quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Folclore Indígena: Nação Bororó (Como Nasceram as Estrelas)


Existem muitos mitos sul-americanos que falam da maneira como as estrelas encheram o céu. 

Este mito, contado pela tribo dos Bororós, começa com uma manhã, tranquila e igual a muitas outras, passada numa povoação. Os homens da aldeia tinham partido para a caça, de modo que as mulheres pegaram nos seus cestos e foram colher milho para fazer tortilhas. O pior é que encontraram muito poucas maçarocas.

- Que safra tão pobre - comentou uma delas. - Passei a manhã toda à procura e tenho o meu cesto quase vazio.

- Vamos pedir ao pequenino - sugeriu uma idosa. - Ele tem muito jeito para encontrar as maçarocas... ainda não percebi como consegue. É tão miudinho e o milho cresce tão alto, mas o certo é que consegue dar com as maçarocas!

E foi assim que uma das mulheres voltou à aldeia para chamar o pequenino. Encontrou-o junto da avó, que tentava ensinar algumas palavras novas à arara de estimação. São aves espertas, que conseguem aprender a dizer todo o tipo de palavras.

- O pequenino pode ir conosco para nos ajudar a encontrar maçarocas? -perguntou a mulher à avó do rapaz.

- Claro que sim! - replicou a avó. - Vá, pequenino, toca a andar. 

O pequenino acompanhou a mulher até ao milharal.

- Vê o que consegues encontrar - incitou-o ela.

Como já era de imaginar e tal como a velha previra, o pequenino foi achando maçaroca atrás de maçaroca, até os cestos das mulheres ficarem a abarrotar. Estas sentaram-se então numa clareira, a tirar o milho das maçarocas. Depois arranjaram umas pedras lisas, com as quais esmagaram os bagos até os reduzirem a farinha.

- Assim teremos muitos bolos e tortilhas para dar aos nossos maridos quando eles voltarem da caçada - observou a velha. - Ficarão todos contentes!

O pequenino, porém, sempre que apanhava uma delas distraída, roubava um pouco de farinha para si, escondendo-a dentro do interior oco de talos de bambu.

 «Claro que isto não é roubar», disse de si para si. «Como fui eu quem encontrou a maioria das maçarocas de que esta farinha foi feita, tenho todo o direito de ficar com um bom bocado.»

Não tardou que o pequenino juntasse uma quantidade suficiente para fazer uma festa. Pegou nos paus de bambu e voltou para junto da avó, que ficara na aldeia a tomar conta das crianças.

- Avó! Avó! - exclamou. - Quero dar uma festa para todos os meus amigos... Aqui tem a farinha para os bolos. Importa-se de os fazer?

Sacudiu a farinha que trazia dentro dos paus de bambu, juntando uma boa quantidade num monte.

 A avó esbugalhou os olhos de surpresa.

- Onde é que arranjaste toda esta farinha, pequenino? - perguntou, espantada.

 «Pequenino», cantarolou a arara, imitando-a.

- A avó sabe que eu fui apanhar maçarocas com as mulheres - respondeu o menino. - Ajudei-as a encontrar tantas que me disseram que já tinham farinha que chegasse para os homens.

- Portanto resolveste roubar esta, não foi? - perguntou-lhe a avó.

- Claro que não! - mentiu o rapaz. - Elas é que me disseram para tirar a que fosse capaz de carregar.

«Carregar», guinchou a avó. Franziu o sobrolho mas, logo a seguir, o seu rosto abriu-se num sorriso.

- Acredito em ti - disse, deitando mãos ao trabalho na preparação dos bolos.

Não tardou que a casa da avó se enchesse com o odor delicioso dos bolos acabados de coser... e a abarrotar de crianças, pois o pequenino convidara todos os amigos para a festa.

A avó do rapaz ficou sentada a um canto, juntamente com a arara de estimação, a ver a miudagem a encher a barriga de bolos. Começava a duvidar de que o pequenino tivesse contado a verdade. Se calhar o neto não recebera a farinha mas, sim, roubara-a.

- Será que o meu pequenino é um ladrão? - murmurou. A arara ouviu a palavra «ladrão» e repetiu-a.

«Ladrão!», guinchou. Como achou a palavra agradável de pronunciar, continuou a repeti-la: «Ladrão! Ladrão!».

 As crianças calaram-se.

- Não quero que aquele pássaro maluco nos denuncie. - disse o pequenino. 

«Ladrão!», gritou a arara.

Sem parar para pensar no que estava a fazer, o rapaz agarrou na ave e cortou-lhe a língua. Alguns contam que depois chegou a fazer o mesmo à avó, para se certificar do seu silêncio. No entanto, é provável que a avó tenha ficado suficientemente assustada com o que acontecera à sua pobre ave para não dar com a língua nos dentes.

A maldade estava consumada. Não havia como voltar atrás. Então, como muitas vezes acontece, as coisas más não ficaram por ali. As crianças, com a barriga cheia como há muito não acontecia, saíram de casa atrás do pequenino e foram soltar todas as outras araras de estimação da aldeia.

Foi então que, com a mesma certeza e lentidão com que o Sol nasce pela manhã, o pequenino começou a perceber as maldades terríveis que cometera. Cortara a língua a uma ave, roubara farinha, assustara a avó... o que viria a seguir? Tinham de fugir, as crianças precisavam de se pôr a salvo antes que os pais descobrissem o que haviam feito!

Contudo, para onde poderiam escapulir-se sem serem descobertas pelos adultos?

 -Já sei - exclamou o pequenino. - Os crescidos não são bons trepadores porque pesam muito. Subamos para um sítio aonde eles não possam chegar.

- Para onde? - perguntou uma menina, ainda com a boca suja de migalhas.

- Para o céu! - exclamou o pequenino.

- Mas... como? - quis saber um rapaz mais velho.

- Há sempre uma maneira! - declarou o pequenino ao avistar, naquele preciso momento, uma trepadeira grande. Tinha o caule cheio de nós salientes; portanto, seria fácil subir por ela. Pousado na planta estava um beija-flor.

O pequenino segredou algo ao ouvido do beija-flor e logo a ave pegou numa das pontas da trepadeira e voou com ela para o céu, prendendo-a no sítio certo.

- Despachem-se! - incitou o pequenino, começando a subir pela planta, em direção ao céu. Em breve era seguido por uma fila de crianças.

Quando as mulheres regressaram à aldeia com os cestos cheios de farinha, prontas para começar a cozinhar para os seus homens, não encontraram os filhos. Correram para casa da avó do pequenino e encontraram-na a chorar pela sua pobre arara.

- Que aconteceu? - perguntou uma das mulheres.

- Onde estão as crianças todas? - inquiriu outra, aflita.

Nesse instante, uma delas ainda viu as pernas da última criança a subir pela trepadeira, antes de desaparecer no céu.

- Olhem! - gritou a mulher. - Estão ali!

Deitou a correr em direção da trepadeira, seguida pelas outras mulheres. Em breve tentavam, desesperadamente, subir pelos nós da planta, a fim de alcançar os filhos.

O pequenino, no entanto, tivera razão. Os adultos jamais conseguiriam ir atrás deles até àquele lugar. A trepadeira não aguentou o peso e desprendeu-se do sítio onde o beija-flor a prendera.

Caiu então por terra com um terrível CRAQUE!, fazendo lembrar uma corda enrolada, e as mulheres, que eram mães, tias e primas, tombaram no chão, em grande choro. Nesse dia, porém, o solo foi generoso para elas. Em vez de morrerem todas, pois tombaram de uma grande altura, ao tocar na terra seca e dura, transformaram-se em diferentes animais. Esta estranha mistura de criaturas começou então a galopar, correr, rastejar, saltar e andar por ali fora.

Nessa noite, quando os homens voltaram da caça, em vez de serem saudados pelo cheiro de petiscos e pela gritaria dos filhos, não viram ninguém, além da velha.

Com língua ou sem ela, o certo é que a avó do pequenino ficara completamente muda com o que vira, portanto, nada disse.

Viam-se alguns animais esquisitos a perambular por entre as casas, mas os homens não lhes deram atenção, tão aflitos andavam à procura das mulheres e dos filhos.

- O que lhes terá acontecido? - perguntou um dos caçadores. - Não há sinais de ataque... Deve ter havido aqui alguma bruxaria.

- E o que é aquilo? - exclamou um outro apontando, admirado, para o céu escuro.

Os homens da aldeia ficaram a olhar, espantados, para as estranhas luzes que brilhavam no meio da escuridão, luzes que hoje conhecemos como estrelas.

Depois da trepadeira cair, as crianças ficaram para sempre presas no céu. Ainda ali estão e nunca envelhecem. Às estrelas são os seus olhos a brilhar com as lágrimas que choram pelas terríveis maldades cometidas.

Fonte:

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Sarau da AVIPAF (Poemas Classificados)


AVIPAF - Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia

Sarau realizado em 24 de novembro de 2018, online

Poemas classificados, julgamento de José Feldman

3 Poemas selecionados

NEYD MONTINGELLI
Curitiba/PR

Palavras ao mundo

A palavra em rima 
é poema.
A palavra em memória,
é história.
A palavra em ternura, com afeição,
é amor, é paixão.
A palavra em solidariedade, 
é caridade.
Feliz aquele que faz da palavra
seu meio de comunicar-se com o mundo.
____________________________________
DANIEL MAURICIO
Curitiba/PR

Tuas Palavras Perfumadas

Tuas palavras
Tão perfumadas 
Por certo passaram
Por entre o jardim.
Tuas palavras...
Leio e releio
Cada letra saboreio
Como rendas de sonhos
Sem pressa me enleio
E pego um pouco pra mim.
Tuas palavras
Na lembrança ficaram
Perfumes de ti.
__________________________
MARLI TEREZINHA BOLDORI
Porto União/SC

A Palavra

O livro se abriu
E deixou visível
A palavra
Envergonhada
Escondeu-se
Entre o alfabeto
Tentou sair
Não conseguiu
O alfabeto fez um círculo
Para a palavra ficar
Ganhou força
Rodopiou no ar
E muitas palavras 
Fez brotar.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Luiz Damo (Poemas Escolhidos) I


TROPEADAS

Se o gaúcho tem carências,
das tradições não carece,
cavalgando nas querências
reponta  paz sem estresse.
No lombo das tardes frias
pela invernada troteia,
do cosmo às Três-marias
lhe vem a luz que o norteia,
na relva espalha alegrias
ecos, espelhos dos dias,
onde às gerações semeia.

Poncho, capa e barbicacho,
de bombachas, bota, espora,
lenço escarlate, num facho,
se aquece no campo afora.
Laço pronto pra laçada,
lança a ponta em direção
da lembrança desgarrada
perdida na imensidão.
Retoma com seu troféu,
ora agradecendo ao céu
numa campeira oração.


MINUANO

Chora triste o minuano
como se fosse seu fim,
rasga o solo pampeano
no lombo da noite vagueia,
estrelada ou lua cheia
tal um potro sem a cilha,
faz tremer toma a coxilha
sem cabresto, sem selim.

Forte arauto das coxilhas
não tem rumo, nem destino,
imbatível dançarino
quando não corre, vagueia,
desenleia sua presilha,
anda solto na colina,
pé no estribo galopeia,
vendo tudo lá de cima
sente o quanto a terra brilha.

Dança lento sobre o feno,
some o eco na vacuidade,
rompe fronteiras, mananciais,
amargos passos, cruciais,
sulca a alma campesina
fere o coração pequeno
soprando com lealdade.

Cansado da cavalgada,
que longas horas durou
deixa a bota, o barbicacho
e a velha capa rasgada
rente o cedro no riacho,
pobre herança que restou
nas barrancas da ousadia,
dorme nos braços do dia
no berço da liberdade.

GAÚCHO

Sou gaúcho e sinto o brilho
do Rio Grande em ação,
tenho orgulho de ser filho
deste pedaço de chão.
Ao Brasil, de pé agradeço,
pela evolução notória,
a ele o meu braço ofereço
para escrever sua história.
Conclamo os concidadãos
que também doem as mãos
pra cantar grande vitória.

Ninguém, sem um paradigma,
consegue os passos seguir,
inerte estagna e no estigma
falta um sonho a perseguir.
Não chore a chance perdida,
outras hão de aparecer,
fosse a morte o fim da vida,
não vale a pena viver…
Desperte e mude o cenário,
desentranhe o relicário
dos valores sem temer.

Fonte:
Luiz Damo. Pétalas do Quotidiano.
Caxias do SUL/RS: Lorigraf, 2012.

Arthur de Azevedo (A Água de Janos)



I
O Tenente de Cavalaria Remígio Soares teve a infelicidade de ver uma noite dona Andréa num camarote do Teatro Lucinda, ao lado de seu legítimo esposo, e pecou, infringindo impiamente o nono mandamento da lei de Deus.

A "mulher do próximo", notando que a "desejavam", deixou-se impressionar por aquela farda, por aqueles bigodes e por aqueles belos olhos negros e rasgados.

Ao marido, interessado pelo enredo do dramalhão que se representava, passou completamente despercebido o namoro aceso entre o camarote e a platéia.

Premiada a virtude e castigado o vício, isto é, terminado o espetáculo, o tenente Soares acompanhou a certa distância o casal até o largo de São Francisco e tomou o mesmo bonde que ele – um bonde do Bispo, – sentando-se, como por acaso, ao lado de dona Andréa.

Dizer que no bonde o pé do tenente e o pezinho da moça não continuaram a obra encetada no Lucinda – seria faltar à verdade que devo aos meus leitores. Acrescentarei até que, ao sair do bonde, na pitoresca rua Malvino Reis, dona Andréa, com rápido e furtivo aperto de mão, fez ao seu namorado as mais concludentes e escandalosas promessas.

Ele ficou sabendo onde ela morava…

II

O Tenente Remígio Soares foi para casa, em São Cristóvão, e passou o resto da noite agitadíssimo, – pudera! Às dez horas da manhã atravessava já o Rio Comprido ao trote do seu cavalo!

Mas – que contrariedade! – as janelas de dona Andréa estavam fechadas…

O cavaleiro foi até a rua de Santa Alexandrina e voltou – patati, patatá, patati, patatá! – e as janelas não se tinham aberto…

O passeio foi renovado à tarde – o tenente passou, tornou a passar, – continuavam fechadas as janelas…

Malditas janelas!

Durante quatro dias o namorado foi e veio a cavalo, a pé, de bonde, fardado, à paisana: nada! Aquilo não era uma casa: era um convento!

Mas ao quinto dia – oh, ventura! – ele viu sair do convento um molecote que se dirigia para a venda próxima. Não refletiu: chamou-o de parte, untou-lhe as unhas e interpelou-o.

Soube nessa ocasião que ela se chamava Andréa. Soube mais que o marido era empregado público e muito ciumento! Proibia expressamente a senhora sair sozinha e até chegar à janela quando ele estivesse na rua. Soube, finalmente, que havia em casa dois Cérberos: uma tia do marido e um jardineiro muito dedicado ao patrão.

Mas o providencial moleque nesse mesmo dia se encarregou de entregar a dona Andréa uma cartinha do inflamado tenente, e a resposta – diga-mo-lo para vergonha daquela formosa desmiolada – a resposta não se fez esperar por muito tempo:

"Pede-me uma entrevista, e não imagina como desejo satisfazer a esse pedido, porque também o amo. Mas uma entrevista como?… onde?…  quando?… Saiba que sou guardada à vista por uma senhora de idade, tia dele, e por um jardineiro que lhe é muito dedicado. Pode ser que um dia as circunstâncias se combinem de modo que nos possamos encontrar a sós… Como há um Deus para os que se amam, esperemos que chegue esse dia: até lá, tenhamos um pouco de paciência. Mande-me dizer onde de pronto o poderei encontrar no caso de ter que preveni-lo de repente. O moleque é de confiança."

Na esperança de que o grande dia chegasse, o Tenente Remígio Soares mudou-se imediatamente para perto da casa de dona Andréa: procurou e achou um cômodo de onde se via, meio encoberta pelo arvoredo, a porta da cozinha do objeto amado. Dessa porta dona Andréa fazia-lhe um sinal convencionado todas as vezes que desejava enviar-lhe uma cartinha.

III

Diz a clássica sabedoria das nações que o melhor da festa é esperar por ela.

Não era dessa opinião o tenente, que há dezoito meses suspirava noite e dia pela mulher mais bonita de todo aquele bairro do Rio Comprido, sem conseguir trocar uma palavra com ela!

O namorados, graças ao molecote, correspondiam-se epistolarmente, é verdade, mas essa correspondência, violenta e fogosa, contribuía para mais atiçar a luta entre aqueles dois desejos e aumentar o tormento daquelas duas almas.

IV

Os leitores – e principalmente as leitoras – me desculparão de não pôr no final deste conto um grão de poesia; tenho de conclui-lo um pouco à Armand Silvestre. Em todo caso, verão que a moral não é sacrificada.

O meu herói andava já obcecado, menos pelo que acreditava ser o seu amor, que pelos dezoito meses de longa expectativa e lento desespero.

Um dia, o Barroso, seu amigo íntimo, seu confidente, foi encontrá-lo muito abatido, sem animo de se erguer da cama.

– Que tens tu?

– Ainda mo perguntas…

– Tem paciência: Jacob esperou quatorze anos.

– Esta coisa tem-me posto doente. Bem sabes que eu gozava uma saúde de ferro… Pois bem, neste momento a cabeça pesa-me uma arroba… tenho tonteiras!…

– Isso é calor: a tua Andréa não tem absolutamente nada que ver com esses fenômenos patológicos. Queres um conselho? Manda buscar ali à botica uma garrafinha de água de Janos. É o melhor remédio que conheço para aliviar a cabeça.

O tenente aceitou o conselho, e o Barroso despediu-se dele depois que o viu esvaziar um bom copo da benemérita água.

Vinte minutos depois dessa libação desagradável, Remígio Soares viu assomar ao longe, na porta da cozinha, o vulto airoso de dona Andréa, anunciando-lhe uma carta.

Pouco depois entrava o molecote, entregava-lhe um bilhete escrito às pressas.

"A velha amanheceu hoje com febre e não sai do quarto. O jardineiro foi à cidade chamar um médico de confiança dela. Vem depressa, mal recebas este bilhete: há de ser já, ou nunca o será talvez."

O tenente soltou um grito de raiva: a água de Janos começava a produzir os seus efeitos fatais; era impossível acudir ao doce chamado de dona Andréa!

Era impossível também confessar-lhe a causa real do não comparecimento: nenhum namorado faria confissões dessa ordem…

O mísero pegou na pena, e escreveu, contendo-se para não fazer outra coisa:

"Que fatalidade! Um motivo poderosíssimo constrange-me a não ir… Quando algum dia haja certa intimidade entre nós, dir-te-ei qual foi esse motivo, e tenho certeza de que me perdoarás."

Dona Andréa não perdoou. O Tenente Remígio Soares nunca mais a viu.

V

Quando, no dia seguinte, ele contou ao Barroso a desgraça de que este fora o causador involuntário, o confidente sorriu, e obtemperou:

– Vê tu que grande remédio é a água de Janos: um só copo bastou para aliviar três cabeças!

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pedro Du Bois (Poemas Escolhidos) III


PERPLEXIDADE

No encadeamento das ações
busca sentido na vida civilizada
em algo que demonstre a razão
                          para estar aqui

na incompreensão do acontecido
sua perplexidade pelos fatos
             não fazerem sentido

busca na matéria conteúdo
e força para compreender
o mundo fisicamente. Algo
           que una em costuras
                    a parte poética

na incompreensão dos ciclos
sua perplexidade repassa
as fases terrestres e também
           não encontra sentido.

VIAJANTES

Atravessa a terra
de lado a lado
em todos os transportes
e inúmeras linguagens

pelos ares de contornos meridianos
pelos oceanos de águas profundas
pelas terras de compostas estrelas

visita palácios tumbas
templos oásis

está nos cabarés
nos templos
em balneários

volta como sai
pouco menos de fome
algo mais entediado.

MESMOS VERSOS

Quisera fazer versos
com palavras exatas
de enriquecidas rimas

quisera usar a métrica
em versos e versos
de mesmos espaços
a engolir letras
em desalinhados
apóstrofos

quisera sentidos alternados
no abusar das folhas vagas
ao saber corretamente
desenvolver o mote

quisera riscar clássicos
ao lembrar palavras
escritas no esgar
dos mestres: destruir
o futuro sem ousar
conflitar o presente.

MOMENTO

Momento em que o atacante
elastece seus movimentos
gira sobre si em velocidade

fica com a bola
à feição para o chute
na trajetória indefensável

gol
e o abraço pela vitória

momento em que o defensor
entorpece seus movimentos
e em câmara lenta assiste
o giro do atacante
o chute e o gol
na compreensão
da derrota.

HISTÓRIA

Revemos a história
como lavamos a roupa
branqueando atos acontecidos
com puros e brilhantes protagonistas

não há história no que passam
para nós: apenas outra novela
para mero entretenimento

sem condicionantes
sem circunstâncias
sem ambivalências
sem lógico raciocínio
nem cartesiana apreciação

páginas e páginas recheadas
do que acham que houve em
amareladas páginas oficiais.

Arthur de Azevedo (A "Reclame")


Era um domingo. O comendador Viana acabou de almoçar, sentou numa cadeira de balanço, cruzou as mãos sobre o ventre, atirou olhar pela janela escancarada que enchia de ar e luz a sala de jantar, e no jardim vizinho, um homem a escrever, sentado à sombra de caramanchão.

– Ó menina, dá cá o binóculo.

Laura, a esposa do comendador Viana, trouxe-lhe o binóculo, ele assestou contra o homem do caramanchão.

– Não me enganava: é ele… É o tal Passos Nogueira!…

– Que Passos Nogueira? – perguntou Laura.

O comendador não respondeu; voltou-se para a criada, que leva a mesa, e interpelou-a:

– Aquele sujeito mora ali há muito tempo? Você deve saber…

– Que sujeito?

– Aquele que está escrevendo acolá, no jardim da casa de pensão não vê?

– Ah! O poeta?

– Quem lhe disse a você que ele é poeta?

– É como o ouço tratar na vizinhança. Já ali morava quando viemos para esta casa.

– Entretanto – observou Laura – estamos aqui há oito meses e é a primeira vez que o vejo.

– Deveras? – perguntou entre dentes o comendador, com um olhar de desconfiança.

– Ora esta! – murmurou Laura, muito admirada da inflexão e do olhar do marido.

– Parece impossível que minha ama não tenha reparado – acudiu a criada – porque o poeta vai todas as manhãs e todas as tardes escrever naquele lugar.

– Todas as manhãs? – indagou o dono da casa, levantando-se.

– E todas as tardes – repetiu ingenuamente a criada.

E foi para a cozinha.

– Viana – obtemperou Laura, aproveitando a ausência da criada – você faz umas coisas esquisitas! Esta mulher vai ficar convencida de que meu marido tem ciúmes de um homem que eu nem sequer conheço!

– Aquilo é um bandido! – regougou o comendador.

– Pois deixe-o ser! Que temos nós com isso? Ele está na sua casa e nós na nossa.

– Se eu soubesse que aquele patife morava ali, não tínhamos vindo para cá!

– Mas que importa que ele more ali?

– Importa muito! Aquilo é sujeitinho capaz de manchar a reputação de uma senhora com um simples cumprimento. Ele algum dia já te cumprimentou?

– Pois eu já não lhe disse que nunca reparei nesse homem?

– Ali onde o vês tem causado a desgraça de umas poucas de senhoras! Por causa dele a mulher de um negociante deixou o marido, a filha de um despachante da Alfândega saiu da casa do pai, e a viúva de um coronel tentou suicidar-se!

- Com efeito! – exclamou Laura, agarrando rapidamente no binóculo. – Deve ser um homem excepcional!…

– Não! é melhor que o não vejas! – ponderou o marido, tomando-lhe o binóculo das mãos. – Que interesse tens tu?…

– Apenas o interesse que você mesmo me despertou, contando-me as conquistas desse Napoleão do amor.

– Mulheres doentias e malucas… Pobrezinhas que se deixaram levar por cantigas, ora aí tens!… Aquele peralta faz versos, e os jornais levam a dizer todos os dias que ele tem muito talento… e que é muito inspirado…

– Lembra-me agora que já tenho lido esse nome de Passos Nogueira.

– Oh, menina, vê lá se também tu…

– Descanse: já não estou em idade de me deixar levar por poesias.

– Pois sim, mas peço-te que não te debruces nessa janela quando o tal poetaço estiver no seu caramanchão.

– Por quê? Receia que eu caia? Ora deixe-se de ciúmes!

– Não são ciúmes, são zelos. Não receio pelo que possas fazer… mas tenho medo que a vizinhança murmure.

II

Laura, que até então ignorava a existência do poeta Passos Nogueira, começou a interessar-se muito por ele, graças à "reclame" feita pelo comendador. Sentia-se atraída pela figura daquele horrendo sedutor de solteiras, casadas e viúvas, e duas vezes ao dia, reclinada à janela, olhava longamente para o poeta.

Este acabou por notar a insistência com que era contemplado pela vizinha, e prontamente correspondeu aos seus olhares lânguidos e prometedores.

Estabeleceu-se logo entre eles um desses namoros saborosos e terríveis, ridículos e absorventes, que monopolizam duas existências.

Para justificar a precipitação dos fatos, digamos que Laura, mulher de vinte e seis anos, romântica e nervosa, casara-se, muito nova ainda, com o comendador Viana, homem quinze anos mais velho que ela, curto e positivo, que não correspondia absolutamente ao seu ideal de moça.

Digamos ainda que o poeta Passos Nogueira, rapaz de talento vantajosamente apreciado, atordoou-se quando se viu provocado pelos bonitos olhos de uma bela mulher casada. Apesar da reputação que gozava e da qual se fizera eco o próprio comendador, Passos Nogueira jamais inscrevera ao seu canhanho de conquistas fáceis aventura tão interessante e tão considerável como essa que agora lhe desassossegava o espírito e lhe espantava as rimas.

Digamos ainda que o comendador continuava todos os dias a fazer "reclame" ao namorado, referindo-se à sua pessoa em termos desabridos, insultando-o de modo que ele não ouvisse e, finalmente, exprobrando a Laura, por mera presunção, que ela o animasse e lhe desse corda.

Não tardou que o poeta escrevesse à vizinha um bilhete, lançado por cima do muro que separava as duas casas. Perguntava pelo seu nome e pedia-lhe uma entrevista. Ela respondeu:

"Não! Não é possível! Não me persiga! Esqueça-se de mim! Bem vê que não sou livre! Um encontro poderia causar a nossa desgraça!"

Mas, não obstante desengano tão decisivo e formal, no dia seguinte os olhos da moça encontraram-se com os do poeta. Ela sentia a necessidade, o dever de fugir daquele homem, mas não tinha forças para fazê-lo. E o namoro continuou.

Dois dias depois, novo bilhete. Ela abriu-o sôfrega e palpitante – e leu estes versos:

"Eu não sou livre", escreveste;
Porém, se livre não eras,
Por que com tantas quimeras
Encheste um cérebro nu?
Pedes que não te persiga…
Mas por teus olhos ferido,
Reflete que o perseguido
Sou eu meu anjo, e não tu!

Quando da tua janela
Atiras aos meus desejos
Olhares que valem beijos,
Porque tens beijos no olhar;
Quando esses ternos olhares
Com meus olhares se cruzam,
Teus lindos olhos abusam
Do seu condão de encantar!

Não te compreendo, vizinha;
Tu mesma não te compreendes:
Fazes-te amar, e pretendes
Que eu fuja e te deixe em paz!
Mas não vês que é negativo
Este sistema que empregas?
Tudo, escrevendo, me negas,
– E, olhando, tudo me dás!

Vizinha, bela vizinha,
Vizinha por quem padeço,
Pois tais palavras mereço
Que me fizeram chorar?
O prometido é devido…
Para que o peito me aquietes,
Ou dá-me quanto prometes,
Ou não prometas sem dar’

III

Para encurtar razões: Passos Nogueira e Laura foram por muito tempo, e não sei se continuam a ser, os amantes mais apaixonados que ainda houve.

Ela nunca perdoou ao marido o mau passo que deu. Seria ainda hoje o modelo das esposas, se o comendador não se lembrasse de fazer "reclame" ao poeta.

Este, por expressa recomendação da amante, nunca mais apareceu no caramanchão fatídico.

Isto fez com que o marido tornasse às boas.

Uma tarde perguntou:

– Ó menina, então o poeta já ali não mora?

– Não sei – respondeu Laura com uma deliciosa indiferença. Se se mudou, melhor! Um libertino daqueles!

– Deixa-o lá, coitado! Muitas vezes são mais as vozes que as nozes.

– Que diabo! Foi você mesmo quem falou da filha do despachante, da mulher do negociante e da viúva do coronel!…

– Disseram-me. Este Rio de Janeiro, menina, é a terra da maledicência. Deus me livre de que alguém se lembre de espalhar por aí que eu roubei o sino de São Francisco!

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

VIII Jogos Florais da UBT Seção Campos dos Goytacazes/RJ (Prazo: 30 de Março de 2019)

Chafariz Belga (Campos dos Goytacazes)

CATEGORIAS:

1. Nacional/Internacional – trovadores de todo o Brasil (exceto os do estado do Rio de Janeiro), podendo também concorrer trovadores de outros países, com trovas em língua portuguesa.

2. Estadual/Municipal – trovadores residentes no estado do Rio de Janeiro, inclusive em Campos dos Goytacazes/RJ.

3. Novos trovadores – trovadores de todo o Brasil e do exterior (trovas em língua portuguesa) com menos de três classificações nos concursos de âmbito nacional da UBT.

4. Humorística – trovadores de todo o Brasil e de outros países (trovas em língua portuguesa).

TEMAS (expressos claramente nas trovas):

1. Nacional/internacional (L/F) - PROGRESSO

2. Estadual/Municipal (L/F) - PLANÍCIE

3. Novos Trovadores (L/F) - NATUREZA

4. Humorística (H) – CLIMA

ENDEREÇO PARA REMESSA PELO SISTEMA DE ENVELOPES:

VIII JOGOS FLORAIS DA UBT- SEÇÃO CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ – 2019
A/c da Trovadora Talita Batista
Rua Câmara Júnior, 35/403 - Centro
CEP 28035-135 - Campos dos Goytacazes/RJ

REMESSA PELO SISTEMA ELETRÔNICO:
E-mail: ra.renatoalves@gmail.com

Assunto: VIII Jogos Florais da UBT-Seção Campos dos Goytacazes/RJ -2019
Mencionar no corpo do e-mail: O tema e a categoria a que concorre, as trovas, o nome e o endereço completo do autor com o CEP, o telefone e o e-mail para contato.
(Obs: não serão aceitos anexos).

PRAZO PARA REMESSA: até 30/03/2019.

LIMITE: Duas trovas para cada tema.

PREMIAÇÃO:
Nac./Internacional 
10 vencedores (5 troféus e 5 medalhas - menções honrosas)

Estadual/Municipal 
10 vencedores (5 troféus e 5 medalhas - menções honrosas)

Humorística 
5 vencedores (3 troféus e 2 medalhas)

Novos Trovadores 
5 vencedores (3 troféus e 2 medalhas)

Total: 16 troféus e 14 medalhas (certificado para todos os premiados)

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:

- Remessa pelo sistema de envelope, de cor branca. Usar Luiz Otávio como remetente e repetir o endereço do destinatário. Escrever o tema e se é “novo trovador” em cima da trova, do lado de fora, na frente, do envelopinho lacrado, tendo no seu interior, as identificações completas do trovador (nome, endereço, telefone, e-mail, se tiver ou e-mail ou contato de uma pessoa de confiança, bem como assinatura obrigatória, se responsabilizando por todos os dados encaminhados).

- As decisões das comissões julgadoras serão soberanas e definitivas. A participação no concurso significa aceitação plena das normas relacionadas neste regulamento. O não cumprimento de quaisquer dos itens acima descritos implicará na desclassificação automática da trova.

- A divulgação oficial do resultado deste concurso será pelo Boletim Nacional da UBTN, por este blog, pelo site www.falandodetrovas.com.br, pelas redes sociais e e-mails fornecidos pelos premiados na identificação fornecida.

Fonte: Colaboração por email, de Talita Batista