domingo, 29 de novembro de 2015

Isabel Furini



Isabel Furini, de nacionalidade argentina, radicada em Curitiba/PR, educadora e escritora, escreve poemas desde criança, já foi premiada em alguns concursos. 
Orienta oficinas literárias desde 1999, dessas oficinas surgiram vários livros, o mais recente é "Escrevendo crônicas - Dicas e Truques", da Editora Instituto Memória. No livro foram inseridos textos de alguns alunos, além de crônicas de profissionais da área jornalística. 
Publicou vários livros, entre eles a Coleção "A Corujinha e os Filósofos" da Editora Bolsa Nacional do Livro; Quero ser escritor – Livro 1: Crônicas; Os Corvos de Van Gogh (poemas); Passageiros do espelho (contos de diversos autores), organizadora.  Em 2007 redigiu a obra SENAC PARANÁ, 60 ANOS.

sábado, 28 de novembro de 2015

Contos Populares do Tibete (A Criação)

No princípio era a Vacuidade¹, um imenso vazio sem causa e sem fim. Deste grande vazio, levantaram-se suaves redemoinhos de ar, que, depois de incontáveis eons, tornaram-se mais densos e pesados, e formaram o poderoso cetro duplo do raio — o Dorje Gyatram².

O Dorje Gyatram criou as nuvens; estas, por sua vez, criaram a chuva. A chuva caiu durante muitos anos, até formar o oceano primogênio, o Gyatso.3 Depois, tudo ficou calmo, tranqüilo e silencioso, e o oceano ficou límpido como um espelho.

Pouco a pouco, os ventos voltaram a soprar, agitando suavemente as águas do oceano, batendo-as continuamente, até que uma leve espuma apareceu na sua superfície. Assim como se bate a nata para fazer manteiga do mesmo modo as águas do Gyatso foram batidas pelo movimento rítmico dos ventos para transformá-las em terra.

A terra emergiu como uma montanha, e ao redor de seus picos o vento sussurrava incansável, formando uma nuvem atrás da outra. Das nuvens caiu mais chuva, mas, desta vez, mais forte ainda e carregada de sal; daí se originaram os grandes oceanos do universo.

O centro do universo é o Rirap Lhunpo (Sumeru),4 a grande montanha de quatro caras, feita de pedras preciosas e cheia de coisas maravilhosas. Existe rios e arroios no Rirap Lhunpo, e muitas espécies de árvores, frutos e plantas, pois o Rirap Lhunpo é especial: é a morada dos deuses e dos semi-deuses.

Rodeando o Rirap Lhunpo, há um grande lago, e, em volta deste, um círculo de montanhas de ouro. Depois do círculo de montanhas de ouro, existe outro lago, também cercado de montanhas de ouro, e, assim, sucessivamente, até se completarem lagos e sete círculos de montanhas de ouro.5 E, mais além do último círculo de montanhas, está o lago Chi Cyatso.

No Chi Cyatso se encontram os quatro mundos, cada um deles semelhante a uma ilha, com sua forma particular e seus diferentes habitantes.

O mundo do Este é o Lu Phak, que tem a forma de meia-lua. As pessoas do Lu Phak vivem quinhentos anos e são pacíficas; não há contendas no Lu Phak. Seus habitantes têm corpos gigantescos e caras em forma de meia-lua. Entretanto, não são tão felizes como nós, pois não têm nenhuma religião para poder seguir.

O mundo do Oeste se chama Balang Cho e sua forma é a do sol. As pessoas do Balang Cho são, como as do Lu Phak, de grande estatura e vivem quinhentos anos. Suas caras têm também a forma do sol. Dedicam-se à criação de diversas espécies de gado.

A terra do Norte tem a forma quadrada e se chama Dra Mi Nyen. As pessoas de Dra Mi Nyen são de caras quadradas e vivem mil anos ou mais. Em Dra Mi Nyen, a comida e a riqueza são abundantes. Tudo o que um homem necessita nos seus mil anos de vida é obtido sem esforço ou padecimento. Vivem com luxo, sem precisar de nada. Mas, durante os sete últimos dias de sua vida, a dor e o tormento anímicos acometem os seres de Dra Mi Nyen; e é, então, que recebeu um sinal de que estão para morrer. Visita-os uma voz — uma voz terrível — que lhes sussurra como vão morrer e que monstruosos sofrimentos terão de suportar nos infernos, depois da morte. Em seus últimos sete dias de vida, todas as suas riquezas e posses diminuem, e eles experimentam um sofrimento maior do que o nosso numa vida inteira. Dra Mi Nyen é conhecida como a "Terra da Voz Pavorosa".

O nosso próprio mundo fica ao sul e se chama Dzambu Ling.6 No começo, ele foi habitado por deuses de Rirap Lhunpo. Não havia dor nem enfermidades, e os deuses nunca necessitavam de comida. Viviam a contento, passando seus dias em profunda meditação. Não havia necessidade de luz em Dzambu Ling, pois os deuses emitiam uma luz pura de seus próprios corpos.

Certo dia, porém, um dos deuses reparou que na superfície da terra havia uma substância cremosa; provando-a, sentiu que era deliciosa ao paladar; por isso, animou os outros deuses a que a experimentassem também. Todos os deuses gostaram tanto da substância cremosa, que não quiseram mais saber de comer outra coisa. Sucedeu, porém, que quanto mais comiam, mais se reduziam os seus poderes. E já não foram mais capazes de permanecer sentados em profunda meditação. A luz, que antes brotava resplandecente de seus corpos, começou, a pouco, a se extinguir, até que, por fim, desapareceu por completo. O mundo ficou submerso em trevas e os grandes deuses do Rirap Lhunpo se converteram em seres humanos.

Foi, então, que, na escuridão da noite, apareceu, no céu, o sol. E, quando o sol se apagava, a lua e as estrelas iluminavam o céu e davam luz ao mundo. O sol, a lua e as estrelas surgiram devido às boas ações passadas dos deuses, e são, para nós, a lembrança permanente de que o nosso mundo foi, um dia, um lugar lindo e tranqüilo, sem cobiças, sofrimentos e dor.

Quando o povo de Dzambu Ling esgotou a provisão da substância cremosa, começou a comer os frutos da planta nyugu. Cada um tinha a sua própria planta, que produzia um fruto semelhante ao das messes. E todo dia, quando o fruto já havia sido comido, aparecia outro — um por dia — e isto bastava para satisfazer a fome dos seres de Dzambu Ling.

Certa manhã, um homem despertou e descobriu que a sua planta, em vez de produzir um único fruto, havia dado dois. Tomado de avidez, o homem comeu os dois frutos. No dia seguinte, porém, a sua planta estava vazia. Necessitando satisfazer a fome, o homem roubou o fruto da planta de outro homem; e assim foram fazendo todos, pois um teve que roubar o outro para poder comer. Com o roubo, chegou a cobiça, e todos, temendo não ter o que comer, começaram a cultivar mais e mais plantas nyugu. Com isso, tiveram de trabalhar cada vez mais, a fim de se assegurarem de que haveria o suficiente para comer.

Coisas estranhas começaram a ocorrer em Dzambu Ling. O que antes havia sido uma tranqüila morada de deuses do Rirap Lhunpo, estava agora cheio de homens que conheciam o roubo e a cobiça. Um dia houve em que um homem começou a sentir certo mal-estar nos órgãos genitais e, por isso, os cortou: converteu-se, assim, numa mulher. Essa mulher manteve contato com homens e logo teve filhos, os quais, por sua vez tiveram mais filhos. Em pouco tempo, Dzambu se encheu de gente, e essa gente teve que se procurar comida e um lugar para viver.

Juntas, as pessoas de Dzambu Ling não conseguiam viver em paz. Havia brigas e roubos, e os homens do nosso mundo começaram e experimentar um sofrimento autêntico profundo, que nascia do estado de insatisfação em que se encontravam. O povo percebeu que, para sobreviver, tinha que se organizar. Todos se reuniram e decidiram eleger um chefe, a quem chamaram de Mang Kur — que significa "muita gente o tornou rei". Mang Kur ensinou o povo a viver numa relativa harmonia, com uma terra própria onde construir uma casa e cultivar alimentos.

E assim foi como o nosso mundo veio a existir: como, de deuses, nos convertemos em seres humanos, sujeitos à enfermidade, à velhice e à morte.7 Quando contemplamos o céu, de noite, ou recebemos o cálido brilho do sol, deveríamos recordar que, se não fossem as boas ações dos deuses da preciosa montanha de Rirap Lhunpo, viveríamos numa total escuridão; e, se não fosse a cobiça de uma pessoa, nosso mundo não conheceria o sofrimento que hoje experimenta.
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Notas

1. Sünyatâ, em sânscrito, e stong-pa-nyd, em tibetano. Noção capita! da doutrina budista, que concebe o Princípio supremo, a Realidade última, não de modo objetivo, a partir de seus reflexos na manifestação (porque estes reflexos incluem também, embora por desvio, o nosso pensamento e o nosso ego, que são precisamente os escolhos a serem transpostos); mas, de modo subjetivo, a partir da experiência dessa Realidade no interior de nós mesmos. Assim, a Realidade última se identifica com esse mistério de infinitude que se descobre no íntimo das coisas, com esse mar de bem-aventurança onde a sede (trhnâ) de existir se aplaca definitivamente; e que, ao permitir a saída da falsa plenitude da existência, se mostra como um "vazio" (sânya). Partindo do ensinamento inicial da não-permanência das coisas, e de sua ausência de realidade própria (anâtman; páli, anattâ), chegou-se, na metafísica do Mahâyâna, a este postulado essencial da "Vacuidade", como fundamento de tudo o que existe, postulado que constitui um dos dois pólos desta forma de budismo, sendo o outro o da compaixão (karunâ) do bodhisattva em relação a todos os seres.
Esta doutrina foi formalizada por Nâgârjuna, no século II, e constitui o sistema chamado "Do caminho médio" (Mâdhyamika), ou, também, Sünyavâda, em virtude do seu princípio básico.

2. O vajra duplo (visva-vajra, também chamado karma-vajra) é, como a svastika, um símbolo da ação do Princípio com respeito ao mundo manifesto. Está formado pela união de dois vajra-s dispostos em cruz.

No budismo mahâyâna, que, de acordo com a sua perspectiva, "inverte", poderíamos dizer, a orientação, o vajra duplo é o emblema do Dhyâni Buddha Amoghasiddhi; este expressa a plenitude e a realização completa do caminho do bodhisativa, e é, igualmente, o Senhor do elemento "ar" ou "vento" (vâyu), o qual não é senão o "spiritus" que "adejava sobre a superfície das águas" no Gênesis.

3. Poderíamos assinalar, a título de informação, que esta palavra tibetana Gyatso (rGya-mtsho), que significa grande oceano, serve de apelativo para o que, no Ocidente, é conhecido como Dalai Lama, pois "Dalai" não é senão uma forma inglesada do mongol "tale", que significa a mesma coisa. Assim, pois, o nome do atual Dalai Lama é, em tibetano, Tenzin Gyatso (Bstan-dzin-rgymtsho).

4. É o monte Mêru da tradição hindu, a montanha "polar", o eixo do mundo, o ponto fixo ao redor do qual se efetua a rotação do mundo. Como centro do mundo, corresponde ao Paraíso terrestre do atual ciclo da humanidade (Manyantara).

Identifica-se com o monte Kailas (Kailâsa), em tibetano Gang Tisé, situado no Tibete ocidental e centro de peregrinações, tanto para os hindus como para os budistas.

5. São igualmente os sete dyípas da tradição hindu, que emergem sucessivamente no transcurso de determinados períodos cíclicos, tendo todos por centro o monte Mêru.

6. O Jambu dyípa da tradição hindu. Identificado popularmente com a índia, por estar esta, geograficamente, justo ao sul do monte Kailas, corresponde, na verdade, ao nosso mundo terreno, em seu conjunto e em seu estado atual.

7. É praticamente a mesma explicação das origens do homem e da sua queda que oferece um texto budista páli — o Agganna-Sutta —, cuja síntese, de Frithjof Schuon (lmages de VEsprit, Paris, 1982, pp. 102-103. n. 48), consideramos interessante citar: "A materializaçao progressiva do homem e do seu contorno se deve ao fato de que os homens primordiais e "pré-materiais" — que brilhavam como astros com luz própria, moviam-se nos ares e alimentavam-se de Beatitude — se puseram a comer a terra, quando a superfície terrestre emergiu das águas. Esta terra primordial era colorida, perfumada e doce, mas os homens, alimentando-se dela, perderam sua irradiação; foi, então, que apareceram o sol e a lua, o dia e a noite... Mais tarde, a terra deixou de ser comestível e se limitou apenas a produzir plantas comestíveis. E, mais tarde ainda, somente se pôde comer um número reduzido de vegetais. Daí ter tido o homem de se alimentar a preço de duras fadigas. As paixões e os vícios, e, com eles, as adversidades, haviam entrado, progressivamente, no mundo".

E o mesmo autor menciona, em outro lugar (Tour d'horizon d'anthropologie intégrale, "Connaissance des Religions", vol. l/n." 4, Mars 1.986, p. 159): "O homem original não foi um ser simiesco, quase incapaz de falar e de se manter em pé. Foi um ser quase imaterial, encerrado numa aura ainda celeste, mas colocada na terra, e que se parecia à 'carroça de fogo' de Elias e à nuvem que envolveu a Cristo em sua ascensão."

Enquanto respire um único ser vivo,
onde quer que ele esteja,
aí, compadecido,
o Buda aparecerá,
encarnado.


Fonte:
Jayang Rinpoche. Contos Populares do Tibete. (Tradução: Lenis E. Gemignani de Almeida).

Olympio Coutinho (Trovas)

1.
Alegria em plenitude
cultiva dentro do peito
quem dá valor à virtude
e menospreza o defeito.
2.
A "meia-noite", querida,
relembra pra todos nós
os instantes desta vida
que não ficamos a sós.
3.
As margaridas florindo
sob este céu cor de anil...
É a primavera surgindo
por todo nosso Brasil.
4.
As tristezas não me tocam,
as crises... busco vencê-las;
quando os planetas se chocam
do choque nascem estrelas.
5.
Belo ocaso e o sol formata
com um mar da cor de anil
uma tela que retrata
a bandeira do Brasil.
6.
Braços de todas as cores
traduzindo integração;
qual jardim de muitas flores
plantadas no coração.
7.
Buscando alcançar o céu,
entre as nuvens eu me ponho;
sigo assim, vivendo ao léu,
pela estrada do meu sonho.
8.
Capa de livro bem feita,
esta foto me extasia:
mostra, de forma perfeita,
abraço em prosa e poesia.
9.
Campo de terra e o menino,
com pés descalços no chão,
tem um sonho clandestino:
ser um dia um campeão.
10.
Corações são assoprados
para outro mundo, virtual...
Será que estamos frustrados
com nosso mundo real?
11.
Cultive a fraternidade,
como quem cultiva a terra;
quem planta grãos de amizade
não colhe os frutos da guerra.
12.
Da vida, na falsidade,
nossos olhos têm magia;
ninguém encobre a verdade,
pois o olhar a denuncia.
13.
Eu não tenho o que queria,
mas sou feliz mesmo assim;
faço a minha terapia
na mesa do botequim.
14.
Feliz de quem não permite
que o domínio da razão
seja mais forte e limite
o que sente o coração.
15.
Juventude, o procurar
permanente de viver;
enquanto a busca durar
ninguém vai envelhecer.
16.
Não fuja dos seus caminhos,
nem busque atalhos a esmo;
quem tem medo dos espinhos
não acha a flor em si mesmo.
17.
Neste teatro, que é a vida
(e a vida é uma somente),
prefiro o palco, querida,
do que ser mero assistente.
18.
O barquinho vai zarpar...
E me lembro, entristecida,
que por ter medo de amar
perdi o barco da vida.
19.
Olho os guris abraçados
e o meu pesar é profundo;
sei que serão separados
pela aspereza do mundo.
20.
Pelo amor abandonado,
hoje sou, na realidade,
velho navio ancorado
no triste cais da saudade.
21.
Pipa empinada e o menino,
saudando a força do vento,
curte o prazer repentino
de ser livre em movimento.
22.
Por mais que esta vida o açoite
prossiga na caminhada;
depois do negror da noite
sempre desponta a alvorada.
23.
Qual duas taças de vinho
em perfeita simetria;
que seja assim o caminho
do nosso amor, que inebria.
24.
Quisera, no trem da vida,
percorrer o meu caminho
em passarela florida
de paz, amor e carinho.
25.
Se em sua rota há procelas
não ponha a culpa no vento;
cuide do ajuste das velas,
ponha o barco em movimento.
26.
Se os erros lhe causam dor
não busque culpas a esmo:
tente, com vontade e amor,
reconstrução de si mesmo.
27.
Se tem que lutar não pense
em procurar um abrigo;
uma luta não se vence
se escondendo do inimigo.
28.
Simbolizam essas mãos
que buscam erguer a Terra
um movimento de irmãos
pela paz e contra a guerra.
29.
Sorria a todo momento
por pior que esteja a vida...
Quem sorri no sofrimento
torna a dor mais dividida.
30.
Tenho ciúmes da lua,
ciúmes loucos, meu bem,
pois passeia em tua rua...
e no teu corpo também.
31.
Viagens, sonhos, crianças,
cenas que nós já vivemos;
são retratos de lembranças
que nunca mais esquecemos.
32.
Viver não é passatempo,
pois um paradoxo encerra:
– a gente é que mata o tempo,
e o tempo é que nos enterra.