domingo, 14 de agosto de 2016

Lenda Inca (Viracocha e a Chegada dos Incas)

Os nativos destas terras afirmam que, no início, e antes que deste mundo ser criado, havia um ser chamado Viracocha . Ele criou um mundo escuro, sem sol, lua ou estrelas . Devido a esta criação foi nomeado Viracocha Pachayachachi, que significa "Criador de todas as coisas". E quando ele criou o mundo , ele formou uma raça de gigantes de grandeza desproporcional pintados e esculpidos, para verificar se ele fiaria bem fazer os homens reais daquele tamanho. Ele, então, criou o homem à sua semelhança como são agora, e viveram na escuridão.

Viracocha ordenou que estas pessoas que vivessem sem brigas, e que eles deveriam conhecê-lo e servi-lo. Ele deu-lhes certas regras que eles precisavam observar sob pena de serem confundidos se eles as quebrassem. Mantiveram esses preceitos, por algum tempo, mas não foi mencionado o que eram. Mas, como surgiu entre eles os vícios do orgulho e da cobiça, eles transgrediram o preceito de Viracocha Pachayachachi e caíram, através deste pecado, vítimas de sua fúrias, ele confundiu todos e os amaldiçoou . Em seguida, alguns foram transformados em pedras, outros em outras coisas, alguns foram engolidos pela terra, outros pelo mar, e sobre tudo , veio uma inundação geral que eles chamaram unu pachacuti, que significa “água que engole a terra” Dizem que choveu 60 dias e noites  que se afogaram todas as criaturas da criação, e que só permaneceu alguns vestígios daqueles que foram transformadas em pedras, como um memorial do evento, e como exemplo para a posteridade, os edifícios de Pucara , que estão a 60 léguas de Cuzco.

Algumas das nações, além da Cuzcos, também dizem que alguns foram salvos desta inundação para deixar descendentes para uma época futura . Cada nação tem sua fábula especial que é contada por seu povo, de como os seus primeiros antepassados ??foram salvos das águas do dilúvio. Que as ideias que criaram em sua cegueira podem ser entendidas, vou apresentar apenas uma, contada pela nação dos Cañaris, uma terra de Quito e Tumibamba, a 400 léguas de Cuzco e muito mais.

Dizem que na época do dilúvio chamado unu pachacuti havia uma montanha chamada Guasano na província de Quito e perto de uma cidade chamada Tumipampa. Os nativos ainda a encontram. Para esta montanha foram dois dos Cañaris chamados Ataorupagui e Cusicayo. A medida que as águas aumentavam, a montanha também continuava subindo e se mantendo acima da inundação, de tal maneira que nunca seria coberta pelas águas do dilúvio. Desta forma, os dois Cañaris escaparam. Estes dois, que eram irmãos, quando as águas diminuíram depois do dilúvio, começaram a semear. Um dia, quando eles estavam no trabalho, no retornar à sua casa, encontraram nele alguns pequenos pedaços de pão e uma jarra de chicha, que é a bebida usada nesse país em lugar de vinho, feito de milho cozido. Eles não sabiam quem havia trazido, mas eles deram graças ao Criador, comeram e beberam dessa provisão. 

No dia seguinte, a mesma coisa aconteceu. Como eles se maravilhou com esse mistério, eles estavam ansiosos para descobrir quem trouxe as refeições. Então, um dia eles se esconderam para espiar os provedores de seus alimentos. Enquanto eles estavam vigiando eles viram duas mulheres Cañari preparar os alimentos e colocá-los no lugar de costume. Quando estavam prestes a ir embora, os dois homens tentaram pegá-las, mas elas evitaram seus captores e fugiram. Os Cañaris, vendo o erro que cometeram em molestar aquelas que os haviam feito o bem, ficaram tristes e oraram a Viracocha pelo perdão dos seus pecados, pedindo-lhe para deixar as mulheres voltarem e dar-lhes as refeições habituais . O Criador concedeu seu desejo. As mulheres voltaram e disseram aos Cañaris :”O Criador pensou que seria bom que retornássemos para vocês, para evitar que vocês morressem de fome.” Elas trouxeram-lhes comida. Em seguida, se iniciou uma amizade entre as mulheres e os irmãos Cañari, e um dos irmãos Cañari tinha uma conexão com uma das mulheres. Então, como o irmão mais velho, morreu afogado em um lago que estava próximo, o sobrevivente se casou com uma das mulheres, e fez da outra sua concubina. Através delas, ele teve dez filhos, que formaram duas linhagens de cinco cada, e aumentando em números chamaram uma linhagem de Hanansaya que é o mesmo que dizer que é a casta superior, e a outra era Hurinsaya, ou a casta menor. Destas linhagens descendem todos os Cañaris .

Da mesma forma todas as outras nações têm fábulas de como algumas de suas pessoas foram salvas, de quem eles têm sua origem e descendência. Mas os Incas e a maioria daqueles de Cuzco, entre aqueles que se acredita saber mais, dizem que ninguém escapou da inundação, e que Viracocha criou os homens de novo, como será explicado mais à frente. Mas uma crença é comum entre todas as nações desta parte do mundo, todos eles falam de um grande dilúvio, que eles chamam de unu pachacut. A partir daí podemos entender claramente que, se, por estas bandas eles têm uma tradição da grande inundação, que falam de uma grande massa das ilhas flutuantes que mais tarde chamaríamos de Atlândita, quer dizer que nas Índias de Castela, ou América, chegou uma população que veio de longe, logo após o dilúvio, embora, do seu jeito, os detalhes que ele contam são diferentes daqueles que as Escrituras nos ensinam. Isto deve ter sido feito pela Providência divina, através dos primeiros colonos chegadas à terra da ilha do Atlântico (Américas). Então os nativos, embora bárbaros, deram as razões para a origem desse antigos assentamentos, ao relatar do dilúvio.

Fontes:
http://www.sacred-texts.com/nam/inca/inca01.htm in https://casadecha.wordpress.com/category/lendas/

sábado, 13 de agosto de 2016

Paulo Leminski (rosa rilke raimundo correia)


Juan Pablo Villalobos (1973)

“A influência dos espaços na produção literária”, com Juan Pablo Villalobos, dia 16/09, às 19h30, na 3ª FLIM - Festa Literária Internacional de Maringá, no Centro de Convivência Comunitária Renato Celidônio, ao lado da prefeitura.
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Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, em 1973.

Casado com uma brasileira, com quem tem dois filhos “meio mexicanos, meio brasileiros”, foi residir em Campinas (SP), onde se dedicou a concluir a trilogia sobre seu país natal. Na Espanha, com uma bolsa de estudos da União Europeia, fez o doutorado em Teoria Literária.

Autor dos romances Fiesta en la madriguera (Anagrama, Espanha), publicado no Brasil como Festa no covil (Companhia das Letras, 2012), traduzido para 15 idiomas, e Si viviéramos en un lugar normal (Anagrama, Espanha), publicado no Brasil como Se vivêssemos em um lugar normal (Companhia das Letras, 2013), traduzido para 8 idiomas. A edição inglesa de Festa no covil, Down the Rabbit Hole (And Other Stories), foi finalista do prêmio First Book Award do jornal londrino The Guardian e selecionada como livro do ano nas listas de The Daily Telegraph e The New Statesman. Festa no covil foi adaptado para o teatro em São Paulo e seus direitos foram vendidos para o cinema. A edição inglesa de Se vivêssemos em um lugar normal, chamada Quesadillas (And Other Stories), recebeu o Pen Club Award e foi selecionada como livro do ano nas listas de The Guardian e Financial Times.

Escreve para diferentes revistas, jornais e blogs do México, Brasil, Espanha, Colômbia, Argentina, Reino Unido e Estados Unidos. É colunista do Blog da Companhia das Letras e do Blog do Pen Club do Reino Unido. Seus livros estão publicados no Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Holanda, Hungria, Turquia, Estados Unidos, Japão, Rússia, Israel, Romênia, Bulgária e Portugual.

Traduziu para o espanhol os romances brasileiros Todos os cachorros são azuis, de Rodrigo de Souza Leão, e O drible, de Sérgio Rodrigues. É bolsista do Sistema Nacional de Creadores de Arte de México.

Fontes:
Facebook
CELPCYRO

Folclore Japonês (Neko-no-Hi: Dia dos Gatos no Japão)

Os gatos são um dos bichos mais estimados na “Terra do Sol Nascente”. Tanto é verdade que existem lugares e lendas que o tem como sagrado. São Santuários, amuletos, mascotes, cafés e até ilhas, isso mesmo, ilhas conhecidas como “Ilha dos Gatos”, onde o bichano é reverenciado. Nestas duas ilhas japonesas, a de Aoshima e Tashirojima, os gatos, rodeados por um pequeno grupo de humanos, é que reinam. O amor por esses pequenos felinos é tamanho que existe até um dia dedicado a homenageá-los, é o dia 22 de fevereiro, conhecido no Japão como “Neko-no-hi”, ou “O dia dos gatos”.

Neko-no-Hi: Origens

A escolha da data tem uma razão, na língua japonesa o número 2 é pronunciado como “ni” e 22 de fevereiro pode ser escrito 22/2, ou seja, “Ni Ni Ni”. Portanto, se repetida três vezes a data, a pronúncia: “Nyan Nyan Nyan” se assemelha ao miado de um gato.

Considerada uma jogada de marketing, a data foi criada em 1987, por uma fabricante de ração para pets, a “Japan Pet Food Association”. Neste dia os donos celebram seus bichanos queridos com presentes, passeios especiais como a ida a um Santuário dedicado ao felino. Acontecem ainda diversos eventos e campanhas no arquipélago, seguida de atividades educativas sobre os gatos.

Inspirados por esse apego dos japoneses ao gato, no Japão existem Santuários Xintoístas destinados exclusivamente a rezar por saúde e vida longa de seus animais de estimação, os “Nekogami Jinja” (Santuário dos Gatos). Localizados em Kagoshima e Kannushi, os Santuários Xintoístas tem uma fonte de água, onde os visitantes jogam moedas e fazem pedidos logo em seu “Toril” (Portal de entrada). Existe até uma lenda que justifica a criação dos Santuários:

Origem do  Santuário dos Gatos

Segundo a lenda, por volta do ano de 1572, Yoshihiro Shimazu, um grande samurai, viajou certa vez de Kyushu para a Coreia, para a “Batalha de Kizakibaru”. Junto com sua comitiva, ele levou sete gatos, porém não como animais de estimação.

Contam que, o samurai conseguia decifrar as horas ao longo do dia através das pupilas dos olhos dos 7 gatos, que mudavam de acordo com a posição do sol, especificamente 6:00 am, 8:00 am, 10:00 am, meio-dia, 2:00 pm, 4:00 pm e 6:00 pm. O que possibilitou Yoshihiro ter uma maior precisão do tempo durante sua longa batalha, permitindo vencer seu inimigo. A vitória contra o clã Ito, é tida com grande contribuição para a unificação de Kyushu.

Sendo um budista devoto, Yoshihiro construiu um monumento para as tropas inimigas durante a “Segunda Guerra dos Sete Anos”. A participação de Yoshihiro foi essencial para o clã Shimazu, tornando-se o 17 º Senhor de Shimadzu.

Por fim, ao final da batalha, apenas dois dos sete gatos sobreviveram e foram levados de volta à Kagoshima. Como forma de gratidão ao serviço e lealdade prestados, em 1602, o senhor Shimadzu construiu um santuário dedicados exclusivamente a eles.

Após a Restauração Meiji (1868), a família mudou-se para a Vila Shimadzu e o Santuário dos Gatos foi transferido para lá, tornando-se um local de devoção a todos os gatos.

Ainda relacionado ao evento, no Santuário foi criado o “Toki no kinenbi” (Dia do Tempo) comemorado no dia 10 de junho.

Nessa data, no Templo, relojoeiros e apreciadores de gatos, prestam homenagem a estes dois gatos sobreviventes da lenda, os “gatos do tempo”. No local também são feitas orações para os gatos que tenham morrido ou que estejam doentes, ou para encontrar seus bichos perdidos. Ou simplesmente, agradecer e celebrar seu animal de estimação, com mensagens escritas em plaquinhas de madeira (emás) que são penduradas nas paredes do Santuário.
A paixão pelos felinos é tamanha, que no Japão existem locais onde, pessoas que não tenham oportunidade de manter esses bichanos em seu lar, possam passar um tempo com seus animais preferidos, os chamados “Cat Cafe”.

Ou, se preferir, pode adquirir um amuleto com o gato da sorte, o “Manekineko” ou um exemplar do mascote do Castelo de Hikone, província de Shiga, muito popular no Japão o “Hikonyan” também chamado de “Gato Samurai”. Ou ainda, a gatinha mais famosa do Japão, a “Hello Kitty”.

Enfim, gatos não faltam na “Terra do Sol Nascente” e são, sem sombra de duvidas, um dos animais mais queridos dos japoneses.

Fonte:
Caçadores de Lendas

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Paulo Leminski (" O poema")


Ana Maria Machado (Era uma Menina do seu Tamanho)

Era uma vez uma menina. Não era uma menina deste tamanhinho. Mas também não era uma menina deste tamanhão. Era uma menina assim mais ou menos do seu tamanho. E muitas vezes ela tinha vontade de saber que tamanho era esse, afinal de contas. Porque tinha dias que a mãe dela dizia assim:

- Helena, você já está muito grande para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho chegar em casa assim tão suja de ficar brincando na lama? Venha logo se lavar.

Que já era bem grande.

Mas às vezes, também, o pai dizia assim:

- Helena, você é muito pequenina para fazer uma coisa dessas. Onde já se viu uma menina do seu tamanho ficar brincando num galho de árvore tão alto assim? Desça já daí. Se não, você pode cair

Ai Helena achava que era mesmo uma bebezinha que não podia fazer nada sozinha.

E era sempre assim. Na hora de ir ajudar no trabalho da roça, ela era bem grande. Na hora de ir tomar banho no rio e nadar no lugar mais fundo, ela ainda era muito pequena. Na hora que os grandes ficavam de noite conversando no terreiro até tarde, ela era pequena e tinha que ir dormir. Na hora em que espetava o pé com um espinho e queria ficar chorando no colo de alguém, só com dengo e carinho, sempre dizia que já estava muito grande para ficar fazendo manha. Se ela tivesse um espelho mágico, que nem rainha madrasta da Branca de Neve, bem que podia perguntar:

- Espelho meu, espelho meu, que tamanho tenho eu?

Fonte:
Ana Maria Machado. Bem do seu tamanho. RJ: Brasil – América, 1982

Sandra Regina Moura* (O Processo de Investigação de Caco Barcellos como Ato Comunicativo)

*(UFPB/PUC-SP)

Quando pensamos na investigação jornalística de Caco Barcellos com tendência para a comunicação, faz-se necessário ressaltar que estamos lidando com conceitos explorados pela pesquisadora Cecília Almeida Salles, que, a partir da semiótica peirciana, olha para o processo de criação como um ato comunicativo.

Em termos peircianos, todo pensamento é dialógico na forma, seja externamente, ocorrendo entre duas pessoas ou mais, seja internamente, ocorrendo no próprio pensamento de uma pessoa. Cecília Almeida  Salles coloca a questão nos seguintes termos:

Cabe nos relembrar que essa recepção criativa do pensamento não é limitada, para Peirce , à presença de um  interlocutor externo. Pode se tratar de um diálogo que se dá na mente de um mesmo indvíduo — é o diálogo entre diferentes fases do ego de que Peirce fala — o interlocutor  é interno, é o próprio indivíduo.
Em sua fase de gestação, o pensamento do criador mostra ser dialógico. É o seu pensamento dialogando com diferentes fases do ego. É o escritor não como um individual  — seus  pensamentos são o que ele está dizendo a ele mesmo (inesperadamente e intrometidamente ele está, também dizendo aquele que observa seu processo criativo)
”(1990: 77).

A nossa proposta toma como base a ideia de que a investigação de Caco Barcellos surge  como diálogo do jornalista com ele mesmo, com seus pesquisadores, com seus amigos e com suas fontes de informação. Para estudo, tomamos como referência o livro de sua autoria, Rota 66, lançado em 1992.

Rota 66 é resultado de um trabalho investigativo em que o jornalista Caco Barcellos denuncia que a maioria das pessoas assassinadas por policiais militares, no período de abril de 1970 a junho de 1992, durante o patrulhamento no município de São Paulo, constitui-se de inocentes. A obra  desvenda os métodos de extermínio da PM, traça o perfil dos matadores e das vítimas e mostra as circunstâncias em que foram assassinadas. O balanço final revela que  a polícia mata mais jovem, negro ou pardo, migrante, principalmente da região Nordeste, e morador da periferia da cidade.

NO JORNALISMO:

Antes de adentramos no processo de investigação de Caco Barcellos, optamos por apontar a presença do ato comunicativo no processo de produção jornalística, mais especificamente na relação do jornalista com três dos principais processos de captação da informação: entrevista, fonte e pauta.

Nossa opção justifica-se tendo em vista que Caco Barcellos traz para a reportagem em livro, no caso Rota 66, esses três recursos de obtenção da informação jornalística.

Em linhas gerais, podemos dizer que está na própria natureza da entrevista a necessidade de ser compartilhada. Um dos seus objetivos é exatamente o da comunicação humana. Nesse sentido, evidenciamos que a relação do jornalista com as fontes de informação é um ato comunicativo, que se manifesta nas perguntas e respostas ou até mesmo  nas perguntas sem respostas, na busca da confiança recíproca, nas interferências, no gesto, no olhar e na atitude corporal.

Ao apontar a evolução do processo de captação da informação, no jornalismo, Cremilda Medina (1982) sugere que, mais do que extrair informações do entrevistado, o repórter deve estabelecer elos de confiança para que se instaure o diálogo de fato na entrevista. “É justamente neste ponto do processo jornalístico que se define uma situação comunicacional e não apenas, como insistem os teóricos, depois que o produto é veiculado e ocorre ou não a reação de feedback” (1982: 146).

Ao nosso ver, Medina  constata que o processo jornalístico se manifesta com uma tendência para a comunicação. Neste trajeto o jornalista já encontra-se imerso na rede comunicativa. A autora mostra, ainda, que “na feitura da reportagem existe uma situação comunicativa básica: as fontes de informação são parte da própria realidade e a relação do repórter com essa realidade pode se processar de forma dinâmica, interativa, ou estática, unilateral” (1982: 146).

No âmbito das preocupações do processo jornalístico, a pauta mantém relações estreitas com a entrevista e a fonte. Apresenta-se também como espaço de comunicação em que repórter, pauteiro, chefias, editorias e diretorias  se interagem sobre a feitura das edições jornalísticas. Clóvis Rossi (1988) atribuiu à pauta duas funções básicas: a de orientar repórteres para a cobertura jornalística e a de manter chefias e direção a par de tudo que está sendo planejado e executado pela redação.

A pauta concentra em si força determinante no processo comunicativo. Desde o momento em que é planejada, até a sua execução, ela é construída com tendência para a comunicação. A começar pelas chamadas reuniões de pauta, em que editores discutem os prováveis fatos a serem noticiados. Sem falar que ela poderá decorrer também de sugestões do repórter e do leitor.

Ronaldo Henn (1996) observa que, dependendo da estatura de cada redação, uma série de reuniões de menor porte são desenvolvidas nas editorias específicas, que poderão delinear novas pautas em função das pulsões do cotidiano ou mesmo da inadequação do que foi proposto inicialmente. O autor lembra, ainda, que, quando a edição entra em processo final de fechamento, nova reunião de pauta é realizada, com o intuito de se fazer um balanço do que foi apurado no decorrer do dia.

Inserindo o estudo de Ronaldo Henn na nossa discussão, podemos dizer que as observações do autor reforçam a ideia de que a pauta é um processo com tendência comunicativa. Nas rotinas dos periódicos e meios eletrônicos, a pauta funciona como uma espécie de elo entre repórteres, pauteiros, chefias e editores. Ela praticamente obriga os produtores do jornalismo a permanecerem ligados durante todo o dia. Motivados pela pauta, é comum encontrar nas redações editores indagando seus repórteres durante o processo de produção jornalística: “Conseguiu falar com o ministro?”, “Localizou o senador?”. E por aí vai.

A INVESTIGAÇÃO:

As formas de registro do processo investigativo de Caco Barcellos revelam a investigação como um percurso com tendência para a comunicação. Observando o  trajeto de Barcellos, flagramos instantes em que o jornalista dialoga com ele mesmo, com sua equipe de pesquisadores, com suas fontes de informação e com seus amigos.

Essas marcas da comunicação na questão processual, no caso de Caco Barcellos,  se manifestam, por exemplo, em uma das cartas localizada no emaranhado dos documentos que nos foi entregue para estudo. Nesta correspondência, que supomos, pelo teor,  tratar-se de um interlocutor da confiança do jornalista, há uma voz que elogia e comenta o estilo de Barcellos em Revolução das Crianças: sobre a revolução sandinista na Nicarágua, um livro anterior a  Rota 66.

Esta carta é um dos elementos que nos permite flagrar o incentivo que o jornalista recebeu dos amigos para a realização de Rota 66 e também permite revelar momentos de fragilidade do jornalista diante de seu objeto. “Não tenho certeza, mas acho que é Conrad quem diz que o objetivo de um escritor é fazer o leitor enxergar. Acho seu livro um bom exemplo disso. Há uma sinceridade, um compromisso, uma urgência, uma espécie de ‘febre’ humanista”, diz um dos trechos da correspondência referindo-se à Revolução das crianças. Logo a seguir, temos entre parênteses: “Lembrei-me de você falando que, às vezes, ficava desanimado para escrever Rota 66 por achar que isso só interessaria a você e tive vontade de te telefonar, em plena madrugada, para dizer que  você tem o compromisso moral de escrever este livro. Hoje eu tenho certeza que a tarefa do romancista contemporâneo é exatamente esta, colher pedaços de vida e dispôs-los no papel”. É o que diz a carta quando Barcellos ainda esboçava a idéia de escrever o seu segundo livro.

    Seguindo na linha do aspecto comunicativo, observamos que alguns amigos têm um papel fundamental no processo de Caco Barcellos. “Quando escrevi as primeiras linhas de Rota 66, enviei o texto para um amigo meu em Porto Alegre.   Ele leu e devolveu dizendo que gostou do texto”, revela o jornalista em depoimento à autora deste trabalho.

    Essa necessidade de uma  quase que “aprovação” dos seus leitores particulares, quando a obra encontra-se ainda em processo, pode ser apontada em outro momento do trajeto de Barcellos. Na fase de redação, são dadas sugestões pela editora e amiga Eliana Sá, a quem o jornalista confiou a sua obra. “Acabei não cortando nenhum dos textos dos processos. Achei que procedem e que, afinal de contas, um dos capítulos pode ser mais ‘preciso’. Fiz algumas pequenas mudanças e enxuguei algumas outras laudas. Veja o que você acha”. Em outra anotação, a mesma leitora acrescenta: “Caco, devolvendo já lido. Gostei. Veja algumas propostas de mudanças”.

PESQUISADORES:

Além dos amigos, identificamos também diálogos entre Caco Barcellos e seus pesquisadores. Nesse sentido, as fichas, criadas para armazenar informações sobre assassinatos divulgados pelo Notícias Populares, jornal diário de SP, envolvendo civis e policiais militares, desempenham um papel fundamental na investigação. Além de servirem para abrigar o resumo dos principais dados de cada caso, as fichas registram boa parte da comunicação travada pelo jornalista com seus colaboradores.

A ficha, criada  para dar praticidade a anotação dos dados principais de cada caso, traz informações sobre a vítima, como nome, idade, cor da pele, endereço, profissão, local e motivo da morte. Também armazena dados dos matadores, além dos nomes da delegacia da área do tiroteio e do delegado que escreveu o boletim de ocorrência.

No espaço destinado nas fichas às observações do pesquisador, há manifestação do aspecto comunicativo. São idéias registradas em anotações de Barcellos para os seus colaboradores e vice-versa. Nas fichas, do período de 1970 a 1979,  correspondente ao resumo das matérias do Notíciais Populares, em boa parte se localizam as expressões: “Investigar na ficha IML”, “Procurar na ficha IML” ou “Ver  ficha IML”. São termos utilizados por Barcellos para dar continuidade a investigação dos casos noticiados pelo jornal.

Um exemplo dessa comunicação entre Barcellos e seus colaboradores está na ficha datada de 10 de abril de 1979. No resumo dos dados, o pesquisador Sidnei Marques Silva escreve o nome e a idade de dois mortos, a partir das informações colhidas no NP. Na mesma ficha, Caco Barcellos faz a seguinte anotação: “Não consta IML? Checar”.

Os pesquisadores atuam como interlocutores. Sidney Silva mantém com Caco Barcellos o seguinte diálogo: “Hoje faz quatro meses que estou lendo esse jornal. Você já notou que não tem notícia de tiroteio com sobrevivente?”. Em outro momento, o pesquisador sugere: “Tiroteio na Penitenciária. Placar: 31 mortos. PM zero. Nenhum. Isso é um massacre, Caco Barcellos. Tem que ser denunciado”. São observações que oferecem rumo à investigação: “Mais um morto no meu bairro. Sempre negro ou pardo, está percebendo”, diz Sidnei em um outra anotação, chamando a atenção de Caco Barcellos para a hipótese de que a PM mata mais negro ou pardo.

FONTES:

Outro aspecto interessante, do ponto de vista processual, é a comunicação que Caco Barcellos estabelece com as fontes  de informação. Para o trabalho de identificação dos matadores e de suas vítimas, Barcellos tentou, durante anos, obter informações sobre o andamento de processos na Auditoria Militar de São Paulo. Os juízes negavam esses pedidos, alegando dificuldades na localização  dos processos porque o jornalista nem sempre tinha identificação dos envolvidos no crime.

Depois  que conseguiu identificar os principais matadores pelo banco de dados que criou no início da pesquisa, juntamente com sua equipe, Barcellos conseguiu obter no distribuidor criminal da Auditoria os números dos processos que desejava. Na documentação de Rota 66 que tivemos acesso, encontramos vários pedidos, por escrito,  em que Barcellos solicita ao órgão responsável bloco de folhas para requerer certidões no poder judiciário, alegando que o objetivo era a realização de uma longa pesquisa sobre antecedentes criminais para a sua empresa Pena Branca Produções de Vídeo.

No seu percurso, Barcellos se defronta com outros entraves burocráticos. De posse dos números obtidos no distribuidor criminal, o jornalista tentou consultar os processos nos cartórios da Justiça Militar. Em 1987, alguns juízes não permitiram. Cinco anos depois, o jornalista, em  pedido encaminhado ao juiz da primeira Auditoria, Paulo Antônio Prazak, solicita autorização para consultar os processos de sete policiais militares. Desta vez, alega que o objetivo da pesquisa é o levantamento de dados para a produção de futuros trabalhos jornalísticos.

    Entre os documentos submetidos à nossa análise, localizamos esta solicitação,  acompanhada da resposta do juiz, com data de 10.02.92.

“1 — D. O signatário a formular pedidos distintos para  cada qual dos processos aos quais serão juntados apresentando qual: filiação(...),incluindo seu(s) endereço(s)
2 — em conta dos objetivos, o signatário deverá responsabilizar-se, por eventuais lesões causadas, notadamente quanto ao que dispõe o artº 5º, inciso X da Constituição Federal, aliás expressamente referido pelo art. 220, parágrafo 1º da mesma Carta Magna”.

     A relação de Caco Barcellos com as suas fontes vem se revelando a todo momento tratar-se de um ato comunicativo. Deparamo-nos com um documento, datado de 24 de abril de 1992, dirigido ao Diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo, em que Barcellos solicita autorização para Sidnei Marques Silva, da sua equipe de pesquisadores, prosseguir no levantamento de dados, junto ao fichário desta Instituição, para o complemento da pesquisa de sua autoria sobre “morte por causa violenta”. E esclarece: “Nesta parte do trabalho sua tarefa será a de conferir dados já obtidos. Portanto, poderá ser realizada num período aproximado de dez dias”.

Esse processo comunicacional entre jornalista-fonte é reforçado por um outro documento localizado no material que nos foi apresentado. Trata-se de um questionário encaminhado por Caco Barcellos a pessoas que perderam parentes, vítimas da violência na cidade de São Paulo. O documento, redigido em uma única folha, divide-se em dois tópicos: o primeiro, com cinco perguntas, refere-se à hipótese de a pessoa não ter recebido indenização pela morte do parente; o segundo, com seis indagações, destina-se aos casos de pessoas que não foram indenizadas.

Na comunicação com suas fontes, Barcellos esclarece o objetivo da sua pesquisa. “Meu interesse nesse trabalho é saber exatamente qual é o tamanho do seu drama. O seu caso já está registrado no nosso Banco de Dados. Mas ainda nos faltam algumas informações, que são fundamentais para conseguirmos melhores resultados nesse trabalho”.

Esse recurso comunicativo permeia todo o processo. Encontramos Caco Barcellos dialogando com ele mesmo. Seu caderno de anotações esboça algumas indicações desse momento dialógico. É o jornalista mergulhado na sua tarefa de conhecer melhor cada caso. “Checar caso Dirley e Hoffman (17 anos) Favela Heliópolis - Liga Martinez”. Em outra anotação: “Ir ao Paulistano”. Ou: “Nomes  PMs averiguar”.

Os trechos das anotações do jornalista, em seu caderno, revelam a preocupação constante de investigar cada vez mais os casos envolvendo crimes de policiais militares. Evidencia a necessidade de checagem das informações, o cuidado com a apuração dos assassinatos, a atenção a detalhes dos casos investigados e a busca por um aprofundamento dos fatos.

Em determinado momento, flagramos Barcellos numa conversa, na qual evidencia essas preocupações: “Fiz pesquisa no distribuidor criminal sobre alguns PMs”. Em outra folha do caderno, temos: “A fazer auditoria. Caso Pixote. Caso Zezinho. Caso Casa de Detenção”. De certo modo, os registros desses instantes vão deixando transparecer o método de investigação do jornalista.

Nas fichas do NP, também identificamos marcas dessa comunicação íntima. Nesse diálogo, Barcellos vai fazendo conexão com outros casos. Na ficha NP, datada de oito de abril de 1979, encontramos essa ligação. “Atenção Diadema - lembrei Lázaro”.

CONSIDERAÇÕES:

A intromissão no processo investigativo de Caco Barcellos permite apontar que a rede comunicativa se instaura no sentido de oferecer pistas à investigação, colaborar na apuração de dados e auxiliar o jornalista em suas decisões.

Com base no que foi analisado, até o momento, percebemos que esses documentos revelam as estratégias criadas por Caco Barcellos para ter acesso à informação. Como vimos, ora o jornalista justifica que os dados servirão para a realização de uma longa pesquisa sobre antecedentes criminais para a sua empresa Pena Branca Produções de Vídeo, ora o levantamento de dados destina-se à produção de futuros trabalhos jornalísticos. Uma terceira possibilidade apresentada é de que a pesquisa é sobre morte por causa violenta.

O mergulho no mundo processual do jornalista vai revelando, a cada documento, a complexidade do processo de investigação dos casos de Rota 66. Cada vez mais, nos deparamos com uma rede comunicativa, que vai revelando uma série de mediações entre o acontecimento e a investigação.

Como vimos, são mediações ancoradas nas fontes, na pauta, nos pesquisadores, nos amigos etc. Uma anotação de uma das pesquisadoras,  Luciana Burlamaqui, para Barcellos, após o cumprimento de uma das pautas preparadas pelo jornalista, exemplifica bem  esse desencadeamento de signos interpretantes que irá redundar em Rota 66. Vejamos o registro: “Procurei reproduzir a entrevista, dando as minhas impressões no que julguei mais importante, para tentar lhe passar qual a postura dele diante do caso 66 e de outros conceitos”. Vale lembrar que Burlamaqui refere-se à entrevista feita por ela com o sargento Antônio Sória, um dos envolvidos nos casos de assassinatos.

Eis outro trecho que registra as impressões de Burlamaqui:

Sobre o caso de Rota 66, ele não disse nada de muito revelador, acho que você sabe tudo. O mais interessante são as suas opiniões, o que pensa da polícia, bandidos e como se coloca no caso com a sua ‘falta de memória’ e o seu medo de falar. Achei o mais importante de tudo o fato dele não se arrepender de nada e que faria tudo novamente”.

         Tal constatação evidencia a complexidade do processo investigativo de Caco Barcellos. No caso citado acima, os acontecimentos (os assassinatos) já passam pela mediação de um signo produzido pela pauta (elaborada por Barcellos), pela fonte (no caso, o militar Antônio Soria), e pela repórter (encarregada de executar a entrevista, transcrevê-la e selecionar o que julga mais importante).

 BIBLIOGRAFIA

BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. 18ª ed. São Paulo: Globo, 1993.
HENN, Ronaldo. Pauta e Notícia: uma abordagem semiótica. Canoas-RS: Ulbra, 1996.
MEDINA, Cremilda. Profissão jornalista: responsabilidade social. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
________________. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Ática, 1986.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 1988.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 1998.
_____________________.Uma criação em processo, Ignácio de Loyola Brandão e Não Verás País nenhum. Tese de Doutorado apresentada na PUC de São Paulo, 1990.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Paulo Leminski ("Pense depressa")


Lenda Russa (A Cobra D’Água)

Era uma vez uma senhora que tinha uma filha, uma dia a garota desceu à lagoa para tomar banho com outras meninas. Elas se despiram e caíram na água. Então uma cobra surgiu e se escondeu em suas roupas. Depois de um tempo, todas saíram, e começaram a se vestir, bem como a filha da anciã, mas quando ela quis botar as roupas descobriu a cobra deitada sobre elas. Ela tentou se livrar do animal, mas ele agarrou as roupas e não se moveu. Então, a serpente disse: “Se você casar comigo,  devolvo suas roupas.”

Ela não estava nem um pouco inclinada a se casar com ele, mas as outras meninas disseram, “Como se fosse possível você se casar com ele! Diga que vai!”

Então ela disse: “Muito bem, caso.” Então, a serpente largou as roupas e foi direto para a água. A menina vestiu-se e foi para casa. E logo que ela chegou lá, ela disse à sua mãe, “Mãe! Mãe! Aconteceu isso e isso, e então uma serpente pegou minhas roupas e disse: - Case comigo ou não vou deixar você mudar suas roupas! e eu disse: Caso!”

“Que besteira você está dizendo, sua bocó! Como se fosse possível você casar com uma cobra!” E assim tudo voltou ao normal e o assunto foi esquecido.

Uma semana se passou por, e um dia elas viram muitas cobras, como nunca tinham visto antes, uma enorme tropa se arrastando até a casa delas. “Ah, mãezinha! Salve-me! Salve-me!” chorava a menina e sua mãe bateu a porta e barrou a entrada o mais rapidamente possível. As cobras correram até a entrada, mas a porta foi fechada. Elas teriam corrido até a fresta, mas essa foi fechada também. Então, em um momento elas se enrolaram até formar uma bola, se arremessaram contra a janela, que foi feita em pedaços e formaram um só corpo que entrou na sala. A menina chegou junto ao fogão, mas eles a seguiram, se arrastaram para baixo dela, a puxaram para fora da casa, atravessando as portas. Sua mãe correu atrás dela, chorando como louca.

Elas levaram a menina até a lagoa e mergulharam direto na água com ela. E lá se transformaram em homens e mulheres. A mãe permaneceu durante algum tempo sobre o dique, lamentou-se um pouco, e depois foi para casa.

Três anos passaram. A moça vivia lá e tinha dois filhos, um filho e uma filha. Agora ela frequentemente pedia ao seu marido para que deixar ela ir ver a mãe. Então, finalmente, um dia em que ele levou ela até a superfície da água, e a deixou em terra. Mas ela perguntou-lhe antes de sair ele, “O que devo dizer quando quiser que você venha?”

“Diga, Osip, [Joseph] Osip, vem aqui! E eu virei" , ele respondeu.

Então ele mergulhou novamente debaixo de água, e ela foi ver a mãe, carregando a menina no seu braço e levando seu menino pela mão. Logo saiu a mãe para recebê-la. Ela ficou tão feliz por vê-la!

“Bom dia, mãe!” Disse a filha.

“Você está bem, vivendo lá embaixo?” Perguntou a mãe.

“Muito bem, mãe. Minha vida lá é melhor do era aqui.”

Eles sentaram e conversam um pouco. Sua mãe tinha o jantar pronto para ela, e ela jantou. “Qual é o nome do seu marido?” Perguntou a mãe.

“Osip”, ela respondeu.

“E como é que vocês vão voltar para casa?”

“Vou ir à represa, e aí chamo: - Osip, Osip, vem aqui! -  E ele vai vir.”

“Deite um pouco, filha, e descanse”, disse a mãe.

Assim, a filha deitou e dormiu. A mãe imediatamente pegou um machado e o amolou, descendo até a represa com ele. E quando ela chegou, começou a chamar: “Osip, Osip, vem aqui!”

Nem bem Osip mostrou sua cabeça a velha mulher pegou o machado e cortou ela fora. E água do lago ficou escura com o sangue.

A anciã foi para casa. E quando a velha chegou, sua filha acordou. “Ah! Mãe”, diz ela, “Estou ficando cansada de ficar aqui, quero voltar para minha casa.”

“Durma esta noite aqui, filha; talvez você não tenha outra chance de ficar comigo.”

Assim, a filha resolveu passar a noite ali. Pela manhã ela acordou e sua mãe aprontou um pequeno lanche para ela. Ela comeu e em seguida disse adeus para a mãe e foi embora, carregando sua menina em seu braço, enquanto o menino seguiu atrás dela. Ela chegou à represa e gritou: - “Osip, Osip, vem aqui!”

Ela chamou e pediu, mas ele não veio. Então ela olhou para a água e lá viu uma cabeça flutuando. Então ela adivinhou o que tinha acontecido.

"Ai! Minha mãe o matou! ” Ela chorava.

Lá na margem ela chorou e lamentou. E em seguida, para sua filhinha ela gritou “Voe como uma andorinha, agora e para sempre!”

E o seu menino chorava com ela, “Voe como uma cotovia, meu menino, agora e para sempre!”

“Mas eu”, disse ela, “voarei como um cuco, chorando “Cuckoo!” Agora e para sempre!

Fonte:
W. R. S. Ralston, Russian Folk-Tales (London, 1873) . Ralston’s source: A. A. Erlenvein. in https://casadecha.wordpress.com/tag/russia/

Voltaire (O Carregador Zarolho)

Os dois olhos que temos em nada melhoram a nossa condição, serve-nos um para ver os bens, e o outro para ver os males da vida. Muita gente possui o mau hábito de fechar o primeiro, e poucos fecham o segundo, eis por que há tantas pessoas que prefeririam ser cegos a ver, tudo o que veem. Felizes os zarolhos que só são privados desse olho mau que estraga tudo quanto a gente olha! Era o caso de Mesrour.

Seria preciso ser cego para não ver que Mesrour era zarolho. Era-o de nascença, mas era um zarolho tão satisfeito com a sua condição que jamais se lembrara de desejar outro olho. Não eram os dons da fortuna que o consolavam dos malefícios da natureza, pois não passava de um simples carregador e não tinha outro tesouro senão os seus ombros, mas era feliz, e mostrava que mais um olho e menos trabalho pouco contribuem para a felicidade. O dinheiro e o apetite lhe vinham sempre em proporção com o exercício que fazia, trabalhava de manhã, comia e bebia de tarde, dormia de noite, e considerava cada dia como uma vida à parte, de modo que a preocupação do futuro jamais lhe perturbava o gozo do presente. Era (como o vedes) ao mesmo tempo zarolho, carregador e filósofo.

Viu por acaso passar numa suntuosa carruagem uma grande princesa que tinha um olho mais do que ele, o que não o impediu de achá-la muito bela, e, como os zarolhos não diferem dos outros homens senão em que têm um olho de menos, apaixonou-se perdidamente pela princesa. Dirão talvez que, quando se é carregador e zarolho, o melhor é a gente não se apaixonar, principalmente por uma grande princesa e, o que é mais, uma princesa que tem dois olhos; no entanto, como não há amor sem esperança, e como o nosso carregador amava, ousou esperar.

Tendo mais pernas que olhos, e boas pernas, seguiu durante quatro léguas o carro da sua deusa, que seis grandes cavalos brancos puxavam velozmente. Era moda, naqueles tempos, entre as damas, viajar sem lacaios e sem cocheiro, conduzindo elas próprias o carro, queriam os maridos que elas andassem sempre sozinhas, para ficar mais seguros da sua virtude, o que é diametralmente oposto ao parecer dos moralistas, que dizem que não há virtude na solidão.

Mesrour continuava a correr junto às rodas do carro, voltando seu olho bom na direção da dama, espantada de ver um zarolho com tamanha agilidade. Enquanto ele provava assim o quanto se é infatigável quando se ama, um animal selvagem, perseguido por caçadores, atravessou a estrada, espantando os cavalos, que tomaram o freio nos dentes e já arrastavam a bela para um precipício. Seu novo apaixonado, ainda mais assustado do que ela, embora a princesa o estivesse bastante, cortou as correias com maravilhosa habilidade, somente os seis cavalos deram o salto mortal, e a dama, que não estava menos branca do que eles, apenas passou por um grande susto.

— Quem quer que sejas – disse-lhe ela – jamais esquecerei que te devo a vida; pede-me o que quiseres: tudo o que tenho está a teu dispor.

 — Ah! com muito mais razão – respondeu Mesrour – posso eu oferecer-vos outro tanto; mas, assim fazendo, sempre vos oferecerei menos, pois só tenho um olho, e vós tendes dois, mas um olho que vos contempla vale mais que dois olhos que não veem os vossos.

A dama sorriu, pois as galanterias de um zarolho são sempre galanterias, e as galanterias sempre fazem sorrir.

— Eu desejaria dar-te um outro olho – disse ela – mas só a tua mãe podia dar-te esse presente; mas continua a acompanhar-me.

Dizendo essas palavras, desce ela do carro e prossegue o caminho a pé, seu cãozinho também desceu e marchava ao lado da dona, ladrando para a estranha figura do seu escudeiro. Faço mal em lhe dar o título de escudeiro, porque, por mais que ele lhe oferecesse o braço, não quis a dama aceitá-lo, sob o pretexto de que o braço estava muito sujo, e ides ver agora como a princesa foi vítima de seu próprio asseio. Tinha ela uns pequeninos pés, e uns sapatinhos ainda menores, de maneira que não era feita para longas caminhadas, nem estava devidamente calçada para isso.

Lindos pezinhos consolam de ter pernas débeis, quando se passa a vida numa espreguiçadeira, em meio de uma porção de janotas, mas de que servem sapatos bordados e lantejoulados em um caminho pedregoso, onde só podem ser vistos por um carregador e, ainda por cima, por um carregador que só tem um olho?

Melinade (é este o nome da dama, que tive minhas razões para calar até agora, visto que ainda não fora inventado), Melinade avançava como podia, amaldiçoando o seu sapateiro, escorchando os pés, e dando um mau jeito a cada passo. Fazia hora e meia que ela marchava como as grandes damas, isto é, já fizera perto de um quarto de légua, quando tombou de fadiga.

Mesrour, cujos serviços ela recusara enquanto estava de pé, hesitava em lhos oferecer, por medo de a macular com o seu contato, pois bem sabia que não estava limpo (a dama claramente lho dera a entender), e a comparação que fizera em caminho entre a sua pessoa e a da sua amada ainda lho mostrava com maior clareza. Tinha ela um leve vestido cor de prata, semeado de guirlandas, que lhe ressaltava a beleza do talhe; e ele, um blusão pardacento, todo manchado, rasgado e remendado, e de tal maneira que os remendos ficavam ao lado dos buracos e não por baixo, onde estariam mais no seu lugar. Havia comparado as suas mãos musculosas e cobertas de calos com as duas pequenas mãos mais brancas e delicadas do que lírios. Vira enfim os lindos cabelos loiros de Melinade, que se entre mostravam através de um véu de gaze, penteados em tranças e cachos, e ele, para colocar ao lado disso, não tinha mais que umas eriçadas crinas negras, cujo único ornamento era um turbante roto.

No entanto Melinade tenta erguer-se, mas tomba em seguida, e tão desastradamente, que o que ela deixou ver a Mesrour tirou-lhe o pouco de razão que a vista de seu rosto pudera deixar-lhe. Esqueceu que era carregador, que era zarolho, e não mais pensou na distância que a fortuna pusera entre ambos, mal se lembrou que amava, pois faltou à delicadeza que dizem inseparável de um verdadeiro amor, e que às vezes lhe constitui o encanto, e muitas vezes o aborrecimento, serviu-se dos direitos à brutalidade que lhe dava a sua condição de carregador, foi brutal e feliz. A princesa, então, estava, sem dúvida desmaiada, ou lamentava a sua sorte, mas, como tinha um espírito justo, abençoava decerto o destino pelo fato de todo infortúnio trazer consigo o seu próprio consolo.

A noite estendera os véus no horizonte, e ocultava na sua sombra a verdadeira felicidade de Mesrour e a pretensa desgraça de Melinade. Mesrour desfrutava os prazeres dos perfeitos amantes, e desfrutava-os como carregador, quer dizer (para vergonha da humanidade) da maneira mais perfeita, os desmaios de Melinade voltavam-lhe a cada momento, e a cada momento o seu amante recuperava forças.

— Poderoso Maomé – disse ele uma vez, como homem arrebatado, mas como péssimo católico – só o que falta à minha felicidade é ser sentida por aquela que a causa, enquanto estou no teu paraíso, divino profeta, concede-me ainda um favor, o de ser para os olhos de Melinade o que ela seria para os meus olhos, se houvesse luz.

Acabou de rezar e continuou o prazer. A aurora, sempre demasiado diligente para os amantes, surpreendeu a ambos na atitude onde ela própria poderia ter sido surpreendida um momento antes, com Titono. Mas qual não foi o espanto de Melinade quando, abrindo os olhos aos primeiros raios do dia, viu-se num lugar encantado, com um homem de nobre estrutura, cujo rosto se assemelhava ao astro cuja volta a terra aguardava! Tinha faces de rosa, lábios de coral, seus grandes olhos, ao mesmo tempo ternos e vivos, exprimiam e inspiravam volúpia; sua aljava de ouro, ornado de pedrarias, pendia-lhe do ombro e só o prazer fazia ressoar as suas flechas; sua longa cabeleira, presa por um cordão de diamantes, flutuava-lhe livremente sobre os rins, e um tecido transparente, bordado de pérolas lhe servia de veste, sem nada ocultar da beleza do seu corpo.

— Onde estou, e quem és – exclamou Melinade no auge da surpresa.

— Estais – respondeu ele – com o miserável que teve a ventura de vos salvar a vida, e que tão bem cobrou o seu trabalho.

Melinade, tão satisfeita quanto espantada, lamentou que a metamorfose de Mesrour não tivesse começado mais cedo. Aproxima-se de um magnífico palácio que lhe atraíra o olhar e lê esta inscrição na porta: “Afastai-vos, profanos; estas portas só se abrirão para o senhor do anel.” Mesrour aproxima-se por sua vez para ler a mesma inscrição, mas viu outros caracteres e leu estas palavras: “Bate sem receio.” Bateu, e em seguida as portas se abriram por si mesmas com fragor. Os dois amantes entraram, ao som de mil vozes e de mil instrumentos, num vestíbulo de mármore de Paros; dali passaram para uma sala soberba, onde os esperava há mil duzentos e cinquenta anos um festim delicioso, sem que nenhum dos pratos houvesse esfriado: puseram-se à. mesa e foram servidos cada um por mil escravas da maior formosura; a refeição foi entremeada de concertos e danças; e, quando terminou, todos os gênios vieram, na maior ordem, em diferentes grupos, com vestuários tão suntuosos quão singulares, prestar juramento de fidelidade ao senhor do anel, e beijar o dedo sagrado que o carregava.

Ora, havia em Bagdad um muçulmano muito devoto que, não podendo ir lavar-se na mesquita, fazia a água da mesquita vir à sua casa, mediante uma pequena retribuição que pagava ao sacerdote. Acabava ele de fazer a quinta ablução, a fim de se preparar para a quinta prece. E a sua criada, rapariga insensata e muito pouco devota, desembaraçou-se da água santa lançando-a pela janela. A água caiu sobre um infeliz profundamente adormecido junto a um marco que lhe servia de apoio. Acordou-se com o choque. Era o pobre Mesrour que, voltando do seu passeio encantado, perdera na viagem o anel de Salomão. Deixara as soberbas vestes e retomara o seu blusão; sua bela aljava de ouro havia-se transformado num porta fardos de madeira e, para cúmulo da desgraça, tinha deixado um dos olhos no caminho. Lembrou-se então de que bebera na véspera grande quantidade de aguardente, que lhe adormecera os sentidos e aquecera a imaginação. E Mesrour, que até aquele instante amara essa bebida por gosto, começou a amá-la por gratidão, e voltou alegremente ao trabalho, resolvido a empregar o salário daquele dia na aquisição dos meios para tornar a ver a sua querida Melinade. Qualquer outro ficaria desolado de ser um mísero zarolho depois de ter tido dois lindos olhos; de sofrer as recusas das varredoras do palácio depois de haver gozado os favores de uma princesa mais bela do que as amantes do califa; e de estar a serviço de todos os burgueses de Bagdad depois de haver reinado sobre todos os gênios; mas Mesrour não possuía o olho que vê o lado mau das coisas.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Paulo Leminski ("O olho da rua vê")


Nilto Maciel (A Fala dos Cães)

O cervo conseguiu escapar à fúria de seus perseguidores e meteu-se na selva. Acteão talvez tivesse tido pena dele. Chamara de volta seus terríveis cães. Descansassem um pouco. Havia tempo de sobra. O dia mal começava.

O caçador avistara uns corpos nus à beira do rio. E tra­tou de impor silêncio. Nada de gritos, nem latidos, nem gemi­dos.

Agachado atrás de moitas, pôs-se a espiar as banhistas. Todas muito belas, cheias de curvas, dengosas. Sim, Diana e suas ninfas, em total nudez.

Os cães farejavam o chão, imunes a qualquer volúpia. Que o caçador satisfizesse seus mais caros desejos.

Acteão só via os corpos nus em contorções sensuais. Seus olhos pareciam poucos e pequenos para tanta beleza. Nada existia além daquele pedaço de rio. Nem cervos, nem cães. E muito menos serpentes.

Havia, porém, uma serpente à sua volta. E escorregava pelo chão, maliciosa.

Um cão ladrou e correu para o réptil. Irritado, Acteão apanhou uma pedra e, de olho no rio, quis calar o animal. No entanto a rocha atingiu a cobra, que fugiu.

Diana e as ninfas apenas se banhavam, como se no mun­do não existissem caçadores, cães e serpentes. E parlavam, riam e se faziam mais belas.

Havia, porém, outra serpente a dois passos de Acteão. E outro cão ladrou.

Furioso, o caçador de cervos atirou outra pedra contra o latido inoportuno. E, como da vez anterior, houve erro de pontaria.

No rio, as águas banhavam ainda as formosas fêmeas. E o lascivo Acteão gemia de prazer.

A terceira serpente apareceu. Terceiro latido, terceira pedrada.

A mesma cena repetiu-se pela quinta, sexta ou sétima vez. E os cães perderam a paciência. Aquele maldito Acteão ia terminar picado e morto. E adeus cervos.

Um dos cães propôs deixarem o caçador à mercê das cobras. Não, não podiam trair o amo. Apesar das pedradas que haviam recebido.

Outro sugeriu o mais difícil: falariam a Acteão da exis­tência de serpentes naquele local. Falariam, em vez de latir.

Não, os deuses jamais dariam voz humana aos cães.

E se pedissem ajuda a Diana?

Acteão ouviu os sussurros caninos. Aqueles malditos cães só serviam para estragar prazeres.

E atirou-lhes mais pedras.

Nota: Naquele mesmo dia (ou noutro), Diana surpreendeu Acteão detrás das moitas e o transformou em cervo. Ato contínuo, os cães o devoraram.

Fonte:
MACIEL, Nilto. As insolentes patas do cão. São Paulo: Scortecci, 1991.

Baú de Trovas VI

Eu não possuo riqueza,
fui pobre desde criança!
Mas dentro desta pobreza
sou rica... tenho Esperança !
Adalzira Bittencourt

"Quem espera sempre alcança!..."
- Esperar por quem ?... Por quê?...
Se a derradeira esperança,   
morreu também com você!...
Anis Murad
 

Quando a minha trova lerdes,
tereis plena segurança,
de que eu pus nuns olhos verdes,
a minha eterna esperança.
Antonieta Borges Alves

Quando a dor nos desespera,
a Esperança nos mantém
engambelados, à espera
de algo que, às vezes, não vem!
Antonio Bastos Dias

Nasci pobre e, na pobreza,
desconheci a abastança...
Mas sempre tive a riqueza
      de possuir a esperança.
Antonio Martins

Onde a esperança?... Eu explico:
    - Ela está no fiapinho
que as aves levam no bico,
quando estão fazendo ninho!...
Archimimo Lapagesse

Desde o tempo de criança
- de ingênua colegial -
fiz de ti minha esperança
e só tenho esse fanal.
Ariete Regina de Paula Fernandes

Não é fácil conceberdes
de que a esperança é capaz:
- mentirosa de olhos verdes,
promete e nem sempre faz...
Bittencourt de Sá

Penso em ti. Mas a esperança,
de ver-te minha, se trunca:
- Meu sonho sempre te alcança,
mas eu não te alcanço nunca.
Cesídio Ambrogi

Agora, sei por que vives
alegre, mesmo sofrendo;
aprendi muito contigo:
de Esperança estou vivendo.
Cira Martins Guimarães
 

A esperança é o quem-me-dera,
o Deus-te-ouça, a oração;
une a vida ao que se espera,
como um traço de união.
Edgar Barcelos Cerqueira

Recolhi-me à paz da prece...
E veio a consolação.
Nova esperança me aquece...
Outras saudades virão...
Esther Carmem Sauer Baptista

Na miragem da esperança
que todo mundo procura,
é que a gente ainda alcança
          um farrapo de ventura!
Félix Aires

Esperança - benfazeja
visão de um doce porvir
- algo bom que se deseja
que pode vir ou não vir.
Geraldo Pimenta de Moraes

Eu te olhei e me mostraste,
na mão direita, a aliança.
- Tu pensas que me afastaste,
mas só me deste esperança…
Heraldo Lisboa

Ante a inclemência dos fados
da vida em cada revés...
Consolo dos desgraçados!
- Esperança é o que tu és!...
Honório Santana

Nasceu a felicidade
da mais sublime aliança:
um pouquinho de saudade
e um punhado de esperança
Irací do Nascimento e Silva
 

Na vida prossigo a pé
minha jornada não cansa:
de provisão - levo a Fé;
de lenitivo - a Esperança...
João Vicente da Costa

Adeus sonho, adeus quimera
que se busca e não se alcança.
Prender ilusões - quem dera!
Ao menos fica, Esperança!
Jorge de Faria Goes

O verbo "amar” conjugado,
tem dois tempos, assegurado:
a saudade - que é o passado,
a esperança - que é o futuro...
Jorge Murad

Esperança e, simplesmente
um sentimento perjuro:
são mentiras no presente...       
desenganos no futuro...
Lectícia Pires Rangel Coelho

Numa era de baixeza,
num mundo de podridão,
a esperança  é a tocha acesa
que trago no coração.
Luiz Evandro Inocêncio

Minha esperança, você
já está ficando velhinha.
Já é vovó dos meus sonhos!
Mas sempre bem queridinha!
Maria  Aparecida Meyer Pires Resende

Aguardo, espero com ânsia;
minha vida é esperar...
e contra toda a esperança
continuarei a te amar!...
Maria do Carmo Mendes Resende Costa

De flores tão enfeitada,
loiros cabelos em trança
Neste esquife azul , deitada,
vai toda a minha Esperança.
Maria José Fortes Braga

Quando contemplo à tardinha,
vindo da escola, as crianças,
sinto que o ocaso  alvorece
nesse arrebol de esperanças.
Maria Rosa Maciel
 

Esperança, isto se chama
e a todo instante acontece:
uma carta... um telegrama...
um meigo olhar... uma prece...
Mauro Barbosa Armond

Das perdidas esperanças
a pior foi a primeira;
pois deixou-me as alianças
e levou-me a companheira.
Natal Machado

Pelos caminhos da vida,
ora aflitiva, ora mansa,
guiou-me sempre a querida,
a bendita luz da esperança.
Nelo Filipi

A Esperança é a voz divina
que a alma da gente acalanta;
nesta terra pequenina
nenhuma voz a suplanta.
Odete Donah

Por muito amar-te perdi
metade de minha vida;
e agora perco, esperando,
a outra metade, querida...
Olímpio da Cruz S. Coutinho

Quando minha alma sentida
nesta vida nada alcança,
     inda me resta na vida
- graças a Deus ! - a esperança!
Rodolfo Coelho Cavalcanti

Todo bem, toda alegria,
que neste mundo se alcança,
são juros de economia
guardado pela Esperança.
Severino Uchoa

No tédio de minha vida
de emoções vazia e nua,
só me torna comovida
a Esperança de ser tua...
Vera Milward de Carvalho

Ai, do pobre, sem carinhos,
cuja dor se vê na face,           
se no meio dos espinhos,
a esperança não brilhasse...
Virgilio Guerreiro

Se eu perdesse, de repente,
tudo o que a vida me deu,
tendo a Esperança, somente,
- bem pouco perdera eu!...
Waldemar Soares Carneiro

Mistério que nos sustenta,
quando a vida fere e cansa…
- Quanto maior a tormenta,
maior também a esperança.
Zalkind Piatigorsky

Fonte:
Luiz Otávio e J. G. de Araújo Jorge. Cem trovas sobre a esperança. Ed. Vecchi, 1959.

Lenda Russa (Os 7 Gigantes dos Urais)

Uma tribo do distrito de Khantia-Mansia, os Mansi tem uma lenda muito interessante para explicar a formação de Man-Pupu-Nyor ou “pequena montanha dos deuses”. Dizem que as sete formações são o resultado de uma luta entre seis gigantes e filho do líder da tribo.

Tudo começou quando o gigante Torev, que andava caçando com seus irmãos nos arredores da montanha Hariz, ficou sabendo da beleza da filha do chefe da tribo dos Mansi e desejou-a para si.

Kuuschay era o seu líder e ele tinha um filho e uma filha. Os homens dessa tribo eram conhecidos por serem ótimos caçadores e corredores e os espíritos da montanha Yalping. Nyeri os protegiam porque ele era um chefe muito justo e sábio.

Aproveitando-se que Pygrychum, o filho do chefe estava ausente caçando com seus guerreiros Torev foi até lá exigir que a bela jovem fosse lhe dada em casamento. Claro que seu pai recusou, e os gigantes resolveram atacar para raptá-la.

O velho chefe desesperado suplicou aos deuses que os ajudassem, pois as muralhas da cidade estavam para cair diante da força dos gigantes. Em resposta um nevoeiro espesso cobriu toda a cidade no mesmo momento em que Torev a golpeou com sua clava. Pedacinhos da muralha se espalharam na planície por causa do vento forte que soprava.

Eles decidiram esperar até amanhecer para atacar, mas para azar deles o jovem Pygrychum, havia voltado com seus guerreiros e vinha portando um escudo e uma poderosa espada, que ao ser banhada pelo sol projetou um raio de fogo nos olhos de Torev. Ele enfurecido atacou junto com seus irmãos. De repente, os movimentos dos gigantes começaram a se tornar lentos e a luz se tornou uma cúpula que cobriu os gigantes e o próprio Pygrychum. Quando ela se dissipou os guerreiros viram que o jovem e os seis gigantes haviam se tornando pilares de pedra.

E lá eles estão até hoje, como lembrança de uma estória de bravura e sacrifício.

Notas:

A formação geológica fica em em platô de difícil acesso, recomendado que somente aventureiros mais experientes viagem até lá. Sua altura varia de 30 a 42 metros. Espalhadas pela planície se veem milhares de pedrinhas, que segundo a lenda se originaram dos pedaços da muralha da cidade que foi atingida pela clava do gigante.

Fonte:
https://casadecha.wordpress.com/tag/russia/

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Paulo Leminski ("Achar")


Folclore Japonês (Tokoyo, A filha do Samurai)


Tokoyo é um conto de perigo, amor, sacrifício e aventura do Japão antigo. Conta a lenda que na “Terra do Sol Nascente”, durante a regência de Hojo Takatoki (início do século XIV dC), vivia uma jovem chamada Tokoyo que cresceu com o pai, o samurai Oribe Shima. Eles viviam na província de Shima, onde muitos ganhavam a vida no mar. Os dois viviam muito felizes, e a convivência da jovem menina com os samurais a ensinou a ser forte.

Um fatídico dia, vítima de uma conspiração, o samurai (invejado por muitos por suas habilidades) foi acusado de ser o responsável por agravar a doença do imperador. Assim, ele foi banido para a pequena e distante ilha Kamishima, nas Ilhas Oki. 


Após o triste episódio, Tokoyo, que amava muito seu pai, ficou inconsolável, e determinada a reencontrar a única família que lhe restava. Sozinha em sua antiga casa na província de Shima, Tokoyo chorava dia e noite. Então um dia ela decidiu partir de sua terra em uma jornada para encontrar e resgatá-lo. Primeiro, ela vendeu todos os seus bens a um comerciante local para juntar dinheiro suficiente para a sua empreitada.

A jovem então partiu em sua longa viagem até o litoral de Akasaki, de onde mal podia avistar ao longe a ilha em que se encontrava exilado seu amado pai. Tokoyo tentou convencer os pescadores locais a levá-la até a ilha, mas por não ter dinheiro o bastante para oferecer-lhes, estes se recusaram. Mesmo assim, a determinada menina não desistiu.

O sol já tinha se posto e as estrelas acordado, quando naquela mesma noite, ela encontrou um pequeno e velho barco semi-enterrado e coberto de algas nas areias da baía. Experiente em assuntos do mar, pois quando criança ela costumava mergulhar com as mulheres de sua aldeia para coletar conchas e pérolas, partiu imediatamente rumo à ilha. Foi uma viagem difícil por águas tortuosas com o pequeno barco, mas isso não era nada para a valente Tokoyo.

Ainda estava escuro quando ela chegou à costa. Desembarcando, a jovem passou o dia todo procurando por seu pai na ilha, mas não o encontrou. A noite chegou, e Tokoyo muito cansada e triste decidiu descansar debaixo de uma árvore.

Depois de algumas horas, ela foi despertada pelo som de uma voz feminina que em  soluços pedia: “Não, por favor, você não pode fazer isso! Eu não sou o sacrifício!” Lamentava a voz. “É honroso morrer pela vila, e por causa do dragão. Você deve entender isso.” Respondeu outra figura materializada a partir da crescente escuridão, segurando-a, tentando confortá-la, e, ao mesmo tempo, murmurando orações.

Tokoyo, escondida atrás de um arbusto, avistou uma jovem vestida com uma túnica branca acompanhada de um monge. Eles estavam de pé na beira de um penhasco, e o monge murmurava repetindo: “Namu Amida Butsu.” A menina lutando estava sem fôlego de tanto gritar e brigar, caindo de joelhos, gotas de água salgada refletindo crepúsculo. “Não! Não! Por favor, tenha misericórdia, tenha misericórdia.” Chorava a menina. “Lembre-se! Seu nobre sacrifício, e seu amor vão renascer em gerações vindouras. Você está criando um futuro melhor, querida. Mantenha isso em seu coração, pois este é o seu destino.” Repetia-lhe o sacerdote, que terminando a sua oração, levou a menina até a borda das rochas, e ameaçava empurra-la penhasco abaixo sobre o mar, quando Tokoyo correu em seu socorro.

O monge, diante da abrupta interrupção, tentou responder pacientemente à intervenção de Tokoyo. Segundo o seu relato, uma antiga serpente-dragão chamado Yofune-Nushi, habitava uma caverna nas profundezas dos mares em torno das ilhas Oki. Yofune-Nushi durante décadas aterrorizou as pessoas da ilha e ameaçava  evocar tempestades e destruir a indústria da pesca (única fonte de renda dos aldeões), a menos que lhe sacrificassem uma virgem a cada ano, em 13 de Junho. Dizia-se que, enquanto eles mantivessem a sua parte no sangrento acordo, o temido dragão iria deixar a cidade em paz.

Tokoyo sentiu a injustiça sofrida pelas donzelas diante de um trágico destino, e mesmo angustiada para resgatar seu pai, resignada, ofereceu-se para tomar o lugar da jovem. Vestiu então a túnica branca ofertada pela menina, e saltou do penhasco mergulhando no oceano gelado com um punhal entre os dentes, para o espanto do sacerdote e da garota.

Tokoyo mergulhou cada vez mais fundo, através das águas iluminadas pelo sol que já acordara no céu, lutando contra a sensação gelada que inundava seu corpo. Abaixo, abaixo ela nadou, passando escalas intermináveis de escorregadios peixes de prata, e formações de corais de tirar o fôlego. Afastando-se, ela nadou mais profundamente.

A luz solar que havia preenchido previamente o oceano com um sentimento calorosamente feliz, foi lentamente sendo apagados enquanto nadava mais profundo, até que encontrou uma caverna em uma floresta de algas.

Todo o lugar reluzia com conchas, pérolas e luzes fosforescentes. Na entrada da caverna havia uma pequena estátua de Hojo Takatoki. Tomada pela raiva que sentia do Imperador por banir seu pai do reino, seu primeiro instinto foi destruir a escultura, mas decidiu que seria melhor levá-la primeiro para a superfície. Tokoyo então a atou a seu cinto, preparando-se para emergir, quando vislumbrou uma imagem imensa surgindo das profundezas da caverna.

Era Yofune-Nushi, o temido Dragão. Ele tinha a forma de uma cobra, mas com chifres dourados, pernas e as escamas fosforescentes, com aproximadamente 26 pés de comprimento e olhos de fogo. Presumindo que Tokoyo fosse a oferenda, ele ondulou lentamente em direção a ela a atacando.

Tokoyo não se intimidou com seu tamanho, e corajosamente colocou-se em posição de defesa desviando do ataque da fera. A valente tirava vantagem de sua agilidade, e num golpe rápido ela mergulhou a adaga no olho da ameaçadora criatura. Cego com o sangue que jorrava de seu olho e cambaleante de dor, o dragão tentou retornar para a caverna, mas Tokoyo, destemida, o perseguiu. Mais uma vez, a jovem e o Dragão se enfrentaram em um embate, e a  brava Tokoyo aproveitando-se de sua cegueira continuou a atacá-lo o atingindo no lado inferior vulnerável de seu pescoço. Por fim, não resistindo a agilidade dos golpes da jovem aprendiz de samurai, o vil Yofune-Nushi foi morto. Bolhas de sangue tingiram a água do mar.

Sentindo seus pulmões queimarem sem ar, Tokoyo acelerou sua subida a superfície. A valente guerreira, saindo das águas, arrastou-se sobre a terra, onde ela caiu fraca e cansada na areia. O monge e a garota correram em direção a ela, e não podiam acreditar que ela vencera a fera. O grande Dragão foi morto!

O sacerdote levou Tokoyo para a aldeia, e a notícia de seu heroísmo se espalhou rapidamente. A notícia chegou ao Imperador, que agora se encontrava bem e saudável. Logo perceberam que a magia do dragão Yofune-Nushi amaldiçoou sua imagem na forma da estátua sob o oceano, e quando Tokoyo matou o dragão e recuperou a escultura, a maldição foi quebrada.

Então, percebendo que o pai de Tokoyo era inocente, o Imperador mandou que o libertassem imediatamente, devolvendo-o a sua corajosa filha. Lamentando-se por ter banido seu melhor samurai e amigo, o Imperador ainda ordenou que enviassem a Tokoyo e seu pai, uma enorme quantia de tesouros e recompensas.

Tokoyo, depois de dias adormecida pelo desgaste do combate, despertou ao som de tambores e flautas trovejantes. A aldeia inteira estava em festa, todos gritavam o nome de Tokoyo saudando sua heroína. À distância, ela avistou fileiras de casas, e por entre elas, o oceano onde tinha enfrentado o temeroso dragão. Foi quando Tokoyo ouviu uma voz familiarmente querida chamar-lhe o nome, mal acreditando no que ouvira, virou-se, e seus olhos encheram-se de lágrimas.

Parado ali, logo a sua frente, trajando trapos, com cabelo preto acinzentado bagunçado na cabeça, quase irreconhecível. No entanto, um sorriso iluminou seu rosto, e esse era inesquecível. Tokoyo só conseguiu murmurar… Meu pai!

Também foi dado a valente jovem, o privilégio de servir no palácio como uma guerreira samurai ao lado de seu pai, e no reino, a partir de então, viveram juntos e felizes.

Fontes: 
Wikipedia / Myths and Legends of Japan, in Caçadores de Lendas

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 8, final

Três meses mais tarde, Luís Carlos desembarcava no aeroporto de Lisboa, vindo desta vez da Suíça.

Ainda nada sabia do resultado da operação da Sandra Cristina, pois nunca mais comunicara com o Dr. Richter, e passara o tempo por várias capitais da Europa, embebedando-se para esquecer a razão de ser da sua própria vida.

Por fim, convencido de que seria inútil continuar naquelas liberações, que o impossibilitavam para o trabalho, lhe arruinavam a saúde, e pior do que isso não lhe arrancava do seu coração a imagem de Sandra Cristina. Foi assim que decidiu, repentinamente, voltar a São Pedro de Moel, para visitar o seu amigo António das Ondas, e também, saber alguma coisa da Sandra.

Ao chegar à linda praia de São Pedro de Moel, logo encontrou o António das Ondas, que se encontrava sentado no chamado "banco dos reformados", que fica numa rua íngreme que vai dar ao varandim da esplanada, e logo os dois homens caíram nos braços um do outro.

Luís: -  Ah... Ah quanto tempo não o via e que saudades já tinha disto tudo, incluindo o Sr. António!

António: -  Eu já tinha quase esquecido a tua cara e a tua pessoa. Tu é que te esqueceste dos amigos…

Luís: - Olhe que nunca me esqueci, não... Mas diga-me: como está a Sandra Cristina?

António: -  Ela... Ela está completamente curada, e por acaso chega amanhã aqui. Foi um milagre, um verdadeiro milagre, a sua cura total!

Luís: - Completamente curada?!... Decerto que foi... Foi um grande milagre, Deus seja louvado por mais este milagre... A Sandra completamente curada!!!

António: - Não te excites tanto, Luís Carlos. Mas chora à vontade, pois nem sempre é feio um homem chorar. Mas, por favor, acalma-te!

Luís: -  Mas aquela linda mocinha completamente curada, até parece um sonho!

António: - Mas olha lá, tudo bem, mas não é razão par ficarmos para aqui os dois, agarrados um ao outro, a chorar como duas "Madalenas arrependidas"!

Luís: - Tem toda a razão, Sr. António.

António: -  Vamos a casa dos Mendes, e pelo caminho, tenho que passar pelos Correios, para saber se tenho lá alguma coisa para mim...

Luís Carlos ficou passeando pelo largo dos automóveis, enquanto o António das Ondas apressou-se a expedir um telegrama urgente para Nova Iorque e dirigido a Sandra Cristina, dizendo apenas isto:

"Luís Carlos chegou. Perguntou por ti. Disse-lhe que chegavas amanhã. Regressa rápido. António das Ondas".

Ao sair dos Correios, o bom velhote pensava e comentava com os seus botões:

"A verdade é que foi a primeira vez que menti na minha vida - mas foi por bem. Sim, porque senão guardo aqui este maluco do Luís Carlos à espera da Sandra Cristina, ele ainda é bem capaz de arranjar mais "macaquinhos" na sua cabeça, e sendo assim, ainda a nossa Sandra fica mais um ano à espera dele!”.

No outro dia e no último “expresso” que vinha de Lisboa, chegava a Sandra Cristina. Luís Carlos e o António das Ondas, assim como seus pais e alguns amigos, estavam à espera da moça…

Sandra: - Olá queridos papás! Graças a Deus que me encontro completamente curada!

Emília: - Minha querida filha, ainda me parece um sonho, um sonho lindo!

André: - Oh filha querida, como estás linda!

António: - Olá querida mocinha, tu cada vez estás mais bela, e agora, completamente curada!

Sandra: - Estou tão feliz! Mas... Mas o Luís Carlos, não me veio esperar?...

Luís: - Pois claro que sim, por isso estou aqui!...

Sandra: - Oh Luís Carlos, como estou feliz, meu amor! ... Perdoas-me?...

Luís: - O passado morreu minha querida. Mas como estás linda…

E um beijo uniu aquele grande amor...

Dois meses depois a capela de São Pedro de Moel estava linda...

Nesse dia, Luís Carlos e Sandra Cristina, dentro das suas convicções religiosas, iam-se unir para sempre.

São Pedro de Moel estava em festa, e toda a gente feliz com o evento.

Luís: - Olha, minha querida Sandra Cristina, temos de ir fazendo as nossas despedidas, antes de partirmos para a nossa lua-de-mel...

Sandra: - Vamos então. Podemos começar aqui pelo Sr. António das Ondas... Ora diga-me: como é que você sabia que eu ia chegar naquele dia e àquela hora?

O bom velhote levantou-se e calmamente encarou os dois jovens que estavam ali à sua frente, e com um sorriso nos lábios, respondeu-lhe:

António: - Olha lá Sandra, tu por acaso não recebeste o meu telegrama?

Sandra: -  Telegrama?! ... Ah, pois, claro que recebi. Ahahahahah! 

António - Então, minha boa e querida amiga, por vossa causa, menti, pela primeira vez na vida. Vão lá à vossa vida e sejam muito felizes!
 
F I M

Fonte:
O Autor

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Paulo Leminski (" de som a som ")


Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 7

Entretanto, na sala de operações, do melhor e mais bem apetrechado hospital de Lisboa, o Dr. Roger Richter, terminara a segunda operação, a Sandra Cristina. Na ante-sala, esperavam-no o pai e a mãe da paciente. O médico saiu da sala das operações, com o semblante carregado. Os Mendes encararam-se, preocupados.

Encarando com eles, o Dr. Roger Richter disse, com aquela rudeza quase agressiva, que o caracterizava, quando estava enfronhado nos seus trabalhos profissionais:

Dr. Roger: -  A vossa filha vai ficar curada. Cheguei a recear que apenas pudesse fazê-la coxear um pouco menos. Mas a verdade, é que Deus me ajudou, e agora, posso garantir-lhes que dentro de três a seis meses, a nossa gentil Sandra Cristina, correrá e dançará, como qualquer rapariga que nunca tenha sofrido qualquer acidente!

Emília: -  Oh, Sr. Doutor!

A mãe da rapariga rompeu num pranto silencioso e feliz, enquanto o marido caminhava para o Dr. Roger Richter, e estendeu-lhe a mão, com os olhos marejados de lágrimas. O médico apertou-a e com um sorriso. Já perdera aquele ar carrancudo que tinha, quando prestava a sua atenção profissional, e disse-lhe:

Dr. Roger: Não tem nada que me agradecer, Sr. André Mendes. Fiz o que pude. Mas olhe que a sua mulher precisa de si…

Efetivamente, Emília Mendes tateava o ar, procurando onde se pudesse apoiar. Na sua perturbação, aquela mãe ainda duvidava das palavras claríssimas que acabara de ouvir!

Depois do marido a ter amparado e a levado até a uma cadeira, a pobre senhora levantou os olhos para o médico, e nesse olhar endereçou-lhe o mais eloquente agradecimento que ele poderia ter recebido. Sensibilizado, o Dr. Roger Richter disse-lhe então:

Dr. Roger: -  Dentro de uma hora, podem fazer companhia à vossa menina, mas por poucos minutos, dez o máximo. E não se esqueçam que ficam completamente proibidos de lhes dizer o que eu lhes contei do êxito da intervenção cirúrgica. 

Emília: -  Assim faremos, Sr. Doutor. Até parece um sonho, o melhor sonho de minha vida!

Dr. Roger: - Se lhe dissessem isso lhe provocaria um choque nervoso, que poderia ser-lhe prejudicial na evolução no processo de recuperação, que agora deve ser rápido.

Emília: -  Faremos tudo o que o Sr. Doutor nos mandar ...

Dr. Roger: -  Digam-lhe que não estiveram comigo, depois da operação.

Emília: -  Pode estar descansado, Sr. Doutor.

Dr. Roger: -  E para terminar, também vos quero dizer que os convido para jantarem comigo e com a minha mulher, esta noite.

Eles sorriram envergonhados, mas o médico receou que não o tivessem compreendido que lhes estava a fazer um convite formal, pelo que se apressou a acrescentar:

Dr. Roger: -  Esta será a última parte da mentira, que peçam que não digam a Sandra... Bem, não é rigorosamente uma mentira, pois, minha mulher e eu, esperamos que nos deem o prazer da vossa companhia, hoje, ao jantar - está bem ?!

Emília: -  Temos todo o prazer em aceitar o seu amável convite!

Dr. Roger: -  Então até logo às oito horas no hotel.

No final do jantar, o Dr. Roger Richter esclareceu o casal Mendes:

Dr. Roger: -  Convidei-os com um determinado fim, ou seja, o caso de Sandra Cristina. Em princípio, ela deveria de precisar de outra intervenção cirúrgica, mas que talvez seja desnecessária, se durante estes meses mais próximos, for vigiada com toda a atenção e competência. Nós temos de partir de avião para Nova Iorque, na próxima semana, pois não posso de modo algum protelar a data da minha partida, por compromissos anteriormente assumidos.

André: -  E o que nós podemos para ajudar a nossa querida filha?

Dr. Roger: -  Tenham calma e escutem a minha mulher vos tem para vos dizer.

Jodie: -  Por isso pensei, ou melhor, pensamos eu e meu marido, em pedir emprestada a vossa filha por uns meses. Autorizem que a Sandra venha conosco, pois lhe faria muito bem mudar de ambiente. Em Nova Iorque, temos muitos amigos, e ela recompor-se-á noutro meio ambiente, de modo que, quando regressar será outra rapariga, tendo inclusive já perdido todos os seus complexos, que sempre a têm atormentado. Que me dizem?

Emília: -  Nós gostaríamos que ela fosse, mas compreendem as saudades... E, além disso, financeiramente, não podemos suportar tanta despesa,

Jodie: -  Mas atenção, pois tratasse de um pedido nosso, sem qualquer encargo financeiro para vós.

Dr. Roger: -  Reforçando a ideia de minha mulher, lhes direi que não vos fiz qualquer pedido em proveito próprio, a não ser aquele de cederem parte da vossa mesa, na esplanada, no primeiro dia que nos conhecemos!

Jodie: -  É um convite que fazemos com todo o prazer, e que não representa para vocês, repito qualquer despesa financeira.

Dias depois, Sandra Cristina, acompanhada pelo casal Richter, partia de avião rumo a Nova Iorque.

Quando o carro particular do casal parou, de fronte a um enorme arranha-céus onde moravam, o Dr. ajudou Sandra a descer do automóvel, e a rapariga, também amparada a sua mulher, caminhou devagarzinho até ao ascensor.

Estava radiante de felicidade. Chegados ao último andar, o ascensor parou. Um mordomo veio-os receber e cumprimentou-os respeitosamente. A senhora Jodie Richter, perguntou-lhe então:

Jodie: -  Antony, anteontem recebeu um telegrama meu?

Mordomo: -  Recebi sim, minha senhora!

Jodie: -  Então, está tudo conforme as indicações que lhe dei?

Mordomo: -  Segui todas as suas indicações, minha senhora.

Jodie: -  Muito bem... Sandra Cristina venha agora ver a cidade de Nova Iorque, do alto de um centésimo quinto andar.

Devagarzinho, com mil precauções e carinhosamente, a mulher do Dr. Roger Richter levou a Sandra, até a uma grande janela que se abria sobre o coração da cidade. O espetáculo que daí se avistava, era simplesmente maravilhoso!

O Dr. Roger Richter, veio reunir-se a ela e a sua mulher.

Dr. Roger: -  O que se avista daqui é de facto esmagador! Mas vim aqui convidá-las a passarem à biblioteca. Venha, Sandra Cristina, que nós a ajudaremos.

Jodie: -  Eu vou à frente abrir a porta, e a Sandra vai entrar sozinha, sem estar amparada a nós. Serão os primeiros passos que dará, sem coxear, valeu?

Sandra: -  Vamos lá a ver se conseguirei…

A porta abriu-se e a rapariga viu-se num dos topos de uma grande sala, confortável e forrada com estantes cheias de livros. Não estava ninguém na biblioteca, apenas, na grande parede do fundo, estava uma tela...

Ao ver a tela, Sandra Cristina caminhou sozinha para a frente, com o corpo direito e sem coxear, com o olhar brilhante e fixo naquele quadro, como se estivesse sonhando.

Era ela a retratada, era ela que estava ali, numa técnica de pintura como nunca vira, e em que cada traço lhe falava de um amor, que ela não soubera compreender a tempo...

Sim, ela tinha razão quando argumentou com os pais, que o quadro recebido do Luís Carlos, não poderia ser o original. O seu coração não a enganara!

E foi os seus olhos brilhantes, que fizeram a pergunta, que os seus lábios não se atreveram a formular.

Então, conscientemente e pela primeira vez na sua vida, o Dr. Roger Richter faltou à sua palavra, e explicou a Sandra, como é que aquele precioso quadro, que o autor nunca quisera vender por preço algum, se encontrava ali em sua casa, na sua biblioteca.

A Sandra Cristina teve uma inevitável crise de lágrimas e logo quis saber onde se encontrava Luís Carlos.

Jodie: -  Isso também nós queríamos saber, Sandra. Até porque o meu marido tem de fazer contas com ele, pois todas as despesas extras da operação deviam ser pagas por ele. Ora, para isso mandou-nos um cheque com uma importância muito superior àquela que despendemos, mesmo contando com esta sua viagem a Nova Iorque. E o meu marido, quer-lhe devolver-lhe o excedente.

Sandra: -  Mas então têm o endereço dele de Paris?

Jodie: -   Também não temos esse endereço, e só sabemos que ele partiu da capital francesa, sem deixar rastro.

Sandra Cristina ficou pensativa, mordendo os lábios. Foi o Dr. Roger Richter quem lhe indicou o que ela devia de fazer:

Dr. Roger: -  Para mim, não pode haver quaisquer dúvidas sobre o que vai acontecer. Mais dia, menos dia, Luís Carlos vai quer saber o resultado da operação, e então terá de comunicar comigo para poder saber o que aconteceu, ou, então, vai aparecer em São Pedro de Moel, visto que daqui a dois meses, fará dois anos que vocês ali se conheceram, não é verdade?

Sandra: -  É verdade. Estou a ver que o Sr. Doutor sabe tudo a nosso respeito. Mas que posso eu fazer?

Dr. Roger: -  Por enquanto, minha boa amiga, ainda está sob a alçada do clínico, que está a vigiar a sua convalescença.

Sandra: -  E ainda terei que ficar por cá muito tempo?

Jodie: -  Daqui a dois meses e meio ou três, regressará a Portugal e a São Pedro de Moel, novinha em folha e capaz de amar sem qualquer complexo, o mais generoso e bondoso coração de homem que palpita sobre a terra, ou seja, o Luís Carlos! E vai ver que ele aparecer-lhe-á, disso não tenha a menor dúvida, minha amiga!

Sandra: -  Se me pudesse garantir isso...

Dr. Roger: -  O que minha mulher lhe disse, é rigorosamente verdade, pois nada sabemos de Luís Carlos. Mas quase lhe podemos garantir-lhe o seguinte: cuide-se de si, pois com certeza que ele a procurará... e a encontrará!

Sandra: -  Se eu tivesse a certeza...

Jodie: -  Quase lhe posso dar a minha palavra de honra que ele a procurará!

Sandra: -  A sua palavra de honra?! ... Então, deve saber mais algumas coisas, além do que me disse...

Dr. Roger: -  Pode crer que  nem eu nem minha mulher sabemos mais nada, a não ser que o amor dos homens honrados, é a maior força que os impele neste mundo!

continua…

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