quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Concursos de Trovas com Inscrições Abertas


CONCURSO MUNICIPAL DE TROVAS DA UBT PORTO ALEGRE

PRAZO: 31.01.19 

Tema: ALDEIA (Lírica/Filosófica)

Uma trova, inédita, por autor. 

Remessa (sistema de envelopes) para: 
Rua Otto Niemeyer, 2460 
CEP. 91910-001 – Porto Alegre – RS.

Por e-mail: flaviorstefani@gmail.com

Os vitoriosos receberão medalhas, diplomas e finos brindes, no dia 08 de março/2019, data comemorativa dos 50 anos da UBT Porto Alegre.

Obs. 1: O presidente da UBT, por ser o fiel depositário, não participará do concurso, estando à disposição de todos para auxiliar na construção das trovas.

Obs. 2: Podem participar autores residentes no município de Porto Alegre, associados ou não da UBT.
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LX JOGOS FLORAIS DE NOVA FRIBURGO

PRAZO: 31.01.19 – Temas

Concurso Nacional/Internacional: 

- Veteranos

CIÚME (Lírica/Filosófica) e 
PREGUIÇA (Humorística)

Máximo de 3 trovas. 

Remessa:
a/c de Elisabeth Souza Cruz 
Caixa Postal 96.935 
CEP 28610-974 – Nova Friburgo – RJ.

- Novos Trovadores: 

CIÚME (Lírica/Filosófica) 

Máximo de 3 trovas. 

Favor escrever 'categoria novos'. 

Remessa:
a/c de Elisabeth Souza Cruz 
Caixa Postal 96.935 
CEP 28610-974 – Nova Friburgo – RJ.

Para a trova humorística (Preguiça) não há distinção entre Novos e Veteranos

- CONCURSO PARALELO (Homenagem aos 60 anos de Jogos Florais em NF): 

FESTA (Lírica/Filosófica) 

Uma trova por participante. 

Remessa:
a/c de Elisabeth Souza Cruz 
Caixa Postal 96.935 
CEP 28610-974 – Nova Friburgo – RJ.

- CONCURSO PARALELO LOCAL (Homenagem aos 60 anos de Jogos Florais em NF):

Mesmo tema e regras, enviando as trovas para 
a/c de Renato Alves 
Rua Flamínea, 596 – Vila da Penha 
CEP 21221-240 – Rio de Janeiro – RJ.

- CONCURSO LOCAL (Moradores de Nova Friburgo): 

AMOR (Lírica/Filosófica) e BRIGA (Humorística). 

Máximo de 3 trovas.

Remessa: 
a/c de Renato Alves 
Rua Flamínea, 596 – Vila da Penha 
CEP 21221-240 – Rio de Janeiro – RJ.

- MAGNÍFICOS TROVADORES 

Conjunto de Trovas
SAUDADE (Lírica/Filosófica) 
CONFUSÃO (Humorística). 

Remessa: 
a/c Clenir Neves
Rua Gustavo Lira 103 – Sobrado – Olaria 
CEP 28623-390 - Nova Friburgo - RJ 

ATENÇÃO: Todas as modalidades, enviar pelo sistema de envelopes.
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VIII JOGOS FLORAIS DE CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ

PRAZO: 30.03.19 

Temas:

1. Nacional/Internacional – PROGRESSO (Lírica/Filosófica)

2. Estadual/Municipal – PLANÍCIE (Lírica/Filosófica)

3. Novos trovadores – trovadores de todo o Brasil e do exterior - NATUREZA (Lírica/Filosófica)

4. Humorística – trovadores de todo o Brasil e de outros países - CLIMA

Remessa pelo sistema de envelopes: 
A/c de Talita Batista 
Rua Câmara Júnior, 35/403- Centro 
CEP 28035-135 - Campos dos Goytacazes/RJ

Remessa pelo sistema eletrônico:
E-mail: ra.renatoalves@gmail.com
Assunto: VIII Jogos Florais da UBT-Seção Campos dos Goytacazes/RJ -2019
Mencionar no corpo do e-mail: O tema e a modalidade a que concorre, as trovas, o nome e o endereço completo do autor com o CEP, o telefone e o e-mail para contato.
(Obs: não serão aceitos anexos).

LIMITE: Duas trovas para cada tema.
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XXV JOGOS FLORAIS DE PORTO ALEGRE

Previsto para julho/2019.

- Temas para os concursos

OURO (L/F) para o concurso nacional/internacional, 
e BRONZE (H); 

PRATA (L/F) para o concurso estadual (somente Rio Grande do Sul), 
e JÓIA (H); 

ORO (L/F) para as trovas de língua hispânica; 

HONRA (L/F) para o Concurso Brigadiano, 
e OURO (L/F) também para os novos trovadores. 

Na Edição do Boletim Calêndula Literária de fevereiro o regulamento completo dos XXV Jogos Florais de Porto Alegre, que, mais uma vez, deverá ter o apoio da LIC – Lei de Incentivo à Cultura do Estado do RS. 

Não esqueçam: valem derivados e palavras cognatas.

Fonte:
Calêndula Literária. n. 487 - janeiro 2019

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Alda Lara (Poemas Avulsos)



CIGANA

quem me dera ser vagabundo
de um mundo 
qualquer!...

quem me dera ir,
pelos caminhos,
com a única saia que tivesse p'ra vestir...,
(nem curta nem comprida...)
... uma saia fora de moda, desgraciosa,
mas forte e vistosa!...

quem me dera ir...,
a comer as amoras dos valados,
a dormir sobre a grama, sem telhados
que não fossem os do céu!...
ser "eu"...
acenar aos que trabalham nos campos,
e parar,
a ouvir as canções populares!...
seguir sempre sozinha, comigo
e com o sol...
ver nascer o arrebol,
e caminhar... sem destino...
ao som não sei de que hino...
mas livre... livre!...

livre de ter que dizer
"muito prazer"
 a toda hora!...
livre dos compromissos, 
das etiquetas,
e de todas as tretas
que me acorrentam
 e me lançam névoa sobre os ideais!...
livre das exposições,
das reuniões,
das aulas do forjaz 
e outros que tais!...
livre de tudo!...
sem a ambição de possuir um "canudo",
sem educação!...
poder lamber as mãos,
e rir de troça,
dos que passam nas estradas,
de óculos escuros,
e grandes "espadas"!...

ah!... ser simples!...
não pensar na modista, 
nem no dentista, 
nem nas unhas por polir...
nem pensar na guerra
nem na pobreza...
saber só que a naturez
é bela e igual para todos!...
saber só, que caminho sozinha,
feliz com a minha liberdade!...
não conhecer a saudades
do que ficou para trás!...
e saber que há sempre,
um fruto maduro,
e uma estrela brilhante
para cada caminhante!...
seguir... seguir sempre!...
sem um fito... sem um fim...
mas caminhar mesmo assim...com o vento a bater-me
nas tranças do cabelo, às lufadas,
e a deixar-me beijar
todas as noite
pelo luar das estrelas!...

quem me dera ir...
sem pátria, nem lei...
abraçada aos sonhos que sonhei!...

ah! cigana perdida,
a sorrir
nas estradas da vida!...

CÍRCULO

todo o caminho é belo se cumprido.
ficar no meio é que é perder o sonho.
é deixá-lo apodrecer, no resumido
círculo, da angústia e do abandono.

é ir de mãos abertas, mas vazias,
de coração completo, mas chagado.
é ter o sol a arder dentro de nós,
cercado,
por grades infindas...

culpa de quem, se fiz o que podia,
na hora dos descantes
e das lidas?

ah! ninguém diga que foi minha!
Ah! ninguém diga...

minha a culpa,
de ter dentro do peito, 
tantas vidas!...

MUTILAÇÃO

meu corpo, lancei-o ao mar,
para que o mar o levasse,
e matasse aos peixes belos,
a fome dos meus anelos...

meu olhos, joguei-os longe!
atirei-os às estrelas solitárias
de uma noite...

doei meus lábios vermelhos
à criança prostituída...
mais! entreguei os meus nervos
aos violinos da vida...

e daqueles longos cabelos,
fiz agasalhos de tiras,
com que embrulhei, ressequido
os troncos das árvores velhas...

hoje p'ra além do meu cansaço,
só me resta o coração,
que continua a bater 
transfigurado, no espaço!

INTERMEZZO

do cais, partiram os navios
onde eu quis ir sempre,
e nunca fui...

no jardim, morreram as flores
que o meu olhar só beijou
através das grades brancas...

e pelos caminhos, 
passaram por mim,
sem olharem para trás uma só vez,
todos que tinham pressa de chegar...

só eu fui devagar...
cada vez mais devagar
quanto mais perto estava.

a desejar, as flores que morriam
por detrás das grades brancas...
os navios que partiam
envolvidos na bruma,
e os caminhos, nunca percorridos...

só eu fui devagar...

DE LONGE

Não chores Mãe... Faz como eu, sorri!
Transforma as elegias de um momento
em cânticos de esperança e incitamento.
Tem fé nos dias que te prometi.

E podes crer, estou sempre ao pé de ti,
quando por noites de luar, o vento,
segreda aos coqueirais o seu lamento, 
compondo versos que eu nunca escrevi...

Estou junto a ti nos dias de braseiro,
no mar... na velha ponte... no Sombreiro,
em tudo quanto amei e quis p'ra mim...

Não chores, mãe!... A hora é de avançadas!...
Nós caminhamos certas, de mãos dadas
e havemos de atingir um dia, o fim..

REVOLTA

Quero, e não quero!...
Creio... e desespero!...
Renego, mas aspiro,
E em cada viravolta,
Mais grito e mais me firo!...
Aonde esperei, não espero!...
Aonde desejei, já não desejo,
E se algum dia vi,
Hoje não vejo!...

Deus... Ó Deus!...
Para que lado ficam os teus céus?!…

Carlos Drummond de Andrade (A Cápsula)



Todo mundo foi ver a Gemini V no Passeio Público (até a enchente esteve lá, uma noite). Todo mundo, menos ele. Não que se colocasse fora da era espacial ou abominasse os Estados Unidos. Deixou de ir por preguiça. É daqueles que, para participarem de um acontecimento histórico, exigem que o acontecimento se verifique no bairro, de preferência na rua onde moram. Em horário cômodo. Mas chegou o neto de longes plagas, doido de vontade de ver a cápsula, e sem condições para ir sozinho ao centro da cidade. Pediu ao avô que o levasse.

— Nunca! Está um calor de lascar.

— A gente toma uns sorvetes e vai em frente.

— Sem um pingo d’água em casa!

— E daí? Pra ver a Gemini não precisa de água. Astronauta é que precisa de muita, pra não desidratar no espaço.

— Amanhã nós vamos, menino.

— Amanhã a cápsula sobe pra Petrópolis e não volta mais ao Rio. Você parece que não lê jornal!

Impossível resistir. Os dois se mandaram para o centro. Lá estava, no jardim, convidativa como um circo, a barraca de plástico encerrando a supermáquina.

“Que chateação!” — pensou o velho. O neto pensava exatamente o contrário. Tanto que, mal avistou a barraca, acelerou o passo, deixando o avô à distância. 

Em disparada entrou no recinto.

A progressão nas duas escadinhas laterais era lenta, porque os visitantes queriam ver bem a cápsula; alguns o faziam com ar entendido, de quem já entrou em órbita e é íntimo do Schirra e do Cooper. Certamente, para o garoto o ideal seria que todos fossem embora e ele tomasse posse da cápsula. Mal subiu o primeiro degrau, estendeu as mãos para o plástico da cobertura, alisou-o como quem faz carícia. Depois, os dedos passaram ao revestimento metálico. Apalpava a matéria com força, para testá-la, talvez para comunicar-lhe toda a sua emoção.

— Olhe para dentro, repare no painel, nos assentos do piloto e do co-piloto — sugeriu o visitante de trás, vendo que o garoto não desatava.

Mas ele não tinha tanto olhos de ver quanto mãos de pegar. O tato procurava convencer-se da materialidade da cápsula, esgotar a percepção; depois, a vista que entrasse com seu jogo. Meteu a unha no casco de titânio, querendo tirar uma lasquinha que fosse. Conseguiu uns fiapos, recolhidos imediatamente ao bolso da camisa. Depois arranhou a bandeira norte-americana pintada na fuselagem. Sem a menor intenção de desacato: para conseguir uns grânulos de tinta vermelha das listras, que serviriam, com os fiapos, de eterna recordação e comprovação do encontro, se os colegas duvidassem.

Pressionado pela fila, teve de descer do outro lado, mas avisou: “Vou subir muitas vezes”. E subiu e desceu tantas vezes, contornando a barraca, que mais parecia a própria cápsula, dando voltas à Terra. Já agora, eram os olhos que desfrutavam a viagem. Tiravam fotos retinianas de cada instrumento, cada botão, cada partícula prestigiosa do prestigioso conjunto.

E não descansou. Concluído o voo orbital, aterrissou junto ao funcionário incumbido de dar explicações a quem quisesse. Crivou-o de perguntas, discutiu pontos técnicos da próxima alunissagem. A certa altura, o funcionário coçou a cabeça:

— Isso eu não sei informar, me faltam dados… Desculpe.

Ao voltarem para casa, confidenciou ao avô:

— Soprei em cima do vidro, para deixar o meu hálito. E risquei como pude minhas iniciais.

De sorte que o avô regressou sem ter visto propriamente a Gemini V, mas ainda a está observando, perfeita, em pleno voo, na fisionomia grave do garoto, que ainda não regressou do cosmo.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Contos e Lendas do Mundo (África: A Batalha contra a Morte)

No Sul da África, a chuva pode significar a vida ou a morte. Sem ela, as plantações secam e morrem, deixando as pessoas com pouca ou nenhuma comida. Esta história, que se baseia num mito do povo Kói, fala da luta que um homem travou para salvar a sua tribo de morrer à fome.

 Em tempos idos, quando a terra foi dominada por uma fome terrível, viveu um homem cujo nome já foi, há muito, esquecido. Tornou-se conhecido por Tsui’goab, mas não era assim que se chamava quando a história começou.

 Tsui’goab andava preocupado com o futuro da sua aldeia.

 - Quando é que a chuva virá? - interrogava-se, preocupado, protegendo os olhos do sol enquanto procurava, desesperado, uma nuvem no céu límpido. - A maior parte do nosso gado já morreu, as nossas plantações não vingam e, a cada dia que passa, mais pessoas morrem de sede. Quando é que este pesadelo chegará ao fim?

 De todos os poços das redondezas, somente um ainda não secara, mas não se sabia até quando esse ficaria com água. A cada dia que passava, o balde tinha de descer mais fundo até encontrar água.

 Mas como deveriam os aldeões utilizar aquela porção preciosa? Se fossem eles mesmos a bebê-la, o pouco gado que restava morreria. Se a dessem a este, não poderiam regar as plantações. Sem gado nem colheitas não haveria comida, e eles próprios, sem água, morreriam numa questão de dias.

 Tsui’goab, ao olhar para o céu, perguntava a si mesmo como era possível algo tão belo ser tão mortífero...

 O Sol era um amigo que trazia calor e luz, fornecendo às plantas energia para crescer. No entanto, também podia transformar-se num inimigo, espalhando a morte sobre a terra. Sem nenhuma chuva, podia queimar o solo, transformando uma zona de terra arável num torrão seco.

 Até que, um dia, apareceu um desconhecido na aldeia. Recebeu guarida na casa dos mais velhos. Com ou sem seca, todo o forasteiro ainda era bem recebido. Apesar de ter a cabeça oculta por um capuz e o corpo disfarçado por uma capa, Tsui’goab - que, recorde-se, nesse tempo ainda não era tratado por esse nome - não teve dificuldade em reparar que era uma criatura saudável. Tinha os braços e as pernas musculosos, não se lhe viam ossos sob a pele, e esta, ao contrário do que acontecia com Tsui’goab e os outros aldeões, não tinha um aspecto encarquilhado e ressequido.

 - Vieste de muito longe? - perguntou-lhe Tsui’goab.

- De perto e de longe - respondeu o viajante.

- A seca está muito espalhada? Viste muita morte ao longo do caminho?  - quis saber Tsui’goab.

 - Deparei com a morte por todo o lado em que passei - retorquiu o viajante.

 - Mas pelo pouco que vejo em ti, pareces bastante saudável - observou Tsui’goab. - Qual é o teu segredo?

 - Segredo? - admirou-se o viajante. - Que queres dizer?

 - Creio que sabes do que falo - disse Tsui’goab, olhando-o atentamente.

 - Já alguma vez estiveste nesta aldeia?

 - Sim e não - respondeu o viajante num sussurro que mal se ouvia.

 - Tira o capuz - ordenou Tsui’goab. - Não vale a pena ocultares o rosto. Não admira que digas que és de perto e de longe, pois a morte está em todo o lado. Assim como não surpreende que a tenhas visto por onde quer que tenhas passado, pois tu és a Morte.

 O viajante tirou então a capa e o capuz.

 - Sim, sou Gaunab - admitiu. - Há quem me chame Morte.

 - Fico satisfeito por estares aqui em forma humana - disse Tsui’goab, vendo, finalmente, que talvez houvesse alguma possibilidade de tentar salvar o seu povo.

 - Satisfeito? - surpreendeu-se Gaunab. - Parece-me que a falta de água e alimento já começou a afetar a tua mente.

- Enganas-te - declarou Tsui’goab. - O meu povo é orgulhoso. Não temos medo de enfrentar a Morte cara a cara. No entanto, é a primeira vez que nos mostras um rosto humano.

- Achas o meu rosto belo? - quis saber Gaunab.

- O teu rosto tem a aparência de ventres vazios e inchados, de lábios ressequidos e de grande aglomeração de moscas - respondeu Tsui’goab. - É um rosto de sol ardente e poças de água secas. Como poderá semelhante rosto ser belo?

- Não tens medo de mim, pois não? - perguntou Gaunab.

- Não - respondeu Tsui’goab. - Se não tivesses vindo até aqui em forma humana, teria ido à tua procura.

- Desejas morrer? - admirou-se Gaunab. - Não acredito. Preocupas-te demasiado com aqueles que te cercam para desejares tal.

- O que eu quero é desafiar-te para um duelo - disse Tsui’goab. - Um duelo justo e leal que, se eu ganhar, fará com que prometas partir daqui para sempre e deixar o meu povo em paz.

- Pretendes banir-me? Queres banir a Morte?

- Quero - respondeu Tsui’goab.

- E se perderes? - perguntou Gaunab, depois de refletir um pouco.

 - Nesse caso, levarás contigo a minha vida e a daqueles que nos rodeiam - retorquiu Tsui’goab.

 - Não é grande prêmio, já que em breve ficarei com as vidas de todos vós - observou Gaunab.

 - Queres dizer que não aceitas o desafio que te lancei? - perguntou Tsui’goab.

 - Confias que lutarei com lealdade? - perguntou Gaunab.

 - Confio - assegurou Tsui’goab.

 - Porquê? - quis saber Gaunab.

 - Porque tu és a Morte, e o único adversário que tens é a Vida. És o que és - observou Tsui’goab. - Não existe aí nenhuma deslealdade. Não podes ser diferente.

 - Então, aceito o teu desafio! - acedeu Gaunab.

 Antes que Tsui’goab tivesse possibilidade de se preparar, Gaunab atirou-se a ele e os dois rolaram por terra, sob o sol abrasador.

Não tardou que a notícia se espalhasse pela aldeia.

 - Tsui’goab está a lutar pessoalmente com a Morte! - gritaram os aldeões, embora, convém não esquecer, não o tratassem por esse nome na altura.

 Os doentes e os moribundos foram tirados das suas cabanas pelos mais saudáveis, embora ninguém estivesse muito bem devido à seca terrível. Não houve aldeão, com força para tal, que não viesse lançar gritos e vivas de encorajamento a Tsui’goab, enquanto este media forças com a Morte. Sabiam que se batia pelas vidas deles, além da sua.

 Gaunab e Tsui’goab parecia igualarem-se em força. Gaunab estava mais bem preparado fisicamente, mas Tsui’goab era mais rápido nos seus golpes e parecia conhecer mais truques. A luta ora parecia pender para um lado, ora para o outro...

 Tsui’goab, no entanto, tinha razões mais fortes para lutar. Enquanto se debatia com Gaunab, recordou os seres amados que a morte já lhe levara no decorrer da vida e pensou naqueles que morreriam se perdesse, o que lhe deu forças para continuar, caso contrário seria derrotado.

 Ninguém se recorda do tempo que a luta durou. Uns dizem que levou muitas horas, outros, que foram muitos dias. Houve, ainda, quem afirmasse que se arrastou por semanas. No entanto, uma coisa é certa, ou seja, o desfecho final. Depois de uma luta acesa e violenta, Gaunab acabou por cair sobre a terra poeirenta e não se levantou.

 - Estou a morrer - disse, com uma expressão de espanto estampada no rosto. - Tu derrotaste a Morte.

Tsui’goab, exausto e coberto de pó e sangue, cambaleou até junto do seu adversário.

 - Isso só foi possível porque foste honesto e lutaste com lealdade disse. - Eu...

 Porém, Gaunab ainda não se considerava derrotado. Num golpe derradeiro, atirou um pontapé contra o joelho de Tsui’goab, partindo-lhe a rótula com um som terrível. Tsui’goab gritou com a dor e caiu por terra. Depois, desmaiou.

Quando Tsui’goab voltou a si, ouviu vozes mas deixou-se ficar mais um pouco de olhos fechados. Sentia-se muito esquisito.

- Tsui’goab pode ter derrotado Gaunab - disse uma voz -, mas o certo é que a morte tem muitas formas e ainda anda por aí a percorrer a Terra.

- Mas desta vez Tsui’goab salvou o seu povo - disse uma outra. Tsui’goab sentiu curiosidade em saber quem seria aquele «Tsui’goab» de quem falavam, pois ainda não sabia que passara a ser conhecido por outro nome.

- Mas nunca nenhum ser humano lutou com a Morte daquela maneira disse a primeira voz. - Mostrou a sua bravura, e as prendas que lhe daremos irão permitir-lhe salvar o seu povo.

Tsui’goab abriu os olhos. Estava sozinho, mas percebeu o que ouvira, pois não se encontrava deitado numa cama ou em chão firme, mas sim no céu. Ao longe, bem abaixo dele, via a sua aldeia. Estendeu os braços com energia renovada e, ao aproximar as mãos do corpo, dos dedos saiu-lhe água.

Viu, maravilhado e cheio de alegria, a cor do solo, lá em baixo, ficar cada vez mais escura, à medida que ia ensopando a terra com a chuva - chuva que ele próprio criara. Viu os aldeões - os seus aldeões - correrem para fora de suas casas e erguerem o rosto para o céu. O seu povo estava salvo!

Tsui’goab transformara-se num deus da chuva, passando a morar no céu. Como os deuses novos precisam de nomes novos, ele ficou a ser conhecido por Tsui’goab, o que significa «joelho ferido».

Fonte:

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Agradecimento

Mais um ano se encerra. 

O blog mantém-se ativo há 11 anos, desde 25 de dezembro de 2007.

Até o momento possuímos 12.534 postagens, sendo dezenas de milhares de trovas, de poemas, centenas de contos, além de folclore, notícias, lançamentos, resumos de livros, concursos com inscrições abertas, resultados dos mesmos, biografias, artigos, crônicas, etc.

Ao longo destes anos, 1.821.780 leitores do blog, 182 seguidores e 264 assinantes.

Meus agradecimentos aos trovadores, poetas e literatos em geral que me enviaram seus livros para minha apreciação (nenhum deles fica na estante criando teias de aranha, são aproveitados para divulgação de seu conteúdo neste blog). Um agradecimento especial pelos seus livros: 
Carolina Ramos (Santos/SP), Prof. Garcia (Caicó/RN), Luiz Damo (Caxias do Sul/RS), Domingos Freire Cardoso (Ilhavo/Portugal), Jessé Nascimento (Angra dos Reis/RJ), Nilsa Alves de Melo (Maringá/PR), Wanda de Paula Mourthé (Belo Horizonte/MG) 
pelos Boletins de Trovas que me enviam mensalmente:
Flávio R. Stefani (Porto Alegre/RS) e Selma Spinelli (São Paulo/SP)
e tantos outros que gentilmente me enviaram, sendo que alguns infelizmente não se encontram mais entre nós.

Meus agradecimentos a todos que me enviam seus textos e/ou versos periodicamente para publicação, além de notícias de lançamentos de livros e eventos literários, entre tantos ressalto alguns que me enviam sempre material para publicação: 
Olivaldo Junior (Mogi-Guaçu/SP), Vivaldo Terres (Itajaí/SC), Samuel da Costa(Itajaí/SC), Francisco José Pessoa (Fortaleza/CE), Ialmar Pio Schneider (Porto Alegre/RS), Nei Garcez (Curitiba/PR), Amilton Maciel Monteiro (São José dos Campos/SP), João Batista Xavier Oliveira (Bauru/SP), Paulo Roberto O. Caruso (Rio de Janeiro/RJ), A. A. de Assis (Maringá/PR).

Meus agradecimentos, enfim, a todos que contribuíram, direta ou indiretamente para o sucesso do blog.

Abraços e um novo ano com muita saúde, harmonia, e literatura.
José Feldman

Carolina Ramos (Ano Novo)


sábado, 29 de dezembro de 2018

Teixeira de Pascoaes (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 9) I


DEDICATÓRIA

- Este pequeno livro é para ti,
Minha irmã. Hás de lê-lo com amor,
Pois nele encontrarás o que sofri
E uma sombra talvez da tua dor.
E nele, embora em nevoa, encontrarás
A Imagem de teu Filho...
                        Ó minha irmã,
Sei que és a campa viva onde ele jaz;
Sei que este livro é cinza, poeira vã
Que eu espalho em redor da tua cruz...
Mas ante a negra dor que me tortura,
Quis vingar-me da Morte, e ergui à luz,
Cantando, este meu cálix de amargura.

MÃE DOLOROSA

Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memória negra, ao recordá-lo!
A Mãe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a Dor a contemplá-lo!

Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijá-lo...
Mas, retomando, súbito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!

Fugia de ao pé dele sufocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!

E então, num desespero, a Mãe chorava,
E, por entre gemidos, só gritava:
Amor! amor! amor! amor! amor!

JUNTO DELE

Que terrível tragédia ver a gente,
No seu exíguo e doloroso leito,
Uma criança morta, um Inocente,
Um pequenino Amor inda perfeito!

Oh que mimosa palidez tremente
A do gélido rosto contrafeito!
As mãozinhas de cera, docemente,
Ó dor, ó dor, cruzadas sobre o peito!

Ó Deus cruel que matas as Crianças!
Auroras para o nosso coração,
Alegrias, alívios, esperanças!

Não sei quem és; eu não te entendo, Deus!
E penso, com terror, na escuridão
Desse teu Reino trágico dos Céus...

NAS TREVAS

Como estou só no mundo! Como tudo
É lagrima e silencio!

Ó tristeza das Coisas, quando é noite
Na terra e em nosso espirito!... Tristeza
Que se anuncia em vultos de arvoredos,
Em rochas diluídas na penumbra
E soluços de vento perpassando
Na tenebrosa lividez do céu...

Ó tristeza das Coisas! Noite morta!
Pavor! Desolação! Escura noite!
Fantástica Paisagem,
Desde o soturno espaço à fria terra
Toda vestida em sombra de amargura!

Erma noite fechada! Nem um leve
Riso vago de estrela se adivinha...
Somente as grossas lagrimas da chuva
Escorrem pela face do Silencio...

Piedade, noite negra! Não me beijes
Com esses lábios mortos de Fantasma!

Ó Sol, vem alumiar a minha dor
Que, perdida na sombra, se dilata
E mais profundamente se enraiza
Nesta carne a sangrar que é a minha alma!

Ilumina-te, ó Noite! Ó Vento, cala-te!
Negras nuvens do sul, limpe os olhos,
Desanuvie a brônzea face morta!

Oh, mas que noite amarga, toda cheia
Do teu Fantasma angélico e divino;
Espirito que, um dia, em minha irmã,
Tomou corpo infantil, figura de Anjo...
E para que, meu Deus? Para partir,
Com seis anos apenas, no primeiro
Riso da vida, em lagrimas, levando
Toda a luz de esperança que floria
Este ermo, este remoto em que divago...

Como estou só no mundo! Como é triste
A solidão que faz a tua Ausência,
E o terrível e trágico silêncio
Da tua alegre Voz emudecida!

Ó noite, ó noite triste! Ó minha alma!
Tu, que o viste e beijaste tantas vezes,
Tu, que sentiste bem o que ele tinha
De angelica Criança sobre humana,
Não vês as próprias coisas como sofrem,
E como as grandes arvores agitam
As ramagens de lagrimas e sombras?

Repara bem na lúgubre tristeza
Da nossa velha casa abandonada
Da divina Presença da Criança!

Ah, como as portas gemem e os beirais
Têm soluços de vento...

Lá fora, no terreiro onde brincavas,
A noite escura chora...

                        Ó minha alma,
Embebe-te na dor das Coisas ermas;
Chora também, consome-te, soluça,
Junto á Mãe dolorosa, de joelhos...

OLHAR ETERNO

Aquele olhar tão triste,
Onde ia, feito em lagrima, o que eu sou,
Isto é, tudo o que existe,
No instante em que pousou,
Relâmpago do Além,
Sobre ti, meu querido e pobre Anjinho,
Já deitado na cama e tão doentinho,
Cercado da aflição de tua Mãe;
Esse olhar fez-se eterno,
Em meus olhos ficou: é luz do inferno
Que tudo me alumia...

Parece a luz do dia!

Fonte:
Teixeira de Pascoaes. Elegias. 1912.