sábado, 28 de novembro de 2015

Olympio Coutinho (Trovas)

1.
Alegria em plenitude
cultiva dentro do peito
quem dá valor à virtude
e menospreza o defeito.
2.
A "meia-noite", querida,
relembra pra todos nós
os instantes desta vida
que não ficamos a sós.
3.
As margaridas florindo
sob este céu cor de anil...
É a primavera surgindo
por todo nosso Brasil.
4.
As tristezas não me tocam,
as crises... busco vencê-las;
quando os planetas se chocam
do choque nascem estrelas.
5.
Belo ocaso e o sol formata
com um mar da cor de anil
uma tela que retrata
a bandeira do Brasil.
6.
Braços de todas as cores
traduzindo integração;
qual jardim de muitas flores
plantadas no coração.
7.
Buscando alcançar o céu,
entre as nuvens eu me ponho;
sigo assim, vivendo ao léu,
pela estrada do meu sonho.
8.
Capa de livro bem feita,
esta foto me extasia:
mostra, de forma perfeita,
abraço em prosa e poesia.
9.
Campo de terra e o menino,
com pés descalços no chão,
tem um sonho clandestino:
ser um dia um campeão.
10.
Corações são assoprados
para outro mundo, virtual...
Será que estamos frustrados
com nosso mundo real?
11.
Cultive a fraternidade,
como quem cultiva a terra;
quem planta grãos de amizade
não colhe os frutos da guerra.
12.
Da vida, na falsidade,
nossos olhos têm magia;
ninguém encobre a verdade,
pois o olhar a denuncia.
13.
Eu não tenho o que queria,
mas sou feliz mesmo assim;
faço a minha terapia
na mesa do botequim.
14.
Feliz de quem não permite
que o domínio da razão
seja mais forte e limite
o que sente o coração.
15.
Juventude, o procurar
permanente de viver;
enquanto a busca durar
ninguém vai envelhecer.
16.
Não fuja dos seus caminhos,
nem busque atalhos a esmo;
quem tem medo dos espinhos
não acha a flor em si mesmo.
17.
Neste teatro, que é a vida
(e a vida é uma somente),
prefiro o palco, querida,
do que ser mero assistente.
18.
O barquinho vai zarpar...
E me lembro, entristecida,
que por ter medo de amar
perdi o barco da vida.
19.
Olho os guris abraçados
e o meu pesar é profundo;
sei que serão separados
pela aspereza do mundo.
20.
Pelo amor abandonado,
hoje sou, na realidade,
velho navio ancorado
no triste cais da saudade.
21.
Pipa empinada e o menino,
saudando a força do vento,
curte o prazer repentino
de ser livre em movimento.
22.
Por mais que esta vida o açoite
prossiga na caminhada;
depois do negror da noite
sempre desponta a alvorada.
23.
Qual duas taças de vinho
em perfeita simetria;
que seja assim o caminho
do nosso amor, que inebria.
24.
Quisera, no trem da vida,
percorrer o meu caminho
em passarela florida
de paz, amor e carinho.
25.
Se em sua rota há procelas
não ponha a culpa no vento;
cuide do ajuste das velas,
ponha o barco em movimento.
26.
Se os erros lhe causam dor
não busque culpas a esmo:
tente, com vontade e amor,
reconstrução de si mesmo.
27.
Se tem que lutar não pense
em procurar um abrigo;
uma luta não se vence
se escondendo do inimigo.
28.
Simbolizam essas mãos
que buscam erguer a Terra
um movimento de irmãos
pela paz e contra a guerra.
29.
Sorria a todo momento
por pior que esteja a vida...
Quem sorri no sofrimento
torna a dor mais dividida.
30.
Tenho ciúmes da lua,
ciúmes loucos, meu bem,
pois passeia em tua rua...
e no teu corpo também.
31.
Viagens, sonhos, crianças,
cenas que nós já vivemos;
são retratos de lembranças
que nunca mais esquecemos.
32.
Viver não é passatempo,
pois um paradoxo encerra:
– a gente é que mata o tempo,
e o tempo é que nos enterra.

Olympio Coutinho (1940)




  OLYMPIO da Cruz Simões COUTINHO, nasceu em na zona da Mata mineira, em 9 de outubro de 1940. Em Ubá, fez o primário e o secundário, tendo exercido diversas atividades esportivas como atleta da Praça de Esportes (natação e basquete), do Tabajara Esporte Clube (basquete e vôlei) e do Esporte Clube Aimorés (futebol). 
Já fazia trovas e mantinha correspondência com trovadores como J. G. de Araújo Jorge, Luiz Otávio, Aparício Fernandes, Rodolfo Coelho Cavalcanti e muitos outros. Em 1962, foi para Belo Horizonte para estudar Jornalismo, tendo se formado em 1965: trabalhou na edição mineira da Última Hora, Folha de Minas, Jornal de Minas, Diário de Minas e Estado de Minas (onde entrou como repórter em 1967 e saiu como editor em 2003). Ainda em 1965 ingressou na Academia Mineira de Trovas e assumiu a cadeira nº 11 (patrono Casimiro de Abreu), tornando-se o mais novo acadêmico.
Em 1966, lançou a primeira edição de Festival de Trovas, que reunia 101 trovas feitas durante sua adolescência em sua terra natal, livro que ganhou como prefácio trecho de comentário de J. G. de Araújo Jorge, publicado no Jornal Feminino, suplemento literário de O Jornal, do Rio de Janeiro, em 1961:“Minas é a grande ilha no arquipélago da poesia brasileira. Terra de poetas e trovadores.
Desde a primeira Escola de Poesia, com Gonzaga, Alvarenga, Cláudio Manoel da Costa, até os modernistas autênticos, como o grande Drummond, alto e de ferro, mas musicado de águas como uma montanha de Itabira. Começo com estas palavras para falar de um trovador que desponta: Olympio da Cruz Simões Coutinho, de Ubá”…
Já Rodolfo Coelho Cavalcante, em carta, escreveu: “O seu livro Festival de Trovas fez-me dizer sinceramente: o Brasil tem mais um bom trovador! Tanto no lirismo como no humorismo, o amigo é um bom trovador. Sorri bastante com o seu grande humor na questão dos “pintinhos”. Fazia tempo que eu não ria com uma boa trova e não queira saber a gostosa gargalhada que eu dei”.
Em 2003, Olympio criou e edita até hoje um jornal de bairro, o Jornal Sion: atualmente, edita ainda outros dois jornais de bairro (Lourdes e Lagoa Notícias), dirigidos por sua filha.
Em junho de 2007, foi convidado para trabalhar na Assessoria de Imprensa do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), onde permanece.
Tendo interrompido sua produção literária em 1968, voltou a fazer trovas em 2008. Em 2009, ingressou na União Brasileira de Trovadores (UBT), seção de Belo Horizonte.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Isabel Furini (Comadres)

Janine sempre fora uma mulher bonita. Sabia agradar e seduzir, mas os anos passaram e ela – como uma flor – foi perdendo a louçania, mas parecia não tomar conhecimento disso, ao contrário de Ângela.

Ângela, 65 anos, é uma mulher alegre e brincalhona. Rechonchuda, a pele clara, o cabelo preto e as bochechas sempre vermelhas. No dia 15 de Fevereiro, dia do aniversário do neto, a família estava reunida em volta do bolo. Ângela deliciava-se com os brigadeiros. De repente, a campainha toca várias vezes, com um som longo e agudo. Quem será? pensou. 

Seu filho, Daniel, correu até a porta e abriu. Janine, a sogra, entrou correndo, os olhos esbugalhados e respirando com dificuldade. 

– Onde está minha filha? – perguntou.

Marli colocou as empadinhas sobre a mesa e correu ao lado de sua mãe.

– O que aconteceu, mamãe?

– Filha... filhaaaa... – repetiu a Janine quase chorando – desci do ônibus e um homem me seguiu. Não sei o que queria... não sei o que queria.

– Mamãe! – gritou a filha, abraçando-a – você esteve em perigo? Ele disse alguma coisa?

– Não, não falou, mas olhava para mim, com um olhar... e ao descer do ônibus vi que ele desceu atrás de mim, e começou a seguir-me. Você entende?.. Ele tinha um olhar sensual.

Dona Ângela, pegou mais um brigadeiro e olhou a Janine de cima para baixo – o rosto enrugado, a barriga volumosa, as pernas com varizes e, ocultando um riso malvado, falou. 

– Fique tranquila!. Ele ia a querer o quê? Quando uma mulher é jovem, nunca se sabe... um homem que a segue pode querer sua bolsa ou pode estar pensando em outra coisa, mas, na sua idade?!!! Sejamos honestas, dona Janine, ele ia querer o quê?.. Só sua bolsa, mulher, só sua bolsa.

Minutos depois, outra vez, o som da campainha. A festa de aniversário era um êxito. Daniel correu de novo para a porta e abriu. Boa tarde, disse o homem de camisa listrada.

– É ele... é ele... – gritou dona Janine, escondendo-se atrás da filha.

– Olá, Geraldo... – disse a filha, um pouco encabulada com a atitude da mãe- mamãe, esse é o nosso vizinho, o pai do Albertinho.

– Ah!... é sua mãe mesmo. Pegamos o mesmo ônibus e achei que era ela... mas como não tinha certeza.... não falei nada. 

– Ah!... Ah!... meu pai disse que sua avó olhava assustada. A velha é medrosa, né? – perguntou o Albertinho, o filho do Geraldo.

– Ela é –disse o netinho rindo – ela é bem medrosa...

– É assim mesmo, pessoal – afirmou Ângela, quando se é tão linda e sexy quanto dona Janine, qualquer olhar fixo pode ser considerado assédio sexual.

Fonte:
Conto obtido no blog da escritora. isabelfurini.blogspot.com.br