segunda-feira, 25 de junho de 2018

Caldeirão Poético n. 11


Daqui Deste Âmbito Estreito

Daqui, deste âmbito estreito,
Cheio de risos e galas,
Daqui, onde alegres falas
Soam na alegre amplidão,
Volvei os olhos, volvei-os
A regiões mais sombrias,
Vereis cruéis agonias,
Terror da humana razão.

Trêmulos braços alçando,
Entre os da morte e os da vida,
Solta a voz esmorecida,
Sem pão, sem água, sem luz,
Um povo de irmãos, um povo
Desta terra brasileira,
Filhos da mesma bandeira,
Remidos na mesma cruz.

A terra lhes foi avara,
A terra a tantos fecunda;
Veio a miséria profunda,
A fome, o verme voraz.
A fome? Sabeis acaso
O que é a fome, esse abutre
Que em nossas carnes se nutre
E a fria morte nos traz?

Ao céu, com trêmulos lábios,
Em seus tormentos atrozes
Ergueram súplices vozes,
Gritos de dor e aflição;

Depois as mãos estendendo,
Naquela triste orfandade,
Vêm implorar caridade,
Mais que à bolsa, ao coração.

O coração sois vós todos,
Vós que as súplicas ouvistes;
Vós que às misérias tão tristes
Lançais tão espesso véu.
Choverão bênçãos divinas
Aos vencedores da luta:
De cada lágrima enxuta
Nasce uma graça do céu.


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, 
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Súplica

Dá-me, Senhor, a benção que resume
a certeza de que, crescendo aos poucos,
hei de chegar a ver o excelso lume
- privilégio dos bons, quiçá bem poucos!

Dá-me a graça de olhar, sem ter ciúme,
namorados aos pares, de amor loucos,
da saudade a esquecer o frio gume
e o coração no peito a dar-me socos!

Dá-me ver rosas, mesmo em vaso alheio,
a enfeitar este mundo, às vezes feio
- feio porque o egoísmo assim o quis!

Dá-me um punhado tenro de esperanças…
Dá-me o riso espontâneo das crianças…
- Mais nada eu peço, para ser feliz!


A Duas Flores

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!


A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.


O Louco 

Deu a louca no louco,
e ele se pôs no quintal:
imagina que é outro.

A cara do louco tem cara
de todo mundo que passa.

Para o louco, tudo tem graça.

A graça do louco tem ares
de todo louco que empaca.

Para o louco, nunca tem maca.
Então, como se fosse costume,
ele vira um canário, que vira 
uma flor, que vira uma nuvem,
e o dia, louco, passa e desvira
o pobre louco em vaga-lume.

Deu a louca no louco,
e ele se pôs no quintal:
imagina que é louco.

domingo, 24 de junho de 2018

Trova 311 - Nei Garcez (Curitiba/PR)


Caldeirão Poético n. 10


REBELDIA

Para não repetir
o modelo
que me apresentaram,
escrevi roteiro contrário.
Fixação insana,
não ser igual.
Desperdício e cansaço.

Acordei.
Soltei balaios
de rebeldias e sofrimentos.

Moldes vazios,
insinuo passos que são só meus
e jeito próprio de andar,
para escrever
outro enredo,
nova história...


INTERROGAÇÃO
                         
     Quem és?...Quem sou?...O que será de nós
na árdua corrida em busca do infinito,
o passo exausto impulsionado empós
de uma presença que se estende ao mito?!

Quem és?! Quem sou?! Indício ou negação
do feito máximo de um Deus, ou sonho
do Criador  que a Si pede perdão,
por ter plasmado um monstro assim medonho?!

O erro estende-se, a trama encobre a luz!
A treva expande-se, o desmando avança!
A fatuidade nega a voz da Cruz!
Falsos  ideais afiam sua lança!

Momento amargo!... A Humanidade, enfim,
trêmula indaga e teme os maus destinos!
Definha a última flor do seu  jardim,
espinhos vêm coroar-lhe os desatinos!

E sem saber quem sou... e, tu, quem és,
seguimos, de olhos fitos nas estrelas,
a empoeirar no solo os pobres pés
e a conter n´alma,  o anseio de colhe-las!


OCEÂNICA

Na partida, um oceano de revolta
cala meu peito em descontentamento.
– Vais aonde? – eu pergunto – onda tão solta? 
E ela me corta o coração por dentro.

Sou areia, sou rocha e, em meu tormento,
choro e declamo, e o fogo me devora;
qual vulcão que nos mostra o epicentro,
outro vulcão me nasce aqui por fora.

Na partida, eu prometo consolar-me
do vácuo que me tolhe. E, sem alarme,
no amor a Deus apenas me concentro.

Meu mundo é solidão, é só saudade
de quem levou minha tranquilidade,
de quem partiu meu coração por dentro.



EM FLOR

Circulo nesta alameda muito bela
e, por entre os bancos da praça,
existe em toda a parte, a graça
que aos olhos atentos se revela.

Não sei se minha - ou se é dela
a pureza de vista sem uma jaça
e essa doçura longe da desgraça,
no encanto desta árvore amarela.

Como se tudo fosse um colorido véu,
bem cortado contra o azulão do céu,
está um ipê (em flor) que contemplo.

E escassa é minha palavra, impotente,
para agradecer tal magnífico presente,
que embelezaria até o mais rico templo.


UMA LÁGRIMA DE AMOR 

Sonho com uma lágrima de amor, 
aquela que renova uma esperança, 
que traga para mim, nova aliança 
e me faça esquecer tamanha dor… 

Sonho com uma lágrima de amor 
que me inspire novo alento e confiança, 
aquela que me encha de bonança 
e expresse um sonho bom! Seja o que for. 

Uma lágrima de amor que inspire versos, 
rimas perfeitas, vendavais dispersos, 
que ressuscite os sonhos que mataste. 

Que leve os crepúsculos tristonhos, 
saudade das saudades dos meus sonhos
e a névoa das lembranças que deixaste.


CESSAR FOGO 

É minha livre e espontânea vontade
acionar o computador amigo
e no silêncio da criatividade,
eu digito a senha e, feliz, prossigo.

Com leveza, dou a palavra ao Sonho
que reage ante a Razão encrenqueira;
a briga antiga me torna tristonho,
ferido pela praxe rotineira.

O Sonho quer contar coisas de flores
sem reter sucata de desamores...
A Razão insiste em falar da vida,

dessa que, muitas vezes, é bandida.
E o Texto se zanga, se insurge e grita...
quer liberdade na palavra escrita!


MARÍLIA

Quisera ser, Dirceu, tua Marília,
a musa que inspira os versos teus,
saber que me dedicas tanto amor
que possa se juntar aos sonhos meus.

Tu e eu enlaçados, na campina
envolvidos, entregues ao afã.
Bucólica paisagem descortina
miragens, ao som das notas de Pã,

borboletas, pássaros e flores,
aromas, doces toques e sabores.
Cativa de teus braços tu me fazes!

Embevecido, Dirceu, te inclinas
e de meu corpo agora entorpecido
sorves todas as gotas cristalinas.


CAUSA MORTIS

Todo mundo que chegava 
ao velório do Candinho, 
penalizado, falava: 
- Morreu como um passarinho. 

Um bebum que ali se achava, 
curioso, entre o burburinho, 
a cada passo escutava: 
- Morreu como um passarinho. 

Chega alguém que, comovido, 
pergunta-lhe ao pé do ouvido: 
- De que a morte foi causada? 

E o bebum, em tom de prece: 
- Também não sei, mas parece 
que foi de uma estilingada.

Contos e Lendas do Mundo (Nação Iroquês: A Busca da Cura)


Nekumonta, o guerreiro iroquês, nunca matou um animal por desporto e adorava as plantas e as árvores à sua volta. 


Quando uma terrível praga caiu sobre a sua aldeia, a sua bondade para com a Natureza foi recompensada.

O Inverno chegara à aldeia de Nekumonta e a neve era muita. Mas algo pior do que a neve viera visitar a aldeia nesse ano: uma praga terrível. Ninguém parecia imune - homens, mulheres e crianças tinham morrido por causa dela. Aqueles que ainda não haviam sido apanhados pela praga estavam cansados de cuidar dos doentes e de se despedir dos mortos.

Nunca houvera tal tristeza na aldeia. Maridos que perderam as mulheres. Mães que perderam os filhos. Irmãos que perderam as irmãs. Famílias inteiras arrasadas. Com a neve veio a praga... e com a praga veio a tristeza e o desespero.

Nekumonta perdera toda a sua família com esta doença terrível - toda, isto é, menos a sua bonita mulher, Shanewis. Mas agora ela apanhara a doença e os seus dias entre os vivos estavam contados. Ela chamou Nekumonta e insistiu para que ele a levasse para fora da aldeia.

Quando ele protestou, ela disse:

- Marido, sabemos que a morte virá, quer eu esteja agasalhada quer esteja ao ar livre num lugar onde possa ouvir os espíritos dos meus queridos mortos a chamar por mim. Por favor, por favor, faz o que te estou a pedir.

Assim, Nekumonta enrolou a sua amada em peles e levou-a para o ar livre, pousando-a num lugar limpo de neve. O céu cinzento encheu-se dos espíritos daqueles que haviam partido desta vida, e chamaram por Shanewis.

- Junta-te a nós! - gritaram. - Livra-te da dor e do sofrimento trazidos pela praga.

Mas Nekumonta não queria saber daquilo para nada.

- Não dê ouvidos aos chamamentos deles até eu voltar da minha busca - pediu à esposa moribunda. - Vê depois se a única alternativa é juntar-te a eles.

- Que busca? - perguntou Shanewis, a testa alagada em suor.

- Sabemos que Manitu plantou ervas medicinais - disse ele. - Vou procurá-las e trazê-las para ti e para o nosso povo.

- Vou ficar à espera, marido - disse Shanewis -, porque só tu conseguirás levar a cabo tal tarefa.

Para muitas tribos, Manitu significa o espírito que está em tudo desde as rochas e as plantas aos humanos. Para os Iroqueses, Manitu é o nome dado ao maior e mais poderoso de todos os deuses. As suas ervas medicinais curariam Shanewis... se o marido as conseguisse encontrar.

Com a mulher fora do calor do lar, Nekumonta partiu em busca das ervas medicinais.

Teria sido uma tarefa difícil no melhor dos tempos, mas tornou-se ainda mais difícil pela neve que cobria a maior parte das terras. Nekumonta teve de escavar na neve para tentar encontrar as ervas e nem sequer sabia onde é que elas estavam plantadas. Com os conhecimentos que tinha da Natureza, só conseguia imaginar onde é que elas provavelmente cresceriam.

No fim do primeiro dia, um coelho passou a saltitar por Nekumonta, enquanto ele, de joelhos, escavava a neve com as mãos.

- Sabes onde é que Manitu plantou as ervas que ajudarão a curar o meu povo? - perguntou Nekumonta, mas o coelho não sabia e continuou o seu caminho, deixando o seu rasto na neve.

Mais tarde, quando a escuridão surgiu no fim do curto dia de Inverno, o guerreiro iroquês avistou um urso-pardo a olhá-lo das profundezas da floresta. Nekumonta perguntou ao urso pelas ervas, mas o urso não sabia de nada, e desapareceu pesadamente por entre as árvores.

Na tarde seguinte, após uma longa caminhada, Nekumonta viu uma coelha a roer os rebentos de uma planta que despontava da neve. A coelha reconheceu-o e, sabendo que ele era amigo dos animais e não lhe iria fazer mal, não fugiu nem se escondeu.

Nekumonta afagou-a carinhosamente e disse:

- Todos na minha aldeia estão a morrer, e a minha mulher, Shanewis, está entre eles. Se sabes onde é que Manitu plantou as ervas medicinais, leva-me, por favor, até elas. São a nossa única esperança.

Mas a coelha não sabia onde é que Manitu plantara as ervas, de modo que arrebitou as orelhas e desapareceu na floresta. A história repetiu-se com todos os animais que encontrou. Ninguém o conseguia ajudar.

À terceira noite, Nekumonta estava prestes a desistir. Fraco e exausto, enrolou-se no seu cobertor e adormeceu.

Enquanto dormia, os animais da floresta reuniram-se.

- Nekumonta é um bom homem - disse o urso-pardo. - Só mata quando tem de ser, tal como os animais.

- E também trata das nossas terras com respeito - disse o coelho. Cuida das árvores e das plantas à volta dele.

- Acham que o devemos ajudar? - perguntou a coelha.

- Sim - disse o coelho. - Mas como?

- Talvez possamos pedir ajuda ao grande Manitu - sugeriu o urso-pardo. - Ele compreenderá que todos os seres vivos querem que Nekumonta seja bem sucedido na sua busca.

Assim, o coelho, o urso-pardo, a coelha e todos os outros animais juntaram-se numa clareira da floresta e pediram a Manitu para salvar Shanewis da praga. Manitu ouviu as suas preces e, sensibilizado pela lealdade dos animais para com um humano, decidiu ajudar Nekumonta.

Nessa noite, Shanewis apareceu em sonhos a Nekumonta - pálida e muito magra. Começou a cantar-lhe uma estranha e bonita cantiga, mas ele não conseguiu entender as palavras, que se transformaram de imediato no som de uma cascata.

Quando acordou, o som da cascata ainda lá estava com o seu coro de vozes cintilantes - tão pura e cristalina como a água da Primavera.

- Encontra-nos... Liberta-nos... Shanewis e o teu povo serão então salvos.

Mas apesar do som maravilhoso, não havia nenhuma cascata - nem sequer um pequeno riacho.

- Quem és tu? - gritou Nekumonta.

- Somos as Águas Medicinais - disse o coro. - Liberta-nos.

- Onde estás? - gritou Nekumonta, desesperado, pois o coro de vozes cintilantes ouvia-se muito perto, embora não o conseguisse ver.

- Liberta-nos - cantou o coro uma vez mais.

Com novo alento, Nekumonta procurou por todo o lado, mas não conseguiu descobrir as Águas Medicinais em lado nenhum... embora a voz do coro se mantivesse forte. Percebeu então porquê. As Águas Medicinais corriam mesmo por baixo dos seus pés. Eram uma nascente subterrânea!

Observado pelos animais da floresta, Nekumonta afastou a neve para o lado e golpeou o duro solo com uma pederneira, até que um jato de água se elevou no ar e começou a correr pela encosta abaixo. Descobrira as Águas Medicinais!

Esgotado, Nekumonta saltou para as águas geladas e banhou-se nelas. Os poderes mágicos das águas deram-lhe força, e o cansaço desapareceu subitamente. Sentia-se mais forte que nunca.

Encheu um odre de Águas Medicinais e correu pela encosta abaixo até à aldeia. Os outros aldeões saíram a correr das suas tendas para o cumprimentar.

- Estamos salvos! - gritou. - Estamos salvos!

Em breve, toda a gente da aldeia tinha bebido e se tinha banhado nas águas e estava de novo de boa saúde, inclusive Shanewis. Agradeceram a Nekumonta do fundo dos seus corações.

Quando soube do papel que os animais tinham desempenhado, Nekumonta agradeceu-lhes a sua bondade. Em troca, os animais deram graças ao grande Manitu, que é, afinal de contas, senhor de tudo. Nekumonta e Shanewis viveram muitos Verões e tiveram muitos filhos.
_______________________________________
NOTA:

Iroqueses (em inglês e francês: Iroquois, pronunciado irocuá) ou Haudenosaunee 

Os iroqueses de antigamente eram primariamente nômades. Até o século XVII, formavam o que é atualmente chamado de nação iroquesa. Atualmente, esta nação indígena é composta pelos povos Seneca, Cayuga, Onondaga, Oneida, Mohawk e Tuscarora, formando uma confederação distribuída entre o Canadá e os Estados Unidos (principalmente no Estado de Nova Iorque e na província de Quebec). Esses grupos falavam línguas semelhantes e viviam perto uns dos outros. Algumas pessoas dizem que, pelo fato de ter durado centenas de anos, a Nação Iroquesa foi um dos exemplos que inspirou os fundadores dos Estados Unidos em sua organização política. Uma sexta tribo, a dos tuscaroras, se juntou à confederação em 1722.

Os iroqueses foram estudados, no século XVIII, pelo missionário jesuíta Joseph François Lafitau, que chegou a conviver com eles. Sua obra, Mœures des Sauvages américains comparées aux mœurs des premiers temps, publicada em 1724, descreve os princípios básicos da sociedade iroquesa, principalmente em relação a sua matriarcalidade e matrilinearidade. Lafitau abordou também os ritos de casamento, os jogos, lazer, doenças, enterros, língua, caça, educação e a divisão de trabalho entre os iroqueses, enfocando seus estudos na religião. Para ele, os iroqueses possuíam a sua religião (diferentemente de pensadores anteriores, que afirmavam que os índios não tinham religião alguma), embora esta não fosse tão organizada quanto a católica. Diz que os iroqueses, embora possuíssem religião, eram desprovidos de leis e política.

Ao estudar os iroqueses, Lafitau distinguiu características positivas (como a coragem) e negativas (como vingança e cobiça), inovando ao utilizar o método comparativo (embora não o tenha inventado) ao comparar os iroqueses aos heróis de Homero (na comunidade científica europeia da época, se idealizavam os gregos e romanos). Nesse sentido, Lafitau enaltecia os iroqueses, ao dizer que as construções náuticas desses povos eram parecidas, mas também os denegria, afirmando que a brutalidade dos heróis de Homero não se distinguia da ferocidade dos iroqueses, ferocidade esta que ele considerava como sendo inata. Mesmo assim, a importância se deu pelo fato de que Lafitau deixou os nativos mais humanos, diferentemente de pensadores anteriores (como Mandeville) que assemelhavam os nativos a monstros.

A Economia dos iroqueses se focaliza na produção comunal e ao sistema combinado de horticultura e de caçador-recolector. As tribos da Nação Iroquesa e outras do norte do continente americano que compartilhavam idioma (iroquês), como o povo hurón, viviam na região que hoje é o Estado de Nova York e a Região dos Grandes Lagos. Compunha-se de seis tribos de antes da colonização europeia da América. Mesmo não sendo iroquês, o povo hurón entrava no mesmo grupo linguístico e compartilhava economia com os iroqueses.

Fontes:

sexta-feira, 22 de junho de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 25


Jean-Pierre Barakat (Poemas Avulsos) I


ABERTO, NO CÉU...

Aberto, no céu,
O teu longínquo olhar...
De amores e abraços,
A vagar e vasculhar
Nos etéreos espaços.
Aberto, no céu,
O teu caminho na vida...
De desenlaces a fio,
Por essa terra prometida:
A alma assim no cio.
Aberto, no céu,
O teu inefável desaperto
Sorvendo esse universo...
E no coração um aperto
Urge o AMOR no verso.

CATIVOS

O Céu é cativo no teu olhar
Os filós de nuvens airosas
Seduzem os alísios ventos
No espaço do firmamento
O Mar é cativo no teu olhar
As ondas suspiram porosas
Sobre o mar os momentos
De um total contentamento
A Terra é cativa no teu olhar
A realeza em transe de rosas
Sangra atar nos pensamentos
O Tao-Amor é seu alimento
Um Pluriverso é cativo no teu olhar
Livre estou
No teu sonhar.

NOITE DO INFINITO

Estrelas e planetas
No silêncio do espaço
Acenam um ameno suspiro
E eu Amor já te respiro
Meu doce coração traço
Na elipse dos cometas
E vibro como os poetas
Outra dimensão abraço

Todos os mundos reviro
Teu nome gravo profiro
Pelas noites me refaço
Como os pios anacoretas.

NUVENS

Nuvens, nuvens por toda parte,
Explodindo sob a coroa solar.
O ruflar da ave vai encontrar-te,
E todo o meu ser vai te amar.
Nuvens, nuvens numa fileira,
Naus sem fado nesse vão.
Cores vibram na brincadeira
Quando aperto a tua mão.
Nuvens, nuvens fogem assim,
Sangrando rubras no poente.
Expiram, carregando em si

Um temporal inconsequente.

O RIO DA VIDA

É uma grande aventura
Porventura sempre será
Esse fluxo constante
De amor por toda parte
Na arte de ser rio
Mavioso abraçando o mar
Tornar-se quintessência
Dissolver-se na maré
Sonhar até em segredo
Ser a mesma Imensidão
Pois a vida no seu desenlace
Tece o nosso Despertar

CONTEMPLAÇÃO

E agora sei escutar o silêncio.
Disse-me ele que as palavras vãs fazem sentido,
Como a folha amarelada que cai no outono:
Algo morre, e é preciso sorrir, porque
Toda morte carrega uma vida em si.

Lembro do passado: lembro tudo.
Nada, porém, é mais deslumbrante que o Agora,
Esse, que vem, arrebata todas as razões e
Derruba as falsas seguranças que queremos:
Não é nosso esse privilégio de saber por certo.

Seja assim, então, que a Vida venha, plena
E imprevisível em mim, no efeito do Amor,
Seduzindo a minha alma com a sua promessa
De manhãs únicas, frágeis e inspiradoras:
E que o meu olhar possa sempre encontrar o teu.

Para abraçarmos a mesma visão no horizonte.

Fontes:

Stanislaw Ponte Preta (Prova Falsa)


Quem teve a ideia foi o padrinho da caçula - ele me conta. Trouxe o cachorro de presente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um mínimo de educação.

— Mas o cachorro era um chato — desabafou.

Desses cachorrinhos de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial, precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não bastasse, implicava com o dono da casa.

— Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.

Ainda por cima era puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro, mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão. Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o rabinho, fingindo-se seu amigo.

— Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o "pobrezinho".

Num rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé de sapato que arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa estava se tornando insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho cretino. Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das crianças e uma espinafração da mulher.

— Você é um desalmado — disse ela, uma vez.

Venceu a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício. Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez em cima do vestido novo de sua mulher.

— Aí mandaram o cachorro embora? — perguntei.

— Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.

— Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?

— Problema da consciência — explicou: — O pipi não era dele.

E suspirou cheio de remorso.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Garoto Linha Dura. 
RJ: Ed. do Autor, 1964.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 24


Petrarca Maranhão (Poemas Escolhidos)


O REI DOS RIOS
À Laura da Cunha Mello Maranhão, minha Mãe

 Vem de longe o Amazonas, o gigante
caudaloso, feliz, tentacular,
maior que o Mississipi e que o possante
rio Nilo, de glória milenar...

 Do Telhado do Mundo, ele, insinuante,
desliza da montanha, a ultrapassar
vales, terras, florestas, sempre avante,
rumando na distância, para o mar...

 Busca o estuário, em que deve, finalmente,
arremessar, violento, inquietas águas,
num lance magistral, largo e imponente...

A tudo vence, como um herói romântico :
rompe diques, barragens, pedras, fráguas,
projetando-se, olímpico, no Atlântico!...

 EM LOUVOR DO SONETO CLÁSSICO
A Adelmar Tavares

 Saudemos na Poesia, ao soneto perfeito,
clássico em seu fluir, correntio e fugaz,
sonoro em sua rima, alado em seu conceito,
proeza de que ele só e só ele é capaz...

 Saúde-se no Verso, a esse milagre audaz
da arte de traduzir, eloquente e escorreito,
tanto um suave sentir, de deleite e de paz,
quanto um clangor de guerra a rebentar do peito!

 Glória ao talento eterno... Ariel, ente imortal,
gênio do ar, a surgir no soneto ideal,
que por séculos já toda uma história abarca.

 Glória e bela criação, deveras empolgante,
que a alturas se livrou, de forma emocionante,
na apoteose triunfal de Laura e de Petrarca.

A LEI DA VIDA

 Todos nós temos sempre em cada dia,
Uma ínfima dose de ventura:
Para cada minuto de alegria,
Outros tantos instantes de amargura . . .

 Se, acaso, alguns momentos de euforia
Fazem da vida um sonho de ventura,
Logo uma sombra má nos angustia,
Nos vem turvar aquela paz tão pura . . .

 Afinal, não se sabe por que lei
E por que inexorável fatalismo
Hão de andar, lado a lado, riso e pranto!

Eu também – ai de mim! – de nada sei . . .
Sei que me curvo ao meu determinismo,
Vivendo entre a ilusão . . . e o desencanto!

A  ELA
À Capitu do “D. Casmurro” de Machado de Assis

“O’ flor do céu, ó flor cândida e pura”
Em quem meu pensamento se resume!
Flor bendita de mágico perfume,
Que embevece minh’alma de ventura!

 Da seta de Cupido o afiado gume
Em raios mil no teu olhar fulgura,
Representante ideal da formosura,
Mulher magnífica! Meu Celso nume!

 No mundo, quando a mim mais nada valha,
Serás meu guia e único fanal!
Da vida em meio à luta intensa e forte,

 Quando tu fores minha, à própria morte
Declararei, por fim, de vez, triunfal:
“Perde-se a vida, ganha-se a batalha”! . . .

SAUDADES DO AMAZONAS

Desde que te deixei, ó terra minha,
Jamais pairou em mim consolação,
Porque, se eu longe tinha o coração,
Perto de ti minh’alma se mantinha.

Em êxtase minh’alma se avizinha
De ti, todos os dias, com emoção,
Vivendo apenas dentro da ilusão
De voltar, tal qual vive quando vinha.

Assim, minh’alma vive amargurada
Sem que eu a veja em ti bem restaurada
Das comoções que teve em outras zonas,

Mas para torná-las em felicidade,
É preciso matar toda a saudade,
Fazendo-me voltar ao Amazonas!

ESCOLHA

 Neste dilema, o que é que tu preferes?
Sinceramente, amor, dize-me aqui:
Que eu ame em ti,  a todas as mulheres
Ou em todas as mulheres ame a ti? . . .

 CLARO ENIGMA

 Eu quis fazer um poema todo esdrúxulo,
Um poema estratosférico e algo exótico,
Que fosse ao mesmo tempo heroico e másculo,
Ainda que sem rima, ideia e métrica.
Quis escrever um poema todo excêntrico,
Um tanto claro, um tanto enigmático,
Um “claro enigma” apático e esotérico,
Futurístico, místico e vesânico,
Um tanto parecido com os patéticos
Poemetos futuristas cabalísticos,
Escritos pelos gênios marinéticos . . .
Mas, se caso, estes versos melancólicos,
Que não são protestantes nem católicos,
Não agradarem meus leitores líricos,
Não me chamem de tolo nem lunático,
Nem me taxem, tampouco, em tons satíricos,
de trêfego, de frívolo ou de pérfido . . .

Fontes:
– Petrarca Maranhão.  Sonetos petrarqueanos.  
Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1965.
– Petrarca Maranhão. Ronda de Estrelas: poesia.
Rio de Janeiro: Editora Vecchi, 1955