terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Jardim de Trovas n. 4


É certo dizer que a idade
não se conta pelos anos.
- Eu, já desde a mocidade,
sou velho... de desenganos!
Martinho de Abreu Carvalho
Bauru/SP (1913 - 1989)

Entre os suspiros do vento,
da noite ao mole frescor,
quero viver um momento,
morrer contigo de amor!
Manuel Antônio Álvares de Azevedo
São Paulo/SP (1831 - 1852) Rio de Janeiro/RJ

Da vida revendo a história,
nas horas do outono, em calma,
pecados de amor são glória,
para enlevo de nossa alma!
José Coelho de Almeida Cousin
Sacramento/MG (1897 - 1991) Rio de Janeiro/RJ

Com o que mais desanimo
não é com a dor, nem com a morte:
- é ver que não tenho arrimo
nas tempestades da sorte.
Monsenhor José Alves Ferreira Landim
Pão de Açucar/AL (1887 - 1968) Natal/RN

Não me deprime a desgraça,
nem as dores me consomem:
pois cada dia que passa,
sou mais forte, sou mais homem.
Austregésilo Lopes de Sousa
Caetité/BA

De uma beleza radiosa,
perfeitos, teus lábios são
duas pétalas de rosa
nos moldes de um coração.
Ary Simões Coelho
Passa Quatro/MG (1916 - ) Cambuquira/MG

O mundo, tenho certeza,
seria bem mais humano,
se observasse a grandeza
e a modéstia do oceano.
Ary de Oliveira
Cambuci/RJ (1909 -  )

Livrei-me da tempestade,
da cerração, dos escolhos.
Mas acabei naufragando
no recife dos seus olhos.
Artur de Sales
Salvador/BA (1879 - 1951)

Vai-se um anhelo, outro fica,
atrás de um dia outro vem:
nossa alma sente-se rica
das esperanças que têm.
Arthur Roberto Coelho de Sousa
Vila de Sapé/PB (1889 - ????) Hakensack/New Jersey/EUA

O mentiroso é um sujeito
que a própria vítima encara:
porque perdeu todo o jeito
de ter vergonha na cara...
Arthur Nunes da Silva
Cantagalo/RJ (1874 - 1964) Rio de Janeiro/RJ

Saudade - último delírio
de uma esperança vencida.
És o perfume de um lírio,
no lodo da minha vida!
Arnaldo Serapião de Souza
Afonso Cláudio/ES (1924 - 1955)

Entre o mar e o céu profundo,
esta é a maior verdade:
- Todo o dinheiro do mundo
não compra a felicidade!
Arnaldo Lúcio
Rio de Janeiro/RJ

Quantos séculos de lutas
não levou a natureza
a formar das coisas brutas
tua divina beleza?
Arnaldo Damasceno Vieira
Porto Alegre/RS (1876 - 1949) Rio de Janeiro/RJ

Teus olhos? Vou descreve-los:
- São na terra a minha cruz...
São irmãos de teus cabelos,
são duas noites sem luz...
Armando Goulart Wucherer
Maceió/AL

De cabides fabricante,
o Abreu, que é um "caradura",
mesmo ganhando bastante,
vive sempre na "pendura"...
Armando Gonçalves Migueis
Rio de Janeiro/RJ

Muita gente com certeza,
tem esta sabedoria:
- Descobrir numa tristeza
razões de alguma alegria.
Arlindo Barbosa
(Matias Barbosa/MG) São Paulo/SP

Disseste no meu ouvido
- orgulho dos meus pecados -
que eu fui o mais atrevido
de todos teus namorados.
Araife David
Taubaté/SP

Antes de ver-te, eu vivia
bem pobre de inspiração.
Mas agora és a poesia
vivendo em meu coração!
Antonio Weindler
(Cubatão/SP) Nova Iguaçu/RJ

De tanto ser visionário
num mundo de ingratidões,
hoje possuo um rosário
de vazias ilusões.
Antônio José Lima
(Manga/MG) Januária/MG

Saudade! Névoa serena,
caindo além, lá na serra...
Luar de maio, novena
rezada na minha terra.
Antonio Justa
(CE) Rio de Janeiro/RJ

Vai pelo azul a andorinha
novos climas procurar;
vai, porém não vai sozinha,
cada qual leva seu par...
Antonio Chaves
Teresina/PI (1883 - 1938)

Vou em rápida descida
como o rio, sem cansaço,
deixando às margens da vida
os tristes versos que faço.
Antonio Carlos Teixeira Pinto
(Campos/RJ) Juiz de Fora/MG

Enquanto choro, tu cantas
e indagas por que te amei...
Do amor as razões são tantas,
que as causas nem mesmo eu sei...
Antonio Carlos de Ribeiro Andrada
(Belo Horizonte/MG) Rio de Janeiro/RJ

Dai atenção e carinho
a quem te quer e te afaga:
- Se o mal se paga com o bem,
amor com amor se paga...
Antonio Carlos de Oliveira Mafra
Rio de Janeiro/RJ

Esta vida é muito boa,
Deus a fez com perfeição.
Se o mal alguém apregoa,
vive sempre em confusão.
Antônio Cardoso Filho
Maruim/SE (1911 -   ) Magé/RJ

Sou rica: tenho este céu,
estas terras, este mar,
que me inspiram alegria
e que me fazem sonhar.
Ângela Maria de Almeida Oliveira
(Nilópolis/RJ) Agostinho Porto/RJ

No meu peito inda perdura
algo do bem que te quis.
Mal de amor, quando se cura,
deixa sempre a cicatriz...
Anderson Braga Horta
(Carangola/MG) Brasília/DF

Ventura - enfeite da vida,
que nem todos podem ter.
Alcançada, é tão querida
mas tão fácil de perder!...
Anazildo Ribeiro
(Manaus/AM) Rio de Janeiro/RJ

Olhando as folhas caídas
que o vento arrasta no chão,
fico a pensar nessas vidas
a quem ninguém deu a mão.
Ana Rolão Preto Martins Abano
Castelo Branco/Portugal

Não julgues a criatura
por seu tipo esfarrapado;
só Deus sabe que amargura
padece esse desgraçado!
Ana Mano de Oliveira Rodrigues
Sapucaia/RJ (1882 - ) Belo Horizonte/MG

Ai, loucos sonhos de outrora,
ventura dos verdes anos!...
Tudo isso se esgota agora,
na taça dos desenganos...
Ana de Medeiros Maia de Andrade
(Flores/PE) Rio de Janeiro/RJ

Nesse berço pequenino
dorme um pequenino ser.
Qual será o seu destino?
Terá mais dor ou prazer?
Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça
Rio de Janeiro/RJ (1896 - 1971)

- Coração, bates ligeiro,
até mudas de compasso,
se recordo o amor primeiro
ou se perto dele passo!
Amaryllis Schloenbach
São Paulo/SP

Amor, carinho e amizade
moraram no peito meu.
Veio um dia a tempestade,
e o vento tudo varreu...
Amador Leite de Aguiar
(Cachoeiro de Itapemirim/ES) Rio de Janeiro/RJ

Por muito que faças força,
será puro desatino...
pois, não há força que torça
o fio do teu destino.
Amadeu Fontana Lindo
Amparo/SP (1914 -  )

Vou rimando, com fervor,
duas frases, na verdade:
meu coração diz - amor,
e minha alma diz - saudade.
Alvair Braga Esteves
(Juiz de Fora/MG)  Rio de Janeiro/RJ

Nasci em leito de rosas
e morro em leito de espinhos...
Ó mães, que sois caridosas,
velai por vossos filhinhos!
Alphonsus de Guimarães
Ouro Preto/MG (1870 - 1921) Mariana/MG

Não sei de maior tristeza,
para um pobre coração,
do que enfrentar a rudeza
de triste separação...
Alma Selva
(Alvina Bahiense Freitas)
(Batatal de Duas Serras/ES) Cachoeiro de Itapemirim/ES

Ai daquele que se ilude!
Homem - és tão pequenino,
qual uma bola de gude
na imensa mão do destino!
Alice Alves Nunes
Rio de Janeiro/RJ (1896 -  )

Ao pensarmos em saudade,
ficamos em confusão:
- O passado nos invade,
ou ele sofre invasão?!...
Alfredo Moraes
Maroim/SE (1910 -  ) Rio de Janeiro/RJ

Para falar a verdade,
sem que haja algum desdouro,
porque limpar a cidade,
se tem quem limpe o tesouro?!...
Albérico Vieira Machado
Vitória/ES

A mulher, quando criança,
é carícia, é mimo, é flor.
Quando moça é uma esperança,
quando é mãe é toda amor.
Alaor E. Scisínio
Itaocara/RJ (1927 - 2000) Niterói/RJ

Roseira, perdeste a flor,
bem igual é o meu destino:
- Eu também perdi na dor
os meus sonhos de menino!
Agenor de Oliveira Freitas
Altamira/PA (1911 -  ) Santos/SP

Com filigranas de afeto
fiz a colcha multicor
que num cantinho dileto
agasalha o meu amor.
Adhemar Rebelo de Mendonça
Pindamonhangaba/SP (1906 -  ) Juiz de Fora/MG

Cada noite tem seu dia,
cada dia seu quinhão;
se tenho, hoje, alegria,
amanhã terei, ou não!
Aderbal Fernandes de Queirós
Luis Gomes/RN (1912 -  ) Natal/RN

Desgraçado é quem aspira
certo bem que não existe...
É ser crente na mentira,
é viver e morrer triste.
Abílio Barreto
Diamantina/MG (1883 - 1957) Belo Horizonte/MG

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Eça de Queiroz (A Filha do Carcereiro)

A pobre rapariga tinha seis anos: era filha do carcereiro. Era loura, com grandes olhos lúcidos. Desde a madrugada ia pelos pátios, pelas enxovias ( cárcere térreo ou subterrâneo, com pouca luz e insalubre), pelas gradarias, leve como uma seda e sã como um sol.

Levava braçadas de ervas aos presos e clematites (planta).

Na cadeia chamavam-lhe a Cotovia. Tinha pombas. Tinha um riso transparente e bom, e quando os miseráveis sujos e chorosos iam para os degredos – ela cantarolava entre eles, serena e gloriosa. Cresceu. A mãe era lavadeira e morreu no rio, entre os musgos e os canaviais. O pai teve um mal e ficou entrevado.

Vieram os Invernos. Ela lidava. Cuidava dos irmãos pequenos. Lavava ao sol… Costurava à lareira sonolenta. De madrugada ia atirar grãos e migalhas às pombas: depois vinha dar ao pai engelhado, triste, doloroso, as sopas e o caldo.

Um dia entrou na cadeia um bêbado, um covarde, um assassino, que tinha espancado o pai. Era um lindo rapaz, branco com um corpo delgado. A rapariga viu-o, e fugiu com ele de noite embrulhada num cobertor.

Todo o dia seguinte, as crianças não comeram. O pai gritou, chorou e arrastou-se até à lareira. Ninguém. As pombas voavam à tarde inquietas, fugitivas e medrosas. O pai ficou toda a noite ao pé da lareira a roer um bocado de pão duro. No outro dia ainda as crianças ficaram sem comer. Todas as pombas fugiram. O pai arrastou-se até o casebre; e esfomeado, batia de encontro à porta. Por fim vieram. Passados dias. Havia pela vizinhança um cheiro de podridão. As crianças tinham morrido; o pai tinha morrido. Tinha sido a fome, a míngua, a sede, o frio.

A que fugiu é hoje velha. Embebeda-se com aguardente: e quando na taberna as esfarrapadas e os miseráveis lhe falam nesta história, ela diz com voz rouca:
– Ai que noite aquela, filhas! Ele tinha um modo de dar beijos!

Fonte:
Eça de Queiroz. Prosas bárbaras.

Academia Brasileira de Letras (Conferências de Março)

 
 

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Paulo Roberto de Oliveira Caruso (Buquê de Trovas)

1
A chave ao meu coração
só tu tens; não tenho medo.
Temos tão rica união
que eu nunca mudo o segredo!
2
As partidas de xadrez
têm decerto a sua essência.
Jogador tem sua vez;
é preciso paciência!
3
Certa vez ouvi um papo.
Um machista disse: “Eureca!
Homem não engole sapo...
Ele come perereca!”
4
Dando-se as mãos a cidade
com zeladora vigília
mostra solidariedade
virando grande família.
5
Deus construiu este mundo
com suor do seu trabalho.
Seu esforço foi profundo.
Assim nos nasceu o orvalho!
6
Fogueira em festa junina...
Eu me queimei um bocado!
Na quadrilha eu vi menina
e saí de lá casado!
7
Foto de bonita dama
atraiu Seu Juvenal.
Viu ser dum homem a trama
no tal mundo virtual!
8
Horas por dia eu passei
no tal mundo virtual,
até que um dia paguei
uma conta bem real!
9
João golpes praticou
no tal mundo virtual,
até que um dia encarou
um xilindró bem real!
10
Lendo sobre camisinha,
Joaquim logo gargalhou.
Em peça pequenininha
de agasalho ele pensou!
11
Menina virou rapaz
e rapaz virou menina...
Hoje muito isso se faz
não só em festa junina...
12
Meu coração suburbano
tu conheces muito bem!
Tem muito do amor humano
que preenche o teu também!
13
No ano de mil e quinhentos,
dia vinte e dois de abril,
Portugal, com ricos ventos,
arrecadou o Brasil.
14
Nosso amor é o sagrado.
O que revela união.
Ele sabe ser gerado
com paixão e compaixão.
15
O poeta Zé Mitôca
é mesmo "o cara" de Ocara!
Versos mil de sua boca
tornaram-se joia rara!
16
O político safado
faz o povo de capacho.
Da panela do coitado
raspa até o fim do tacho!
17
O silêncio é uma virtude,
disso todo mundo sabe.
Cala-te, não sendo rude,
quando falar não te cabe.
18
Para ser lugar perfeito
nossa querida cidade,
requer sempre um bom prefeito
praticando a honestidade.
19
Perguntou Seu Dorival
“o que é que a baiana tem?”
Não somente em carnaval,
rebola como ninguém!
20
Que dolorosa ironia:
a terra muito pisamos,
mas a morte chega um dia...
E sob a terra ficamos!
21
Quem diria? A sementinha
pela mamãe recebida
gera uma pessoazinha
regada a leite e querida!
22
Se mantemos o decoro,
o “eu” se doa pelo “nós”,
assim nasce o melhor coro,
parecendo uma só voz.
23
Se pregarmos a bondade,
o sagrado nós veremos:
em vez de fria cidade,
grande família teremos!




24
Teus olhos da cor da terra
são meu solo, são meu chão.
É neles dois que se encerra
minha antiga solidão!
25
Toda saudade, de fato,
traz o início dum sofrer.
Sabemos que ela num ato
vem do fim de um conviver.
26
Um enfermeiro embriagado
susto deu-me a injeção.
Meu braço foi preparado
com bafo, sem algodão.
27
Um soneto ia eu tentar,
mas a preguiça chegou.
Antes de os olhos pregar,
esta trova me sobrou.