quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Como se Contam os Contos de Fada

Fonte: Clarissa Haddad Yakiara

Muitos pais se perguntam se deve ou não contar contos de fadas para a criança. Os preocupa se lhe fará mal tal ou qual passagem horrenda, pois no conto se relatam acontecimentos cruéis que poderiam perturbar a inocência da criança. Muitas vezes pensando assim se decide eliminar tais contos. Em consequência, se priva a criança do melhor alimento para a alma, porque nos verdadeiros contos de antigamente estão contidos acontecimentos da alma, que têm suas raízes nas forças construtivas da humanidade. Os antigos sabiam disso e relatavam de forma tradicional os contos aos seus filhos. Dando-lhes vida aos contos de fadas ao relatá-los novamente, avivavam as crianças com a variedade dos acontecimentos narrados, avivando assim ao mesmo tempo suas próprias almas de adultos.

Uma boa narrativa comove ativamente a alma; dá asas aos sentimentos, ativa uma sã vontade e estimula a mente num entre jogos de pensamentos.

Com o conto de fadas bem narrado ativa-se e intensifica-se toda uma série de experiências na criança: passam por sua alma, uma atrás da outra, compaixão, crítica, tensão, alívio, tristeza, alegria, medo, coragem, etc.

Tais emoções não fazem mal à criança se a narrativa se constitui claramente de causa e efeito e prevalecer no final o sentido de justiça tão almejado pela criança que quer ver o mal sendo castigado e o bem recompensado. Fortalecendo assim na criança sua confiança no trunfo da bondade, fortifica-se também sua confiança na vida. Tudo isso estimula também as funções orgânicas e age benignamente. Contribui também a que aprenda a frear sua eventual inquietude e que não se perca nos anos posteriores num sentimentalismo barato por coisas superficiais.

Se conseguimos ainda, respeitando-a guiar sua vontade sem quebrá-la, dispor de forças suficientes para reparar (superar o grave, o sangrento, o cruel dos contos de fada sem impressionar-se mais do que o devido; e essa capacidade será transformada, mais tarde, numa fonte permanente de novas forças. (O Dr. Bruno Bettlheim afirma que “os contos de fadas são a chave para ajudar as pessoas a desembaraçar os mistérios da realidade”).

Quanto mais a privamos destes contos de dragões e bruxas, etc, tanto mais fraca resultará sua alma de adulto. Mais tarde, quando as asperezas e as durezas da vida golpearem, lhe faltará o valor e a firmeza de haver aprendido através dos acontecimentos dos contos de fadas; seu comportamento será como um barco sem leme, açoitado pelas ondas da vida. Se os pais e os professores lhes proporcionaram esse “valor e coragem” destacados nos acontecimentos dos contos, se estas qualidades foram semeadas qual semente de força moral em sua alma, manejará o leme de sua sorte (destino) com a mão direita e segura, e estará preparado e armado contra as provas da vida, contra a intriga, o engano e o ódio, contra a sedução e o sofrimento.

Com o passar dos anos, quando ressurgem do fundo da alma as experiências obtidas de escutar com atenção os contos de fadas na nossa infância, as impressões que recebemos nos abrem e apresentam um aspecto bastante diferenciado; entendemos melhor seu conteúdo com a base adquirida na própria experiência; nos servem para dar-nos solidez interior e lucidez na crítica.

Nos verdadeiros contos de fada (como os dos Irmãos Grimm) há uma lei impecável: “a recompensa do bem e o castigo do mal”. Esta lei forma a base na alma infantil. Mais tarde, verificamos que surgiu, no íntimo do homem a faculdade de discernir entre o bem e o mal que nos dá uma clareza na consciência e nos ajuda nos momentos de decisão; trata-se de um profecia, solução de problemas, de mantermos no caminho certo da verdade, do bem, da compaixão, do sentimento nobre e muitos tesouros para a vida em comunidade.

As profundas impressões vividas na infância mantém sua força. Quando o príncipe circundado de luz vence o dragão, quando esse ia devorar a bela princesa, a criança se identifica com essa coragem triunfal que mais tarde, do fundo de seu ser surge e ajuda a trazer luz na escuridão da vida, impulsionada por essa recordação.

Por esta razão não devemos eliminar nenhum dos contos de fadas tradicionais. Gradualmente temos de contar os contos colecionados pelos Irmãos Grimm e Bechstein. Não devemos selecionar nem adaptar, abreviar ou trocar nada por “algo” que nos pareça melhor. Devemos começar com os contos simples e logo mais tarde aos 5 anos mais ou menos até os 6 continuar com alguns mais complicados, cheios de interessantes e emocionantes acontecimentos. São benfeitores, e mais tarde darão frutos como forças protetoras ante as vicissitudes e obstáculos que se apresentam no caminho da criança nos seus anos vindouros.

Fonte: 
www.jardimdasamoras.com.br

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Poetas Africanos I


ANTÓNIO PINTO DE ABREU
(Moçambique)

"Milagre obstétrico”

As lâmpadas da cidade
fundiram-se todas

e numa das esquinas
da grande aldeia de cimento
um latão urbanizado
pariu um pirilampo...

Glória ao novo ser
que nasceu ao anoitecer.

O jornal não deu a grande notícia
- os fotografos tinham as máquinas
aguardando o plano superior.

Contudo
no velho latão urbanizado
o pirilampo brinca e chora
(como alguns meninos)
luzindo com o satírico brilho
da esvaziada lata de sardinhas
da "ração de combate".

MÁRIO ANTÓNIO
(Angola)

Uma Negra Convertida

Minha avó negra, de panos escuros,
da cor do carvão...
Minha avó negra de panos escuros
que nunca mais deixou...

Andas de luto,
toda és tristeza...
Heroína de ideias,
rompeste com a velha tradição
dos cazumbis, dos quimbandas...

Não xinguilas, no óbito.
Tuas mãos de dedos encarquilhados,
tuas mãos calosas da enxada,
tuas mãos que preparam mimos da Nossa Terra,
quitabas e quifufutilas - ,
tuas mãos, ora tranquilas,
desfilam as contas gastas de um rosário já velho...

Teus olhos perderam o brilho;
e da tua mocidade
só te ficou a saudade
e um colar de missangas...

Avózinha,
as vezes, ouço vozes que te segredam
saudades da tua velha senzala,
da cubata onde nasceste,
das algazarras dos óbitos,
das tentadoras mentiras do quimbanda,
dos sonhos de alambamento
que supunhas merecer...
E penso que... se pudesses,
talvez  revivesses
as velhas tradições!

JOSÉ CRAVEIRINHA
(Moçambique)

A Boca

Jucunda boca
deslabiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.

Alva dentadura
antónima do riso
às escâncaras desde a cilada.

Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.

ARNALDO SANTOS  
(Angola)

A vigilia do pescador

Na praia o vulto do pescador
É mais denso que a noite...

E enquanto espera
A sua ânsia solidifica em concha
E sonoriza os ventos livres do mar.

E enquanto espera
A sua ânsia descobre
os passos da maré na praia
e o sono do borco das canoas.

É manhã
e o pescador
ainda espera

e enquanto o mar
Não lhe devolve o seu corpo de sonhos
Num lençol branco de escamas
                                                   
Um torpor de baixa-mar
Denuncia algas nos seus ombros.

MALANGATANA VALENTE NGWENYA
(Moçambique)

A coruja

A coruja agoira-me
e diz-me que nunca chegarei
além onde o desejo me leva
e assim evapora-se o sonho;

O tambor foi tocado
na noite densa do feitiço
enquanto Kokwana* Muhlonga
apitava o Kulungwana** mortal;

Na noite sem estrelas
dois gatos pretos iluminaram
a cabana da Kokwana Hehlise
que morreu depois dos gatos terem miado.

Eu lutando comigo só
é impossível vencer as ondas
que feitiçeiramente me esboçam
as corujas, gatos e tambores.
________________
NOTA 
*kokwana = avo'
**kulungwana = ulular

JOÃO  MELO
(Angola)

A Lagartixa Frustrada

Um dia
a lagartixa
quis ser dinossauro

Convencida
saltou pra rua
montada em blindados
pra disfarçar a sua insignificância

Tentou mobilizar as formigas
que seguiam
atarefadas
pro trabalho

"Ó pobre e reles lagartixa
condenada
à fria solidão
das paredes enormes e nuas
tu não sabes que os dinossauros
são fósseis
pré-históricos?"

Sérgio dos Santos Martins (Mundo exterior em oposição ao espaço do mundo doméstico uma análise dos contos de Clarice Lispector)

RESUMO


O estudo da obra de Clarice Lispector leva-nos identificar o oposto na construção da identidade feminina. As relações apresentadas pela autora em suas obras, revelam o confronto de identidades, que discrimina universos distintos. O confronto e o encontro de identidades se faz através da utilização da linguagem sutil que a autora utiliza, na representação literária, colocando em evidência o mundo exterior em relação ao mundo interior.Em sua obra “A Imitação da Rosa” e “Amor”, Clarice Lispector, através de sua narrativa, e de seus personagens apresenta em seu discurso os valores da cultura brasileira, referentes à construção da identidade feminina. A riqueza destas obras, vem de encontro aos objetivos deste estudo, que pretende realizar uma explanação teórica acerca do mundo exterior em oposição ao espaço do mundo doméstico, dando ênfase à construção da identidade feminina no contexto sociocultural brasileiro.O percurso metodológico deste estudo foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica descritiva, na qual se buscará uma revisão de literatura a partir da leitura de fontes científicas em livros, artigos on line, artigos impressos, textos, sites da Internet, bibliotecas virtuais, entre outros, que tratam da obra de Clarice Lispector.

INTRODUÇÃO

O estudo da obra de Clarice Lispector leva-nos identificar o oposto na construção da identidade feminina. As relações apresentadas pela autora em suas obras revelam o confronto de identidades, que discrimina universos distintos. O confronto e o encontro de identidades se fazem através da utilização da linguagem sutil que a autora utiliza, na representação literária, colocando em evidência o mundo exterior em relação ao mundo interior.

Em sua obra “A Imitação da Rosa” e no conto “ Amor”, Clarice Lispector, através de sua narrativa, e de seus personagens apresenta em seu discurso os valores da cultura brasileira, referentes à construção da identidade feminina.

A riqueza destas obras vem de encontro aos objetivos deste estudo, que pretende realizar uma explanação teórica acerca do mundo exterior em oposição ao espaço do mundo doméstico,dando ênfase à construção da identidade feminina no contexto sociocultural brasileiro.

O percurso metodológico deste estudo será elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica descritiva, na qual se buscará uma revisão de literatura a partir da leitura de fontes científicas em livros, artigos on line, artigos impressos, textos, sites da Internet, bibliotecas virtuais, entre outros, que tratam da obra de Clarice Lispector. A análise da obra de Clarice Lispector tendo em vista compreender elementos da construção da identidade feminina tem grande significado sociocultural, pois em suas obras encontram-se uma visão do mundo feminino em permanente construção.

Cabe ressaltar, que este estudo não tem a intenção de realizar um estudo antropológico e cultural aprofundado sobre a construção da identidade da mulher em nossa sociedade, entretanto, buscarão elementos que demonstrem a concepção dos valores femininos nestas obras. Acerca da obra de Clarice Lispector, Rocha-Coutinho (2007, p. 2) ressalta que:

Poucos autores brasileiros souberam como Clarice, captar o universo e a problemática femininas de um ponto de vista tão perspicaz e questionador [...]Um dos temas centrais na obra de Clarice é a mulher e sua condição.Sua narrativa frequentemente se move em torno da questão.

Nas obras de Clarice Lispector, as mulheres são as personagens principais, cuja característica marcante é a busca incessante para encontrar seu lugar no mundo. Estas mulheres, presentes nas narrativas da autora representam as várias fazes femininas dentro da nossa cultura, enfim dentro de nossa sociedade.

Esta análise revela-se importante, porque é no discurso literário da Clarice Lispector que estas faces femininas se sustentam e marcam a concepção de mulher de uma determinada época. Outro aspecto relevante, é que na narrativa, as personagens femininas carregam consigo os valores que a sociedade impõe às mulheres. Neste sentido, se constrói a identidade feminina nas obras da autora, pois nelas são retratados os vários papéis impostos à condição feminina como: casamento, maternidade, trabalho, etc.., e quais escolhas as mulheres fazem diante destas imposições. 

O conto “Amor”, é considerado pela crítica literária um das mais célebres obras de Clarice Lispector. Este conto teve sua primeira edição publicada em 1952. Esta obra tem como sua principal personagem, Ana, é uma dona - de - casa comum, que após o encontro com um cego na rua, passa a enxergar o mundo e suas relações pessoais de outra forma. Identifica-se na personagem de Ana, uma característica da construção da identidade feminina, pois por um lado ela descobre que é infeliz com o papel que lhe é imposto pela sociedade, por outro, ela busca fugir desta imposição, em meio a muitas contradições. Para Nascimento (2003, p.38):

Acredita-se que a experiência vivenciada por Ana provocara sensações tão profundas, em que redescobrira o mundo, “descobrira que pertencia a parte fora do mundo”, um mundo que nem sempre muito fácil, previsível e justo, é certo, mas um mundo infinitamente belo, que “ precisava dela”, que era seu, “ não havia como fugir”.

A personagem feminina no conto “Amor” é inicialmente narrada pela autora como uma alienada e submissa ao papel social que lhe é imposto pela sociedade. Ela está resignada à sua condição feminina. O encontro com o cego, leva Ana a refletir que vive num mundo de escuridão, com um identidade que não é a dela, por isso passa a refletir constantemente sobre os relacionamentos a partir daquele momento. O papel designado para a personagem é aquele voltado para os compromissos com o casamento e com as tarefas do dia-a-dia da casa, sendo que também é sua tarefa cuidar dos filhos e ajudar o marido a obter sucesso em sua vida profissional.

Desta forma, a felicidade da mulher representada nesta obra de Clarice Lispector, gira em torno de padrões de comportamentos que foram estabelecidos socialmente e que prescindiram da vontade dela. Ela vive sua felicidade ao desempenhar o papel a que foi destinada dentro da sociedade. Rocha- Coutinho (2007, p.3), acerca das personagens femininas de Clarice Lispector, afirma que:

Na proposta crítica de Clarice, o cumprimento do dever burguês feminino vai se atualizar nesta relação da mulher com a casa, os filhos e a família, no bom desempenho de suas funções femininas. A paz resultaria da aceitação e conformidade a este papel social previamente estabelecido. A individualidade da mulher nesta ordem social é, de fato, apenas aparente. Todas elas parecem seguir cegamente um modelo, um padrão de comportamento imposto pela sociedade.

A personagem vive um processo de conscientização do seu papel dentro da sociedade e descobre que seu cotidiano já não lhe fascina mais, pois ela vive uma falsa felicidade, na qual ela é um ser destinado a vier para os outros, ou seja, tem que se dedicar à família, ao marido e aos filhos. Ela vive uma vida a qual foi predestinada a viver e não uma vida que ela escolheu para si. Neste sentido, a autora, apresenta em sua narrativa as angústias vivenciadas pelas mulheres de uma determinada época social. Acerca disto, Abiahy (2002, p.2) explica que:

A nosso ver, as narrativas de Lispector expressam angústias vivenciadas por mulheres brasileiras educadas sob o estigma da idealização da esposa, mãe e dona-de-casa que, na época em que os contos foram produzidos, sofria alterações. Assim, as narrativas de Clarice Lispector estabelecem vínculos entre a literatura e as tensões sócio-históricas.

A partir de seu encontro com o cego, Ana redescobre seu mundo particular e começa a ver que seu dia-a-dia é ausente de sentido pessoal. Com isto, ela parte em busca de uma identidade, longe da vida cômoda e tranqüila que aparentemente lhe gerava felicidade. No conto “A Imitação da Rosa”, a personagem principal é Laura, que é uma dona-de-casa comum que vive o drama de estar às voltas com um problema psíquico. Quando retorna às suas atividades no seu lar, depois de um período em que esteve internada.

A busca da identidade desta personagem se constrói no mergulho interior que Laura faz dentro de si mesma. Consciente de que seu papel na sociedade é imposto por regras sociais, que limitam a condição feminina, a personagem busca sua libertação para o seu conflito em seus diálogos consigo mesma. Entretanto, sua busca se torna inútil, e Laura se perde em sua própria insanidade. No conto A Imitação da Rosa, a personagem conversa consigo mesmo na imaginação, chamando a si mesma na terceira pessoa, e fica imaginando diálogos que teria com a amiga Carlota e com Armando, seu marido (ABIAHY, 2002 ).

No que diz respeito ao destino da Laura, Abiahy (2002, p.3) afirma que :

Em “A imitação da rosa”, Laura sequer caminha, estando presa em sua sala, dando voltas apenas no labirinto de sua mente, tendo poucos verbos de ação física no conto. Seus passos são contidos, a voz narrativa nos informa que ela sai da penteadeira para o sofá, levantando-se para arrumar as flores à mesa, que acabam levando-a, sim, a muitos questionamentos. No entanto, a personagem parece não encontrar saída no emaranhado mental resultante das ideologias patriarcais introjetadas.

Laura, com seus diálogos, pretende alcançar a compreensão de seu papel dentro da sociedade, ou seja, ela que rever seu papel dentro da sociedade, isto faz com que ela busque uma nova identidade. Desta forma, verifica-se que há um confronto entre o mundo exterior e o mundo interior, pois a personagem vivencia um conflito entre a moral imposta pela sociedade patriarcal, de que o papel da mulher é ser dona-de-casa e mãe-de-família , tendo deveres com os filhos, o marido e a sociedade, e entre seu desejo de ser realmente feliz.

Para Abiahy (2002, p.2):

“A imitação da rosa” aborda a explosão do conflito de identidade vivido pela protagonista Laura e o questionamento que angustia a personagem, desejosa de atingir um novo modo de agir, mas incapacitada devido à moral patriarcal que vai levá-la a uma fuga interior, através da insanidade

Face ao exposto, observa-se que o discurso presente nas obras de Clarice Lispector retrata a condição feminina de uma época, em que a ideologia patriarcal determina o modo de vida das mulheres. Através das narrativas, observam-se elementos de opressão da condição feminina, presentes na sociedade. Percebem-se tais elementos na narrativa do cotidiano das personagens, bem como nos questionamentos que estas fazem sobre sua vida no decorrer da narrativa.

A partir disto, é possível analisar a existência de dois mundos distintos na obra clariciana, uma diz respeito ao mundo exterior e outra ao mundo doméstico. O confronto entre estes dois mundos se mostra evidente nos questionamentos que as personagens fazem acerca de sua condição. A luta das personagens para não se acomodarem frente aos limites que lhe são impostos demonstra a compreensão que têm sobre as diferenças entre estes mundos, sobre as desigualdades de gênero que são introjetadas como algo natural para quem ocupa o papel feminino dentro da sociedade.

Outro aspecto relevante na narrativa destes contos, é que a insatisfação demonstrada pelas personagens aponta para a necessidade de transformação desta ordem estabelecida, e que este processo deve percorrer o caminho da conscientização. Os conflitos internos travados por Ana e Laura, são discursos críticos que ao mesmo tempo que influenciam são influenciados pelo contexto sociocultural, levando-as à compreensão de que há possibilidade que o espaço doméstico seja transformado, no qual as mulheres possam exercer sua individualidade, fora dos limites impostos pela sociedade patriarcal.

Diante da análise realizada, verificou-se que as obras de Clarice Lispector apresentam características do o universo feminino num embate entre o mundo interior e o mundo exterior. O mundo exterior representado pelas regras impostas pela sociedade patriarcal que subjuga a condição feminina e o mundo interno é retratado pelos conflitos das personagens , que lutam sua libertação, pois sabem que sua felicidade está além das coisas banias que realiza em seu cotidiano.

Estas obras se constituem uma ponte na qual o discurso da autora, eleva o leitor a compreender a construção da identidade feminina em confronto com as normas sociais que ditam qual deve ser o papel da mulher na sociedade machista. Através das personagens femininas, Ana e Laura, observam-se implicações que a autora faz a respeito da condição feminina e qual alternativa a mulher pode seguir em busca de sua própria identidade. Isto leva à compreensão que existe na sociedade um papel determinado para a mulher, e que ao cumpri-lo, esta se sentirá feliz e realizada. Entretanto, a autora coloca uma saída para o sofrimento feminino, fazendo alusão aos questionamentos e angústias que as personagens vivenciam no transcorrer da narrativa.

As obras retratam o ideário dominante que vai se incutir no pensamento das mulheres representadas por Lispector. As personagens são engendradas a partir da relação de gênero que existe na sociedade, e através dos códigos presentes no discurso, que expõe o os conflitos vivenciados pelas mulheres para a formação de uma identidade feminina.

CONCLUSÃO

A partir da realização deste estudo foi possível verificar que a autora Clarice Lispector reflete sobre a condição feminina na sociedade e propõe reflexões sobre este tema através de suas personagens.

As personagens das obras literárias analisadas estão mergulhadas em seu cotidiano do qual emergem para a busca de uma identidade pessoal. Neste percurso, a autora apresenta elementos sobre a sujeição das mulheres aos padrões impostos pela sociedade.  

As narrativas de Clarice Lispector expressam angústias femininas, que foram educadas sob o estigma da idealização da mulher na sociedade patriarcal. Neste sentido, as personagens da autora mantém um vínculo com o contexto social e histórico da sociedade, e também representam os caminhos que a mulher pode escolher livremente para libertar-se da sua sujeição ao padrões de comportamento que lhe foram impostos.

As obras analisadas, levam o leitor para além de uma simples leitura, levando-o a refletir sobre a condição feminina dentro da sociedade através do discurso da autora, que no decorrer de sua narrativa expressa as angústias vivenciadas por estas mulheres e sua luta para construírem sua identidade. Foi verificado que as protagonistas claricianas vivenciam constantes conflitos entre o mundo exterior e o mundo interior e que sua trajetória na narrativa, busca a libertação e a criação de um caminho para a libertação da condição de sujeição em que vivem dentro da sociedade patriarcal. A construção do universo feminino firma-se no confronto vivenciado pelas personagens , que através de seus diálogos refletem a condição feminina na sociedade patriarcal.

REFERÊNCIAS

LISPECTOR, Clarice. "Amor" in. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
LISPECTOR, Clarice. A imitação da rosa. In: Laços de família. Rio de janeiro: Rocco, 1998.

Fonte:

domingo, 29 de outubro de 2017

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) II


VOZ MISTERIOSA 

Vivia eu triste no anonimato,
Sem esperança de reencontrar o amor;
Meu peito coitado de tanto sofrer!
Já se considerava um sofredor. 

Mas eis que entrando em contato telefônico,
Um fio de esperança apareceu,
Só porque uma linda voz!
Uma voz misteriosa me atendeu. 

Esta voz era bela e cativante...
Apesar de ser humana... 
Mas se expressava num tom angelical;
Coisas tão lindas que a mim foram ditas,
Que fizeram de mim o mais feliz mortal. 

Pois amando esta voz, amo a pessoa!
Eu vejo a mulher por outro ângulo;
Ela pode ser feia ou ser bonita,
Da mesma forma continuo amando. 

A beleza da alma é que importa,
É esta beleza verdadeira;
Pois não acredito que alguém se sinta satisfeito,
Em viver com uma mulher bonita,
Mas incompreensiva à vida inteira.

AMOR PROFUNDO 

Quisera que compreendestes, 
O sofrimento meu. 
Sozinho e amargurado. 
Portanto te amar 
Me dá uma esperança... 
Uma esperança, e não uma ilusão. 
Pois és tu, o grande trunfo, 
Que ainda me falta conquistar. 

No mundo não mais pretendo. 
Lutar por outras coisas, 
Pois tudo, consegui sem muito esforço. 
Hoje o meu objetivo maior é que me ames, 
Somente assim acabara de vez 
O meu desgosto. 

E juntos seguiremos na vida, 
Cheios de paz e amor profundo. 
E o nosso amor será bendito, 
E o mais abençoado em todo mundo.

ALMA ILUDIDA 

Como é bela a juventude, 
Nos áureos tempos da vida. 
Enche-nos de esperanças, 
E nos deixa a alma iludida. 

Pensando que essa alegria, 
E plena felicidade... 
Seguira por toda vida, 
Sem tristeza e sem saudade. 

Pobres jovens desconhecem. 
O transcorrer da existência, 
Depois de muita alegria. 
Dos amores do passado, 
Vem-nos a melancolia... 
A angústia e o desagrado. 

Ah! Se a vida nos fosse sempre, 
O fulgor da juventude. 
De alegria e felicidade, 
Sem tristeza e sem saudade.

BARRACO CHEIO DE AMOR

Quanto tempo já passado!
Daqueles tempos tão belos.
Quando morávamos num barraco.
Mas parecia um castelo!

Barraco cheio de amor.
Onde a paz ali imperava, 
Não dando chance pra treva...
Pois à luz ali mandava!

Éramos muito felizes...
Era só encantamento!
O sol com seus raios divinos.
Entrava pela fenda das paredes!
A todo o momento, 
Além de aquecer nosso barraco...
Também purificava o ambiente.

Após relembrar um pouco!
Do que fora o meu passado,
Por viver há muito tempo sozinho!
E o nosso amor terminado.

Passei por aquele local! 
Que considero sagrado...
Não existia mais o barraco.
Dando lugar a um prédio!
Totalmente iluminado,

Fonte: O Autor

sábado, 28 de outubro de 2017

Olivaldo Júnior (Alma de Criança)

Quadro de Donald Zolan, pintor norte-americano, nascido em 1937, em Brookfield, Illinois

Academia Brasileira de Letras (Mesa-Redonda "Centenários": 9 de Novembro)


A Academia Brasileira de Letras realiza, no dia 09 de novembro, quinta-feira, às 17h30min, no Salão Nobre do Petit Trianon, mesa-redonda intitulada “Centenários”, em homenagem ao centenário de falecimento do Acadêmico Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917), e de nascimento dos Acadêmicos Herberto Sales (1917-1999) e Josué Montello (1017-2006).
Participarão da mesa os Acadêmicos Alberto Venancio Filho, Antônio Torres e Arnaldo Niskier, sob coordenação do Presidente da ABL, Acadêmico e professor Domício Proença Filho.
Alberto Venancio Filho falará sobre Lafayette Rodrigues Pereira, cabendo a Antônio Torres a palestra sobre Herberto Sales. Arnaldo Niskier homenageará Josué Montello. O evento será transmitido ao vivo pelo portal da ABL.
LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA
Segundo ocupante da cadeira 23, foi eleito em 1º de maio de 1909, na sucessão de Machado de Assis, Lafayette Rodrigues Pereira, jurista e político, nasceu em Queluz, hoje Conselheiro Lafayette, MG, em 28 de março de 1834, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 29 de janeiro de 1917.
Em 1853 matriculou-se na Faculdade de Direito, em São Paulo. Ao término dos estudos, em 1857, partiu para Ouro Preto, onde se dedicou à advocacia. No ano seguinte, mudou-se para a capital do Império e foi trabalhar no escritório de Teixeira de Freitas.
Simultaneamente, dedicou-se ao jornalismo. Fundou, com Pedro Luís e Flávio Farnese, A Atualidade, jornal em que escreveu artigos, de 1858 a 1860. Nos anos seguintes, foi redator também no Le Brésil, no Diário do Povo e, de 1870 a 1874, em A República. Colaborou em A Opinião Liberal e no Diário do Povo.
Lafayette publicou Direitos de Família (1869) e Direito das Cousas (1877), além de volumes de pareceres. Em 1898, escreveu no Jornal do Commercio, com o pseudônimo de Labieno,Vindiciae, posteriormente editado em livro.
HERBERTO SALES
Quarto ocupante da Cadeira 3, eleito em 6 de abril de 1971, na sucessão de Aníbal Freire da Fonseca e recebido pelo Acadêmico Marques Rebelo em 21 de setembro de 1971, Herberto Sales, jornalista, contista, romancista e memorialista, nasceu em Andaraí, BA, em 21 de setembro de 1917. Faleceu no dia 13 de agosto de 1999, no Rio de Janeiro.
Abandonou o curso ginasial na 5ª série do Colégio Antônio Vieira, dos jesuítas. O professor Agenor Almeida descobriu, numa prova, a vocação literária de Herberto Sales, chamando para isso a atenção do padre Cabral que, por sua vez, foi o descobridor, alguns anos antes, no mesmo colégio, da vocação literária de Jorge Amado.
Abandonados os estudos, Herberto Sales voltou para Andaraí, onde viveu até 1948. Com a publicação, em 1944, de Cascalho, seu romance de estreia, projetou de impacto seu nome nos meios literários do país. No Rio de Janeiro, para onde então se transferiu e residiu até 1974, foi jornalista nos Diários Associados, na área da revista O Cruzeiro, da qual foi assistente de redação.
Em 1974, mudou-se para Brasília, onde foi, por dez anos, diretor do Instituto Nacional do Livro, e, por um ano, assessor da Presidência da República, sob José Sarney. A partir de 1986, por quatro anos, residiu em Paris, servindo como adido cultural na Embaixada brasileira. Regressando ao Brasil, fixou residência em São Pedro da Aldeia, onde levou vida isolada.
JOSUÉ MONTELLO
Quarto ocupante da cadeira 29, eleito em 4 de novembro de 1954, na sucessão de Cláudio de Sousa, sendo recebido por Viriato Correia, Josué Montello Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1994 e 1995. Nasceu em São Luís do Maranhão, em 21 de agosto de 1917, e faleceu no Rio de Janeiro em 15 de março de 2006.
Em 1932, passou a integrar a Sociedade Literária Cenáculo Graça Aranha, na qual se congregaram os escritores do Maranhão de filiação modernista. Até 1936, colaborou nos principais jornais maranhenses. Mudou-se, a seguir, para Belém do Pará, onde é eleito, aos 18 anos, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará.
No fim de 1936, transferiu-se para o Rio de Janeiro, passando a fazer parte do grupo que fundou o semanário de literatura Dom Casmurro. No mesmo período, colaborou em outras publicações, como Careta, O Malho e Ilustração Brasileira, além de jornais diários.
Publicou o primeiro romance, Janelas fechadas, em 1941. Seis anos mais tarde foi nomeado Diretor-Geral da Biblioteca Nacional, exercendo também a direção do Serviço Nacional do Teatro.
Em 1953, a convite do Itamaraty, inaugurou e regeu por dois anos a cátedra de Estudos Brasileiros da Universidade Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, no Peru. A partir de 1954, tornou-se colaborador permanente do Jornal do Brasil, no qual manteve uma coluna semanal até 1990.Novamente convidado pelo Itamaraty, regeu, em 1957, a cátedra de Estudos Brasileiros na Universidade de Lisboa, e, em 1958, na Universidade de Madri. Entre 1969 e 1970, ocupou o cargo de conselheiro cultural da Embaixada do Brasil em Paris, e, de 1985 a 1989, foi embaixador do Brasil junto à Unesco.
Publicou mais de uma centena de livros, entre eles, Os tambores de São Luís, seu romance de maior destaque.
Fonte: ABL

sábado, 21 de outubro de 2017

XXIV Jogos Florais de Porto Alegre (Convite)

Com enorme satisfação, a UBT Porto Alegre convida-o para as festividades dos XXIV Jogos Florais, conforme programa abaixo.

Contamos com sua presença, que tornará mais importante o evento.

Muito obrigado e um grande abraço.

FLÁVIO STEFANI
Presidente


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Samuel da Costa (Poemas Escolhidos) II

Vênus negra e o luar em sangue
Para Vanessa Martins da Mata 

Rezo ao amanhecer 
De um novo dia
Que a noite chegue logo
E que tu venhas para mim

Rogo para todos 
Os deuses e deusas 
Do universo infinito
Para que nunca me deixes sozinha
Nesta vida 
Nem na outra

Oro nas noites do negro luar
Da lua em sangue
Que o desejo cósmico infindável
Desperte-te
Do sono eviterno
Incendeie-te por inteiro
Que venhas rápido
Voraz e sedento
Ao encontro meu
Na nossa alcova etérea
E me abraces bem forte
Que me possuas 
Completamente
_______________________________

Halfeti 
Para a negra Valquíria 

São noites místicas! 
Ignotas 
Encantadas... 
De um outono sem fim 
Que em tediosas horas 
Perco-me 
Na névoa mítica... 

Tomo o cálice encantado... 
Das delicadas mãos de Afrodite... 
Saúdo Baco 
Dionísio 
Bebo o sacrossanto vinho! 
Embriago-me 
Por fim... 

Percebo 
Que a musa sagrada... 
Não veio... 
Que ela nunca virá! 

Ouço o cântico sagrado... 
Da Fênix em chamas 
Ao longe ele me chama... 
Clama por mim 

Percebo que não estou a dormir... 
Que o sonho não vem! 
E o sono não chega! 
Que a perdi para sempre.
________________________

Quase existência (a minha arte final) 
Para Fáh Butler Rodríguez 

A realidade liquefeita... 
Trouxe para junto de mim 
Quem não me queria 
Ter por perto... 

A realidade relativa 
E pós-moderna 
Afastou completamente de mim... 
Quem eu mais queria 
Ver a meu lado. 

Agora tenho nevoentas 
E vagas lembranças... 
Daquilo que nunca vi 
Daquilo que nunca vivi. 

Ficou então somente 
As marcas de um tempo surreal... 
Que o relógio nano-tecnológico 
Deixou de marcar a tempos atrás! 
Restando como testemunhas oculares 
As cinzas das horas 
Em Eras remotas 

Uma Era perdida 
No descontínuo tempo 
E no espaço abstrato 

Quem sabe... 
O mundo sintético na pós-contemporâneo... 
Não comporte mais... 
A minha quasimodesca... 
E frágil existência vazia e despropositada. 

Restando-me então somente... 
Ver as areias do destino... 
Desintegrou aquilo que um dia 
Eu pensei ser 
Uma relação perfeita. 
Quando eu mentia para mim mesmo
____________________________

Agora é tarde amor!
Para Fáh Butler Rodríguez 

Hoje me deixe, 
Dormindo até mais tarde... 
Amor da minha vida!
A sonhar contigo.
Meu anjo bom!

Não me desperta...
Com o hialino toque teu...
Deixe-me... 
No nosso leito sozinho.
Perdido em mim...
Perdido de amor por ti.

Não me desperte...
Deixe-me 
Em paz comigo mesmo. 
Devaneando contigo...
Luz da minha vida,

Deixe-me adormecido...
Quando tu fores embora,
Quando passares pela porta afora...
Para nunca mais voltar.
Para desaparecer da minha vida,
Para todo sempre!
______________________

O derradeiro fim... 
Para João da Cruz e Sousa 

No caminho do martírio
Ninguém ouvira seus gritos
Muito menos seus prantos

No lago o Cisne Negro e as águas cristalinas
E no céu: as nuvens brancas
Os astros
A lua
As estrelas

Na terra: O lamento
Os gritos de dor
O martírio
Do negro
Do pobre
Do artista
Do trabalhador

Fonte: O Autor