicou também um romance intitulado Úrsula, em 1859, em São Luís (do Maranhão). Se o enredo segue o padrão romântico, de amor, incesto e morte, o romance anuncia uma nova postura da mulher diante de problemas sociais, denunciando, de uma perspectiva abolicionista, os horrores do escravismo. Sob esse aspecto, a escritora avança ao defender certos valores, como por exemplo, a legitimidade da rebelião do filho bacharel em relação ao pai tirano; o seu projeto de se casar com uma jovem sem qualquer dote e a sua amizade por um escravo. E avança também quando atribui ao escravo uma forte personalidade.[43]

Persiste, no entanto, ao longo do século, a ideia preconceituosa de que à mulher não compete interferir nos assuntos de política. Narcisa Amália (de Oliveira Campos), por exemplo, que também foi professora, no Rio de Janeiro, e que publicou seus poemas em 1872, em volume intitulado Nebulosas, defendia ideias liberais democráticas, abolicionistas e republicanas, e por isso recebeu críticas severas. Guimarães Júnior, em carta a amigo, de 1873, referindo-se à escritora, afirma: “em suas composições políticas parece que deixa de lado a alma, para tomar a baioneta, cousa bem pouco feminina”. [44] Também C. Ferreira, no Correio do Brasil, do Rio de Janeiro, em 1872, já se pronunciara: “Mas perante a política, cantando as revoluções (…), endeusando as turbas, acho-a simplesmente fora de lugar (…) o melhor é deixar [o talento da ilustre dama] na sua esfera perfumada de sentimento e singeleza”.[45]

Mas as mulheres consideradas como fora de lugar já haviam, a essa altura, definido uma linha de ocupação do seu espaço próprio. Sob tal perspectiva, Délia, pseudônimo da gaúcha Maria Benedita Bormann, defende as propostas da ‘nova mulher’, naquele momento em voga na Europa e Estados Unidos: sexualmente independente, sem aceitar o casamento como única solução de vida e felicidade, com oportunidades de estudo e de profissionalização, com projetos de satisfação dos próprios desejos. A reação é imediata, por parte de médicos e sanitaristas, por exemplo. Mas a escritora, também abolicionista, tem participação incisiva. E a sua personagem também. No romance Lésbia, a mulher, depois de se separar de marido tirano, escreve sua própria história: emerge a mulher escritora no repertório dos enredos dos romances feitos por mulheres .[46]

A BELLE-ÉPOQUE

No final do século XIX e no início do século XX, em pleno período da belle-époque, tendências de antes (romantismo, realismo, parnasianismo, naturalismo) e tendências mais recentes (simbolismo) misturam-se, num período caracterizado, sobretudo, pela ocorrência simultânea de vários ‘ismos’, sob novas configurações: neo-romantismo, neo-parnasianismo, neo-realismo, neo-simbolismo, pré-modernismo, como num ensaio de concomitância de tendências a serem mais tarde praticadas no corpo mesmo de um só discurso, no período do pós-modernismo.[47]

Encontram-se, pois, nesse período, romances de tradição romântica, na linha folhetinesca da “profusão episódica”, como é o caso de A Divorciada, da cearense Francisca Clotilde, professora, poeta e periodista.[48] Neste, a personagem principal se dilacera em sucessivos sofrimentos, vítima de marido crápula, cujos defeitos justificam a opção da mulher pelo divórcio, com o objetivo de se casar com o homem que ela realmente ama.

No entanto, mais do que a filiação a uma linhagem de folhetins, o que interessa neste romance é justamente a construção da personagem que, premida pela infelicidade, chega a admitir a ideia do divórcio, viabilizando a ruptura de uma linha de relação conjugal formal até então considerada indissolúvel. Mas a liberação do laço matrimonial ainda não é tão simples assim. Como resolver o conflito entre a tradição dos costumes – a união oficial,  e o desejo de nova união – a satisfação do desejo da mulher, casando-se com o homem digno do seu amor e que, por feliz coincidência, ela ama? A escritora encontra uma solução: o marido morre e ela, viúva, pode então casar-se com o homem amado.

Nessa linha de enredo traçado nos meandros das miudezas da vida familiar burguesa - na cidade grande ou no meio rural pitoresco - , desenvolve-se a prosa de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), em mais de 40 anos de atividade literária dedicados tanto à ficção quanto ao jornalismo.

Nas dezenas de livros publicados (entre romances, contos, crônicas, literatura infantil e pouco teatro) a escritora nos fala de um lugar cultural já conquistado pela mulher. O tema aparece já nos seus primeiros versos e no primeiro artigo publicado, em 1881, graças ao auxílio do pai, num jornal de Campinas, sobre uma artista de teatro. Mais acentuadamente, desenvolve-o a partir de 1886, quando publica seu primeiro livro, e ao longo de sua colaboração na imprensa, na revista A Semana, no Rio de Janeiro. Engaja-se, a certa altura, na luta pela emancipação da mulher integrando o grupo da Legião da Mulher Brasileira, liderado por Bertha Lutz. Sua atividade intelectual manifesta-se também no território da vida pessoal: casa-se com um escritor português, Filinto de Almeida; participa, com o marido, das reuniões para fundação da Academia Brasileira de Letras, embora o marido para lá entre e ela, não; escreve texto com o marido, usando o pseudônimo de “Filinto”; e terá filhos escritores: Afonso, Albano, poetas; e Margarida Lopes de Almeida, célebre declamadora.

Os romances, narrados com simplicidade e de modo agradável, seguem esquemas de enredo calcados no amor, por vezes trágico: é o caso de A viúva Simões, de 1897, em que duas mulheres, mãe e filha, amam o mesmo homem e enlouquecem. Noutros, aborda pontos que atestam sensibilidade diante da realidade brasileira: “histórias de nossa terra” e da vida rural na roça, por exemplo, ou a expulsão dos pobres das zonas mais centrais da cidade, no Rio de Janeiro.

A sua posição em relação aos papéis sociais da mulher é ambígua: de um lado, defende-a enquanto mãe e esposa[49]; de outro, investe no apoio a sua capacidade de trabalho e a sua força para gerir recursos que lhe garantam uma sobrevivência e autonomia financeira. Embora ciente da encruzilhada de opções da mulher – entre formas mais tradicionais e outras mais inovadoras de atuar profissionalmente - a escritora mais levanta que problematiza tais questões. Mostra, por exemplo, sensibilidade diante das diferenças e discriminações sociais, defendendo o abolicionismo. E realça o contraste cruel entre a riqueza da oligarquia endinheirada do café e a miséria dos escravos e colonos imigrantes, como no romance A família Medeiros, de 1892.

É o caso, também, do volume de crônicas intitulado Eles e Elas, publicado em 1910, significativo enquanto tradução de clima de época, na leveza de tom típico da segunda década do século. Neste, a narradora expõe a relação homem/mulher no território da ordem social brasileira, a partir de um recurso que usa com rara habilidade: o de monólogos e diálogos - recurso que permite a fala, direta, das mulheres e homens a respeito dos seus próprios problemas, na maioria, conjugais.

Partindo sempre de situações banalíssimas do cotidiano, surgem os detalhes de comportamento, em tom bem humorado, usados teatralmente, a garantirem a eficácia do texto como uma espécie de comédia de costumes. Neste contexto é que surge uma de suas personagens, a mulher consciente mas inoperante, que se reconhece como “boneca de carne e osso” e “mais nada”, mas sem força para se livrar dessa dependência. E mais: sem nem mesmo ter palavras para se fazer entender pelo marido…[50] Daí o tom duplo que estes contos/crônicas têm: aparentemente, ligeiros, quase levianos, mas, ao mesmo tempo, um tanto trágicos, já que, por detrás da fala conformada da mulher, que apenas se distrai, entre compras e chás, entre as curvas e ornamentos do cenário belle-époque, pesa uma certa amargura de situação mal resolvida.

O interesse dessa ‘visão de dois’ reside, ainda, no modo como o livro se desenvolve, como se fossem sketches que se sucedem, em diferentes situações, com alternância de pontos de vista: ora é a mulher, ora é o homem que fala. Mas paira a voz da autora-narradora, que usa o ridículo para se manifestar contra certos papéis sociais na relação homem/mulher. Um dos seus personagens, por exemplo, um homem, quando chega em casa e não acha a mulher... clama contra o feminismo. Mas, ao mesmo tempo, ele aparece em cena sendo ridicularizado pelo narrador, que bem poderia ser a mulher escritora Júlia, aí implícita.

A narradora parece seguir o preceito que anuncia logo no início do livro e como epígrafe: no livro o leitor encontrará mínimos detalhes insignificantes, mas a vida compõe-se de detalhes, como a hora se compõe de minutos. E parece praticar o “defeito” de um dos seus personagens: o de “esquadrinhar intenções e ideias através dos ditos mais simples ou das expressões mais banais...”.[51]

Através da simplicidade da narradora, reconhecida pela crítica, e do seu aparente “tom  menor”, desenha-se, pois, um diagnóstico de comportamento que se pauta por alegrias leves e também por crueldades e perversões, já que, segundo um dos personagens (e poderia afirmar uma vez mais, segundo a autora implícita) “a educação da mulher só tem servido para a criação de mártires ou de hipócritas”.[52]

Num sistema de constante liberdade vigiada, o homem tenta manter a mulher em zona de segurança. Como articulador da ordem, tenta controlar possíveis desvios. E, por sua vez, resguarda o seu próprio espaço de intimidade e privacidade. Como a experiência clandestina, tanto do homem quanto da mulher, não pode ser ventilada, nas diversas situações da relação, vence a moral da dissimulação necessária. Explicitamente, só resta a máscara. E para a mulher, ela paira, sob o invólucro de chapéus com véus e plumas, que sinalizam uma aparente e boa consciência e o dever também aparente do bem-estar social.

Já na poesia do início do século, pelo menos duas tendências se sobressaem. Na linha da tradição herdada do final do século XIX e que persistem, em alguns casos, até os anos 20 do século seguinte, persiste a poesia que prima pelo acabamento nos moldes parnasianos, na trilha de um dos líderes desse movimento: o poeta Olavo Bilac. É o caso da escritora Francisca Júlia, por exemplo, que mantém repertório temático de gosto greco-latino e cultiva sonetos imitados dos poetas-homens que considerava mestres. Até nos próprios títulos nota-se o aplacamento de ânsias e emoções, que são praticamente domesticadas em favor da objetividade e dos rigorosos compromissos formais. Um dos seus livros de poemas intitula-se Mármore, publicado em 1895; e outro, já de 1920, intitula-se Esfinges. Neste, um dos poemas intitula-se “Musa impassível”...

Mário de Andrade, na célebre série de artigos intitulados “Mestres do Passado” e publicados em São Paulo, no Jornal do Commercio, em 1921, ao criticar os parnasianos Olavo Bilac, Raimundo Correa, Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho, inclui aí sua crítica a Francisca Júlia que, segundo o crítico, era didática e também “gelada”…e sacrificava a poesia à arte de “fazer belos versos”.[53]

Paralelamente, um outro tipo de poesia se instaura: a poesia erótica de Gilka Machado, que foi muito divulgada no seu tempo. Contrariamente a colegas suas que tentavam aplacar sensações e sentimentos e procuravam, ao fazer poesia, não se manifestar enquanto mulheres, Gilka Machado elege o desejo feminino como principal motivo de construção poética.

Aos 22 anos, inicia uma carreira poética marcada por dados de uma sensibilidade íntima da mulher, patente nos títulos de livros de poemas: Cristais partidos, de 1915; Estados de alma, de 1917; Mulher nua, de 1922; Meu glorioso pecado, de 1928. Nesses poemas, embora haja cuidados de teor parnasiano, a poeta adota soluções de teor simbolista, que funcionam como válvulas de escape de suas pulsões sensoriais. Os sentidos são cultivados até com certo requinte, regados a perfumes de sândalo, manacás, rosas, violetas e sempre-vivas. E a sensualidade ganha espaço, em poemas sobre temas até então proibidos: o “cio”, “a volúpia”, por exemplo.[54] Mas as sensações, de caráter liberador, são mobilizadas em poemas de ansiedade e de denúncia social do papel da mulher reprimida.

Além de reivindicar o direito de tomar decisões a respeito do próprio corpo e o direito de sua representação sob a forma poética, a poesia de Gilka Machado vai mais além: acusa os agentes opressores – os homens; e proclama a rejeição dessa forma reprimida de ser mulher.

A crítica, diante dessa escritora forte e decidida, adotou solução curiosa: defendeu a mulher- esposa e mãe. Aliás, Gilka Machado batizou a filha com o nome de Eros Volúsia, menina que haveria de se tornar bailarina famosa, com experimentações na linha da dança de motivos nacionais brasileiros. Assim como a crítica defendeu a mulher-esposa e mãe, separou-a da mulher-artista e  poeta.[55] Portanto, incapaz de admitir as duas em uma, dividiu a Gilka Machado em duas. Uma delas é a “poetisa de imaginação ardente, transpirando paixão carnal nos seus nervos”; e a outra é “a mais virtuosa das mulheres e a mais abnegada das mães”.[56] A artista ainda não podia ser socialmente aceita como uma mulher que tem – e que manifesta – seus desejos.
 
 A ECLOSÃO DO MODERNISMO E O ROMANCE SOCIAL


Curiosamente, na década de 20, enquanto as mulheres se notabilizavam pela produção plástica, as escritoras continuavam a escrever como os homens de antes – adotando posturas de um romantismo, um parnasianismo ou um simbolismo tardio. Ou escreviam como mulheres, misturando tendências, mas desbravando um novo repertório temático, marcado pelo sensualismo vigoroso, quando, então, eram vistas com reservas por esse mesmo público.

Embora a literatura feita por mulheres nos anos 20 não tenha ainda sido suficientemente examinada, pode-se, até o presente momento, afirmar, com base nos dados de que dispomos, que a literatura feminina dos anos 20 não teve o mesmo vigor e divulgação que as artes plásticas produzidas pelas mulheres neste mesmo período. Anita Malfatti, em 1917, com suas desenhos e óleos de cunho expressionista/cubista, inaugurava o modernismo, chocando a opinião pública de concepção mais conservadora, de que nos ficou documento primoroso do ponto de vista do registro da recepção: o depoimento de Monteiro Lobato que, surpreso e desorientado, preferia devolver para um outro o que dessa arte recebera, perguntando, desconcertado, se tal pintura seria uma paranóia (loucura que levava o artista a perseguir o espectador) ou seria uma mistificação (fingimento do artista que dava como sendo bom o que era ruim).[57]

Se sua arte não agradou a Lobato, nem mesmo a alguns modernistas, como Tarsila do Amaral, já estava feita a primeira revolução nas artes plásticas brasileiras. A abdicação do figurativismo acadêmico cedia terreno às cores fortes, pinceladas largas, em expressões conturbadas de sofrimentos e anomalias mentais, num tipo de pintura e desenho que valorizava a energia, tanto  da musculatura da figura humana, quanto dos elementos que integravam paisagens.

E Tarsila do Amaral inaugurava, a partir de 1925, com seu parceiro e marido Oswald de Andrade, a arte pau-brasil, após célebre viagem passando Semana Santa em Minas Gerais e Carnaval no Rio de Janeiro. Mais tarde, por volta de 1928, o chamado “casal Tarsiwald” (Tarsila e Oswald de Andrade casaram-se em 1926), pratica a arte da antropofagia, inaugurada com quadro de Tarsila do Amaral, intitulado “Abaporu” (o homem que come carne humana), arte que teve manifesto, revista, muitos quadros, poemas, críticas e, nesse mesmo ano, Macunaíma, de Mário de Andrade.

Tanto na fase do pau-brasil quanto na fase da antropofagia, a arte de Tarsila do Amaral inventa um novo modo de olhar a realidade brasileira, pela volta às raízes da sua cultura, relendo toda uma história, retraduzindo-a mediante o desrecalque do que até então era considerado secundário e  indigno de entrar no rol dos repertórios plásticos: as cores rosa e azul, por exemplo. Cria um Brasil geometrizado, com cores e formas variadas, de teor infantil e alegre, na fase pau-brasil. Cria um Brasil onírico, com cores fortes e intensas, remetendo a lendas, mistérios e mitos populares, na fase da antropofagia.

Mas na literatura não houve uma manifestação das mulheres correspondente à participação das mulheres nas artes plásticas nesse momento de eclosão modernista. Nenhuma mulher participou, como escritora, da Semana de 22. E as que na época escreviam, na sua maioria filiavam-se a movimentos que provinham do século XIX. No entanto, o modo de participação de tais escritoras na vida cultural brasileira dos anos 20 ainda está para ser devidamente avaliado.

No final da década de 20 surge uma escritora que funcionará como uma espécie de símbolo da ponte entre o grupo modernista dos anos 20, esteticamente inovador, e o grupo dos escritores engajados politicamente que atuarão após a Revolução de 30, a qual põe fim à chamada República Velha dominada pela oligarquia cafeeira.

Patrícia Galvão, chamada Pagu, nos seus dezoito anos, foi recebida pelo casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Pagu seria a próxima mulher de Oswald de Andrade e iria escrever, em 1931, com pseudônimo de Mara Lobo, um romance intitulado Parque Industrial, publicado dois anos mais tarde: em 1933.[58]

Talvez a figura de Pagu, marcada pela militância política, tenha sido o seu traço mais importante, sobretudo com suas crônicas jornalísticas. Estas foram escritas logo depois do seu livro de poemas com arranjo gráfico inovador, o “Album de Pagu - Vida, Paixão e Morte”, de 1919. E ocuparam a coluna “A Mulher do Povo”, em jornal que publicou com Oswald de Andrade em 1931 e que depois de 8 números foi fechado pela polícia, após brigas entre pessoas da redação, em especial, Oswald de Andrade, e estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo. Mais tarde a militante Pagu será presa na França. E, de volta ao Brasil, passará cinco anos na cadeia, dos seus 25 aos 30 anos: de 1935 a 1940.

Pagu, neste seu romance dos anos 30 - portanto, dentro do clima literário do momento, que foi o do romance social - toma por fio do enredo a questão trabalhista e a causa revolucionária comunista. Os personagens classificam-se segundo adesão ou não à causa. E, consequentemente, segundo a classe social. Dessa forma, um deles representa a adesão firme: é morto pela polícia em pleno movimento grevista. Outro, da classe alta, abandona seu lugar social em favor do proletariado, mas é expulso do partido, acusado de trotskysta. Dentro dessa perspectiva é que surgem as classes de mulheres. E, sob esse aspecto, a narradora é implacável.

As da classe alta são “éguas do mesmo pedigree”. São elas “meia dúzia de casadas, divorciadas, semi-divorciadas, virgens, semi-virgens, sifilíticas, semi-sifilíticas. Mas de grande utilidade política. Boemiazinhas conhecendo Paris. Histéricas. Feitas mesmo para endoidecer militares desacostumados”.[59] Dentre estas, há mocinhas da Escola Normal, à espera dos futuros maridos. E há madames preocupadas apenas em experimentar vestidos nas modistas de renome, atitude tão inócua quanto a fala dita politizada de uma delas, que pergunta: “ - Como não hei de ser ‘comunista’, se sou ‘moderna’?[60] A crítica ao feminismo burguês incipiente e retrógrado é a marca por excelência da caracterização das personagens femininas no romance.[61]

Defende, pois, um feminismo dependente de reformas mais globais e ligadas a mudanças sociais baseadas em princípios do materialismo histórico, bandeira que carregou também nas colunas críticas “A Mulher do Povo”. Aí faz acusação veemente às mulheres fúteis, que ela chama de “baixa da alta”.[62]

A atitude de consciência política manifesta-se, inclusive, no comportamento afetivo de certa personagem, que, no entanto, deve ceder diante dos compromissos partidários e abdicar da relação amorosa, pondo à prova, assim, suas convicções políticas.

A romancista prima por praticar recursos que favorecem o dinamismo da narrativa, como frases brevíssimas em linguagem telegráfica, imagens-flashes fotográficas e reunidas por colagem, segundo os moldes do modernismo dos anos 20. Mas o romance se sobressai mais pelo seu tom de firme inconformismo, buscando novos caminhos de ação prática e evitando o perigo da simples e passiva constatação da vitimização da mulher e do homem, agora, unidos ou enquanto operários, ou enquanto militantes, diante das circunstâncias nefastas de desigualdade social.

Este também é o eixo central do romance escrito por Rachel de Queiroz em 1937, intitulado Caminho de pedras. Depois de se dedicar ao romance nordestino, abordando o tema da famosa seca de 1915, no romance por isso intitulado O quinze, de 1930, a escritora conta a história de mulher que escolhe o seu companheiro: abandona o marido que ela não ama e se une a um outro homem, enfrentando os preconceitos que tal decisão provoca.

Fica, do romance, uma especial sensibilidade da narradora em relação à personagem feminina, que aparece representada na sua integridade de caráter, marcada pela firmeza e pertinácia nos caminhos políticos e afetivos. O equilíbrio manifesta-se no percurso da ação, entre o comportamento individual e coletivo. Os fatos da intimidade, que afloram e se expandem, revertem em ações práticas de satisfação, equilibrando-se com os da vida social, que se justificam na prática da militância política. De um lado, a paixão. De outro, a revolução. E os dois, unidos nesta dupla e harmoniosa causa. Concluindo: diria que houve, nesse romance, por parte da sua autora, Raquel, a construção de uma feliz coincidência: o homem amado ser também o colega político...até que um final infeliz os separe.

Nesta história, parece haver muito da história da própria autora, que, com seus 27 anos de idade, já havia passado por boa literatura com seu célebre O Quinze, e já havia passado pelo Partido Comunista, de 1931 a 1933; e é presa como trotskysta neste mesmo ano de 1937, justamente no ano da publicação deste romance, o Caminho de pedras.

Mas se existe uma contenção estrutural que assegura permanente equilíbrio entre forças individuais e sociais, tônica dos romances da época, existe também uma argúcia e respeito da autora na construção de estados da intimidade. O engajamento político não reduziu os limites do horizonte das personagens; antes parece haver contribuído para a melhor apreensão da natureza dos sentimentos, como o da paixão, representado na sua complexidade, e acarretando, por vezes, reações insuspeitadas. É o caso do momento em que a personagem feminina, fugindo da estreiteza da vida cotidiana infeliz e mesquinha, se expande pelo imaginário de histórias de mulheres “heróicas, livres e valentes”, embriagada por tais “possibilidades de libertação”.[63]. É o caso também de momentos de sutileza, em que se espera tudo e, aparentemente, nada acontece a não ser o fluxo irremediável do sentimento, simplesmente acontecendo, como se fosse um crime: “essa força invencível arrastando, fazendo agir, e essa lucidez melancólica e impotente constatando”.[64]

Foi justamente esta capacidade de perceber nuances de um comportamento feminino apaixonado que se vê abandonar às suas forças - o que considero, tal como aqui foi construído, uma qualidade - , foi justamente este fato que a crítica não reconheceu, ao elogiar seus valores de escritora. Olívio Montenegro, por exemplo, e justamente no “Prefácio” deste livro, atribui o valor da escritora ao fato de, em nenhum de seus romances, deixar “trair (manifestar) o sentimentalismo do seu sexo”, pois o que a distingue, afirma ele, é ser “uma personalidade viril”...[65]

Uma das boas razões que encontra para elogiar os livros - e talvez tivesse razões para isso - é que a escritora, além de ser homem na escrita, não “se detém tampouco em nenhuma fantasia.” Parece não haver ele lido o trecho em que existe a entrega da personagem feminina principal a um sonho de libertação. E não haveria como executar, na prática, o projeto de libertação do caminho de pedras - individual e coletivo - sem se deixar levar por estes caminhos de areia do imaginário, sacudindo, de vez em quando, os sapatos, na feliz companhia do amante camarada.

Os romances de Lúcia Miguel Pereira, ainda nos anos 30, não têm a tônica da mudança social, com traços de invenção modernista, mas radical nas colocações - como o de Pagu-Mara Lobo. Nem se trata de narrativa mais tradicional, sensível às pulsões da fantasia, como o de Rachel de Queiroz. Centra-se, de acordo com a linhagem dos romances do século passado, no fio das questões da sociedade burguesa, nas suas relações dentro do núcleo familiar. Mantém-se estritamente dentro destas células da família, abrindo apenas este circuito, tenuamente, em função de um ou outro acontecimento, desde que não comprometa as fronteiras internas deste território tão bem delimitado.

Nenhum dos seus três romances publicados nesta década foge a essa regra: Maria Luiza[66], de 1933, conta a história da mulher casada, que comete adultério, sente-se culpada e se refugia na religião. No romance Em Surdina[67], também de 1933, a personagem feminina principal não se casa porque não enfrenta a libertação da autoridade do pai nem reconhece, como válidos, os valores do casamento - como também não se contenta com os valores de solteira com os quais tem de se defrontar. No romance Amanhecer[68], de 1938, a personagem feminina nem se casa, como no primeiro romance; nem fica solteira, como no segundo. Junta-se a um amigo, mas também não é feliz. Assim sendo, nem o casamento, ainda que com adultério, nem o celibato, nem o concubinato, trazem a felicidade para a mulher. Apenas no último romance, de 1954, Cabra-Cega[69], a  personagem experimenta um momento de felicidade, quando tem caso com um sujeito que mal conhece e constrói, assim, o seu “segredo”. (Clarice Lispector diria: a sua “felicidade clandestina”.) Que dura, aliás, muito pouco.

A estrutura romanesca traduz, nesse universo fechado e severo, os resultados de uma experiência de vida da autora que se desenvolveu em ambiente de formação católica acentuada, ligada ao grupo Dom Vital, no Rio de Janeiro, a que se somariam outras experiências: a de mulher casada com historiador de renome, Otávio Tarquínio de Sousa; a de mulher de grande atividade intelectual, também funcionária da Secretaria de Educação e Cultura e da Biblioteca de Educação, integrante da comissão Machado de Assis, encarregada da publicação das obras desse autor; a de biógrafa - de Machado de Assis e de Gonçalves Dias; a de tradutora, ensaísta, jornalista, e, sobretudo, crítica.

Os romances trazem as marcas dessa formação. A estrutura do primeiro deles, Maria Luiza, inclui digressões de ordem religiosa, filosófica, moral, voltadas, na maioria, para as fases da experiência da personagem que caminha do dever ao prazer, e do prazer, novamente ao dever, passando, ao final, por toda sorte de mortificações, até a confissão e absolvição. E se a linguagem é bem organizada, sem grandes lances imagísticos, restringe-se ao andamento episódico, com amarração um tanto frouxa entre alguns capítulos. E é no segundo, Em Surdina, que a narradora desenvolve uma verdadeira inquisição a respeito do que é a vida de mulher carioca, com papéis sociais bem demarcados.

Anuncia, pois, e critica, as várias opções de vida da mulher: se casada, escrava, dependente financeiramente e mentirosa; ou casada e mãe, verdadeira criadeira, decadente fisicamente; ou ainda casada e separada tragicamente;  ou casada sem afinidade com o marido e infiel a ele. Deste emaranhado de funções, só a solteira se salva, conservando certa dignidade - ainda que sem muita alegria. Este retrato de família brasileira carrega um substrato moralista de crítica à avareza, ao hedonismo, ao adultério, aos prazeres exagerados, ao egoísmo, ao casamento sob variadas formas, ao comportamento estereotipado. E defende a liberdade ainda que relativa e a criação literária.

A autora denuncia, pois, a pressão das convenções de família, a submissão da mulher diante de tal peso e os vícios de uma família aparentemente bem comportada. Não há satisfação pessoal nessas relações convencionais. Simplesmente porque tais relações são convencionais, ou seja, a experiência aparece filtrada pela barreira das regras movidas a hipocrisia de uma sociedade que perdeu o sentido da experiência de sua própria autenticidade. Perdeu-se a própria identidade primitiva, única garantia possível de sobrevivência - diria - criativa e, assim, original.

A constatação dessa perda de identidade e a sua problematização, pela prática de uma linguagem literária, é o que a poesia de Cecília Meireles e a prosa de Clarice Lispector efetivamente executam, nas décadas subsequentes, a partir da década de 40.
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NOTAS

[34] Dulcília Schroeder Buitoni, Imprensa Feminina. São Paulo, Ática, 1986. Cf. Dulcília Schroeder Buitoni, Mulher de papel. A representação da mulher pela imprensa feminina brasileira. São Paulo, Loyola, 1981.

[35] Dulcília Schroeder Buitoni, ob. cit., p. 38.

[36] June E. Hahmer, A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas (1850-1937). São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 35.

[37] O Sexo Feminino foi fundado pela professora Francisca Senhorinha da Motta Diniz, em Campanha da Princesa, em Minas Gerais. Cf. June E. Hahmer, ob. cit., p. 52.

[38] A Mensageira. Revista literária dedicada à mulher brazileira, Diretora: Presciliana Duarte de Almeida. Edição fac-similar. 2 v. Comentários: Zuleika Alambert. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado,  Secretaria de Estado da Cultura, 1987.

[39] J. Vieira de Almeida, “Chronica omnimoda”. A Mensageira, ano I, n. 3, 15 nov. 1897, v. 1, p. 33.

[40] Maria Amália Vaz de Carvalho, “A mulher do futuro”. A Mensageira, ano II, n. 31, 31 ago. 1899, v. II, p. 139.

[41] Maria Clara da Cunha Santos, “Carta do Rio”. A Mensageira, ano I, n. 6, 30 dez. 1897, v. I, p. 82-83.
Irajá é bairro da cidade do Rio de Janeiro.

[42] Interessante observar a menção à então contemporânea produção literária feminina, pela referência a escritoras brasileiras sob a forma de notícias, num relato ‘vivo’, em tom de crônica, da vida cotidiana literária brasileira. É o caso, por exemplo, do artigo de Pelayo Serrano (Nelson Senna), “Intelectualidade feminina brasileira”, publicado em: A Mensageira, ano I, n. 7, 15 jan. 1898, v. I, p. 103-106. As resenhas de livros escritos por mulheres e as referências a obras recebidas pela redação ajudam a compor um perfil de contexto de literatura feita por mulheres na época.

[43] Cf. Norma Telles, “Escritoras, escritas, escrituras”. Em: Mary Del Priore (Org.), História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo, Contexto/Editora UNESP, 1997, p. 414. Ver também: Norma Telles, Encantações: Escritoras e imaginação literária no Brasil do Século XIX. São Paulo, NAT Editora, 1998.

[44] Cf. Norma Telles, “Escritoras, escritas, escrituras”, em Mary Del Priore (Org.), ob. cit., p. 423.

[45] Cf. Norma Telles, ob. cit., p. 422.

[46] Cf. Norma Telles, ob. cit., p. 431-435.

[47] Para o estudo da cultura literária da belle-époque, sobretudo no que se refere à participação das mulheres nos salões literários, ver: Jeffrey D. Needell, Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. Trad. Celso Nogueira. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.

[48] Francisca Clotilde, A Divorciada. Fortaleza, 1902. Dele há edição recente: Francisca Clotilde, A Divorciada. Romance. 2. ed. atualizada, acrescida de estudos críticos de Otacílio Colares, Angela Barros Leal, Nádia Battella Gotlib. Ceará, Terra Bárbara, 1996.

[49] É o caso do manual em que dá conselhos às noivas, publicado com o título de O livro das noivas em 1896.

[50] Julia Lopes de Almeida, “Cada vez que…”. Em: Eles e Elas. 2. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1922, p. 21-28.

[51] Julia Lopes de Almeida, ob. cit., p.185.

[52] Julia Lopes de Almeida, ob. cit., p. 169.

[53] Mário de Andrade, “Mestres do Passado”, em: Mário da Silva Brito, História do Modernismo brasileiro: Antecedentes da Semana de Arte Moderna. 4. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974, p. 259-266.

[54] Gilka Machado, “Nocturno VIII”. Em: Poesias (1915-1917). Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos, 1918, p. 13. (Esta edição reúne Cristais Partidos e Estados de alma).

[55] Uma leitura da fortuna crítica de Gilka Machado desenvolvo em: Nádia Battella Gotlib, “Com dona Gilka Machado, Eros pede a palavra. (Poesia erótica feminina brasileira nos inícios do século XX).” Polímica: Revista de crítica e criação. São Paulo, n. 4, 1982, p. 23-47. Ver: Sylvia Paixão, A fala-a-menos: A repressão do desejo na poesia feminina. Rio de Janeiro, Númen, 1991.

[56] Humberto de Campos, Crítica. 2. ed. Rio de Janeiro/São Paulo/Porto Alegre, W. M. Jackson, 1945, p. 400.

[57] Monteiro Lobado, “A propósito da Exposição Malfatti”. O Estado de S. Paulo, 20 dez. 1917. O artigo, que ficaria conhecido através de um outro título, “Paranóia ou Mistificação?”, encontra-se transcrito em: Mário da Silva Brito, História do modernismo brasileiro. I – Antecedentes da Semana de arte Moderna. 4. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974, p. 52-56.

[58] Mara Lobo (Patrícia Galvão), Parque Industrial. São Paulo, 1933.

[59] Idem, ibidem, p. 86.

[60] Idem, ibidem, p. 38.

[61] Cf. Nádia Battella Gotlib, “A mulher artista, a mulher arteira: Pagu, ou uma certa poética política dos anos 30”. Belo Horizonte, Cadernos do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher/ UFMG, n. 6, nov. 1988, p. 63-74.

[62] Pagu, “A Baixa da Alta”. “O Homem do Povo” n. 2, 28 mar. 1931. In Augusto de Campos (Org.), ob. cit., p.82.

[63] Rachel de Queiroz, Caminho de Pedras. 7. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1979, p.45.

[64] Rachel de Queiroz, ob. cit., p. 69.

[65] Olívio Monenegro, Prefácio. In: Rachel de Queiroz, ob.cit., p.VIII.

[66] Lúcia Miguel Pereira, Maria Luiza. Rio de Janeiro, Schmidt, 1933.

[67] Lúcia Miguel Pereira, Em Surdina. 3. ed. Rio de Janeiro, José Olympio ed., 1979.

[68] Lúcia Miguel Pereira, Amanhecer. Rio de Janeiro, José Olympio ed., 1938.

[69] Lúcia Miguel Pereira, Cabra-Cega. Rio de Janeiro, José Olympio ed., 1954.

 
Fonte:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_Nadia_Gotlib.htm  em 19/02/2012

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Nilto Maciel (30 janeiro 1945 - 30 abril 2014)

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Nilto Maciel (1945 – 2014)

Nasceu em Baturité, Ceará, em 30 de janeiro de 1945.

Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 70.

Criou, em 76, com outros escritores, a revista O Saco.

Mudou-se para Brasília em 77, tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF.

Regressou a Fortaleza em 2002.

Editor da revista Literatura desde 91.

Faleceu em Fortaleza, a 30 de abril de 2014.

Obteve primeiro lugar em alguns concursos literários nacionais e estaduais:
Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1981, com o livro de contos Tempos de Mula Preta;

Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1986, com o livro de contos Punhalzinho Cravado de Ódio;

“Brasília de Literatura”, 90, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Distrito Federal, com A Última Noite de Helena;

“Graciliano Ramos”, 92/93, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de Alagoas, com Os Luzeiros do Mundo;

“Cruz e Sousa”, 96, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de Santa Catarina, com A Rosa Gótica;

VI Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1996, Fundação Cultural de Fortaleza, CE, com o conto “Apontamentos Para Um Ensaio”;

“Bolsa Brasília de Produção Literária”, 98, categoria conto, com o livro Pescoço de Girafa na Poeira;

“Eça de Queiroz”, 99, categoria novela, União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, com o livro Vasto Abismo.

Organizou, com Glauco Mattoso,
Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal (Rio de Janeiro/Fortaleza, 1977).

Participa de diversas coletâneas, entre elas Quartas Histórias – Contos Baseados em Narrativas de Guimarães Rosa, org. por Rinaldo de Fernandes (Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2006).

Tem contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. O Cabra que Virou Bode foi transposto para a tela (vídeo), pelo cineasta Clébio Ribeiro, em 1993.

LIVROS PUBLICADOS:

- Itinerário, contos, 1.ª ed. 1974, ed. do Autor, Fortaleza, CE; 2.ª ed. 1990, João Scortecci Editora, São Paulo, SP.

- Tempos de Mula Preta, contos, 1.ª ed. 1981, Secretaria da Cultura do Ceará; 2.ª ed. 2000, Papel Virtual Editora, Rio de Janeiro, RJ.

- A Guerra da Donzela, novela, l.ª ed. 1982, 2.ª ed. 1984, 3.ªed. 1985, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, RS.

- Punhalzinho Cravado de Ódio, contos, 1986, Secretaria da Cultura do Ceará.

- Estaca Zero, romance, 1987, Edicon, São Paulo, SP.

- Os Guerreiros de Monte-Mor, romance, 1988, Editora Contexto, São Paulo, SP.

- O Cabra que Virou Bode, romance, 1.ª ed. 1991, 2.ª ed. 1992, 3.ª ed. 1995, 4.ª ed. 1996, Editora Atual, São Paulo, SP.

- As Insolentes Patas do Cão, contos, 1991, João Scortecci Editora, São Paulo, SP.

- Os Varões de Palma, romance, 1994, Editora Códice, Brasília.

- Navegador, poemas, 1996, Editora Códice, Brasília.

- Babel, contos, 1997, Editora Códice, Brasília.

- A Rosa Gótica, romance, 1.ª ed. 1997, Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC (Prêmio Cruz e Sousa, 1996), 2.ª ed. 2002, Thesaurus Editora, Brasília, DF.

- Vasto Abismo, novelas, 1998, Ed. Códice, Brasília.

- Pescoço de Girafa na Poeira, contos, 1999, Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília.

- A Última Noite de Helena, romance, 2003. Editora Komedi, Campinas, SP.

- Os Luzeiros do Mundo, romance, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE.

- Panorama do Conto Cearense, ensaio, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE.

- A Leste da Morte, contos, 2006. Editora Bestiário, Porto Alegre, RS.

- Carnavalha, romance, 2007. Bestiário, Porto Alegre, RS.

– Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil, ensaio. 2008. Imprece, Fortaleza, CE.

– Contos Reunidos (volume I). – reunindo Itinerário, Tempos de Mula Preta e Punhalzinho cravado de ódio –  2009. Ed. Bestiário, Porto Alegre, RS.

– Contos Reunidos (volume I). – reunindo As insolentes patas do cão, Babel e Pescoço de girafa na poeira – 2010. Ed. Bestiário, Porto Alegre, RS.

– Luz vermelha que se azula, contos, 2011. Expressão Gráfica, Fortaleza, CE.

– Como me tornei imortal: crônicas da vida literária. 2013. Armazém da Cultura. Fortaleza/CE

– Quintal dos dias, crônicas. 2013. Editoria Bestiário. Porto Alegre, RS.

– Sôbolas manhãs. crônicas. 2014. Editora Bestiário. Porto Alegre, RS.


ORGANIZADOR:


Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima, ensaios, artigos e resenhas, 2006. Ed. UNIFOR, Fortaleza, CE.

PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS:

- Queda de Braço: Uma Antologia do Conto Marginal, seleção de Glauco Mattoso e Nilto Maciel. Clube dos Amigos do Marsaninho, Rio de Janeiro e Fortaleza, 1977. Contos: “As Fantásticas Narrações das Meninas do São Francisco” e “Sururus no Lupanar”.

- Conto Candango, coordenação de Salomão Sousa. Coordenada Editora de Brasília, 1980. Conto: “As Pequenas Testemunhas”.

- Horas Vagas (Coletânea 2), organizada por Joanyr de Oliveira. Coleção Machado de Assis, volume 42, Contos, Senado Federal, Brasília, 1981. Conto: “Detalhes Interessantes da Vida de Umzim”.

- O Prazer da Leitura, organizada por Jacinto Guerra, Ronaldo Cagiano, Nilce Coutinho e Cláudia Barbosa. Editora Thesaurus, Brasília, 1997. Conto: “Ícaro”.

- Almanaque de Contos Cearenses, organizado por Elisangela Matos, Pedro Rodrigues Salgueiro e Tércia Montenegro. Edições Bagaço, Recife, PE, 1997. Conto: “Apontamentos para um Ensaio”.

- Poesia de Brasília, organizada por Joanyr de Oliveira. Livraria Sette Letras, Rio de Janeiro, 1998. Poemas: “Odisséia Interior”, “Oferenda” e “Nem todo amor…”

- Poesía de Brasil – volumen 1, organizada por Aricy Curvello e traduzida para o espanhol por Gabriel Solis. Edição Proyecto Cultural Sur/Brasil, Bento Gonçalves, RS, 2000. Poemas: “Calvario”, “De Desapariciones y de Ruinas”, “Francisca” e “Arco Iris”.

- Reflexos da Poesia Contemporânea do Brasil, França, Itália e Portugal, organizada por Jean Paul Mestas. Universitária Editora, Lisboa, Portugal, 2000. Edição em francês e português. Poemas: “Lutin”/ “Duende”, “Avec les pieds par terre” / “Com os pés no chão”, “Auroral” / “Amanhança”, “Pro-phétique” / “Prof-ética”.

- Antologia de Haicais Brasileiros, organizada por Napoleão Valadares. André Quicé Editor, Brasília, 2003.

- Antologia de Contos Cearenses, organizada por Túlio Monteiro. Coleção Terra da Luz, tomo I, Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2004. Conto: “Casa Mal-assombrada”.

- Antologia do Conto Brasiliense, seleção e organização por Ronaldo Cagiano. Projecto Editorial, Brasília, 2004. Conto: “Aníbal e os Livros”.

- Os Rumos do Vento/ Los Rumbos del Viento (Antologia de Poesia), coordenação de Alfredo Pérez Alencart e Pedro Salvado. Câmara Municipal de Fundão, Porotugal e Trilce Ediciones, Salamanca, Espanha, 2005. Poema: “Arco-íris”.

- Quartas Histórias – contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa, org. Rinaldo de Fernandes. Rio de Janeiro, Ed. Garamond, 2006. Conto: “Águas de Badu”.

- Todas as Gerações – O Conto Brasiliense Contemporâneo, org. por Ronaldo Cagiano. Brasília, LGE Editora, 2006. Conto “Avisserger Megatnoc”.

- 15 Cuentos Brasileros/15 Contos Brasileiros, edición bilingüe español-portugués, org. por Nelson de Oliveira e tradução de Federico Lavezzo. Córdoba, Argentina, Editorial Comunicarte, 2007. Conto “Ave-Marias”.

Fonte:
Colaboração de Nilto Maciel, até 2013.

Nilto Maciel (Como me Tornei Imortal)

A grande maioria dos seres humanos acredita na imortalidade. Cada um deles se diz constituído de corpo e alma. Aquele morre, se desfaz, vira pó. Esta permanece intacta – a pensar e sentir – e, após a morte de sua metade, voa para o céu, o paraíso, onde está Deus, ou para o inferno ou sabe-se lá para onde. Essa grande maioria é resignada, vive rindo, brincando, feito eternas crianças, por se crer regida por Deus ou o Destino. Mesmo quando choram – diante do corpo sem vida de filhos, pais, irmãos, amigos, ídolos – parecem rir: Deus quis assim, Deus quis agora.

A pequena minoria dos seres humanos ou desacredita na imortalidade ou desconfia dessa possibilidade. Cada um deles assim sofisma: Se não sou imortal, se meu corpo é minha única morada, só me resta inventar outra eternidade. E assim surgiram as agremiações de letras e artes.

Para alguns escritores há duas maneiras de se alcançar a duração perpétua: pelo ingresso numa dessas corporações ou com a publicação de suas obras por uma grande editora. Se as duas portas se abrirem, melhor ainda: A vida eterna estará garantida. Para os mais presumidos só serve a Academia Brasileira de Letras. Os institutos menores (estaduais) ficariam para os escritores impúberes ou mais pequenos. Os minúsculos (municipais) se reservariam aos escritores insignificantes. Há, porém, ainda outras distinções: A entidade paulista seria quase equivalente à federal; a acreana, a amapaense, a sergipana, por exemplo, se equivaleriam a sociedades municipais; a paulistana valeria por uma filial da ABL; a baturiteense não poderia se comparar à santista. Empossados nesta ou naquela academia, todos alcançariam a imortalidade, no final, embora alguns, logo após a morte do corpo, teriam a alma conduzida imediatamente ao céu, enquanto outros dilatariam a interminável fila que conduz ao ponto derradeiro do destino literário.

Publicar livros por grandes editoras é mais fácil do que ingressar numa casa de acadêmicos. Basta o sujeito ser famoso ou amigo (bajulador, dizem) de autoridades federais, de outros entes famosos, ter muito dinheiro, etc. Por editora se entenda empresa que edita livros, vende-os a livrarias, divulga-os para os meios de comunicação de massa e paga direitos autorais.

Lá pelo início de minha adolescência, compreendi que não tenho alma e, portanto, sou mortal. Consciente disso, mais me pus a ler e escrever. E mais cônscio fiquei de que não tenho alma e sou mortal. Apesar disso, passei a acreditar em mim mesmo, em poder ser lembrado por mais um tempinho após minha morte, se escrevesse bem. Minhas filhas, meus netos e seus contemporâneos poderiam se lembrar de mim e ler minhas histórias. Passei mais muitos dias a ler e escrever. Fui morar em Brasília, cidade de muitos imortais, a capital do futuro. Publiquei uns livrinhos por pequenas editoras, ganhei alguns prêmios literários, de pouca monta (nada comparado aos prêmios das loterias) e tinha sido um dos criadores da revista O Saco (que me dava certo prestígio no mundo das letras). Tudo isso junto deve ter atiçado a luxúria de alguns imortais da capital. Que certamente cochichavam, enquanto cochilavam, frases obscenas, quando me viam: A esse só falta ingressar na nossa hoste. Pois eis que no meio do caminho desta vida (eu deveria ter uns quarenta anos, supondo que viverei até os oitenta), me apareceu um desses seres eternos. Chamava-se Almeida Fischer, que queria ser mais imortal do que era, pois pertencia à Academia Brasiliense de Letras. Não se apresentou em corpo e alma, para não se fazer tão objetivo; mandou um seu colega me fazer comunicado quase letal: Eu fora escolhido para constituir a nova casa federal de letras, a Academia de Letras do Brasil. Tomei susto, mas não morri. Ora, eu não queria vestir fardão. Muito menos farda, que abominava e abomino militares. Bastavam-me calça e camisa. Recuperado do susto, ouvi o complemento da fala do emissário do futuro presidente do sodalício (assim eles, os imortais, gostam de chamar suas agremiações): Iria me visitar noutro dia, para melhores esclarecimentos. E foi. Era um sábado de muita preguiça (minha), depois de ter passado a noite em bebedeira, a ouvir chorinhos. Alcançou-me de chinelos e calção. Renovou os elogios a mim, explicou os motivos da nova arcádia, como se me fizesse grande louvor e favor. Mal o deixei concluir o discurso. Agradeci os gabos e disse duas ou três frases indecorosas: Não me sentia acadêmico, sabia-me em fase de crescimento (embora tardio, a arcádia dentária ainda em formação), despreparado para a vida (literária) adulta e não via nenhuma necessidade de novos institutos de letras. Ele parecia não acreditar no que ouvia. Talvez eu estivesse brincando. Ou delirando: Você bebeu muito ontem? Certamente me ocorria um surto de loucura. Ora, quem não quer ser imortal, quem não se sente excepcionalmente envaidecido (e comovido) de ser convidado a ingressar no círculo restrito dos imortais? Prometi escrever carta a Fischer. Explicaria as razões de minha recusa ao convite. O mensageiro saiu de minha casa como quem sai de um cinema de horror. Escrevi a carta-bomba e a enviei ao morubixaba. Dias depois eu soube da tragédia: O homem se tinha morrido. Ou tinha deixado de ser vivo. Eu continuei mortal.

Fortaleza, abril de 2010.

Fonte:
Nilto Maciel. Como me tornei imortal: crônicas da vida literária. Fortaleza/CE: Armazém da Cultura, 2013. p.9-12.

Nilto Maciel (Um Doutor em Poesia)

Conheci Sérgio Campos em 1987 e com ele me correspondi desde aquele ano até poucos dias antes de seu falecimento. Escreveu-me 52 cartas ao longo de oito anos. Escrevi-lhe, talvez, o mesmo número de vezes. A apresentação de um ao outro se deu pela mão (melhor dizer pela palavra) de Floriano Martins.

Quando nos conhecemos, Sérgio havia publicado quatro livros, que aos poucos me foi ofertando. A primeira dádiva me veio junto à primeira epístola, de 8/5/87. Não se trata­va de seu livro inaugural, porém do quarto – Montanhecer. E dizia, já no segundo parágrafo: “É que circulam por aí tan­tos livros, mormente de poesia, alguns tão sem raiz, alma, que a gente percebe estar-se deteriorando essa antes tão eficiente forma de mútuo conhecimento. Se recebo, desconfio; se envio, receio."

Nascia bem nossa amizade, o “mútuo conhecimento” dele por mim e de mim por ele. Nascia exigente, crítico, objeti­vo. Como ele mesmo.

As cartas de Sérgio são, quase sempre, analíticas, críticas. Mergulha ao fundo das questões suscitadas, sobretudo em decorrência da leitura de um livro. Sua segunda carta é um belo ensaio, embora anuncie: “Reitero que não sou crítico, nem tenho a veleidade de o ser.”

Mais tarde escreveu alguns artigos de crítica literária e um ensaio. Se quisesse (ou tivesse tido tempo), poderia ter alcançado bom nome nessa área.

Cartas tratam, geralmente, do cotidiano, de circunstâncias. Ainda assim, ele não se deixava ir na conversa. Ia mais além. Divagava, posso dizer. Captava um princípio de pensamento do outro e o desenvolvia. Assim, analisando o meu Punhalzinho cravado de ódio, disse desconhecer algumas palavras por mim utilizadas. E citava “tiborna”, “barbatão” e outras. Na missiva seguinte voltou ao assunto: “Quanto às palavras, seus significados são deliciosos. Como são boni­tas e ricas as palavras, como a linguagem é fascinante. É duro constatar que a língua portuguesa aqui no Brasil en­contra-se em fase de extinção. O vocabulário em uso está se estreitando tanto que mais breve que possamos supor es­taremos falando uma das línguas mais ralas e pobres do planeta.”

Aos poucos fomos nos fazendo íntimos. E logo fiquei sabendo de seus problemas de saúde: a fratura do fêmur esquerdo, em 1983, segunda cirurgia no ano seguinte, tercei­ra em 85, quarta, quinta. Uma das melhores virtudes de Sérgio talvez tenha sido a humildade. Nada de arrogância, de presunção. Pois chegou a me enviar poemas esparsos e livros seus antes de publicados, para que eu,  simples prosador,  o ajudasse a “melhorá-los”. Ou para que os aprovasse ou reprovasse.

Humilde, não quer dizer fosse condescendente com os em­busteiros da literatura. Batia-se, sim, pela recuperação do soneto, por exemplo. E causticava os que o escreviam a esmo e proclamavam ter descoberto um filão, publicando li­vros e livros horrorosos. E lamentava-se: “Desanima, pare­ce que nos volta o peso de recomeçar do zero, pois a história do soneto na literatura brasileira é a própria história da infâmia.”

Sérgio foi um dos criadores da revista Literatura. Participou do projeto desde os primeiros momentos. Assim, em 3/7/90, me dizia: “Não podemos mais estar por aí de pires a mão, a depender dos Pascoais da vida, em busca de espaço para divulgação de nossos trabalhos.”

Se mais não participou da elaboração da Revista, se não esteve presente a todos os momentos dela, há uma explicação: estava dedicado a outros dois grandes projetos. O primeiro nascido de sua preocupação com o isolamento de nossa literatura em relação ao resto do mundo e, especialmente, a América Latina. O segundo projeto chamava-se Mundo Manual, uma editora para publicar seus livros e de ou­tros bons poetas.

Uniu-se a Floriano Martins no projeto de rompimento de barreiras. Criaram o jornal Resto do Mundo e passaram a divulgar no Brasil um segmento da literatura hispano-a­mericana. E vieram à tona nomes como os de José Kozer, Eugenio Montejo e Javier Sologurren. Pretendiam editar pequenas antologias desses e de outros poetas desconhecidos em nosso país.

Em 1990 criou uma editora, “uma paixão antiga”, como me disse. No ensaio Ponto e Contraponto, publicado em 1992, analisa também o livro enquanto livro e, didaticamente, ensina: “Pensamos na edição de um livro como o trabalho no­bre de textos de torná-lo de fácil leitura, pelos tipos adequados, pela diagramação mais consoante à natureza dos poemas, pe­lo formato que se harmoniza com o dos poemas, e, sobretudo, pelos cuidados com a boa apresentação, blocagem, lavor gráfico, beleza, posto que nela veja Barthes um rosto vazio (mas a respeito de cujos traços temos muito boas referências), e limpeza, pois nada mais lamentável que um livro produzido com desleixo. É como se o poeta tivesse por seu li­vro o mesmo conceito que tem por seus poemas.”

Outro sonho de Sérgio Campos: doutorar-se em Poética. Em fins de 1992 prestou exame de mestrado na Universidade do Rio de Janeiro. A seguir viria a fase de dissertação e, daí a 36 meses, a tese de doutorado.

Se não conseguiu o título, o diploma de doutor em Poética, nós, seus leitores – que, espero, sejam muitos e muitos daqui por diante – lhe damos e daremos outro título: o de artífice, de mestre, de doutor em Poesia. Pois Sér­gio Campos é, sem dúvida, um dos melhores poetas brasileiros deste final de milênio.

Meu último contato epistolar com ele se deu no dia 12/12/94. No pós-escrito anunciava: “Viajo amanhã e só retorno em 10/1/95.” Não sei dizer para onde viajou. Nem se retornou à sua Ilha do Governador. Dias depois Jorge Pieiro me telefonou de Fortaleza para comunicar a viagem eterna de nosso amigo e companheiro.

Fonte:

Nilto Maciel. Sôbolas manhãs. Porto Alegre/RS: Bestiário, 2014. p.138-141.

Nilto Maciel (Ícaro)

Rotineiramente nos meus sonhos sou levado de roldão no turbilhão das chafurdices mais absurdas. E acordo brigado comigo mesmo, por ser frágil, pequeno, indefeso — criaturinha atômica perdida na grandeza das coisas.

Há pouco eu ia ladeira abaixo, desembestado, numa car­reira de doido. E se não conseguisse nunca mais parar, fosse bater no fim do mundo? Bem feito, quem me havia mandado sair daquele jeito! Não, eu podia me esborrachar nas pedras, terminar todo arranhado, quebrar perna, braço, rachar a cabeça. Ah meu Deus! E que vontade de voltar atrás, ao tempo da partida! De pelo menos estacar, tomar fôlego, andar ape­nas, passo aqui, passo ali, feito cachorro vadio. Porém já ne­nhuma vontade eu carregava, nada eu conseguia fazer para di­minuir a velocidade, desgovernado seixo na correnteza. E des­cia, rolava, perdido, danado. Grão de areia arrastado pelo ar, eu sentia sumir-me o chão dos pés, levitar, alçar voo. As per­nas, soltas no espaço, balançavam agarradas ao resto do corpo, feito as de um enforcado. E me guiavam os quatro ventos do desespero para as alturas e as perdições. Na boca, o gosto do nada; nos olhos, o medo de precipitar-me; no peito, a ân­sia da desgraça. Sim, a queda. Não podia durar muito minha aventura de pássaro sem asas. Como voar para sempre? A me­nos que eu buscasse o mar, seguro porto de todos os voadores. Nunca, ele não existia, e, se existisse, vivia longe, longe demais. Mas quanta burrice, eu quase alcançava tocar com os pés as cabeleiras das árvores. Não carecia preocupar-me tanto. Bastava soltar-me das argolas do céu e saltar.

Com alguma perícia, agarrava-me aos galhos e, macaco velho, evitava o tombo. E ainda dava cambalhotas no ar, pula­va de galho em galho, imitava Tarzan. E se me estrepasse? Não, não me restava salvação, condenado a perambular entre as estrelas, até perder todas as forças e... ploft. Era uma vez um menino que desceu a ladeira da vida, tomou carreira, subiu feito balão e espatifou-se todo.

Não deixei de voar, não avistei o mar, não me agarrei aos galhos das árvores e o sonho terminou em gritaria.

Há muitos anos, eu vivia constantemente machucado, ferido, coberto de conchas. E, ainda por cima, minha mãe me cobria de peia. Deixasse de ser tão molenga! Eu não me emen­dava, no entanto. Caía, apanhava, caía de novo, apanhava mais. Por que não largava essa mania de viver trepado, feito macaco? Porém as mangueiras me encantavam. Difícil só alcançar o pri­meiro galho. Daí em diante eu me perdia, metido entre as fo­lhagens, escondido do mundo. E a sensação de poder cair! Aquele vento doido, o desequilíbrio, o chão coberto de fo­lhas secas, pintinhos entretidos a caçar insetos, aos pios, frágeis, indefesos entre os pés sujos e desatentos dos porcos aos roncos! Então aconteceu qualquer coisa comigo e eu pulei? Ou caí? Tudo isso depois de me fartar de chupar as mangas amassadas e podres do chão. Caíam de maduras ou por arte dos meninos. Eu não participava dessas brincadeiras. E sempre pegava a sobra. Até o sobejo dos bichos.

Aprendi cedo a levar quedas, ou dar pulos; ou voar. Esses três tipos de ginástica se confundiam em mim. Eu caía, pula­va ou voava da mangueira? Da janela de minha casa, porém, eu conseguia pular mesmo. E voava até o meio da rua. Chama­va os colegas e fazíamos apostas.

Eu devia ter nascido pássaro. Essa vontade de pular, de jogar-me ao chão, de lançar-me do alto. Apenas o espaço vazio, chão, a terra. E o vento que bate, açoita, puxa, empurra.

Quando me senti bem treinado, resolvi pular do muro alto do quintal. Embaixo só pedras, espinhos, formigas. Caí e quase desmaiei. Levantei-me, cambaleante, machucado, arra­nhado. Ainda bem que não havia ninguém por perto. Só mi­nha decepção. Quando entrei para casa, mamãe ficou muito nervosa e agitada. Eu disse ter pulado uma cerca, com me­do de um touro. Eu não podia dizer a verdade. Ou touro, ou tourada. “Esse calção encarnado”.

Antes da seguinte experiência tive a ideia de fazer tes­tes com formigas. Primeira etapa: arranjar uma caixa de fós­foros, qualquer latinha. Segunda: encontrar uma porção de formigas. Terceira: ter paciência e coragem de pegar com o maior cuidado as bichinhas. Ninguém consegue fazer isso, por­que formiga é bicho danado de esperto. Mas eu era esperto e meio. E conseguia juntar dez, doze, dezenas delas. Subia ao muro, abria a caixinha, as formigas saíam apressadinhas e eu dava um sopro. As coitadas voavam, caíam e não acontecia nada de mais. Ao chegarem ao chão, corriam, apavoradas. Talvez fossem leves demais.

Experimentei também as bonecas de minhas irmãs. Do lugar mais alto do mundo — a torre da igreja. E de lá soltei uma a uma, encantado com suas quedas lentas. Corri as esca­das para ver o estado delas. No patamar, porém, não encon­trei mais nenhuma. Teriam voado? Para a serra, lá onde mora­vam os passarinhos? Ou haviam voltado para o alto da torre, à minha procura? Espiei para cima, para todos os lados e cadê boneca? Só passarinho voando. E não podiam ser bonecas de pano. Ou podia boneca se transformar em passarinho?

Noutro dia o sacristão não me deixou subir à torre. Pre­cisava enfeitar a igreja para a procissão. Voltei para casa, doi­do para ver de novo boneca transformar-se em passarinho.

Na hora da procissão, o povo em fila, as casas fechadas. Nos parapeitos das janelas nenens de colo e suas avós, e nas portas velhinhos sentados em cadeiras de balanço. Tomei a dianteira, impaciente. Ao nos aproximarmos, deixei a fila e subi à torre. Debruçado sobre a janelinha, tive vontade de cus­pir na boiada. A igreja se entupiu de gente. No patamar ficou quem não pôde entrar. Tantas cabeças juntas nunca tinha visto assim de cima. Admirado, ia me esquecendo das bonecas. Deu-me vontade de novo de cuspir. Desisti: o sacristão podia me mandar descer. Devia era jogar logo as bonecas. E joguei. Voo bonito. Pareciam anjos descendo do céu. Tive medo de olhar, vontade de me retirar da janela e me esconder dentro do sino ou detrás do sacristão.

O povo, ao avistar a chuva de anjos, gritava e corria. As bonecas caíam. O padre pedia calma aos fiéis. Eu me espremia de medo. As bonecas assustavam o povo de Deus. E se o povo subisse as paredes para me castigar? Aranhas vingativas que me jogassem ao solo. Eu me espatifaria feito uma boneca. Não, voaria e viraria anjo ou passarinho e sobrevoaria a cidade e fugiria para a serra. O padre me amaldiçoaria, me chamaria de Maligno. Mostraria a cruz e eu voltaria a ser gente, menino maligno. Cairia, me despedaçaria todo. Não precisava nem cair. Bastava pular da torre. Todas aquelas ovelhas correriam, fugiriam de mim e me deixariam morrer. Nenhuma abriria os bra­ços para me aparar. Eu me quebraria de encontro ao duro chão do patamar. A menos que o povo se juntasse de novo. Então eu cairia em cima dele e me salvaria. Não, aquelas cabe­ças eram duras. Serviam então as mãos. E se seus dedos me furassem, me espetassem? Nem isso. Aquele povo imenso abria caminho para minha morte. Furava um buraco para eu me enterrar. Eu e as bonecas.

Todos olhavam para cima, embasbacados, como se eu fosse a papa-ceia. O vento soprava. O espaço vazio, cinzento. Minhas irmãs choravam a morte de suas bonecas que voavam para a serra e às vezes caíam como frutas maduras. Por onde andava o sacristão que não vinha bater o sino? A procissão continuava, mas no patamar não cabia sequer mais um cristão. Os fiéis esperavam Deus. Se eu caísse? Se eu voasse? Se eu virasse anjo, passarinho, aquele homem de asas?

Fonte:
Nilto Maciel. Contos Reunidos. volume II. Porto Alegre/RS: Bestiário,2010. p.11-15.

Nilto Maciel (Vamos Comer Sapoti ?)

Numa tarde, a brincar na calçada da prefeitura, o aroma de sapoti maduro atiçou-me os sentidos. Certamente preparavam a merenda do prefeito. Ou de mais alguém? Ah, vontade de saborear um suco gelado! Aquele odor antigo vez em quando me entra pelos sentidos. E com ele vêm carrinhos de madeira, bolas de pano, bonés de papel, barquinhos de jornal.

Brincar com castanhas de caju exigia força nos dedos e pontaria. Cada jogador utilizava uma tampa circular de lata. Tamanho médio de um pires. Recheávamos a tampa com cera de abelha ou vela derretida. Colocávamos algumas castanhas nas extremidades de um triângulo desenhado no chão. O primeiro jogador, postado a cinco ou mais metros de distância do triângulo, lançava a latinha na direção das castanhas. Esse mecanismo se dava assim: um dedo fura-bolos, acionado pelo indicador da outra mão, atingia a lata, fazendo com que ela se locomovesse pelo chão e alcançasse as castanhas. O jogador que atingisse uma das castanhas, lançando-a fora do triângulo, teria direito a nova jogada. Venceria o jogo se deslocasse todas as castanhas. Se errasse o alvo, o outro jogador se agacharia para desferir o golpe na sua latinha. Ganhava quem conseguisse atingir maior número de castanhas. O vencedor se apossava das peças em jogo.  

Havia também as brincadeiras perigosas, proibidas pelas mães. Jogos, na verdade. Um deles acontecia em chão de barro e não em calçada. Primeiramente desenhava-se um triângulo, com a ponta de um arame em forma de punhal. Jogavam dois ou mais meninos. O primeiro deveria lançar a arma ao chão, fincando-a, ao lado do triângulo, e traçar uma reta de ligação de uma das pontas do desenho ao furo provocado pela arma. E assim se ia formando ao redor da figura geométrica um traçado de linhas interligadas, espécie de teia. Cada jogador deveria se preocupar em impedir a formação da teia adversária. Quanto mais próximo de uma das linhas, melhor. Se atingisse o interior do desenho estaria fora do jogo. O segundo jogador repetia o gesto do primeiro, desenhando-se, assim, linhas quase paralelas, que se emaranhavam ao redor do triângulo. Aquele que atingisse as linhas do outro seria eliminado. Venceria aquele que conseguisse “fechar” o concorrente, isto é, bloquear as linhas do parceiro e alcançar novamente o triângulo, sempre no sentido horário. O perigo de tal brincadeira ou jogo era iminente: a arma, pontuda, poderia espetar um pé.

Menos perigosos eram os carrinhos de madeira. Os choferes quase sempre necessitavam de ajudantes. Em troca das ajudas, viravam ajudantes. Sem isso, os carrinhos só rodavam nas descidas. E, para rodarem novamente na mesma cal­çada, deveriam subir as calçadas inclinadas. Nos declives, atingiam velocidades espantosas. Só os bons choferes conseguiam escapar aos acidentes. Esse brinquedo seria a versão pobre ou rudimentar do velocípede.

Restava saber com que se fazia um carrinho: madeiras, pregos, parafusos, borracha, sebo ou graxa para azeitar as rodas. Mamãe se opôs ao projeto. Brinquedo de vadio. Fosse estudar, decorar os verbos e a tabuada. Estudei, decorei o verbo ter, a multiplicação do sete, e voltei ao pedido. On­de arranjar tanta madeira, tanto prego?

Dias e dias depois, meu carrinho descia a calçada da prefeitura, sem ajuda de ninguém. De tão frágil, porém, não durou muito. Ao bater num tronco de árvore, espatifou-se.

Restava, pois, voltar a correr feito doido pela rua, sujeito a tropeços e quedas. O nome da brincadeira talvez fosse manja ou uma variação dela. Possivelmente o pique, o pega-pega. A brincadeira perdia a graça se na calçada ou às janelas não estivesse a plateia. Geralmen­te senhoras e senhoritas, que arrastavam cadeiras de balanço até à calçada e aí permaneciam horas e horas da noite, a parolar e ver os meninos em algazarra. Quando as primeiras cadeiras voltavam às casas, só nos restava parar, enxugar o suor e dormir.

Sento-me diante da televisão. Vão e vêm bandidos, presidentes, modelos, jogadores, soldados, mendigos. Além, muito além da parede, vejo barquinhos de papel, carrinhos de madeira, bolas de pano. Vamos comer sapoti?

Fonte:
Nilto Maciel. Quintal dos dias. Porto Alegre/RS: Bestiário,2013. p.43-47.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Roberto Pinheiro Acruche (Dia do Trabalho)

O autor é de São Francisco de Itabapoana/RJ

A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas "Trovia" - n. 173 - maio de 2014)



Triste sina dos mortais
é ver, assim malfadadas,
lado a lado almas rivais,
almas gêmeas separadas...
Albercyr Camargo

Quem ama (dizem) não pensa;
pensa, sim, pensa em amar.
No resto é que se dispensa:
não perde o tempo em pensar.
Bastos Tigre

Não adianta nem atrasa
chorar na tua partida...
Saíste de minha casa,
ficaste na minha vida!
Benedita Melo

Saudade, febre que a gente
sem querer pode apanhar;
Nunca mata de repente,
vai matando devagar...
Colombina

Cabelos brancos ao vento,
– Saudade feita de neve!
Mil fibras de sentimento
dizendo a tudo até breve!...
Helvécio Barros

Oh, minha mãe, em meus cantos,
num grato e eterno estribilho,
bendigo a Deus, que, entre tantos,
me escolheu para teu filho!
J. G. de Araújo Jorge

Não foste a minha metade
pois jamais me deste um “sim”,
mas fizeste que a saudade
fosse a metade de mim!
José Maria M. de Araújo – RJ

Dei-te amor sem falsidade
uma floresta de amor.
E tu, só por crueldade,
te fizeste lenhador.
Lilinha Fernandes
 




Chegar mais cedo é proeza
que assusta muito marido,
pois quem chega de surpresa
costuma ser surpreendido!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Os reveses de costume,
tão calma enfrenta Maria,
que lhe chamam... e ela assume...
o nome de Cal-maria.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Nos seus encontros ousados
junto da velha porteira,
esperava os namorados:
hoje ela espera a parteira!
Edmar Japiassú Maia – RJ

Casamento de verdade
pouca gente ainda procura:
querem ter a propriedade
sem pagar pela escritura!
Jotão Silva – RJ

Quando no sono mergulho,
quem dorme ao lado... se “ferra”:
– Porque eu faço mais barulho
Do que um trem subindo a serra!!!
Maria  Madalena Ferreira – RJ

Bem pior que a dor de dente
a de rins costuma sê-lo.
Não, porém, mais deprimente
do que a dor de cotovelo...
Osvaldo Reis – PR

“Colesterol sempre sobe
se bebo e como torresmo.”
Diz a mulher: “Não se afobe!
Só isso é que sobe mesmo...”
Wanda de Paula Mourthé – MG


 

Da mãe à filha querida:
– Obrigada, meu bebê...
Fui eu quem lhe dei a vida,
mas minha vida é você!
A. A. de Assis – PR

Olha o cigarro atirado,
aceso e, até, quase inteiro.
– Por favor, seja educado!
Sou floreira e não cinzeiro.
Adélia Woellner – PR

A mensagem carinhosa
de um abraço sedutor
é como dar uma rosa
como símbolo do amor.
Agostinho Rodrigues – RJ

O trinar da corruíra
lembra Dalva de Oliveira;
do alto da sucupira,
encanta a floresta inteira!
Amilton Monteiro – SP

Velha ponte de madeira,
ligando a roça à cidade,
foi a passagem primeira
do meu sonho à realidade...
Angelica Villela Santos – SP

A paixão é traiçoeira,
dizem que pode matar.
Eu digo que é só coceira
gostosa de se coçar.
Ari Santos de Campos – SC

Sempre acolho de mãos postas
e, humilde, tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar!
Carolina Ramos – SP

Essas nuvens de algodão,
que no céu a gente vê,
induzem meu coração
a me lembrar de você.
Clênio Borges – RS

O amor ficou no passado...
– Hoje eu sei por que ficou:
o nosso encontro marcado,
o destino desmarcou!
Clenir Neves Ribeiro – Austrália

O amor oculto floresce
qual rara flor num penedo:
– perfume que remanesce
das delícias de um segredo.
Clevane Pessoa – MG

Enganar que sou feliz
é coisa inútil, porque
meu sorriso triste diz
quanto sofro sem você.
Conceição de Assis – MG

Em vez de bombas, canhões,
fome, miséria, orfandade,
que se unam os corações
na paz da fraternidade!
Cônego Telles – PR

Dios te de sus bendiciones,
salud, amor y ternura,
y todas tus ilusiones
se colmen com tu dulzura.
Cristina Olivera Chávez – USA

Quem se eleva sobre o pranto
não teme a noite vazia
e ao som de um velho acalanto
nina a própria nostalgia.
Dáguima Verônica – MG

Amizade é bênção, graça,
essência que canaliza
duas almas: a que abraça
e a que, do abraço, precisa...
Darly O. Barros – SP

Voei por mil universos
em meu mundo-fantasia
e, com tijolos de versos,
fiz castelos de poesia!
Delcy Canalles – RS

Neste  dia,  quem  te  quer
são  teus  filhos – tua  vida...
– A  glória  de  ser  mulher
e  a  honra  de  ser  querida!
Diamantino Ferreira – RJ

Eu ergo a taça a brindar
a noite que o quarto invade
e no cristal do luar
bebo o vinho da saudade!
Domitilla Borges Beltrame – SP

Numa profusão de cores
vem o outono, sedutor,
inspirar os sonhadores
num convite para o amor.
Eliana Jimenez – SC

Meu beijo tem a fragrância
dos perfumes da amizade,
mas... dado assim à distância
tem mais sabor de saudade!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Quase seca...E a fonte insiste
em seu lamento de dor!
É o canto ficando triste
e a fonte jorrando amor!
Francisco Garcia – RN

Na beira do cais, um lenço,
flutua num vai-e-vem...
Ele diz adeus, eu penso,
com vontade de ir também.
Francisco Pessoa – CE
 

Olhando ao longe, o horizonte,
contemplo a rara beleza
e bendigo a meiga ponte
que me liga à natureza!
Gasparini Filho – SP

Sei que os motivos são poucos,
sei que as razões também são,
mas este amor nos faz loucos
e os loucos não têm razão!
Gerson César de Souza – PR

O meu amor é bonito,
é grande, imenso, sem fim.
É bem maior que o infinito,
mas cabe dentro de mim!
Gislaine Canales – RS

Nosso amor é uma certeza
dentro do meu coração;
e a luz da paixão, acesa,
apaga a luz da razão!
Istela Marina – PR

Um sorriso, uma indulgência,
um gesto ingênuo de adeus...
Por onde houver inocência
há um pedacinho de Deus...
JB Xavier – SP

Nesta imagem refletida
(tão bom se o espelho falasse...),
quanta história está contida
nos vincos da minha face!
Jeanette De Cnop – PR
 

Galgo nuvens montanhosas,
sou na vida um alpinista;
mesmo em trilhas perigosas,
busco os sonhos da conquista.
Jessé Nascimento – RJ

Falsidade deixa brecha
na roda-viva que invade.
Quando o círculo se fecha
escancara-se a verdade.
João B. Xavier Oliveira – SP

Poesia, vida, beleza,
bem-aventurança, dor,
felicidade, tristeza…
É isso e bem mais o amor.
João Costa – RJ

Faz muito bem para a gente
a luta do dia a dia:
– Cansa o corpo, mas à mente
dá redobrada energia.
Jorge Fregadolli – PR
 

Meu coração em pedaços
tinha um céu tão estrelado:
a esperança em teus abraços
e a brisa de apaixonado.
José Feldman – PR

Quando estou em meu terraço,
olhando os astros risonhos,
a Lua atravessa o espaço
puxando o carro dos sonhos.
José Lucas de Barros – RN

Se a vida pede uma pausa,
faça isso, por favor,
ou por amor a uma causa,
ou por causa de um amor!
José Ouverney – SP

Tento fugir da rotina,
conquistar um novo espaço...
mas, minha tristeza assina
seu nome, por onde eu passo...
José Valdez – SP
 

É a sorte um somatório
de bens, ventura, cifrões,
ou tão somente o ilusório
triunfo das ambições?
Lisete Johnson – RS
 

Do amor relembrando o encanto,
eu canto o amor que perdi...
Nos versos respingo o pranto,
num canto eu choro por ti...
Lucília Decarli – PR
 

Em cada nota eu receio,
na pauta que a vida escreve,
que transformem nosso enleio
numa simples semibreve...
Luiz Carlos Abritta – MG
 

O meu amor desmedido,
sem ter cais para ancorar,
parece um barco perdido...
longe da praia... a vagar...
Maria Lua – RJ

O pescador sai bem cedo,
bem antes de o sol raiar;
sai sempre alegre e sem medo,
cheio de sonhos no olhar...
Maria Luiza Walendowsky – SC

Não deixe as cartas que eu mando
sem respostas, por favor,
porque é bom, de vez em quando,
reler mentiras de amor!
Maria Nascimento – RJ

Passa longe um pensamento
e eu nem sei mais de onde vem,
se é tocado pelo vento
ou se é vento ele também
Mário Zamataro – PR

Vejo uma gota de orvalho
pairando sobre uma rosa:
de Deus, é mais um trabalho
para torná-la formosa.
Maurício Friedrich – PR

Paciência teve Jó
que tantas dores sofreu;
perdeu tudo, ficou só,
mas sua fé não morreu.
Mifori – SP

Meus filhos são meus amores,
e o meu amor é tão farto,
que eu não me lembro das dores
e muito menos do parto!
Neide Rocha Portugal – PR
 

Quem tem coração de paz
vive de culpa liberto,
porque faz do bem que faz
um céu de sol mais aberto!
Nilton Manoel – SP

Mantinhas longe o olhar,
e eu, tola, não percebi...
Mesmo dizendo me amar,
aos poucos eu te perdi.
Olga Agulhon – PR

Nada importa, na descida,
se não ocorrer desvio;
os deslizes da subida
é que mostram desafio...
Olga Maria Ferreira – RS
 

A paz está baseada
num conceito natural:
só pode ser alcançada
com justiça social.
Olympio Coutinho – MG

Trovador que espalha o sonho
que lhe mora n'alma inquieta
confessa ao mundo, risonho,
a bênção que é ser poeta!
Renato Alves – RJ

Pião que igual ninguém viu:
coração  girou... girou...
de tanto girar... dormiu
no peito que o encantou!
Roza de Oliveira – PR

No refúgio desmanchamos,
quando ficamos a sós,
esses nós que carregamos
no fundo de todos nós!
Selma Patti Spinelli – SP

Tua alma desperta em mim
tanta calma e tanto ardor,
que, se o amor não for assim,
eu mudo o nome do amor!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

No peito do Trovador
tudo é causa de alegria;
pinta o Sol com muito amor
na nuvem preta do dia! ...
Sônia Ditzel Martelo – PR

Ontem levei-te em meus braços
aos ardores da paixão!...
E hoje levo meus cansaços
à paz do teu coração.
Thalma Tavares – SP

À espera dos teus carinhos, 
junto a ti, quando me deito,
sinto o frio dos sozinhos
que dormem no mesmo leito!
Thereza Costa Val - MG

Tendo o amor por inquilino,
com coragem e artimanha,
meu coração é um menino
que ora bate... que ora apanha!
Therezinha Brisolla – SP

O valor da roça encerra
o beijo do sol ardente
que, fertilizando a terra,
sacia a fome da gente.
Vanda Alves – PR

Que este preceito se integre
ao meu simples dia a dia:
– Melhor do que estar alegre,
só mesmo dar alegria.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

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Nádia Battella Gotlib (A Literatura Feita por Mulheres no Brasil) Parte 1

 Este texto foi elaborado com base em pesquisa desenvolvida por ocasião da minha permanência em Oxford, de abril a junho de 1998, como Visiting Fellow, junto ao Centro Brasileiro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford e como Senior Assistant Member (SAM) junto ao St. Antony’s College, na mesma Universidade de Oxford.

Para aprender o meu nome.
Cecília Meireles

Até que me seja enfim revelado que a vida em mim não tem o meu nome.
Clarice Lispector
 
 Construir e desconstruir nomes ou sistemas de identidade feminina. Esta é uma via trilhada pelas mulheres que escrevem no Brasil. E pode ser um possível caminho para se ler a produção cultural literária feita por mulheres no Brasil.

NO NÚCLEO DA QUESTÃO

Sob tal perspectiva de leitura, Macabéa, a personagem do breve romance intitulado A hora da estrela, da escritora judia (russa/ucraniana) e brasileira (nordestina/carioca) Clarice Lispector[1], constitui um ponto-chave, pois encarna, no seu estado de miserabilidade da identidade pessoal e social, grande parte das mulheres no Brasil. Sem acesso a qualquer bem de produção, essa personagem nordestina parte do sertão de Alagoas para uma grande capital, a cidade do Rio de Janeiro, onde vive na mais completa miséria, sem ter acesso à cultura de bens materiais, intelectuais e afetivos. Não tem condição de construir uma história, já que, à margem dos trilhos que direcionam os acontecimentos, a personagem vive da cultura de sucata: sobras dispensadas pelos outros, os que têm. Por isso resta-lhe apenas, por exemplo, a beleza rosada de outra mulher, Marilyn Monroe, em foto recortada de página de revista velha que ela prega na parede do seu quarto sujo de pensão.

No entanto, vive em estado de pureza. Não tem noção nenhuma a respeito do mundo desumano que a cerca. E o que bem poderia ser, noutro contexto de obra, uma “má consciência”, é, neste romance, um estado de humanismo latente. Macabéa vive, incólume às perversidades do mundo, um estado de condição humana utópica, que desconcerta o leitor: é ao mesmo tempo (sem saber que estava sendo) um pouco cômica e trágica, mas, ao mesmo tempo, eficaz luz de consciência crítica.

Essa moça vive como milhões de outras moças pobres e anônimas da cidade grande. Até que é atropelada e morre. E justamente logo depois que a cartomante lhe anunciara, mentirosamente, a realização de um sonho – o casamento com um rico e belo rapaz alemão. O detalhe de construção da cena fica por conta da contundente ironia de Clarice Lispector: Macabéa é atropelada justamente por um Mercedes Benz…Nessa hora da morte, caída na sarjeta da rua, lugar simbólico, aliás, de onde nunca saiu, Macabéa tem seu único momento de brilho e glória: a morte. É a sua hora da estrela.

Como os macabeus -  de que, aliás, Clarice Lispector, como judia, descende – e tal como os nordestinos, que Clarice Lispector também de certa forma foi, pois na pobre região do nordeste brasileiro viveu toda a infância até a puberdade – Macabéa vive como imigrante, em permanente estado de exílio e, concomitantemente, em permanente estado de resistência contra forças adversas.

A autora Clarice Lispector e a personagem Macabéa encarnam uma situação típica de impasse da mulher brasileira. Encontram-se numa encruzilhada de opções diante do que um “destino de mulher” lhes confere e do que a prática de um determinado olhar feminista revê, seja da perspectiva ingênua e naturalmente humanizada, como em Macabéa, seja da perspectiva lucidamente desconstrutiva, como em Clarice, embora a autora tenha sempre negado tal procedimento como compromisso de vinculação política. De qualquer forma, ambas se encontram num momento crítico da história do contexto de vida da mulher no Brasil, promovido por preconceituosas e injustas desigualdades sociais, pela consideração das diferenças de sexo e pelas múltiplas implicações das questões de gênero, problematizadas no corpo mesmo da representação ou construção simbólica, sob a forma da metalinguagem em arte literária.

Pretende-se, neste texto, determinar alguns momentos mais significativos dessa história da literatura brasileira feita por mulheres, bem como da história dos estudos referentes à mulher no campo da literatura. A exposição parte da seleção de determinadas situações experimentadas pelas mulheres nesse percurso de construção e desconstrução de imagens de si, examinando-as na sua condição de personagens, na sua condição de narradoras e autoras e na sua condição de pesquisadoras e críticas da literatura.

A VISÃO DOS VIAJANTES
 

A condição de subordinação da mulher brasileira, numa sociedade patriarcal de passado colonial, tal como noutros países da América Latina colonizados por europeus, deixou as suas marcas. Talvez a mais evidente delas seja a do silêncio e a de uma ausência, notada tanto no cenário público da vida cultural literária, quanto no registro das histórias da nossa literatura.

Num dos artigos pioneiros no sentido de mapear as “Características da história da mulher no Brasil”, escrito por Maria Beatriz Nizza da Silva, a autora afirma: “não temos acesso direto ao discurso feminino senão tardiamente no século XIX e até então temos de nos contentar em conhecer os desejos, vontades, queixas ou decisões das mulheres através da linguagem formal dos documentos ou petições, manejada pelos homens. A linguagem masculina dos procuradores e advogados sobrepõe-se, deformando-a, a uma linguagem feminina original e inatingível.”[2]

Também os depoimentos de viajantes que estiveram no Brasil no século XIX registram a presença das mulheres que aqui viram – ou não conseguiram ver. Alguns destes textos, reunidos pela historiadora Miriam Moreira Leite, referem-se ao isolamento da mulher no meio doméstico, se mulher branca; e aos vários ofícios que exercia, se mulher negra. Realçam, em ambos os casos, pelo menos em início do século XIX, o baixo rendimento cultural, já que não tinham acesso à educação que lhes garantisse a leitura e a escrita.

É o que afirma, por exemplo, um dos viajantes, B. Debret: “Desde a chegada da Corte ao Brasil tudo se preparara, mas nada de positivo se fizera em prol da educação das jovens brasileiras. Esta, em 1815, se restringia, como antigamente, a recitar preces de cor e a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações. Somente o trabalho de agulha ocupava seus lazeres, pois os demais cuidados relativos ao lar são entregues sempre às escravas.”[3]

Pouco tempo antes, um comerciante inglês, John Luccock já observara que, entre as mulheres da classe alta e média, e especialmente as mais moças, “a ignorância entre elas predominava”, o que era estimulado, pois “não se desejava que escrevessem” para que não fizessem “um mau uso dessa arte”. Observa ainda que tais mulheres viviam “muito mais reclusas que em nossa própria terra.”[4]

E é o próprio Debret que nota mudanças a partir de 1820, quando a educação começou a tomar impulso de tal modo que “não é raro encontrar-se uma senhora capaz de manter uma correspondência em várias línguas e apreciar a leitura, como na Europa.”[5] Quanto às mulheres negras escravas, ocupavam-se do trabalho em âmbito doméstico ou em oficinas, sem receberem qualquer instrução, numa situação que haveria de se prolongar por muito tempo. Eram artesãs: faziam flores, rendas, roupas. Ou eram aguadeiras, quitandeiras, amas-de-leite. Conforme observa Ida Pfeiffer, em 1846, “são mantidos de propósito numa espécie de infância (…) pois o despertar desse povo oprimido poderia ser terrível” e então “a população branca poderia tomar o lugar que é hoje ocupado pelos infelizes negros”.[6]

A primeira legislação referente à educação feminina apareceu apenas em 1827, assegurando os estudos elementares. E o ingresso de mulheres em escola normal de São Paulo aconteceu apenas em 1876, embora desde os anos 40 essa escola recebesse alunos de sexo masculino.[7] Mesmo em meados do século XIX, portanto, a mulher permanece isolada de ambiente cultural. E permanece isolada até do convívio de pessoas na sua própria casa. O Conde de Suzannet, em viagem ao Brasil, no ano de 1845, observa que, se no Rio “as mulheres tomam parte da vida social”, “no interior, uma pessoa pode passar semanas inteiras sob um teto sem nem ao menos entrever a mulher e as filhas do dono da casa.”[8] Outras mulheres, caso recusassem casamento de conveniência com rapaz escolhido pela família, eram depositadas no convento, como o convento da Ajuda, e lá ficavam às vezes até à morte, conforme relata o viajante Thomas Ewbank, em 1846.[9]

Em 1865, o viajante Agassiz reitera: “o nível de ensino dado nas escolas femininas é pouquíssimo elevado”, pois se desenvolve dos sete ou oito aos treze ou quatorze anos, quando, então, são retiradas dos colégios e logo se casam. Embora tenha conhecido mulheres de “alta cultura”, considera que são exceções, pois, “efetivamente, nunca conversei com as senhoras brasileiras com quem mais de perto privei no Brasil sem delas receber as mais tristes confidências acerca de sua existência estreita e confinada.”[10] E complementa:

“Não há uma só mulher brasileira que, tendo refletido um pouco sobre o assunto, não se saiba condenada a uma vida de repressões e constrangimento. Não podem transpor a porta de sua casa, senão em determinadas condições, sem provocar escândalo. A educação que lhes dão, limitada a um conhecimento sofrível de Francês e Música, deixa-as na ignorância de uma multidão de questões gerais; o mundo dos livros lhes está fechado, pois é reduzido o número de obras portuguesas que lhes permitem ler, e menor ainda o das obras a seu alcance escritas em outras línguas. Pouca coisa sabem da história do seu país, quase nada da de outras nações, e nem parecem suspeitar que possa haver outro credo religioso além daquele que domina no Brasil(…) Em suma, além do círculo estreito da existência doméstica, nada existe para elas.”[11]

Portanto, o viajante ou não vê a mulher, ou a vê, mas naquilo que, para ela, não existe. Tal olhar, do que vem de fora, estranha e critica a reclusão social e a ignorância intelectual da mulher, ressaltando nela o seu não-estar (ausência no lugar social de prestígio) e o seu não-saber (falta de instrução). Assim sendo, o que efetivamente existia para a mulher, ou seja, o universo feminino que se desenrolava nesse espaço doméstico, para além da descrição da superfície dos gestos vistos como vitimizados, permanece intocado pelo olhar estrangeiro masculino.

 A VISÃO DA ESCRITORA E CRÍTICA LÚCIA MIGUEL PEREIRA

Na tentativa de analisar o contexto cultural da mulher brasileira de modo sistemático, a escritora brasileira Lúcia Miguel Pereira, que escreveu quatro romances problematizando a questão da mulher no Brasil no século XX e que foi também uma estudiosa e crítica da literatura[12], escreveu artigo publicado em 1954, intitulado “As mulheres na literatura brasileira”, em que descreve a condição feminina no Brasil[13].

Aí percorre vários textos que se referem ao papel da mulher na sociedade brasileira, tentando fazer no Brasil o que Virginia Woolf fizera trinta anos atrás na Inglaterra, com as  conferências de 1928, depois revistas e publicadas com o título de A room of one’s own[14]. A ficcionista e crítica, que lera e cita a Virginia Woolf da conferência dirigida para moças de um colégio inglês, procura nomes de escritoras brasileiras nos volumes de histórias da nossa literatura e recorre a algumas obras de escritores renomados para examinar como a mulher aparece aí representada.

Nas histórias de literatura brasileira, encontra poucos nomes. Sílvio Romero, na sua História da Literatura Brasileira, de 1882, mencionou apenas sete. E Sacramento Blake, no seu Dicionário bibliográfico editado em 1889, menciona 56. As referências poderiam se estender a outras histórias de literatura.

Além da ausência da mulher no registro, feito por homens, de produções literárias ao longo da história de nossa literatura, a pesquisadora detém-se em alguns exemplos de ausência da mulher no campo social das atividades artísticas, detectando preconceitos que norteiam o comportamento da mulher no Brasil.

Da obra Compêndio do Peregrino da América, escrita por Nuno Marques Pereira[15], de nacionalidade provavelmente portuguesa, a crítica cita trecho em que o narrador dá conselhos aos homens: que eles não permitam que mulheres “filhas, irmãs, parentas e pessoas honradas de sua obrigação, que estiverem debaixo de sua proteção, vão ver comédias nem semelhantes farsas (…)”, pois “sairão de tais funções distraídas e com pensamentos tão estragados que não se poderá reformar (tais pensamentos) em muitos dias”.[16] Aconselha também a proibição do teatro e da ‘poesia cantada’, como as modinhas de Domingos Caldas Barbosa, “porque grande força faz no sexo feminino”, o qual consegue “perverter e abrasar em um incêndio amoroso”.[17]

Embora reconheça exceções, o quadro geral da condição da mulher no século XVIII prolonga-se até o século XIX, que a escritora bem conhecia, enquanto leitora de Eça de Queiróz e de Machado de Assis; deste último, fez, aliás, renomada biografia.[18] Um agudo ceticismo aparece no comentário que a escritora faz referente às mulheres dos oitocentos.

“Dessas doces donzelinhas, ariscas e sonsas, das ácidas donzelas que, não encontrando marido, se agregavam a parentes, em suas casas vegetando quase como aias, dessas casadas tementes aos maridos ou sorrateiramente os traindo, dessas matriarcas decididas, não raro despóticas, compunha-se a sociedade real, e a que povoava a ficção”.[19]

E depois do romantismo e do realismo, já no final do século XIX, segundo ainda a mesma escritora, tudo parece mudar. Mas não muda. As mulheres tornam-se mais ousadas na valorização do amor físico, que substitui o amor sentimental, mas não há, aí, revolução. Esses casos, de Evas arrebatadas, são considerados mórbidos e excepcionais. Não se altera a estrutura da família, baseada na continência feminina.

Nos seus próprios romances, escritos nos anos 40 e 50 do século XX, a escritora problematiza a questão dos papéis sociais da mulher, detectando preconceitos e censuras, que causam frustrações e retrocessos no percurso das opções por comportamentos e atitudes a serem assumidas pela mulher numa sociedade fechada e altamente codificada. No entanto, a visão que tem a escritora ao acompanhar a história da mulher na literatura brasileira ao longo dos séculos – do século XVIII aos inícios do século XX – parece se pautar por uma crítica severa não dos mecanismos cerceadores, mas dos procedimentos adotados pela mulher imune a ações de uma prática de mudança. O discurso crítico parece crispado por um certo rancor, na denúncia impaciente dos tipos de mulheres oitocentistas que seguem, com disciplina, os papéis institucionalmente impostos e aceitos.

Faltaria, ainda, reconhecer uma outra linhagem de mulheres militantes dentro da literatura (como personagens ou como autoras) e da sociedade (na militância política através sobretudo do veículo jornalístico) que desenvolveram trabalho emancipatório preparador das condições que propiciariam, no século XX, a implementação e solidificação de um movimento que poderíamos chamar de estética feminista.
 
AS PRIMEIRAS ESCRITORAS: DE TEREZA MARGARIDA A NÍSIA FLORESTA

São do século XIX os primeiros textos escritos por mulheres brasileiras que têm alguma divulgação entre o público letrado. Até lá, nos tempos coloniais, a mulher nada escreve, ou escreve mas os textos não aparecem, ou aparecem como exceção, entre maioria quase absoluta de textos escritos por homens. A razão é simples: apenas os homens tinham acesso à educação formal, fornecida não em universidades – cuja criação em terras brasileiras foi proibida pelo reino português – mas em seminários de várias ordens religiosas.

Assim mesmo, nem todos podiam freqüentar os seminários. Em certos casos, lá estudavam desde que não fossem “pardos”. Poderiam também, sobretudo a partir da expulsão dos jesuítas, em 1759, receber as chamadas aulas régias, educação oficial com apoio do rei português, mas em “ensino escolar eloquente, retórico e imitativo – e, de resto, elitista e ornamental”, numa educação “voltada para a perpetuação de uma ordem patriarcal, estatumental e colonial”.[20] Havia, ainda, a possibilidade do autodidatismo, forma de educação não formal, em ambiente doméstico. E ainda em território doméstico, havia distribuição da matéria de acordo com o sexo. De modo geral, ao homem era de praxe se “ensinar a ler, a escrever e contar”, e à mulher, “a coser, lavar, a fazer rendas e todos os misteres femininos”[21], que incluía a reza. Se muitas mulheres, sobretudo irmãs “fêmeas” e sem dote, eram depositadas no convento, muitas também passaram a manter escolas no próprio espaço privado, aí ensinado leitura, música, corte e costura.[22]

No mais, aparecem nomes isolados de escritoras. É o caso de Tereza Margarida da Silva e Orta, filha de um português e uma brasileira, que viveu desde os cinco anos em Portugal. Escreveu obra de cunho moralista, intitulada Aventuras de Diófanes, considerada por alguns como o primeiro romance brasileiro, já que a escritora nasceu no Brasil, e, por outros, como obra portuguesa, já que a autora foi quando menina para Portugal e nunca mais voltou ao Brasil.

O livro, publicado em Portugal em 1752 e que teve outras edições, portuguesas e brasileiras, traduz o gosto clássico, sob a inspiração das Aventuras de Telêmaco, de Fénelon. Revela erudição da mulher que teve acesso à educação, iniciada em Portugal, junto às freiras do convento das Trinas, onde aprende, por exemplo, além do desenho e bordado, idiomas antigos e modernos, letras, história, música, astronomia, filosofia, teologia. E revela também dose de experiência de vida movimentada, de mulher corajosa que enfrenta certos preconceitos. A moça, contrariando a vontade da família, que, aliás, fez fortuna no Brasil, foge de casa para se unir ao jovem e pobre professor alemão. Por isso é deserdada, cabendo a fortuna do pai ao irmão, também escritor, Matias Aires da Silva de Eça, autor de Reflexões sobre a vaidade dos homens, publicado em Lisboa também em 1752. Com 12 filhos, fica viúva, em 1753. É perseguida pelos jesuítas, rebelando-se contra eles no texto Relação abreviada. Fica, no entanto, e por causas desconhecidas, presa durante sete anos, até a queda do Marquês de Pombal, quando morre D. José e sobe ao trono D. Maria I. Já livre da prisão, vive na pobreza, em casa de um cunhado, até morrer, em 1793.[23]

Tais circunstâncias de vida comprovam o contexto europeu em que a escritora se formou e escreveu. Entre o colonizador e o colonizado não existe ainda, praticamente, nenhum embate, pois o que a escritora parece carregar da terra é apenas, além da fortuna do pai, de quem, aliás, nada recebeu porque foi deserdada, a marca de uma nacionalidade em cinco anos de vida aparentemente diluídos na marcante experiência de vida europeia.

Num contexto de cultura colonial em que a fundação de universidades era proibida e em que o analfabetismo imperava, em que as tipografias passam a funcionar livremente apenas depois de 1808, quando a Família Real chega ao Brasil, os textos feitos por mulheres, se existiram, devem ter circulado oralmente: se assim foi, encontram-se na tradição da poesia e contos e cantos populares, território de cultura que merece ainda cuidadosa investigação. Outros textos por elas escritos fariam parte de um contexto de cultura bem específico: o espaço doméstico registrado nos livros de receitas, diários, cartas, simples anotações, orações, pensamentos, lista de deveres e obrigações, que também, efêmeros, quase na sua grande maioria, desapareceram. Quanto aos textos de caráter mais artístico, constituiriam exceção. E são poucas as exceções. Uma delas refere-se aos textos escritos por Nísia Floresta Brasileira Augusta, considerada a primeira feminista brasileira.

Nascida no Rio Grande do Norte, no nordeste, em 1810, a menina Dionísia Gonçalves Pinto[24] logo passa por uma primeira e malfadada experiência de casamento, aos 13 anos de idade. Mora também em Recife, onde o pai é assassinado, e onde se casa novamente, com um acadêmico liberal. Recife era, nesta fase de Independência em relação ao trono português, grande centro de comércio açucareiro e também palco de sucessivas rebeliões que incentivavam a imprensa para a divulgação das propostas liberais. E foi lá que a então jovem escritora iniciou uma militância política e jornalística, de caráter republicano, favorável à liberação dos escravos e à luta pelos direitos da mulher.

Um dos seus mais importantes trabalhos é uma adaptação do livro da inglesa Mary Wollstonecraft (ou Mistriss Godwin), o livro Vindication of the rights of woman, que intitulou Direito das mulheres e injustiça dos homens, publicado em 1832, que assina já como Nísia Floresta Brasileira Augusta.[25] Segundo Constância Lima Duarte, a autora faz uma “tradução livre”, adaptando o texto às circunstâncias da realidade brasileira, tendo como resultado “o texto fundante do feminismo brasileiro”. Afirma a crítica:

“Nísia não realiza, propriamente, uma tradução do texto da feminista. Ela realiza, sim, um outro texto, o seu texto sobre os direitos das mulheres. Mary Wollstonecraft lhe dá a motivação ao colocar em letra impressa questões pertinentes à mulher inglesa, voltadas naturalmente para o público de seu país. Nísia como que realiza uma “antropofagia libertária”. E poderíamos ainda acrescentar: não como opção, mas até como fatalidade histórica. Na deglutição geral das ideias estrangeiras, era praxe promover-se uma acomodação de tais ideias ao cenário nacional. É o que ela faz. Assimila as concepções de Mary Wollstonecraft e devolve um outro produto, pessoal (…) extraído da própria experiência (…)”.[26]

Assim sendo, há pontos em comum: “tanto na denúncia da mulher como classe oprimida como na reivindicação de uma sociedade mais justa, em que ela seja respeitada e tenha os mesmos direitos. Também são pontos comuns as denúncias da superioridade feminina apoiada na força física, a educação como o meio eficaz de promoção feminina e o aparato filosófico de feição iluminista. No mais, os textos se distanciam tomando cada qual o seu rumo, segundo as motivações das autoras, o público a que se destinavam e as peculiaridades da condição feminina num e noutro lugar”.[27]

A escritora inglesa menciona a necessária “revolução”, incluindo a exigência de uma independência econômica, mais tarde configurada no “quarto próprio” da também inglesa Virginia Woolf. Já a brasileira reivindica direitos para mostrar que as mulheres têm também grandeza de alma e que o sexo feminino “não é tão desprezível quanto os homens querem fazer crer”.[28] Conforme explicita Constância Lima Duarte, esta separação entre educação e emancipação marca a posição ambígua da mulher brasileira, posição, aliás, que teria continuidade no final do século XIX e até nos inícios do século XX: a mulher admite e empreende o movimento de luta pela educação sem admitir mudança nos papéis sociais tradicionais da mulher enquanto “mãe” e “rainha do lar”.[29]

A “tradução livre” da obra da escritora inglesa não é atitude isolada e inconsequente. Pelo contrário, faz parte de uma longa carreira dedicada às letras e à educação da mulher. Depois de morar no sul do país, em Porto Alegre, onde fica viúva, a escritora muda-se, com suas duas filhas, para o Rio de Janeiro, onde funda uma escola que mantém durante dezessete anos e que foi severamente criticada por suas propostas educacionais avançadas. E dá continuidade à sua produção literária, reunindo objetivos pedagógicos, moralistas e ficcionais. Com tal intenção, publicou Conselhos à minha filha, em 1842, que teve muitas edições, e Fany ou O modelo das donzelas, de 1847. Escreveu também um poema indianista, A lágrima de um caeté, em 1849, baseado na luta entre brancos e índios que gerou a Revolução Praieira, em Pernambuco, em fevereiro de 1849, e em que, contrariando o estereótipo do bom selvagem, retrata o índio dividido e potencialmente rebelde.

No início de 1850, já na França, frequenta os cursos e conferências pronunciadas pelos positivistas, incluindo aí Auguste Comte. Volta ao Brasil em 1852 e, no ano seguinte, são publicados artigos sobre educação feminina, o Opúsculo Humanitário, no Rio de Janeiro.[30] Para a autora, a educação vincula-se ainda a um projeto de realização pessoal da mulher no universo familiar e doméstico. Mas anuncia também propostas avançadas para a época: a educação deveria ser dirigida a todas as mulheres, incluindo aí as pobres, como meio de livrá-las da miséria, proclamando a necessidade, por si só já revolucionária, de “que todas sejam bem educadas em suas respectivas situações”.[31]

Em 1856 viaja novamente para a Europa e aproxima-se de Auguste Comte, com quem mantém correspondência que traduz a amizade existente entre os dois. Publica ainda tanto o relato de suas viagens pela Alemanha, Itália e Grécia, quanto proclama, em visão ufanista e saudosa, as belezas da cidade do Rio de Janeiro (“Passeio ao Aqueduto da Carioca”), ou as belezas das cidades de Recife e Olinda (“O Brasil”), este último, numa primeira edição italiana, em Florença, com mais um ensaio sobre “A Mulher” e mais três textos, num volume intitulado Cintilações de uma alma brasileira, recentemente editado em português.[32] Volta ao Brasil no decorrer da década de 70. Mas permanece na Europa até morrer, com 76 anos, em 1885.[33]

A obra de Nísia Floresta, de variado assunto e gênero, mostra sensibilidade e lucidez ao abordar não só a beleza da terra brasileira e de tantos países europeus, mas a rebeldia do índio, a educação da mulher e a luta pelos seus direitos, mantendo um fio de coerência intelectual e demarcando, assim, um território preciso e seu, no espaço de construção da mulher brasileira a caminho da sua emancipação cultural.
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Notas

[1] O romance A hora da estrela, de Clarice Lispector, foi publicado em 1977, ano da morte da escritora, que ocorreu em dezembro desse ano.

Clarice Lispector nasceu em Tchechelnik (Ucrânia), em 1920, quando viajava para o Brasil, onde viveu durante dois anos na cidade de Maceió, no estado de Alagoas, e em seguida, até os seus 12 anos, na cidade de Recife, capital do estado do Pernambuco. As duas cidades estão situadas no nordeste do Brasil, região muito pobre sobretudo no interior (sertão), em que a miséria se agrava devido a longos períodos de seca. (Cf.: Nádia Battella Gotlib, Clarice, uma vida que se conta. São Paulo, Ática, 1995.)

[2] Maria Beatriz Nizza da Silva, “Características da História da Mulher no Brasil”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, 17:75-91, 1987, p. 87. Trata-se de trabalho pioneiro no sentido de se tentar um mapeamento dos estudos referentes à ‘história das mulheres’ no Brasil na área das ciências sociais.

[3] Miriam Moreira Leite (org.), A condição feminina no Rio de Janeiro. Século XIX. São Paulo, Hucitec/INL, 1984, p. 68.

[4] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob. cit., p.68.

[5] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob. cit., p.69.

[6] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob. cit., p.71.

[7] June E. Hahmer, A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas (1850-1937). São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 33.

[8] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob.cit., p. 43.

[9] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob. cit., p. 63-65.

[10] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob. cit., p.74.

[11] Apud Miriam Moreira Leite (org.), ob. cit., p.74-75.

[12] Os romances publicados por Lúcia Miguel Pereira (1903-1959) são: Maria Luíza, 1933; Em surdina, 1933 (reeditado em 1949); Amanhecer, 1938; Cabra-Cega, 1954. Além desses romances, escreveu também livros de literatura infantil.

[13] Lúcia Miguel Pereira, “As mulheres na literatura brasileira”. Anhembi. Rio de Janeiro, Ano V, vol. XVII, n. 49, dez./54, p.19.

[14] O livro de Virginia Woolf foi traduzido para o português em edição brasileira com o título de Um teto todo seu (Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, ed. Nova Fronteira, 1985).

[15] Nuno Marques Pereira (1652-1731?) publica o seu Compêndio do Peregrino da América em 1728, contando as aventuras de um peregrino que parte pelo sertão brasileiro para converter ao bom caminho moral e religioso, os ambiciosos exploradores de minas, bem como outras pessoas que o peregrino ia encontrando pelo seu caminho.

[16] Domingos Caldas Barbosa (Rio de Janeiro, c.1740 - Lisboa 1800), mestiço, músico, tocador e cantador de viola, compunha e acompanhava modinhas e lunduns. Foi fundador da Nova Arcádia, academia para cultivo da poesia e da oratória. Escreveu, com pseudônimo de Lereno, uma obra intitulada Viola de Lereno, que teve um primeiro volume publicado em 1798 e um segundo, em 1826. Segundo Antonio Candido, “seus versinhos são interessantes, pela candura e amor com que falam das coisas e sentimentos da pátria, definindo de modo explícito os traços afetivos correntemente associados ao brasileiro na psicologia popular: dengue, negaceio, quebranto, derretimento”(Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. 5.ed., Belo Horizonte/Itatiaia, São Paulo/Edusp, 1975, tomo I, p. 155). Introduziu a modinha brasileira nos salões de Lisboa, onde cantava seus versos acompanhando-os com viola.

[17] Lúcia Miguel Pereira, ob. cit., p. 20.

[18] Lúcia Miguel Pereira escreveu duas biografias: Machado de Assis, publicada em 1936, com várias reedições; e A Vida de Gonçalves Dias, publicada em 1943. Publicou também uma História da Literatura Brasileira:  Prosa de ficção, de 1870 a 1920, em 1950.

[19] Lúcia Miguel Pereira, ob. cit., p. 22.

[20] Cf. Luiz Carlos Villalta, “O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura”. História da vida privada no Brasil, v. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p.331-385.

[21] Cf. Luiz Carlos Villalta, ob.cit., p.351.

[22] Mary Del Priore, “Ritos da vida privada”. História da vida privada no Brasil, v. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 275-330.

[23] Para bibliografia referente à atividade literária de Teresa Margarida da Silva e Orta, ver: Nelly Novaes Coelho, “A imagem da mulher no século XVIII: Aventuras de Diófanes, de Teresa Margarida”. Revista da Biblioteca Mário de Andrade, n. 35 (“Imagens da mulher”), jan.-dez. 1995, p. 25-36.

[24] Nasceu a 12 de outubro de 1910, no sítio Floresta, perto de Papari (estado de Alagoas). Cf. Constância Lima Duarte, Nísia Floresta. Vida e obra. Natal, UFRN Editora Universitária, 1995, p.16.

[25]Nísia Floresta Brasileira Augusta, Direitos das mulheres e injustiça dos homens. (Tradução livre do original Vindication of the rights of woman, de Mary Wollstonecraft). Introdução, notas e posfácio: Constância Lima Duarte. São Paulo, Cortez, 1989.

[26] Constância Lima Duarte, “Nos primórdios do feminismo brasileiro”. Em: Nísia Floresta Brasileira Augusta, Direitos das mulheres e injustiça dos homens. (Tradução livre do original Vindication of the rights of woman, de Mary Wollstonecraft).Introdução, notas e posfácio: Constância Lima Duarte. São Paulo, Cortez, 1989, p.107-108.

[27] Constância Lima Duarte, ob. cit., p.108.

[28] Constância Lima Duarte, ob. cit., p.121.

[29] Cf. Maria Thereza Caiuby Crescenti Bernardes, Mulheres de ontem? Rio de Janeiro, Século XIX. São Paulo, T. A. Queiroz editor, 1989.

[30] Nísia Floresta Brasileira Augusta, Opúsculo Humanitário. Introdução e notas: Peggy Sharpe-Valadares. São Paulo/Cortez, Brasília/INEP, 1989.

[31] Nísia Floresta Brasileira Augusta, ob. cit., p. 65.

[32] O ensaio “A Mulher” foi traduzido para o inglês pela filha de Nísia Floresta e publicado com o título “Woman”, em Londres, em 1865, por G. Parker, Little St. Andrew Street, Upper, St. Martin Lane. (Cf. Constância Lima Duarte, “Introdução”, em: Nísia Floresta Brasileira Augusta, Cintilações de uma alma brasileira, Trad. de Michele A Vartulli, Florianópolis, Editora Mulheres-Editora da Unisc, 1997, p. XIX.).

A Editora Mulheres, responsável por esta publicação, tem reeditado outros textos escritos por mulheres, privilegiando as escritoras brasileiras do século XIX (é o caso do romance Lésbia, por  Maria Benedita Borman ou Délia, de 1890; e do volumeMulheres Illustres do Brazil, de D. Ignez Sabino, de 1899) e início do século XX (é o caso de A Silveirinha, romance de Júlia Lopes de Almeida, de 1914, por exemplo). A editora tem no prelo uma Antologia de escritoras brasileiras do século XIX, organizada por Zahidé L. Muzart. Também com esta finalidade, o Instituto Nacional do Livro iniciou em 1987 uma coleção intitulada “Resgate”, que publicou, por exemplo, em co-edição com a Presença edições, Correio da roça, de Júlia Lopes de Almeida, romance epistolar de 1913, e Voleta, romance de Albertina Berta, de 1926.

[33] Ver: Constância Lima Duarte, Nísia Floresta. Vida e Obra. Natal, UFRN Editora Universitária, 1995.


Fonte:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_Nadia_Gotlib.htm  em 19/02/2012