segunda-feira, 28 de maio de 2018

Malba Tahan (O amor e o velho barqueiro)

Chegando, afinal, à margem do grande rio, o Amor avistou três barqueiros que se achavam indolentes, recostados nas pedras.

Dirigiu-se ao primeiro: 

— Queres, meu bom amigo, levar-me para a outra margem do rio?

Respondeu o interpelado, com voz triste, cheio de angústia:

— Não posso, menino! É impossível para mim!

O Amor recorreu, então, ao segundo barqueiro, que se divertia em atirar pedrinhas no seio tumultuoso da correnteza.

— Não. Não posso — recusou secamente.

O terceiro e último barqueiro que parecia o mais velho, não esperou que o Amor viesse pedir-lhe auxílio. Levantou-se, tranqüilo, e, estendendo-lhe, bondoso, a larga mão forte, disse-lhe:

— Vem comigo, menino! Levo-te sem demora para o outro lado.

Em meio da travessia, notando o Amor a segurança com que o velho barqueiro barquejava, perguntou-lhe:

— Quem és tu? Quem são aqueles dois que se recusaram a atender ao meu pedido?

— Menino — respondeu, paciente, o bom remador — o primeiro é o Sofrimento; o segundo é o Desprezo. Bem sabes que o Sofrimento e o Desprezo não fazem passar o Amor!

— E tu, quem és, afinal?

— Eu sou o Tempo, meu filho — atalhou o velho barqueiro. — Aprende para sempre a grande verdade. Só o Tempo é que faz passar o Amor!

E continuou a remar, numa cadência certa, como se o movimento de seus braços possantes fosse regulado por um pêndulo invisível e eterno.

Sofrimento, desprezo... Que importa tudo isso ao coração apaixonado? O Tempo, e só o Tempo, é que faz passar o Amor.

Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.

Cassiano Ricardo (Poemas Escolhidos)


CANÇÃO PARA PODER VIVER

Dou-lhe tudo do que como, 
e ela me exige o último gomo. 
Dou-lhe a roupa com que me visto
e ela me interroga: só isto?

Se ela se fere num espinho, 
O meu sangue é que é o seu vinho.

Se ela tem sede eu é que choro, 
no deserto, para lhe dar água:

E ela mata a sua sede, 
já no copo de minha mágoa

Dou-lhe o meu canto louco; faço 
um pouco mais do que ser louco.

E ela me exige bis, "ao palco"!

A FÍSICA DO SUSTO

O espelho caiu da parede. 
Caiu com ele o meu rosto. 
Com o meu rosto a minha sede. 
Com a minha sede meu desgosto. 
O meu desgosto de olhar, 
no espelho caído, o meu rosto.

A RUA

Bem sei que, muitas vezes, 
O único remédio 
É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem, 
A dívida, o divertimento, 
O pedido de emprego, ou a própria alegria. 
A esperança é também uma forma 
De continuo adiamento. 
Sei que é preciso prestigiar a esperança, 
Numa sala de espera. 
Mas sei também que espera significa luta e não, apenas, 
Esperança sentada. 
Não abdicação diante da vida.

A esperança 
Nunca é a forma burguesa, sentada e tranqüila da espera. 
Nunca é figura de mulher 
Do quadro antigo. 
Sentada, dando milho aos pombos.

A OUTRA VIDA

Não espero outra vida, depois desta. 
Se esta é má 
Por que não bastará aos deuses, já, 
A pena que sofri? 
Se é boa a vida, deixará de o ser, 
Repetida.

ESPAÇO LÍRICO

Não amo o espaço que o meu corpo ocupa 
Num jardim público, num estribo de bonde. 
Mas o espaço que mora em mim, luz interior. 
Um espaço que é meu como uma flor

Que me nasceu por dentro, entre paredes. 
Nutrido à custa de secretas sedes. 
Que é a forma? Não o simples adorno. 
Não o corpo habitando o espaço, mas o espaço

Dentro do meu perfil, do meu contorno. 
Que haja em mim um chão vivo em cada passo 
(mesmo nas horas mais obscuras) para

Que eu possa amar a todas as criaturas. 
Morte: retorno ao incriado. Espaço: 
Virgindade do tempo em campo verde.

PAPAGAIO GAIO

Papagaio insensato, 
que te fêz assim? 
Que não sabes falar 
brasileiro 
e já sabes latim? 
Papagaio insensato, 
ave agreste, do mato, 
que diabo em ti existe, 
verde-gaio, 
que nunca estás triste?

Papagaio do mato, 
se nunca estás triste, 
quem foi que te ensinou, 
por maldade, 
a palavra saudade?

Papagaio triste, 
papagaio gaio, 
quem te fêz tão triste 
e tão gaio, 
triste mas verde-gaio?

Papagaio gaio, 
quem te ensinou, 
em mais 
do mato, a repetir, 
papagaio, 
tanto nome feio?

Gaio papagaio, 
gaio, gaio, gaio, 
que repetes tudo... 
Antes fosses 
um pássaro mundo.

Papagaio do mato, 
se nunca estás triste, 
quem foi que te ensinou, 
por maldade, 
a palavra saudade?

Papagaio gaio. 
Gaio, gaio, gaio.

domingo, 27 de maio de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 13


Cora Coralina (Poemas Diversos)

ASSIM EU VEJO A VIDA

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

TODAS AS VIDAS

Vive dentro de mim 
uma cabocla velha 
de mau-olhado, 
acocorada ao pé do borralho, 
olhando pra o fogo. 
Benze quebranto. 
Bota feitiço... 
Ogum. Orixá. 
Macumba, terreiro. 
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim 
a lavadeira do Rio Vermelho, 
Seu cheiro gostoso 
d’água e sabão. 
Rodilha de pano. 
Trouxa de roupa, 
pedra de anil. 
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim 
a mulher cozinheira. 
Pimenta e cebola. 
Quitute bem feito. 
Panela de barro. 
Taipa de lenha. 
Cozinha antiga 
toda pretinha. 
Bem cacheada de picumã. 
Pedra pontuda. 
Cumbuco de coco. 
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim 
a mulher do povo. 
Bem proletária. 
Bem linguaruda, 
desabusada, sem preconceitos, 
de casca-grossa, 
de chinelinha, 
e filharada.

Vive dentro de mim 
a mulher roceira. 
– Enxerto da terra, 
meio casmurra. 
Trabalhadeira. 
Madrugadeira. 
Analfabeta. 
De pé no chão. 
Bem parideira. 
Bem criadeira. 
Seus doze filhos. 
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim 
a mulher da vida. 
Minha irmãzinha... 
tão desprezada, 
tão murmurada... 
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim: 
Na minha vida – 
a vida mera das obscuras.

VELHO

Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um suco de lágrimas pungidas
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado 
Que vai soturno amortalhando as vidas 
Ante o repouso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga, 
Que os teus nervosos círculos governa.

Estás velho estás morto! Ó dor, delírio, 
Alma despedaçada de martírio 
Ó desespero da desgraça eterna.

CORAÇÃO É TERRA QUE NINGUÉM VÊ

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.

Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei…

sábado, 26 de maio de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 12


Olivaldo Júnior (Como vai você?)

Que eu gosto de Música Popular Brasileira não é novidade para ninguém. E uma das canções de que mais gosto é “Como vai você”, de autoria de Antônio Marcos e de seu irmão Mário Marcos, que o Roberto Carlos gravou em 1972 e, até hoje, é uma das canções de maior sucesso da carreira desse artista. Aliás, Daniela Mercury veria essa canção gravada por ela para a novela Laços de Família, em 2000, se tornar um de seus maiores sucessos também.

Eu, para dizer a verdade, cada vez que ouço essa canção, sinto que mora em mim um poeta esquecido na lida do dia a dia. Talvez um menestrel, que tem saudade não sabe nem de quê, nem de quem, mas sente que o peito fica mais úmido quando escuta: “Como vai você / Eu preciso saber da sua vida / Peça alguém pra me contar sobre o seu dia / Anoiteceu, e eu preciso só saber”.. A beleza da simplicidade é mesmo imbatível. Responda: Como vai você?

Você que me lê há tanto tempo, você que me escuta lamentar, você que não pergunta mais de mim. Ah, como a saudade é um tema que não muda! Em vez disso, me emudece, me embranquece esta alma, os fios de aurora que recobrem a cabeça deste espírito! Espírito que não sabe há muito tempo como vai você, um velho amigo, um grande amor, ou um parente que partiu há muito tempo para longe, para perto de Deus Pai, de Nossa Mãe e dos anjos.

“Vem, que o tempo pode afastar nós dois / Não deixe tanta vida pra depois / Eu só preciso saber / Como vai você”... Que a eternidade desses versos soe forte em sua alma, mude o som do seu espírito e reanime seu coração, que sempre bate por alguém. Alguém que, quem sabe, tenha ido para o além, ou esteja ausente há algum tempo. Notícias, nem sempre chegam a contento. E, quando não nos chegam, solitários, ficamos sem saber como vai você.

Fonte: Texto enviado pelo autor

Ógui Lourenço Mauri (Poemas Escolhidos) III


A PRÁTICA DO BEM

Fazer o bem não implica
Ser de posses detentor,
O Divino Mestre explica
Que o maior bem é o amor!

Vamos repartir o pão
Nas pegadas de Jesus,
Passemos pra nosso irmão
Amor em troca de  Luz!

Pratica o bem sem a busca
De vantagens decorrentes,
Visto que a ganância ofusca
As ajudas aparentes!

Faz o bem sem manifesto,
Dá sem olhar para quem.
Cada qual recebe o gesto
Com o coração que tem!

Elimina a ostentação,
Vê quem tem necessidade;
Só teremos salvação
Praticando a caridade!

AMIGOS

Deus proíbe a livre escolha de um irmão,
Consanguíneo ser gerado pelos pais;
Mas as forças dos Céus não negam, jamais,
Um amigo de verdade a nossa opção.

Quando a dúvida me vinha por inteiro
Face a algumas derrocadas frente à vida,
Foram teus braços abertos a acolhida,
À maneira de um confrade verdadeiro.

Pelas mãos firmes do amigo, pus-me em pé...
Teu apoio proporciona-me energia.
Nossa troca de instruções é sinergia
Que nos faz crescer na vida pela fé.

Horizontes amplos, tem nossa amizade!
Aprendi muito com teus ensinamentos
E também já te passei conhecimentos;
São pilares de total fraternidade.

Sobre o próximo, nós temos convergência
Com propósitos cabais de paz e amor...
Num planeta sem conflitos e sem dor,
Com o "ser" vencendo o "ter" na convivência.

FOI TEU ABRAÇO!

Foi teu abraço que, um dia,
Dos outros todos tirou
Qualquer graça que eu sentia
Doutros que o tempo levou.

Foi teu beijo que depois
Me afastou de quem beijei.
Ficaram só pra nós dois
Os demais beijos que eu dei.

À minh'alma, finalmente,
A alma gêmea apareceu.
E o amor se fez presente
A teu coração e ao meu!

Foi teu calor que acoplou
A meus carinhos os teus.
Foi nosso amor que alcançou
Beneplácito de Deus.

Este é o encontro atual,
Prescrito em nossos pretéritos;
Dos céus, chegam, afinal,
Dádivas por nossos méritos.

BEIJOS DE VERDADE
> Anadiplose <  (*)

Verdade! Beijos poéticos, dei!...
Dei no rosto, com afeto e carinho.
Carinho à cova dos seios, sonhei;
Sonhei e me deliciei de mansinho.

De mansinho, fui; te beijei na nuca;
Na nuca, sempre pensei te beijar.
Beijar devagar, te deixar maluca;
Maluca, enfim, sem poder disfarçar.

Disfarçar, nunca foi, aliás, teu forte.
Forte é, mesmo, o amor que sinto por ti.
Por ti, faço tudo, busco meu norte.
Meu norte é teu rumo, eu não desisti.

Eu não desisti de abraçar-te ao vivo.
Ao vivo, em cores, sentir teu calor.
Calor presente, eis um forte motivo.
Motivo que sublima nosso amor.

Amor tão sofrido alimenta os sonhos.
Sonhos tais de te abraçar à vontade...
Vontade de ver teus lábios risonhos.
Risonhos, para beijos de verdade!
________________________________
Nota:
(*) - Figura de linguagem que consiste na repetição da palavra (ou últimas  palavras) de um verso (frase) como palavra(s) inicial(ais) do verso seguinte.

Fonte: Poemas enviados pelo poeta

sexta-feira, 25 de maio de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 11


Stanislaw Ponte Preta (Por Vários Motivos Principais)

Durante uma recepção elegante, a flor dos Ponte Pretas estava a mastigar o excelente jantar, quando uma senhora que me fora apresentada pouco antes disse que adorou meus livros e que está ávida de ler o próximo.

— Como vai se chamar?

Fiquei meio chateado de revelar o nome do próximo livro. Ela podia me interpretar mal. Como ela insistisse, porém, eu disse:

— "Vaca Porém Honesta." (*)

Madame deu um sorriso amarelo mas acabou concordando que o nome era muito engraçado, muito original. Depois — confessando-se sempre leitora implacável, dessas que sabem até de cor o que a gente escreve —, madame pediu para que não deixássemos de incluir aquela crônica do afogado.

— Qual? — perguntei.

— Aquela do camarada que ia se afogando, aí os carros foram parando na praia de Botafogo para ver se salvavam o homem. Depois um carro bateu no outro, houve confusão e até hoje ninguém sabe se o afogado morreu ou salvou-se. Lembra-se? Aquela é uma de suas melhores crônicas.

Foi então que eu contei pra ela o caso do colecionador de partituras famosas, que um dia foi a um editor de música procurando o original de certa sonata que fora composta por Haydn e Schumann juntos. O editor ficou olhando para ele e o colecionador esclareceu: - Sei que essa partitura é raríssima, mas eu pagaria qualquer preço por ela.

— Vai ser um pouco difícil — disse o editor — conseguir uma partitura composta por Haydn e Schumann juntos, por vários motivos. Primeiro: quando Schumann nasceu, Haydn tinha morrido no ano anterior.

A leitora que se lembra de tudo que eu escrevi estranhou e perguntou:

— Por que me contou essa história?

— Porque lembra a história que estamos vivendo agora. A crônica sobre o afogado que a senhora diz ser uma das minhas melhores crônicas... quem escreveu foi Fernando Sabino.

Ela achou engraçadíssimo. Papai agrada em festa.
_____________________
(*) O título, mais tarde, foi trocado, porque a vaca protestou.

Fonte:
O melhor da crônica brasileira.  
Rio de Janeiro/RJ: José Olympio Editora, 1997.

Dorothy Jansson Moretti (Chá da Tarde) II


A palavra de conforto,
nas trevas da dor mais viva,
é luz que conduz ao porto
um pobre barco à deriva.

Aquele teu galanteio
distraído e displicente,
estraçalhou todo o freio
ao meu coração carente.

A uma farpa contundente,
o silêncio é, muitas vezes,
retorno mais eloquente
que mil frases descorteses.

Como em milagre, o cipreste,
junto à campa rude e pobre,
sopra o seu perfume agreste,
e a torna mística e nobre.

De nosso outono chegando,
vêm lembrar-nos, em segredo,
as folhas mortas tombando
ao murmúrio do arvoredo.

De uma sereia ao regaço,
soluça a estrela-do-mar;
veio à tona, galga o espaço…
mas não sabe cintilar.

Lembra a Torre de Belém,
essa eterna sentinela,
o sonho ousado que alguém
levou numa caravela.

Marcaram-me a doce infância
meus campos, o velho moinho,
e a vela acesa à distância,
iluminando o caminho.

Na noite mística e morna,
a lua nos inebria
do perfume que ela entorna
das ânforas da Poesia.

Não se desfaz a utopia…
Lua é só pedra e areia;
mas quem resiste à poesia
e ao feitiço de uma cheia?!

Nosso romance desfeito,
pelas mágoas que deixou,
lembra-me seixos no leito
de um riacho que secou.

Numa foto desbotada,
pequeno par se embalança,
e a vovó lembra, enlevada,
seu namoro de criança.

Os erros que fiz na vida
quero apagar sem alarde;
mas a consciência revida,
e aos brados me diz: “É tarde!”

“Para sempre!” Será mesmo?
Não importa a duração;
é promessa feita a esmo,
mas aquece o coração.

Perfume em frasco vazado,
marca indelével do ausente,
lembra um sonho sufocado
que ainda respira na gente.

Que bom se pudesse, a gente
sentir da vida o sabor,
como a graça de um pão quente
afastando a fome e a dor!

Que o véu da floresta se abra,
e mostre o fogo, em afã,
no ensaio à dança macabra
para o balé do amanhã!

Sem cautela, os homens, loucos,
do ambiente às investidas,
nem se apercebem, que aos poucos,
vão perdendo as próprias vidas.

“Uma flor” … costume antigo,
guarda, como no passado,
quer em festa ou em jazigo,
seu terno significado.

Velho tronco na queimada,
em dolorosa utopia,
sonha ouvir a passarada
que em vida abrigou… um dia.

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas. 
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 10


Hely Marés de Souza (Crestomatia de Trovas)


A neve, o frio, a trincheira...
o pracinha suportou.
Pela honra brasileira
ele não se intimidou.

A nossa brava Nação,
em festa de aniversário,
recebe nossa expressão
no seu quinto centenário!

Ao cair lento da tarde...
o sol reflete brilhante
como fogo sem alarde,
e se apaga num instante.

Ao festejar o natal
usemos a tradição:
para as crianças, presentes,
e aos pais, grande emoção!

Ao retornar vitorioso,
bandeira como agasalho,
pracinha chegou ansioso
pra dedicar-se ao trabalho.

Aos amigos trovadores
desejo um Feliz Natal
vinho de vários sabores
num abraço fraternal.

Aquelas nuvens revoltas
sob o imenso firmamento,
parecem ovelhas soltas
voando a favor do vento.

Brasil com quinhentos anos,
merece ser avaliado:
alguns curtem desenganos
e outros... feliz passado!

Bravo amigo e companheiro
caçador de sabiá.
Não precisa usar dinheiro
para aprender a trovar.

Com lua cheia, serena,
perscrutando o firmamento,
aos poucos me integro à cena...
voando em meu pensamento!

De uma pinha escultural
o pinheiro é gerador,
dá pinhão, castanha real...
de inexcedível sabor!

Deus fez o planeta Terra
e, pra companheira sua,
pelo valor que ele encerra,
num sopro... criou a lua!

Hely Marés de Souza
Da poesia somos fãs,
por destino, combatentes!
A trova cria titãs,
a guerra cria valentes.

Esposa amada e amorosa,
feliz em meio à família,
trouxe ao mundo, esperançosa:
-A Vânia, o Hely e a Brasília...!

Glória ao Brasil, neste evento!
Junto a paz universal!
Saudemos, neste momento
a bandeira nacional.

Glória às forças brasileiras
em festa o povo gritava,
quando derrotou trincheiras
e o algoz que os torturava!

História, trova e civismo
a transbordar neste instante,
com salvas mui respeitosas
ao General Comandante.

Hoje, medalha no peito,
confirma seu destemor,
pracinha foi sem defeito,
à Pátria rendeu amor!

Já pronto pra trabalhar,
não terá dificuldade,
serviço não vai faltar
tamanha é a capacidade!

Mais uma etapa vencida,
cada importante vitória
foi à Pátria oferecida,
pra enriquecer nossa história.

Mascarenhas comandou
sempre a caminho da glória
e Deus o recompensou
com os louros da vitória.

Mascarenhas foi coerente
no comando e na ação,
quando impôs, pujantemente,
ao “tedesco” a rendição.

Mas, o que trouxe a vitória
alguém até já explicou:
-A Itália tem na memória
que a FEB a libertou.

Na guerra, audaz e engenhoso,
negou trégua ao inimigo,
sem se tornar rancoroso,
trouxe a vitória consigo.

Na guerra foi varonil,
na volta, um trabalhador.
O pracinha do Brasil
trouxe a paz e muito amor.

Na Itália o barco aportou,
a bordo um grande salseiro...
O Iwersen se apressou
e desembarcou primeiro!

Na Legião Paranaense,
“Casa do Expedicionário”,
a UBT em muito suspense
faz da Trova um relicário...

Nasci onde o vento bate
e junto a um grande terreiro,
ao lado um pé de erva-mate
e um majestoso pinheiro.

Neste dia tão festivo,
data em que você nasceu,
receba o abraço afetivo
de quem nunca o esqueceu.

No mundo da fantasia
que faz sorrir a criança,
o palhaço, na folia,
é o arauto da esperança!

No seu lar pleno de amor
neste natal reine a paz,
rememorando o esplendor
de dois mil anos atrás.

O Brasil foi ao Timor
salvar aquela nação.
Levou mensagem de amor
e cumpriu sua missão!

O Brasil, país ordeiro,
jamais pensou em maldade.
Foi à guerra o brasileiro
defender a liberdade.

O civismo e a poesia
são elos de ligação
que unem, com maestria,
Trovadores e a Legião!

O homem que foi à guerra,
água fresca em seu cantil,
por certo foi um gigante
na defesa do Brasil.

O pracinha da “Legião”,
sempre bem representada,
abraça o poeta irmão
e augura feliz jornada!

Padre Alberto, capelão
da FEB expedicionário,
na Itália com distinção
lutou como um missionário!

Persistir na caminhada
de trovas sensacionais,
é missão tão delicada
quanto regar os rosais!

Pracinha soldado bamba
em Camaiore atacou
com granadas fez um samba
e o tedesco se entregou.

Quero rever os meus pagos
e ouvir toda a velha história.
Quero sentir os afagos
da minha União da Vitória.

Saúdo o neto engenheiro!
sucesso terá na soma...
Provou ser bom brasileiro
e conquistou o diploma.

Se eu devo até navegar
nas ondas bravas da vida,
preciso com você estar:
Meu amor, minha querida!

Sem demonstrar seu cansaço
e sem pensar no porvir,
no picadeiro, o palhaço
faz a plateia sorrir.

Sob intensa artilharia
conquistou Monte Castello,
onde hasteou com galhardia
o pano verde e amarelo.

Zenóbio grande guerreiro
comandou a Infantaria,
mas não superou Cordeiro...
-Poderosa Artilharia!!!
_________________________________
Hely Marés de Souza, nasceu em 1923, em União da Vitória/PR. Descende de tradicional família espanhola que introduziu o cultivo da erva-mate naquela cidade e construiu o Engenho do Mate no século XIX, localizado em Rondinha, Campo Largo. Formou-se em Direito, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde também cursou até o terceiro ano de Engenharia.

Aos 19 anos, foi subitamente convocado para integrar a Força Expedicionária Brasileira durante a II Guerra Mundial, na Itália, quando o Brasil encontrava-se ameaçado pela tirania nazi-fascista. Participou do 6º Regimento de Infantaria, 2º Grupo de Artilharia, 9º Batalhão de Engenharia, 2º Grupo de Obuses Auto Rebocado e de todas as ações da artilharia brasileira nos combates de Monte Castello, Montese, Camaiore, Belvedere, Abetaia, Monte Della Castellina, Pietra Collina, entre outros. No seu retorno ao Brasil, foi um dos fundadores da Legião Paranaense do Expedicionário, sócio n° 22, entre os 2500 registrados e seu presidente por sete gestões.

Como expedicionário, Hely fez a diferença. Ao retornar ao Brasil, vivenciou as dificuldades enfrentadas por muitos dos ex-companheiros de caserna, que diante dos horrores da guerra precisavam de apoio psicológico e financeiro. Se as famílias eram ajudadas pelo governo federal até então, o auxílio cessou com o retorno dos soldados. Diante disso, Hely se empenhou na formação e fundação da Casa do Expedicionário de Curitiba, onde atualmente localiza-se o Museu do Expedicionário, no bairro Alto da XV, para dar apoio aos ex-combatentes e suas famílias.

Formou-se em Direito pela UFPR e trabalhou no Palácio Iguaçu, onde ocupou o cargo de Procurador do Estado, tornando-se o consultor das questões mais complexas do Direito Público. Durante 30 anos, trabalhou no Palácio Iguaçu, com 16 governadores. Foi, diretor jurídico do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE. 

Foi condecorado com as medalhas de Campanha e de Guerra, concedidas pelo Ministério da Guerra; de Mérito, pelo Governo do Estado do Paraná; Mascarenhas de Moraes, pela Associação dos Ex-Combatentes do Brasil; do Pacificador, conferida pelo Ministério do Exército; de Cavaleiro da Ordem do Mérito, medalha de ouro conferida pelo Governo Polonês, em Londres; de Reconhecimento, pela Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB); da Vitória, pela Associação dos Ex-Combatentes do Brasil/RJ, e Max Wolff Filho, outorgada pela Legião Paranaense do Expedicionário. 

Grande incentivador da cultura e membro de várias entidades culturais: Membro efetivo do Círculo de Estudos Bandeirantes, Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri, Soberana Ordem do Sapo, Sociedade dos Amigos de Alfredo Andersen, Academia de Cultura de Curitiba, Clube dos Vinte e Um Irmãos Amigos e ANVFEB do Rio de Janeiro. Foi escritor, poeta, pesquisador, trovador e presidente da União Brasileira de Trovadores, Seção de Curitiba. Faleceu em 2013.

Fontes:
União Brasileira de Trovadores Porto Alegre - RS. 
Trovas de Vânia França de Souza Ennes e Hely Marés de Souza. 
Coleção Terra e Céu. vol. LXVIII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2016.