quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Antonio Brás Constante (Pratique o suicídio saudável)


O suicida é alguém literalmente disposto a morrer por seus objetivos, porém, ainda assim, não pode ser considerado uma pessoa que vai conseguir ir muito longe na vida.

Ao contrário do que alguns pensam, nem todo suicida é um pessimista por natureza, como no caso do suicida otimista que pulou de um prédio de 30 andares e ao passar em queda livre já pelo vigésimo andar disse para si mesmo: “bom, até aqui tudo bem...”.

Todo dia matamos algo em nós mesmos, e muitas vezes nem percebemos isso. Somos suicidas em potencial, massacrando sonhos, destruindo chances de felicidade, desperdiçando bons momentos presentes em busca de desejos sem futuro. Existem pessoas, no entanto, que chegam ao extremo de achar que não está sobrando nada de valor em suas vidas, transformando o suicídio numa espécie de saída de emergência, na esperança de expiar seus erros, ou de alcançar a paz, e para tentar vencer suas frustrações optam por perder a própria vida.

Não é fácil viver: muitos já morreram tentando. Não existem fórmulas milagrosas que nos transformem em seres felizes e em harmonia com os animaizinhos do bosque encantado, mas antes de rasgarmos nosso bilhete vitalício (sem prazo de vencimento
determinado), deveríamos experimentar o suicídio saudável. 

Para quem não conhece o termo (cunhado provavelmente a partir deste momento), o suicídio saudável consiste em eliminar apenas uma parcela de nossas vidas conhecida como melancolia (um sentimento que, quando se encontra dentro de nós, merece mesmo morrer juntamente com outros, tais como o egoísmo, a inveja, o ódio, etc.), através de ações em prol de nossos semelhantes. 

Para que pensar em se matar hoje, se ainda hoje você poderia salvar outra vida e quem sabe assim também ser feliz? Ao invés de se enforcar, pule corda ou troque uma bala na cabeça por doces e balas em orfanatos. Conheça melhor os idosos e seus exemplos de vida antes de querer jogar fora a continuação de sua história. Mais importante do que uma carta explicando os motivos de sua morte é deixar marcas feitas de solidariedade.

Alguns dizem que é preciso coragem para se matar; então, por que não usar esta coragem para ajudar, ou mesmo para pedir ajuda. Basta olhar além de nossas próprias dores para encontrarmos tantas outras pessoas que, mesmo em situação pior do que a
nossa, estão querendo viver, ou mesmo sobreviver, e muitas vezes necessitam apenas de um pequeno empurrão, que pode ser dado através de nossas mãos. Do mesmo modo, também existem pessoas dispostas a estender os braços para nos dar apoio; basta querermos abrir nossos corações antes de tentarmos fazê-los pararem de bater. Vivemos em um mundo cheio de dor, egoísmo, ódio e sofrimento, mas também repleto de bons corações e almas. Então vamos ser uma dessas nobres almas; afinal, o que temos a perder?

Enfim, às vezes a melhor forma de criarmos um objetivo que fortaleça nosso sopro de vida é auxiliando nossos semelhantes na conquista do respeito e da dignidade que eles (assim como nós) merecem receber.

Fonte:
Constante, Antonio Brás.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. 
Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

III Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho – Poesias e Crônicas (Classificação Final)


Classificação do III Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho, da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG

Categoria: Poesia

1º Lugar: 
“Eterno” 
Rossana Monteiro Cruz
Aracajú-SE 

2º Lugar: 
“Sou autora da minha felicidade”
Rosimeire Leal da Motta Piredda
Vila Velha-ES 

3º Lugar: 
“Ilusão”
Celso Gonzaga
Cachoeirinha-RS

Menções Honrosas:

4º lugar: 
“Sempitermo”
Cosme Custódio da Silva 
Salvador-BA 

5º lugar: 
“Este Brasil que eu amo”
Margareth das Dores Rafael Moreira Costa
Itambacuri-MG 

6º lugar: 
“Forças Desarmadas”
Noé Comemorável de Oliveira Neto
Caratinga-MG 

7º lugar: 
”Boa Noite”
Décio de Moura Mallmith
Porto Alegre-RS 

8º lugar: 
“Gonzaga de Carvalho, quadrão mineiro”
Maria Luciene da Silva
Fortaleza-CE 

9º lugar: 
“Contagem regressiva”
Luciano José Schirmer de Oliveira
Ladainha-MG 

10º lugar: 
“Tempo perdido”
José Feldman 
Maringá-PR 

11º lugar: 
“Fluvial”
Cláudio de Almeida Hermínio
Belo Horioznte-MG 

12º lugar:
“Verdades”
Tereza Azevedo
Campinas-SP 

13º lugar: 
“Os tons” 
Cláudio Rogério Trindade
Ijuí-RS 

14º lugar: 
“A consciência do viver”
José Moutinho dos Santos
Belo Horizonte-MG 

15º lugar: 
“O covarde”
Celso Henrique Fermino
São José do Rio Preto-SP  

16º lugar: 
“Esvoejar como uma pena” 
Evandro Ferreira Rodrigues
Caucaia-CE

Categoria: Crônica

1º Lugar: 
“A festa do Abecê” 
Sérgio Rodrigues Piranguense
Contagem-MG 

2º Lugar: 
“Os quitutes de Iaiá”
Vânia Rodrigues Calmon
Vila Velha-ES 

3º Lugar: 
“A vida passa por aqui” 
Amalri Nascimento
Rio de Janeiro-RJ

Menções Honrosas:

4º lugar: 
“...E seu eu pudesse ser criança outra vez...”
Celso Gonzaga Porto
Cachoeirinha-RS 

5º lugar: 
“Ajuda dolorosa”
Helena Selma Colen
Ladainha-MG 

6º lugar: 
“Peixa”
Almir Zaferg
Teixeira de Freitas-BA 

7º lugar: 
“Apagando pegadas”
Coracy Teixeira Bessa
Salvador-BA 

8º lugar: 
“Lágrimas de Guadalquivir”
Odair Leitão Alonso
Campinas-SP 

9º lugar: 
“Crônica dos Ebas que ficam pelo caminho”
Emanuela Rufino de Lima Melo
Recife-PE 

10º lugar: 
“Reminiscências de um pensamento”
Anchieta Antunes
Gravatá-PE 

11º lugar: 
“A parreira da vizinha”
Geraldo de Castro Pereira
Vila Velha-ES 

12º lugar: 
“Atestado de sobrevivência”
Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas-RS 

13º lugar: 
“Literatura periférica”
Silvio Parise
East Providence-EUA 

14º lugar: 
“Quando o amor é demais”
Esther Rogessi
Recife-PE 

15º lugar: 
“Antropologia e mistério” 
Altamir Freitas Braga
Belo Horizonte-MG

16º lugar: 
O idoso e o velho” 
Alcione Sortica
Porto Alegre-RS

Entrega da premiação: 10 de novembro de 2018 (Sessão Especial, em comemoração ao Dia Nacional da Língua Portuguesa)

Horário: 19:00 horas

Local: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni.

XXXI Jogos Florais de Ribeirão Preto (Prazo: 31 de Outubro)


REGULAMENTO

    Os 31º Jogos Florais de Ribeirão Preto (lei 3404-78) promovidos pela UBT  - União Brasileira de Trovadores, seção de Ribeirão Preto - SP, constituem a base para o tradicional concurso de trovas literárias.

    Do ponto de vista métrico,os concorrentes têm que apresentar suas trovas setissilábicas, nas quais o 1º verso rimará com o 3º e o 2º com o 4º tendo sentido completo.

    Ficam estabelecidos os seguintes temas:

    Âmbito Nacional: ÂNCORA  (Lírico/filosófico). Sistema envelopes brancos, 1 (uma) trova por trovador .Serão premiados 5 vencedores e 5 menções honrosas.

    Novos Trovadores: concorrem  com o mesmo tema.  Serão até 5 (cinco) os premiados.

     Âmbito Municipal: NATAL (lírico/filosófico),até 2 (duas) trovas por trovador. Serão premiados 5 vencedores e 5 menções honrosas

    Obs. O tema municipal é destinado aos trovadores residentes na cidade de Ribeirão Preto.

      As trovas devem vir em envelopes 8/11, digitadas em ARIAL 14, identificação no interior o nome, endereço, e-mail,telefone

     Prazo: trovas chegadas até 31 de outubro de 2018. Obs.: A demora postal é de até 25 dias. Divulgação dos vencedores? Em meados de novembro.

    Remessas:  

Concurso Nacional: 

a/c Nilton Manoel, 
caixa postal  448,
CEP. 14001970 
Ribeirão Preto-SP

Concurso Municipal: 

a/c José  Feldman, 
Rua Vereador Arlindo Planas,901,Casa  A
zona 6 
CEP 87080-330
Maringá, PR

Os prêmios consistirão de Medalhas e diplomas. As trovas serão divulgadas pelos meios  de comunicação em geral.
     
Ribeirão Preto-SP. 31 de julho de 2018.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Carlos Drummond de Andrade (A Cabra e Francisco)

Madrugada. O hospital, como o Rio de Janeiro, dorme. O porteiro vê diante de si uma cabrinha malhada, pensa que está sonhando.

— Bom palpite. Veio mesmo na hora. Ando com tanta prestação atrasada, meu Deus.

A cabra olha-o fixamente.

— Está bem, filhinha. Agora pode ir passear. Depois você volta, sim? Ela não se mexe, séria.

— Vai, cabrinha, vai. Seja camarada. Preciso sonhar outras coisas. É a única hora em que sou dono de tudo, entende?

O animal chega-se mais perto dele, roça-lhe o braço. Sentindo-lhe o cheiro, o homem percebe que é de verdade, e recua.

— Essa não! Que é que você veio fazer aqui, criatura? Dê o fora, vamos. Repele-a com jeito manso, porém a cabra não se mexe, encarando-o sempre. 

— Aiaiai! Bonito. Desculpe, mas a senhora tem de sair com urgência, isto aqui é um estabelecimento público. (Achando pouco satisfatória a razão.) Bem, se é público devia ser para todos, mas você compreende… (Empurra-a docemente para fora, e volta à cadeira.)

— O quê? Voltou? Mas isso é hora de me visitar, filha? Está sem sono? Que é que há? Gosto muito de criação, mas aqui no hospital, antes do dia clarear… (Acaricia-lhe o pescoço.) Que é isso! Você está molhada? Essa coisa pegajosa… O quê: sangue?! Por que não me disse logo, cabrinha de Deus? Por que ficou me olhando assim feito boba? Tem razão: eu é que não entendi, devia ter morado logo. E como vai ser? Os doutores daqui são um estouro, mas cabra é diferente, não sei se eles topam. Sabe de uma coisa? Eu mesmo vou te operar!

Corre à sala de cirurgia, toma um bisturi, uma pinça; à farmácia, pega mercúrio cromo, sulfa e gaze; e num canto do hospital, assistido por dois serventes, enquanto o dia vai nascendo, extrai do pescoço da cabra uma bala de calibre 22, ali cravada quando o bichinho, ignorando os costumes cariocas da noite, passava perto de uns homens que conversavam à porta de um bar.

O animal deixa-se operar, com a maior serenidade. Seus olhos envolvem o
porteiro numa carícia agradecida.

— Marcolina. Dou-lhe este nome em lembrança de uma cabra que tive quando criança, no Icó. Está satisfeita, Marcolina?

— Muito, Francisco.

Sem reparar que a cabra aceitara o diálogo, e sabia o seu nome, Francisco prosseguiu:

— Como foi que você teve ideia de vir ao Miguel Couto? O Hospital Veterinário é na Lapa.

— Eu sei, Francisco. Mas você não trabalha na Lapa, trabalha no Miguel Couto.

— E daí?

— Daí, preferi ficar por aqui mesmo e me entregar a seus cuidados.

— Você me conhecia?

— Não posso explicar mais do que isso, Francisco. As cabras não sabem muito sobre essas coisas. Sei que estou bem a seu lado, que você me salvou. Obrigada, Francisco.

E lambendo-lhe afetuosamente a mão, cerrou os olhos para dormir. Bem que precisava.

Aí Francisco levou um susto, saltou para o lado:

— Que negócio é esse: cabra falando?! Nunca vi coisa igual na minha vida. E logo comigo, meu pai do céu!

A cabra descerrou um olho sonolento, e por cima das barbas parecia esboçar um sorriso:

— Pois você não se chama Francisco, não tem o nome do santo que mais gostava dos animais neste mundo? Que tem isso, trocar umas palavrinhas com você? Olhe, amanhã vou pedir ao Ariano Suassuna que escreva um auto da cabra, em que você vai para o céu, ouviu?

ESTRAMBOTE

Que um dia Francis Jammes abra
lá no alto seu azul aprisco.
Mande entrar Marcolina, a cabra,
e seu bom amigo Francisco.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Concurso de Trovas da UBT/Santos (Prazo: 31 de Outubro de 2018)


Tema - Despedida (Lírica/Filosófica)

1 Trova (inédita)

Sistema de envelopes

Enviar:
a/c Carolina Ramos
Cx Postal, 52
CEP 11010-970 
Santos/SP

Remetente: Luiz Otávio
Endereço: O mesmo do concurso

Prazo: até 31/10/18 (data do carimbo)

Filemon F. Martins (Coisas do coração)


Hoje acordei contemplativo. O dia amanheceu escuro, chuvoso e triste. E enquanto chovia, observava as gotas de água que caíam na vidraça da janela e deslizavam mansamente. Uma saudade inexplicável bateu forte em meu coração. Lá fora, a chuva continuava fina, mas constante, ativando ainda mais este agridoce vazio que pesa no meu peito. 

Nestes dias parece que a poesia adquire mais sabor e mais vida, transformando-se num lenitivo para o espírito. Munido de caneta e papel, começo a escrever. Escrevo com o coração uma palavra, uma frase, sobre um episódio, um fato, um sonho, uma esperança ou quem sabe a reminiscência de um amor. 

Aos poucos a chuva vai cessando e sinto uma vontade incontrolável de sair pelas ruas do bairro. Talvez, eu possa ir à barbearia conversar com as pessoas. Gosto de ouvir suas histórias, sonhos e segredos e tentar entendê-los. 

Por algum tempo, fico absorto, imaginando, como seria bom, se pudesse ser um pássaro. Poderia voar livre, como um beija-flor numa valsa delicada e bela em redor das flores. Poderia, ainda, cantar mavioso, como faz o sabiá nas laranjeiras. Porém, não sou pássaro e também não sei cantar, mas posso pensar. Meu pensamento é uma arma. Aliás, única arma do poeta. Com ele posso vencer obstáculos e transpor montes, rios e oceanos. Posso percorrer o Planeta Terra, porque meu pensamento não encontra barreiras na propagação da paz, da esperança e do amor. 

Depois destas conjeturas, levanto-me. Fico impaciente e ando de um lado para o outro, vou até à porta, mas vejo através da janela que a chuva volta a cair. Torna-se forte. A enxurrada se faz barulhenta. Não posso sair. Volto a sentar-me e meu coração se acalma. Emudeço. Ouço uma música e volto a escrever - coisas do coração.

Fonte:

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Jardim de Versos I


Alume Paixão
FLORAIS

No meio da dança,
Meu nariz em seu pescoço,
Aspiro e sinto.

A música mansa,
O perfume do moço,
Floral de Absinto…

Anna Maria Carneiro
FLOR FATAL

Presa à haste verde com espinhos
Protegida da dor – não bastou
Foi botão – aflorou
Flor colhida na luxúria
Usada, abusada, sofrida
Derramada no lixo, depois
Hoje, murcha, desprezada
Espera o lixeiro que passa
Para dar fim ao que começou.

Daniela Genaro
AS SUAS FLORES

As suas flores
não são pintadas,
não são bordadas.

As suas flores
não são de plástico.

As suas flores,
na verdade,
não são flores,
são sonhos.

Edweine Loureiro
FUNERAL

Quando o caixão
e as lágrimas descem,
rumo ao esquecimento,
até as velas ofertadas
são apagadas pelo vento.

O que fará, então, às flores
a implacável ação do tempo?

Francisco Ferreira

As vinhas produzem ira
num espírito inferior
mas, no coração caipira
até o brejo gera flor.

Gilmar Souza
BUQUÊ DE VERSOS

A Rosa oferece amor
E a Orquídea a pureza
O Lírio lhe dá doçura
Jacinto delicadeza
A Bromélia resistência
E a Begônia leveza.

A Tulipa esperança
A Margarida gentileza
O Cravo lhe traz talento
E o Jasmim a beleza
O Girassol felicidade
E a Camélia grandeza.

Joilson Portocalvo
SE AS FLORES 

tivessem de pedir licença
ao solo para retirar a seiva
implorar ao sereno orvalha-las
recusassem perfumar brisas
        embelezar cerimônias
se elas
não renascessem do nada
não se deixassem engravidar
não se rendessem ao colibri
orgulhosas
                  não despetalassem
               nem morressem
haveria apenas um jardim
de sempre-vivas
colorindo o mundo.

Maria Thereza Noronha
JARDIM

Pessoas há que são como as 
camélias.
Ao mais ligeiro toque
escurecem
(quando não caem do galho).
Mimosas sensitivas
se fazem de mortas, vivas,
cheias de malquerenças…
Esquecidas de que,
ao fim da tarde,
estaremos dissolvendo
nossas desavenças
ao pé do muro
junto às avencas.

Olga Savary
AS SUBTERRÂNEAS

Mais belas que estas flores
– mas muito mais – que florescem
atormentando mil verdes,
mais belas que estas vermelhas
incendiando o jardim,
onde mãos imprecisas
castigam querendo colher,
são as nunca nascidas,
são essas flores ocultas
em subterrâneo desejo.

Paulo Franco
CACTO

Vejo o mundo
como um caminheiro
no deserto vê um cacto.

Vejo esgoto escorrendo
sob nuvens que passeiam
e pessoas rastejando feito ratos.

Vejo a flor 
que brota desse esgoto
e a dor que, feito nuvem,
esgota a flor do rosto.

Vejo os restos
dos sentidos que ensinaram
se tornarem continência
e a flor secando pelo rosto
como cacto
em redor da ausência.

Roberto Massoni
A DONA DO JARDIM

Eu reconheço que não se trata assim
quem cuida de semente no jardim
é preciso por demais delicadeza
tratos triviais, mas de princesa.
Não se maltrata quem faz gerar a flor
compondo-a com sua alma de artista
a Arte Natural da florista.
Eu reconheço que não se fere assim
quem nos espinhos se fere tanto
esperando que ao final deste meu canto
esteja eu outra vez em paz
com a dona do jardim.

Sidney Sanctus
AMOR-PERFEITO

Eu querendo afogar os meus spleens
percorri vegetal, florida trilha,
aleia envolta de perfumes, ilha – 
bela difusa, luz de serafins…!

E eis que nesses oníricos confins,
esfuziante, vi linda flor, filha
com certeza da própria maravilha
a jorrar ouro em meus secos jardins!

Pétalas com miríades de cores
que espargem polens, néctar e os olores
a seduzir estrelas, rosicler…

E pelas borboletas foi eleito
supra-sumo; seu nome: Amor-Perfeito,
puro sentir entre o homem e a mulher!

Fonte:
Cláudia Brino e Vieira Vivo. Cabeça Ativa. Flores 41. 
São Vicente/SP: Costelas Felinas, mai/jun/jul 2018.

Malba Tahan (A Filha do Muezim)

Lenda árabe

Conta-se que o famoso califa Al-Mamum chamou um dia o seu grão-vizir, o fiel e bondoso Abdel-Terik, e lhe disse:

    — Quero casar amanhã com uma jovem muçulmana de espírito esclarecido e notável talento. Encarrego-te, meu caro vizir, de ir aos mais suntuosos palácios, como às mais humildes choupanas procurar a moça que pelos seus dotes intelectuais possa superar todas as suas companheiras!

    — Escuto-vos e obedeço-vos! — respondeu o vizir, inclinando-se respeitoso.

    E nesse dia, ao cair da tarde, quando o pacato vizir regressava, como de costume, a casa, causava-lhe sérias apreensões o delicado encargo que lhe dera o sultão.

    Como iria ele descobrir, entre tantas jovens de seu pais, a mais viva e inteligente! Como escolher, afinal, com segurança e acerto, uma esposa digna do Emir dos Crentes?

    Caminhava o velho Abdel-Terik tão preocupado e absorto em seus pensamentos, que não deu atenção a um viajante desconhecido que lhe vinha ao lado.

    Em meio do caminho avistou um homem a colher trigo no campo.

    O desconhecido, que se conservava sempre ao lado do vizir, deixando o mutismo em que até então estivera, observou, em voz alta:

    — Ai está um bom camponês a enfeixar o seu trigo! Queira Allah que ele já não tenha comido todo o trigo que está agora colhendo!

    Abdel-Terik voltou-se para o seu companheiro de jornada e fitou-o, cheio de espanto. Aquela observação inesperada e absurda era de fazer rir o árabe mais ingênuo do Islã. Como poderia um homem comer o trigo antes da colheita?

    — É um insensato — pensou o vizir desconfiado. — O melhor que faço é não lhe dar resposta nem atenção.

    Momentos depois encontraram um cortejo fúnebre que se dirigia ao cemitério muçulmano.

    A frente vários homens conduziam, em silêncio, um caixão mortuário. Três mulheres — que pareciam viúvas — choravam, cheias de desespero.

    Novamente o desconhecido observou, em voz alta, com a maior naturalidade:

    — Ali vai um enterro pelo caminho de Allah! Quem sabe se aquele morto não estará ainda vivo entre nós?

    Aquela segunda observação causou ao grão-vizir não menor surpresa. Só mesmo um louco poderia formular ideia tão absurda!

    — Não resta dúvida — refletiu o digno ministro. — Este infeliz que vem comigo é um demente, um pobre desequilibrado. Estou certo de que um homem, em seu juízo perfeito, seria incapaz de formular tão desconchavada tolice!

    Depois de caminharem ainda algum tempo juntos, chegaram os dois viajantes a uma encruzilhada.

    Voltou-se o desconhecido para o grão-vizir e disse-lhe:

    — Antes que nos separemos devo dizer-vos, meu amigo, que poderíamos ter vindo pelo mesmo caminho, gasto o mesmo tempo, andado do mesmo modo, fazendo, porém, uma viagem mais curta!

     E sem mais palavra, afastou-se lentamente, deixando o grão-vizir mergulhado em profundo pasmo.

     Dias depois, com grande pompa, realizou-se o casamento da jovem Nadima...

   — Infeliz! — murmurou o bom do ministro, sinceramente penalizado. — Desafortunado filho de Adão! Esta última observação veio provar, bem claramente, que és um louco! Como seria possível, vindo pelo mesmo caminho, andando do mesmo modo, gastando o mesmo tempo, fazer uma viagem mais curta? É positivamente uma parvorice!

    Ao chegar a casa contou o grão-vizir à esposa o que lhe ocorrera em caminho, repetindo-lhe as três observações do seu original companheiro de jornada.

    Mal terminara o grão-vizir a sua narrativa, ouviu-se no aposento contíguo, alegre e viva risada feminina.

    — Quem está aí? — perguntou, intrigado, o ministro.

    — É uma pobre rapariga chamada Nadima — respondeu a esposa. — É a filha do muezim (1), veio hoje, casualmente, à nossa casa oferecer-me alguns trabalhos e bordados que pretende vender.

    — Quero falar a essa jovem — replicou o grão-vizir.

    Atendendo a esse chamado, surgiu a moça com o rosto coberto por espesso véu.

    — Minha filha — disse-lhe, carinhoso, o grão-vizir — por que motivo achaste tanta graça no caso extravagante que acabei de contar?

    — Allah que vos conserve, ó vizir! — replicou a jovem com humildade e respeito. — Notei (perdoai a minha audácia!) que muito vos iludistes, julgando louco o original muçulmano que foi vosso companheiro de viagem!

    — Como assim? Não reparaste nas observações descabidas que ele fez?

    — Reparai, sim, ó cheique venerável! — continuou Nadima com calma e modéstia. — A meu ver o vosso companheiro de jornada é um homem judicioso e de grande talento!

As três observações feitas revelam claramente uma inteligência invejável, um raciocínio claro e um juízo equilibrado e perfeito!

    E sem dar atenção ao grande espanto que invadia completamente a fisionomia do grão-vizir, a jovem assim falou:

    — A primeira observação: “Queira Allah que ele já não tenha comido o trigo que está colhendo!”, significa que podia acontecer já ter o camponês vendido antecipadamente a colheita e gasto o dinheiro assim obtido. Teria, portanto, comido o trigo que estava colhendo. Quanto à segundo observação, explica-se ainda mais facilmente. Ao dizer ele: “Quem sabe se aquele morto não está vivo ainda entre nós?”, quis significar que muitas vezes uma pessoa, pelas obras notáveis que deixa, continua, mesmo depois de morta, na recordação e no pensamento de todos, como se na verdade estivesse entre nós!

    — E a terceira observação? — interrogou o ministro. — Não vejo como justificar tão desarrazoada ideia.

    — É muito fácil — acrescentou, com um encantador sorriso, a filha do muezim. — Que disse o desconhecido ao chegar à encruzilhada? Que a viagem poderia ser mais curta, muito embora fosse feita durante o mesmo tempo, do mesmo modo e pelo mesmo caminho! E isso teria, realmente acontecido, se tivessem tido a felicidade de encontrar um terceiro companheiro que fosse capaz, em agradável palestra, de contar histórias e lendas maravilhosas que os distraíssem durante a jornada, suavizando-a!

Ao ouvir tão hábil e sensata explicação, exclamou o grão-vizir:

— Allah seja louvado! Encontrei na pessoa desta jovem a esposa ideal para o grande e generoso califa Al-Mamum, nosso amo e senhor!

Dias depois, com grande pompa, realizou-se o casamento da jovem Nadima, filha do muezim, com o poderoso Abdala III — Al-Mamum — Emir dos Crentes, califa de Bagdá e senhor do grande império muçulmano!
__________________
Nota:
1- Muezim — Pregoeiro. O muezim chama do alto das almenaras (minaretes) os fiéis à oração. Os muezins, em geral são cegos.

Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.