domingo, 27 de janeiro de 2019

Ricardo Miró (1883 - 1940)


Ricardo Miró Denis nasceu em 5 de novembro de 1883, na Cidade do Panamá/Panamá. Desde tenra idade tornou-se órfão. Aos quinze anos ele viajou para Bogotá para estudar pintura, no entanto, voltou ao Panamá por causa da Guerra dos Mil Dias em 1899. Ele publicou seus primeiros poemas na revista "El Heraldo del Istmo", onde trabalhou por 10 anos.

Foi para a Espanha entre 1908 e 1911 e serviu como cônsul em Barcelona.

A lírica de Miró apresenta influencias modernistas e neorromânticas. Cantou a pátria, a sua paisagem, a herança espanhola e ao amor. Seus poemários mais representativos são Preludios, 1908; Los segundos preludios, 1916; La leyenda del Pacífico, 1925; Caminos silenciosos, 1929. Escribió cuentos y dos novelas: Las Noches de Babel y Flor de María. 

Foi também fundador e diretor de revistas literárias. A mais importante delas foi Nuevos Ritos, prolongamento do "El Heraldo del Istmo", através da qual assinalou as linhas de um processo de renovação que logo marcaria os rumos da poesia panamenha. Conheceu Rubén Darío, que passava pelo Panamá.

Ricardo Miró desempenhou cargos diplomáticos em Londres, Marselha e Barcelona, onde escreveu em 1909 seu emblemático poema "Pátria", que destaca a saudade que sente ao estar longe de sua terra.

Foi diretor dos Arquivos Nacionais (1919 - 1927) e Secretário Perpétuo da Academia Panamenha da Língua. 

Como membro da delegação panamenha foi em 1921, às festas do centenário da independência do Perú, em Lima.

Morreu na cidade de Panamá a 2 de março de 1940.

Um prêmio literário póstumo anual foi nomeado em sua honra, o Concurso Literário Nacional Ricardo Miró da República do Panamá. O prêmio foi para incentivar escritores de poesia e ficção no Panamá, e em 1952 foi estendido para incluir obras de teatro.

Fontes:
Antonio Miranda (tradução do espanhol por José Feldman)
Panamá Poesia (tradução do espanhol por José Feldman)

João Ubaldo Ribeiro (O Verbo "For")


Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e mesmo chocante (no sentido antigo) um coroa não ser reacionário. Somos uma força histórica de grande valor. Se não agíssemos com o vigor necessário — evidentemente o condizente com a nossa condição provecta —, tudo sairia fora de controle, mais do que já está. O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas julgo necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).

O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto possível, com citações decoradas, preferivelmente. Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos quais até hoje sei o comecinho.

Havia provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo, da oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical desta juventude de hoje. A oral de latim era particularmente espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira. Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário), o mestre não perdoava.

— Traduza aí quousque tandem, Catilina, patientia nostra — dizia ele ao entanguido vestibulando.

— "Catilina, quanta paciência tens?" — retrucava o infeliz.

Era o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala.

— Ai, minha barriga! — exclamava ele. — Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai!

Pode-se imaginar o resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova oral. Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.

O maior público das provas orais era o que já tinha ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar um show". Eu dei show de português e inglês. O de português até que foi moleza, em certo sentido. O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas:

— Dou-lhe dez, se o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino Nacional!

— As margens plácidas — respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a xícara.

— Por que não é indeterminado, "ouviram, etc."?

— Porque o "as" de "as margens plácidas" não é craseado. Quem ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe, entre as muitas que existem no hino. "Nem teme quem te adora a própria morte": sujeito: "quem te adora." Se pusermos na ordem direta...

— Chega! — berrou ele. — Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre a Bahia!

Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.

— Esse "for" aí, que verbo é esse?

Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.

— Verbo for.

— Verbo o quê?

— Verbo for.

— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.

— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós fomos, vós fondes, eles fõem.

Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe.

Fonte:
João Ubaldo Ribeiro. O Conselheiro Come. 
RJ: Nova Fronteira, 2000.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Magdalena Léa (Jardim de Trovas)


Ah, se eu pudesse saber
qual a mulher que ele quer...
Que não iria eu fazer
para ser essa mulher?!...

Amei. Era sede e fome
o amor que me torturou.
Quem ama assim, sempre come
o pão que o diabo amassou.

A mulher é imponderável,
instável, imprevisível,
indócil, imperscrutável...
Não se esqueça: imprescindível.

Aprendeu logo o Zezinho,
Depois que foi baleado,
Que é melhor amar sozinho
Do que bem acompanhado.

Com firmeza e tolerância
educa em justa medida.
São as feridas da infância
que nos marcam para a vida.

Convenções? Que um tolo as ouça!
pois mulher – o mundo zurra –
deve ser sempre mais moça,
mais baixa e também mais burra.

Desculpe-me quem puder,
mas a História se enganou:
depois que fez a mulher,
nunca mais Deus descansou!...

Distraída, distraída,
é a mulher do Januário;
ouve à porta uma batida,
tranca o marido no armário!

É a vida, em seu poder,
requintada em crueldade:
nasce a gente sem querer,
e morre sem ter vontade.

Embora sem alegria
vou cantando nos caminhos.
- Foi essa a filosofia
que aprendi com os passarinhos.

Em vossos olhos nublados,
velhinhos de longas vidas,
há prantos cristalizados
de todas as despedidas.

Em zigue-zague na estrada,
guia um “cara” no pileque.
- A curva multiplicada
dividiu seu calhambeque.

É nos elos que nós vemos
união e força patentes,
porque é que não aprendemos
esta lição das correntes.

Fazer plástica é bobagem.
Se o tempo nos vai minando...
 - Dar brilho na lanternagem
com este motor rateando?

Foi tão engraçada a piada
que a dentadura da zinha,
em tremenda gargalhada,
cai no chão rindo sozinha.

Hei de te amar – ele jura –
até velhinho – que lindo!
e ver nossa dentadura
no mesmo copo... sorrindo.

Inflação! Que mais eu posso
senão  rir dessa desgraça?
Pois rir é o único troço
que a gente ainda faz... de graça.

Mentes tanto, e nem presumes
que um dia ainda te firas
nestas armas de dois gumes
que são as tuas mentiras?

Mesmo em sonhos são fracassos
meus encontros fugidios:
cerro os olhos, abro os braços
e fecho os braços vazios.

Meu amor, que mais desejo?
Eu só desejo, na vida,
beijar-te e, acabado um beijo,
Começar outro em seguida.

Meu bebê vai caminhar,
estendo as mãos comovida.
Ah! se eu pudesse guiar
seus passos por toda a vida.

Minha alegria, querido,
por certo não adivinhas:
foi o teres esquecido
tuas mãos dentro das minhas.

Minhas lágrimas contive
naquele instante preciso. 
Foi então... então que tive
a bravura de um sorriso.

Minha sogra, aquela bruxa,
num fusca mandando brasa,
e eu fico pensando: – puxa!
com tanta vassoura em casa!

Na educação dos pequenos,
belos frutos colherás,
censurando muito menos,
elogiando muito mais.

O amor que teimo ocultar,
sem dizer nada a ninguém,
pudesse te confessar
e apenas diria – vem!

Ó realidade, não fira
quem sonha e vive contente.
Se uma ilusão é mentida,
enfeita a vida da gente.

Para cumprir seu destino
parte meu filho, homem feito.
- E eu guardarei, meu menino,
tua infância no meu peito.

Perdoa. Eu também sofri
se briguei contigo assim...
Eu gosto muito de ti,
mas... gosto também de mim!

Porque teme envelhecer?
Envelheça, a fronte erguida.
Um ano mais quer dizer
que a vida lhe dá mais vida!

Preso tu sempre hás de ser,
nem creias na liberdade.
Quando nada te prender
estarás preso à saudade.

Quando o sol é brasa ardendo
nas terras secas crestadas,
pingo no zinco batendo
é a mais bela das toadas.

Quando vejo um assassino,
um viciado, um ladrão,
eu adivinho um menino
a quem ninguém deu a mão.

Quando volto ao meu rincão
piso a terra comovida.
 - Cada pedaço de chão
conta um pedaço de vida.

Quem dentadura precisa
cuidado com a gargalhada.
Faça que nem Monalisa
que ri de boca fechada.

Seria desoladora
a vida, se, lá na frente,
a esperança enganadora
não acenasse pra gente.

Só te peço amor sincero,
e o céu será todo nosso.
Se sou tua - que mais quero?
Se sou mulher - que mais posso?

Tendo ao seio o meu menino,
tudo em volta é luz e brilho.
Nem sei mesmo onde termino
e onde começa o meu filho.

Toda mulher que é gorducha
tem um recurso só seu:
ao vestir-se grita – “Puxa!
como este troço encolheu!!!”

Tudo sinto na alma, o enlevo
das histórias infantis.
- Lobato, quanto te devo
da minha infância feliz!

Vão-se os anos. Iludida,
nesta angústia de retê-los,
vejo que a chama da vida
se faz cinza em meus cabelos.

Vi-te em menina e, talvez,
nem me notaste, sequer...
Pois foi a primeira vez
Em que eu me senti mulher.

Magdalena Léa (Oração para Envelhecer)

Magdalena Léa
Autor inglês desconhecido. Adaptação de Magdalena Léa
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Meu Deus,

Você sabe, melhor do que eu, que já estou envelhecendo e que breve serei mesmo velho.

Livre-me, pois, do mau-hábito de querer resolver o problema dos outros.

Livre-me, também, do mau-hábito de pensar que, porque sou mais velho, sei mais que os outros.

Mantenha-me inteligente, mas não prepotente, e que saiba aconselhar sem dar ordens.

É pena, realmente, que toda a sabedoria que eu acho que tenho, não possa ser aplicada, mas você sabe, meu Deus, como eu preciso manter meus amigos até o fim.

Livre-me de explicar as coisas com excesso de detalhes e dê asas à minha mente, para que ela voe ao ponto capital das questões.

Cale a minha boca de reclamar contra as minhas dores; o gosto de ensaiá-las a cada dia, em cada ano fica mais apurado.

Meu Deus, eu não peço a graça exagerada de sentir prazer ao ouvir as lamúrias do próximo, mas, apenas, dê-me um pouco de paciência para aturá-las.

Não me deixe esquecer a lição de que eu possa estar errado com muita freqüência.

Mantenha-me mais ou menos de bom-humor, mas não quero ser santo, pois os santos são difíceis na comunicação com os humanos.

Porém um velho azedo é obra mesmo do diabo.

É, meu Deus, dê-me a graça de ver boas coisas em todas as coisas e saber apreciá-las. Amém.

Antonio Cícero da Silva "Águia" (A Flor Amarela)


Na fazenda do senhor Cosmo, nasceu uma planta bem diferente das demais, em toda a região.

E com o passar do tempo, ela foi crescendo e crescendo. Depois de estudada por profissionais da área, foram colhidas amostras, por tratar-se de uma planta desconhecida pela ciência, em toda a região, para possíveis levantamentos referentes à mesma.

A planta cresceu sem que as pessoas soubessem seu nome. Ninguém a conhecia. Na sua espécie, pessoa alguma conseguia comentar, por falta de conhecimentos.

Até que um dia, floresceu uma grande e linda flor amarela, que era bem maior que um girassol.

E um homem que passava no local, ao acariciar a tão linda flor amarela, ficou sarado na hora, das lesões de um derrame, em que havia sofrido.

O homem, falou ao proprietário do local, senhor Cosmo, do que havia acontecido com ele.

O fazendeiro, por sua vez, tomando conhecimento de que o senhor Aquiles estava novinho em folha, de maneira que nem parecia pessoa que tivesse sofrido a um recente derrame, pegou um menino seu criado que era cego e levando-o sem nenhum alarde, juntamente com o senhor Aquiles, até a planta, que media um metro e meio de altura e fizeram com que a criança tocasse a planta, que ficou sarado, no mesmo instante.

O menino, quase entrou em estado de choque, por nunca ter visto o mundo e por alcançar a um tremendo milagre, estava enxergando a tudo.

A notícia rapidamente se espalhou por toda a região e vinham pessoas de todos os lugares, com diferentes problemas de enfermidades e ao tocarem a flor, eram completamente curadas.

E assim, tudo aconteceu por um longo tempo.

Até que um dia, um dos filhos do fazendeiro senhor Cosmo, teve uma ideia de passar a cobrar pedágio a título de taxa para conservação, a todas as pessoas, que alcançassem a graça de serem curadas, por aquela desconhecida planta.

De início, seu pai relutou contra aquela ideia, mas sendo vencido pelo cansaço, abriu mão do assunto.

O senhor Cosmo não aceitou a tal ideia, por ter nascido aquela planta por acaso, no local onde vivia, por conta do destino.

Leandro passou então, a cobrar o pedágio, de todas as pessoas que iam a procura de um milagre.

De início, cobrava apenas, das pessoas que alcançavam o que desejavam, mas logo em seguida, passou a cobrar de todos os que fossem lá. Mas um fato inusitado aconteceu. Tendo em vista a tamanha usura do moço, dentro de oito dias, a planta secou e com ela, desapareceram os milagres.

E toda a população passou a comentar, que por motivo do olhar tão grande do Leandro, desapareceu a planta tão milagrosa.

O tempo passou e um dia, o Leandro ao ser acometido por uma serpente, correu até ao local de onde havia anteriormente a planta da flor amarela e milagrosa e veio a morrer de joelhos, naquele lugar, sem alcançar também a nenhum milagre, por motivo de sua avareza.

Fonte:
Eldorado (coletânea de poemas, crônicas e contos). vol. II. 
Santos/SP: Celeiro de Escritores.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 3



Ralph Waldo Emerson
Boston/Massachusetts/EUA, 1803 - 1882, Concord/Massachussets/EUA
NÃO VENS…E É QUASE DIA…
É fácil viver no mundo conforme a opinião das pessoas. 
É fácil, na solidão, viver do jeito que se quer. 
Mas o grande homem é aquele que, no meio da multidão, 
mantém com perfeita doçura a independência da solidão.
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Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

Quando a vida se complica
nas horas de solidão,
amigo é aquele que fica
depois que os outros se vão.
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Manuel Bandeira
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Belo Belo II

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
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Alfredo Alencar Aranha 
Rio de Janeiro/RJ

Não tenho filho nem filha
que me afague o coração,
pois eu vivi tal qual ilha
perdida na solidão.
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Fernando Pessoa
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Uma Maior Solidão

Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.

Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.

Jazo-me sem nexo, ou fim…
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim
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Angélica Villela Santos  
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Um bom livro nos envolve, 
dá prazer e distração; 
é um amigo que dissolve 
o amargor da solidão!
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Joaquim Namorado
Alter do Chão/Portugal (1914 – 1986) Coimbra/Portugal 

Poema 7

Sobre a planície cai
uma chuva de lume
do sol a prumo.
A solidão sem sombras
incendeia-se de estrelas
e o silêncio estala
como a pele de frenéticos tambores
batidos furiosamente.
Os homens dobrados para a terra levantam
as cabeças medindo os horizontes rasos e
distantes com olhos ávidos, sem piedade
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Adaucto Soares Gondim 
Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE

Meu coração triste e frio,
sofrendo sempre em segredo,
faz lembrar ninho vazio
na solidão do arvoredo.
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Gislaine Canales  
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Glosa: Lareira Saudade…

MOTE:
Fiz da saudade que aquece
a solidão dos meus dias,
a mensagem que enternece
minhas horas tão vazias.
Carolina Ramos
(Santos/SP)

GLOSA:
FIZ DA SAUDADE QUE AQUECE,
minha doce companheira,
peço, fique, quase em prece,
comigo, na noite inteira!

Eu preciso amenizar
A SOLIDÃO DOS MEUS DIAS,
minhas noites, a chorar,
são tristes, sem alegrias.

Quando o meu tempo anoitece
lanço em ecos pelo mundo
A MENSAGEM QUE ENTERNECE
desse meu sofrer profundo!

Saudade, lareira ardente,
vem, aquece as horas frias,
enche de amor, ternamente,
MINHAS NOITES TÃO VAZIAS.
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Arlindo Tadeu Hagen 
Juiz de Fora/MG

Saudade são velhos trapos,
pedaços do coração,
que fica feito farrapos
na cerca da solidão!
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Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
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Marcos Assumpção
Niterói/RJ

Casa Vazia

Falar de amor não é mistério
Nem tão difícil de explicar
A gente nunca faz por mal
Meu coração praia deserta
Morre de medo do inverno
E da solidão que me devora
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
Pensar que o amor é sempre eterno
Que é impossível ele se acabar,
Você bem que podia tentar, mas não, não, não…..
Então quero falar por um momento (só por um momento)
Da tua ausência no meu corpo
E dessa lágrima no meu rosto
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
O fogo arde sob o nosso chão
Nada é tão fácil assim
Eu ando sozinho, no olho do furacão
Você nem lembra mais de mim
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
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A. A. de Assis
Maringá/PR

A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
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Amália Rodrigues
Lisboa/Portugal, 1920/22 – 1999

Silêncio

Do silêncio faço um grito
E o corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco
De sombra a sombra
Há um céu tão recolhido
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido
Ó céu
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás d’ ela
E eu
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora
Solidão
Que nem mesmo essa é inteira
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura
Ai solidão
Quem fora escorpião
Ai solidão
E se mordera a cabeça
Adeus
Já fui pr’além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede
Adeus
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai como dói
A solidão quase loucura
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Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

- Quando o amor se faz lembrança
e a solidão nos invade,
ou se vive de esperança
ou se morre de saudade...
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Amaury Nicolini
Rio de Janeiro/RJ

A Felicidade Mora Ao Lado

Cruzamos nossos olhares nesta rua
onde somos, há muito, dois vizinhos,
ainda que sem ouvir uma palavra tua
nos tantos anos de comuns caminhos.

Nunca trocamos nenhum cumprimento
e nem nunca detivemos nosso passo.
Um pelo outro passamos, e o momento
se perde, num segundo, pelo espaço.

Mas hoje, ao te olhar, senti bem perto
uma voz a me dizer: “fala com ela”,
e ao teu encontro atravessei a rua.

O que eu fiz não podia ser mais certo:
da vida a sós abriram-se as janelas
e a minha enorme solidão beijou a tua.
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Alfredo Alencar Aranha 
Rio de Janeiro/RJ

Minha vida foi feliz
nas asas de uma ilusão.
Hoje a saudade me diz
que só resta a solidão.
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Silvia Motta
Belo Horizonte/MG

Acróstico da desilusão :
Coração de férias

C-Coração está quase a parar…
O-O ritmo sem motivação fez
R-Requerimento de férias
A-Amorosas e, sem ilusão
Ç-Cessou até de sonhar…
Ã-Agora, está vazio de emoção!
O-O tempo não quer parar!
 –
D-Deixei o relógio cair ao chão
E-E nem assim ele quebrou…
 –
F-Felicidade não há na solidão!
É-É triste chorar sozinho no canto…
R-Recordando de tanta decepção!
I-Inaceitável ausência de carinho!
A-As férias estão em meu peito,
S-Sinto-me desfalecer deste jeito!
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Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Triste e sozinha eu me deito,
mas encontrando um desvão,
a lua invade o meu leito,
e afugenta a solidão.
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Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis/RJ

Amor perdido

A vida minha já não é mais minha
E nem mais meu este coração,
Você levou tudo de bom que eu tinha,
Só me restou esta solidão.

Água que passa não retorna mais,
Amor desfeito não se recupera,
É só passado que ficou pra trás,
Não se refaz… e agora já era!

O sentimento, quando é pequeno,
Só traz tristeza para o coração.
É bem pior que o pior veneno,
É prato feito pra desilusão.

E desse jeito vou levando a vida,
Segue à deriva minha embarcação…
Assim eu volto ao ponto de partida
E parto em busca de outra paixão.
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Jean-Jacques Rousseau
Genebra/Suiça, 1712 - 1778, Ermenonville, França
É sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar.
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Paulo Roberto Oliveira Caruso
Rio de Janeiro/RJ

Teus olhos da cor da terra
são meu solo, são meu chão.
É neles dois que se encerra 
minha antiga solidão!
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Fonte:
Folhetim Literário "Desiderata" - n.5 - janeiro de 2019 - Tema: Solidão