quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

4º Concurso do Projeto de Trovas Para Uma Vida Melhor (Trovas Premiadas)

5ª Etapa

A Busca da Paz, do Equilíbrio em Sociedade.

Tema: Agressão

GRUPO 1

VENCEDORES

1º LUGAR
Troca os trapos da agressão
por vestes de amor profundo
e serás ''o cara'', então,
mais bem vestido do mundo!
Carlos Henrique da Silva Alves
(Senhor do Bonfim/BA)

2º LUGAR
Quando a injustiça é patente,
a palavra não dosada
pode ser mais contundente,
que a agressão, ou bofetada!
Carolina Ramos
Santos/SP

3º LUGAR
Dizer palavras horríveis
– não há maior agressão!
Feito flechas invisíveis,
vão direto ao coração.
Aparecida Gianello dos Santos
Martinópolis / SP

 MENÇÃO HONROSA

1
Mesmo com raiva não xingue,
busque a paz na relação.
Não faça da vida um ringue
para a troca de agressão.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora/MG

2
Toda agressão é violência
urdida contra um irmão...
Quem a usa com frequência
perde o direito e a razão!
Myrthes Mazza Masiero
São José dos Campos/SP

3
É uma agressão desumana,
uma falta de respeito...
Num país com tanta grana,
hospitais faltando leito.
Edy Soares
Vila Velha/ES

4
Toda agressão cometida
contra o ambiente, onde for,
reverte-se contra a vida
e atinge o próprio agressor...
Antonio Augusto de Assis
Maringá/PR

5
O que é preciso fazer,
nesta contenda falaz,
para o mundo compreender
que agressão não gera paz?
Joel Hirenaldo Barbieri
Taubaté/ SP

 MENÇÃO ESPECIAL

1
A pior agressão vem,           
findas as guerras verbais,
no silêncio de um desdém,
que ao coração fere mais.
Edweine Loureiro da Silva
Saitama/Japão

2
Demonstra não ter razão              
quem tenta, em qualquer contenda,
fazer uso da agressão,
seja o que for que pretenda.
Julimar Andrade Vieira
Aracaju/SE

3
Agressão é ferimento
que machuca o coração.
E se atinge o sentimento...
não tem cicatrização.
Paulichi
Atibaia/SP

4
Quem anda em busca da paz
deve ter como missão
desarmar-se, e isto se faz
não revidando agressão!
Nemésio Prata Crisóstomo
Fortaleza/CE

5
O que será desse mundo
sofrendo tanta agressão,
por um povo que no fundo
só tem amor ao cifrão?
Luiz Moraes
São José dos Campos/SP

DESTAQUE

1
Ao sofrer uma agressão,
o Mestre não revidava;
olhava com compaixão
o próximo a quem amava.
Sonia Regina Rocha Rodrigues
Santos/SP

2
Nem dá para relatar,
na polícia, as aflições;
o desprezo de um olhar
é a pior das agressões.
Geraldo Trombin
Americana/SP

3
Pelas agressões sofridas,
Jesus se compadeceu,
perdoou dores curtidas
e  por seu povo morreu.
Olga Maria Dias Ferreira
Pelotas/RS

4
Felicidade é viver 
na alegria e na união;
no entanto, há quem tem prazer
de praticar a agressão.
Marina Gomes de Souza Valente
Bragança Paulista/SP

5
Quando qualquer atitude,
for seguida de agressão,
o causador não se ilude:
não tem justificação!
Nadir Nogueira Giovanelli
São José dos Campos/SP

GRUPO 2

VENCEDORES

1º LUGAR

Eu acho uma crueldade,                 
até mesmo uma agressão,
o tamanho da saudade
que sinto no coração.
Maria Lúcia Fernandes Rocha
São Fidélis/RJ

2º LUGAR
Mesmo o Pai nos dando a prova               
que devemos perdoar,
agressão que se renova
é difícil suportar.
Ana Maria Nascimento
Araçoiaba/CE

3º LUGAR
Agressão é sentimento  
de profunda  autoridade,
mas acaba no momento
que o outro, mostra  humildade.
Elenir Ferreira
Santos/SP

MENÇÃO HONROSA

1
Para educarmos o mundo,
temos que ter mansidão;
pois o carinho profundo
repele sempre a agressão!
Wanda Duarte
Ribeirão Preto/SP

2
A agressão desfaz o amor
e grava na alma amargura.
Mas da paz vem o clamor 
com um gesto de ternura.
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba/PR

3
A mãe Natureza roga
ao Criador proteção.
Mas, ao homem, interroga
o motivo da agressão.
W. Mota
Taubaté/SP

4
Agressão contra mulher
ou criança dói-nos n'alma
O castigo que vier
será justo ou só acalma?
Angela Guerra
Rio de Janeiro/RJ

Irmão deve amar irmão,
sem agressão, sem rancor,
viver como bom cristão
e difundir muito amor.
Claudio Morais
Taubaté/SP

MENÇÃO ESPECIAL

1
Agressão de qualquer jeito
deve ser denunciada,
pois prevalece o direito
de ser sempre respeitada.
Maria Zilnete de Moraes Gomes
Campos dos Goytacazes/RJ

2
Toda agressão prejudica
a pessoa que a recebe;
o agressivo não dá dica
da maldade que concebe.
Mifori
São José dos Campos/SP

3
Não importa a agressão
– seja física ou verbal –,
diga um veemente “Não!”,
seja exemplo fatual!
George Gimenes
Ontario/Canadá

4
Depois de tanta agressão
com toda maledicência,
você me pede perdão
e quer que eu tenha clemência?!...
Nair Lopes Rodrigues
Santos/SP

5
A nossa grande missão:
zelar, observar, cuidar,
qualquer tipo de agressão;
praticando o verbo amar!
Leonir Aparecida Ligor Menegati
Dourados/MS

DESTAQUE

1
Está o mundo agressivo,
no olhar a agressão, revolta...
É um olhar destrutivo,
que talvez, não tenha volta!...
Lora Saliba
São José dos Campos/SP

2
Mulher que sofre agressão,
deve o mal já denunciar,
jogue o agressor na prisão
pra ninguém importunar.
Marcos Coelho
Dourados/MS

GRUPO: ALUNOS

VENCEDORES

1º Lugar
Agressão não é legal,
seja lá qual a razão,        
sendo física ou moral
maltrata alma e coração.
Leandro Sena Carvalho
8º A – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

2º Lugar
Quando vir uma agressão 
não fique parado, olhando,
diminui o valentão,
diga-lhe que vá parando.
Lucas Sampati Pereira
 6º C – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

3º Lugar
Eu não gosto de agressão,
ainda mais contra mulher
dá uma grande tensão
- O que essa pessoa quer?
Luiz Fernando Dias Barbosa
8º A – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

MENÇÃO HONROSA

Eu sempre fui ameaçada,
sofri uma forte agressão.
Minha vida regaçada,
o meu caso: coração.
Grabriela de Mattos Santos
6º A – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

Olivaldo Junior (O Poeta do Adeus)

Certo dia fui nomeado de "O poeta do adeus". Essa alcunha me fora dada por um rapaz a quem muito mandei poemas, contos e crônicas que fiz. Faço do adeus, da despedida e da lágrima meus temas, senão preferidos, recorrentes. Acho que ele não gostou muito desses temas e resolveu me batizar. Bem, é bom ser chamado de alguma coisa. Melhor que ser ignorado, igual a esse mesmo amigo tem feito há um tempo comigo. Sei que não é muito legal ficar lendo sobre adeus e seus respectivos subtemas, mas, de vez em quando, ainda volto a eles. Adeus, pelo menos, é um tanto poético. 

Venho escrevendo, por sugestão de uma amiga, mais contos e crônicas. E tenho gostado disso. Mas, quando menos percebi, voltei a esse tema do adeus novamente. Não tenho tido muitas devolutivas desses últimos textos, o que me faz pensar que não estou de fato agradando. Na verdade, como já disse um tempo, preciso me renovar mesmo. Não é fácil. Isso exige uma renovação interior que, para variar, também não é fácil. Dar adeus a velhos hábitos é como dar adeus a velhos temas de escrita e, claro, de pensamento. O tempo nem sempre cura tudo. É preciso um tempo para ajudar o tempo a nos temperar de outra forma. Portanto, espero dar um tempo em meus escritos outra vez. Assim, quem sabe, minha pena me dê novos e melhores textos, com renovados temas, e eu mesmo me refaça, me redescubra, enfim. 

Para ilustrar esse "último" texto, lhe mando uma canção muito linda, escrita por Neil Sedaka e Phill Cody, numa gravação de Sissel, cantora norueguesa de um timbre límpido, assim como todo adeus deveria ser. Não, não sou realmente adepto do adeus. Na verdade, sou mais adepto do eterno, assim como o adeus, também uma utopia. Quem nunca disse adeus? 

Quem me batizou com esse apelido é que me disse adeus sem me dizer e há muito tempo não me visita. Isso é triste, mas é a vida. 

Fonte:
O Autor

Valter Luciano Gonçalves Villar (A Presença Árabe na Literatura Brasileira: Jorge Amado e Milton Hatoum) Parte VIII

CAPÍTULO III

A REPRESENTAÇÃO ÁRABE EM MILTON HATOUM

Perdido no passado, sua memória rondava a tarde distante em que o vi recitar os gazais de Abbas. Era um preâmbulo, e Zana se excitava com aquela voz grave, cheia de melodia, que devia tocar a alma dela antes da loucura dos corpos.
Milton Hatoum

3.1 FICÇÃO E HISTÓRIA DE IMIGRANTES

Naquela época, tentei, em vão, escrever outras linhas. Mas as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento. Permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em lenta combustão, acenderem em nós o desejo de contar passagens que o tempo dissipou.
Milton Hatoum

O tema da identidade nacional é, sabidamente, uma das grandes recorrências nas literaturas dos países colonizados nos inícios da modernidade, abertos, após suas independências políticas, a um intenso fluxo imigratório, como sucedeu nos países da América Latina e, evidentemente, no Brasil.

Constituindo-se como elemento privilegiado de nossa produção romanesca, dramática, poética e crítica, a discussão acerca de nossa identidade cultural seria iniciada pelos viajantes e colonizadores europeus que transformariam suas crônicas de viagem, em verdadeiros ensaios sobre a natureza brasileira no século XVI.

Não obstante o acentuado etnocentrismo com o qual esses cronistas vêem a cultura indígena, não lhes passaria despercebida a explícita diversidade cultural que povoa o Brasil desde os seus primórdios. Essa diversidade seria, num contínuo, atestada nos mais variados relatos europeus, através da invariável comparação entre os índios tupinambás, detentores da hegemonia cultural no Brasil do século XVI – antropófagos e poligâmicos – e os demais povos indígenas, muito deles monogâmicos e abstêmios da carne humana, que habitavam o solo brasileiro nesse período. Assim, os narradores europeus pontuavam, em suas inaugurais descrições sobre o caráter brasileiro, a marca da nossa diversidade cultural.

Parecendo fortalecer-se com o passar dos tempos, a tematização de nossa identidade cultural seria retomada, vigorosamente, pelos românticos, em especial pelos nacionalistas, que a enriqueceria com a vertente do regionalismo, numa explícita reafirmação de nossa pluralidade cultural. Nesse enriquecimento, inauguram, em nossas letras, um procedimento estético que antecipa as grandes obras regionalistas do chamado Romance de Trinta, como ressalta Antonio Cândido:

Vem a propósito dizer que o caso do Brasil é talvez peculiar, pois aqui o regionalismo inicial, que principia com o Romantismo, antes dos outros países, nunca produziu obras consideradas de primeiro plano [...] De tal modo que só a partir de mais ou menos de 1930, numa segunda fase que estamos tentando caracterizar, as tendências regionalistas, já sublimadas e como transfiguradas pelo realismo social, atingiram o nível das obras significativas. (CÂNDIDO, 1987, p. 161)

Não obstante o nível mediano das primeiras obras regionalistas, essa vertente da temática identitária, despojada da ideologia romântica de “país novo”, orientada pela consciência dilacerada de “país subdesenvolvido”, transformaria as obras modernistas do Regionalismo de Trinta em ícones da modernidade nordestina, como observa Heloísa Toller Gomes (2003, p. 643-653), voltada para as variadas nuanças do modernismo brasileiro, atenta aos seus diferentes caminhos e olhares, na reincidente busca de desvendamento de nossas feições culturais. Essa busca, responsável pela reinvenção de nossa tradição literária, seria efetuada tanto pela ousadia dos modernistas de São Paulo quanto pela circunspeção dos modernistas do Nordeste, num movimento de complementaridade, como aponta Heloísa Toller Gomes (2003, p. 646):

Na perspectiva de que a tradição auxilia a invenção literária, trataremos do texto romanesco de Milton Hatoum, Dois irmãos, procurando observar as maneiras com as quais esse escritor amazonense, filho de imigrantes libaneses, destribalizado e aculturado como os caboclos amazônicos, reatualiza a temática identitária em nosso país, entrelaçada, pela via da ficção e da memória cultural, ao drama dos descendentes dos indígenas brasileiros e ao dos imigrantes libaneses, igualmente distantes e sequiosos de suas origens, como se vê na narrativa, principalmente através das personagens, Nael, narrador da obra, filho de Domingas, índia destribalizada, desconhecedor de sua origem paterna, representação máxima do drama que nos gerou, e do libanês, Halim, que ignora a data do próprio nascimento, fato considerado na narrativa como sina de imigrante.

Dessa reatualização de nossa tradição, vem-nos a certeza de que, longe de esgotar-se ou arrefecer-se, o tema da identidade readquire, no início desse milênio, um novo e intenso vigor, conservando a sua capacidade de impulsionar a produção literária e a conseqüente produção crítica em nosso país, conforme se pode verificar, hoje, em toda a América Latina.

Filho de imigrantes libaneses, Milton Hatoum assinala a sua construção identitária do Brasil, através da reciprocidade cultural entre o mundo árabe e o mundo de Manaus, representado pelo elemento indígena, igualmente “emigrado” de sua aldeia, a exemplo da índia Domingas.

Sistemática e abundante, como se processa na obra do romancista nordestino, a presença árabe, em Milton Hatoum, também se transformaria num dos traços estruturantes mais importantes da produção romanesca de Hatoum, frequentando todas as suas narrativas, numa verdadeira multidão. Desses traços, entranhados e transformados no mundo manauara, reavivados pela memória, Hatoum criaria o seu Oriente em Manaus. 

Professor de Literatura Brasileira, contista, romancista e crítico literário, Milton Hatoum tem, desde sua estréia no universo romanesco em 1989, com a publicação do romance,  Relato de um certo Oriente, despertado a atenção e o reconhecimento de teóricos e críticos nacionais, como Davi Arrigucci Jr., Flora Süssekind, Leila Perrone-Moisés, entre outros importantes ensaístas brasileiros.

Leitor confesso de Graciliano Ramos, Milton Hatoum aproxima-se desse escritor pela reafirmação da literatura como ficção, pela explicitação do trabalho com a linguagem, pelo projeto estético comum. Como Hatoum, na atualidade, Graciliano Ramos configura sua obra através da ruptura com o sentimentalismo, com o empirismo social, com a transparência da linguagem, com o documentário social, pretensões que o Naturalismo pôs em circulação, na fase da consolidação de nossas letras. Nesse sentido, torna sua obra, na década de Trinta, numa faca amolada, como a denomina Flora Süssekind:

Não é apenas por contrapor sua série de romances à continuidade dos ciclos que Graciliano Ramos funciona como faca amolada, como corte no modelo romanesco dominante. Sua ameaça vai além da opção por uma obra mais cheia de rupturas que os ciclos de Jorge Amado e José Lins do Rego. Funciona como um corte crítico na própria estética naturalista. Quando explicita em seus romances o trabalho com a linguagem, Graciliano joga por terra a obsessão fotográfica e documental dominante no neonaturalismo de Trinta. Dominante tanto num Jorge Amado quanto num José Lins do Rego [...] Graciliano foge à regra. Opõe a série ao ciclo. Uma literatura que se afirma como ficção à obsessão fotográfico-documental do decênio de Trinta. Uma economia expressiva, uma linguagem contida à verbosidade, à abundância descritiva dos romancistas-modelo à época. (SÜSSEKIND, 1984, p. 170-172 – grifos da autora)

Contrariando as tendências naturalistas, rompendo com as velhas soluções nacionalistas do romantismo, descartando, em seu percurso ficcional, os tons pitorescos e exóticos na configuração de seu Brasil amazonense, ignorando, enfim, as soluções estéticas românticas, retardatárias e, ainda assim, insistentemente utilizadas na representação atual do Amazonas, em textos restritos à circulação local, o romancista Milton Hatoum – precedido por Márcio Souza, autor da obra, Galvez, imperador do Acre (1977) – parece querer preencher, pela via da excelência estética, a lacuna da literatura (erudita) em solo amazonense. Carência, essa, vivamente lamentada por Graciliano Ramos quando, no século passado, incumbido pela Casa do Estudante do Brasil a proceder a uma seleção das narrativas mais expressivas publicadas em nosso solo, no período compreendido entre a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX, declararia consternado:

Ambicionávamos fazer uma espécie de exposição das mais expressivas histórias publicadas em um século, mas este projeto esbarrou com sérias dificuldades. Não nos foi possível recolher e estudar a produção do interior [...] Nada encontrei no Amazonas, em Mato-Grosso. Do resto do país vão novidades e velharias. (RAMOS, [s.d.], p. 16)

Como se procedesse a uma reparação do contexto literário amazonense, lamentado  pelo mestre alagoano, Milton Hatoum, num trajeto de negação e de afirmação de nossas tradições literárias, publica, num período de quinze anos, sua trilogia sobre o Brasil caboclo, alcançando uma enorme visibilidade, afirmando-se, assim, como um grande escritor contemporâneo, a ponto de conquistar para sua obra o Prêmio Jabuti de melhor romance em 1989, com a narrativa, Relato de um certo Oriente, o Prêmio Jabuti de melhor romance em 2000, com Dois irmãos e, em janeiro de 2006, o Prêmio Jabuti de melhor romance em 2005 e o Grande Prêmio da Crítica da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes – com o romance, Cinzas do Norte, publicado em outubro de 2005.

Além desses prêmios, a obra de Hatoum tem atraído o reconhecimento internacional, tanto nos países do Oriente Médio quanto nos Estados Unidos e na Europa, onde tem circulado em meio a um receptivo acolhimento. No Brasil, além dos críticos citados, vemos a obra de Hatoum tornar-se, cada vez mais, objeto de nossa ensaística, dos estudos acadêmicos, como demonstram as Monografias, as Dissertações de Mestrado, defendidas e aprovadas nos Programas de Pós-Graduação das Universidades Federais de Brasília, de Minas Gerais e da Universidade de Sorocaba, presentes em nossa bibliografia.

Não obstante a trilogia de Hatoum voltar-se, recorrentemente, para o mundo manauara em seu contato com a cultura árabe, elegemos a obra Dois irmãos (2000) no intuito de observar as maneiras e os gestos estéticos com os quais o romancista líbano-amazonense capta as transformações históricas e étnicas na antiga morada dos índios manaós, após os quinhentos anos de conquista e de colonização européia.

Nessa compreensão, nos voltaremos para o texto Dois irmãos numa perspectiva interdisciplinar, que nos possibilite a apreensão da Manaus de Milton Hatoum, antiga morada dos índios manaós; Porto de Lenha, para os imigrantes e viajantes ingleses; Vila da Barra, para os colonizadores portugueses e Terra de Ajuricaba, para os caboclos amazônicos.

Ao publicar Dois irmãos, seu segundo romance, voltado para o mundo dos imigrantes árabes, Milton Hatoum, valendo-se de sua prerrogativa autoral, se utilizaria de um curioso elemento paratextual, no qual previne seu leitor de que sua obra é tão somente produto da imaginação, um fato ficcional, portanto. Dessa forma, indica ao leitor o caráter de sua obra e, evidentemente, o modo como lê-la: como verdade ficcional, conforme se nota na página destinada às informações técnicas de composição do livro: Os personagens e situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos, e sobre eles não emitem opinião (HATOUM, 2000, p. 4).

Num desejo, simetricamente inverso às epigrafes e/ou notas dos autores naturalistas, a advertência de Milton Hatoum, além de apontar para a instigante vitalidade da discussão sobre a difícil relação entre Ficção e História, se constitui como um dado diferenciador entre a sua escritura e a dos romancistas naturalistas que, a exemplo de Jorge Amado e Aluísio Azevedo, insistem na perspectiva da honestidade, da verdade, mesmo com o sacrifício do literário, em acordo com o que já expusemos nesse trabalho.

Tematizando, como Jorge Amado, a presença do imigrante árabe, num contexto relativamente recente de nosso país, Milton Hatoum parece se preocupar com a possibilidade de sua ficção ser lida como verdade, como ícone de autenticidade do narrado. Nessa preocupação, tenta esvaziar, da leitura de sua obra, quaisquer analogias entre o que narra e o vivido ou experimentado. Assim, subtrai, na advertência, o importante papel que desfruta as memórias, no processo do fazer literário e no da sua própria ficção, como se constata da leitura de sua narrativa. Nessa subtração, Milton Hatoum parece antecipar-se, contraditoriamente, ao seu próprio narrador, que confere às reminiscências, às suas e às que colhe dos variados personagens, o caráter de indispensabilidade, em seu projeto escritural.

Concebendo, implicitamente, a sua narrativa como um jogo prazeroso de lembranças e esquecimentos, o narrador de Dois irmãos concebe as memórias como elementos privilegiados de reinvenção da realidade, do processo de ficcionalidade, portanto. Mas a memória inventa, mesmo quando quer ser fiel ao passado [...] Naquela época, tentei em vão, escrever outras linhas. Mas as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em lenta combustão, acenderem em nós o desejo de contar passagens que o tempo dissipou. E o tempo que nos faz esquecer, também é cúmplice delas. Só o tempo transforma nossos sentimentos em palavras verdadeiras [...] o jogo de lembranças e esquecimentos – me dava prazer. (HATOUM, 2000, p. 90; 244; 265)

Nesse exercício, Nael, o narrador de Dois irmãos, assinala a instável relação entre o Tempo e a Memória, caracterizada, dialeticamente, pelos princípios da corrosão (esquecimento) e o princípio da combustão (reavivamento). Assim, procede a uma implícita alusão ao elemento predominante nas memórias poéticas de Carlos Drummond de Andrade, o princípio da corrosão, traço considerado capital em sua memorialista, como assegura Luiz Costa Lima, ao analisar o poema drummondiano, “Destruição”, que Hatoum escolheu como epígrafe de sua obra:

Na verdade, este seu retrato de castelo solar apenas representa o lado da adesão afetiva, do apego ao que, cruel, era entretanto amado. Se esta fosse a inteireza recordada o poeta seria preso do saudosismo e assim não alcançaria o estado de poeta maior. Mas o solar não fora isento ao tempo; o tempo se introduz como cupim, lenta corrosão de seus alicerces e travejamentos de que só conhecemos o resultado [...] A corrosão é assim a figura central da poética drummondiana. Por ela tanto fala o poder que se carcome, quanto da dissolução que se processa. Ou seja, a corrosão abarca tanto a adesão afetiva ao espaço contra que o poeta se rebelara – sua culpa. (LIMA, 1981, p. 172)

Trazido à narrativa como epígrafe, o poema de Drummond não apenas sinaliza para a perspectiva de Hatoum acerca das memórias, como também para o princípio construtor, elemento comburente, de sua tessitura memorialista, como já apontara, noutra direção, Maria Zilda Ferreira Cury (2007, p. 84). Sorrateira e concomitantemente, indicia o seu processo narrativo centrado no segredo e no anúncio (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 110), no sugerido e no escamoteado e, muitas vezes, num silêncio que, embora sustente o interesse, confunde e desorienta o leitor. Entre nós, esse desejo de confundir o leitor está presente tanto nas memórias ficcionais de Machado de Assis, quanto nas memórias de Graciliano Ramos.

Para essa compreensão, concorrem o poema de Drummond, o exercício de metalinguagem do narrador e as próprias palavras de Milton Hatoum. Este, como afirma em entrevista concedida a Susana Scramim, publicada pela BABEL – revista de poesia, tradução e crítica, nutriu-se largamente da memória da família, dos amigos e conhecidos para a elaboração de seu Relato de um certo Oriente (1989), reconhecendo esse exercício, a exemplo de seu narrador, como elemento decisivo na composição de seu discurso romanesco, como se apreende do fragmento abaixo:

Quando comecei a escrever o Relato, a memória da família, dos amigos e conhecidos, toda a memória da infância foi decisiva [...] Foi um alívio saber que meus parentes não se reconheceram nas personagens do livro. Sei que alguns deles estão lá, mas mascarados, metamorfoseados. (HATOUM, 2000, p. 11)

Acreditamos que o recurso autoral, utilizado por Milton Hatoum, intenta, sim, o alívio que Graciliano Ramos não encontrou quando das publicações de seus discursos memorialistas, especialmente de Infância (1945), segundo testemunha o filho do escritor nordestino, Ricardo Ramos, em discurso certamente conhecido pelo autor de Dois irmãos. Testemunho esse que se refere ao processo escritural e à recepção das obras memorialistas de Graciliano Ramos:

Não sei até que ponto foi compreendido o processo de Graciliano memorialista. Sei que aqui e ali, com alguma freqüência, há pessoas que estranham a colocação de figuras do Memórias do cárcere ou do Infância, em particular quando elas são parentes do autor [...] Logo depois da publicação de Infância, chegaram a meu pai uns ecos magoados, claro que de parentes ou pessoas próximas. Ele se espantou, se irritou vendo que não o entendiam [...] E concluía: “eu tenho lá problema com ninguém? (RAMOS, 1987, p. 14-15)
________________
continua...

Fonte:
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Literatura Brasileira. Universidade Federal da Paraíba – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – Programa de Pós-Graduação em Letras. João Pessoa/PB, 2008
Imagem: IBGE 

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Contos do Oriente (O homenzinho na orelha)

Tan Jinxuan, trabalhava na subprefeitura de Zichuan, na província de Shandong, depois de ser aprovado nos exames de primeiro grau para funcionário público. Ele era taoísta e praticava exercícios respiratórios sempre que podia, mesmo quando fazia muito frio ou muito calor. Depois de muitos meses, achava que os exercícios de controle de respiração estavam lhe fazendo bem.

Um dia, pouco depois de se preparar para a meditação, escutou saindo de seu ouvido uma voz muito fina, tão fina que parecia a de uma mosca:

- Dá pra ver!

Tan Jinxuan abriu os olhos, mas não viu nada. Fechou-os novamente, prendeu a respiração, e os cochichos recomeçaram. Ele achou que esses cochichos eram um sinal de que seria imortal, e ficou muito contente com disso.

A partir desse dia, começou a ouvir essa voz logo que se sentava para meditar. E ficava ali, calado, esperando que a criatura de seu ouvido recomeçasse a cochichar, para descobrir como ela era. 

Uma vez, como escutou de novo o cochicho, perguntou:

- Dá pra ver?

Sentiu imediatamente uma cosquinha na orelha, como se estivesse saindo alguma coisa de seu ouvido. Num lance, percebeu que era um homenzinho, de mais ou menos dez centímetros, e de aspecto tão repugnante como o de um yaksa, o demônio de origem indiana. Maravilhado com as cambalhotas que o homúnculo dava no chão, Tang concentrava toda a sua atenção nesses movimentos, quando, de repente, ouviu um vizinho bater à porta, certamente para pedir alguma coisa emprestada. Com esse barulho, o homúnculo entrou em pânico, correu de um lado para outro, como um rato em fuga que volta para a sua toca.

Sem fôlego, Tan nem conseguiu perceber para onde a criaturinha tinha corrido. E nesse instante mesmo caiu num estado de demência, gritando e chorando sem parar, só se curando seis meses depois, com um tratamento à base de poções com ervas colhidas no alto da montanha.

Fonte: