sábado, 25 de maio de 2019

João Libero R. Marques (A Flor e o Espinho – Um amor impossível)


Era um belo jardim. Realmente bonito. Tinha flores as mais diversas, Margaridas, Cravos, Dálias, Lírios e outras mais. Tinha o Girassol, alto, bonito e que passava seus dias a perseguir a luz do sol, tão necessária para sua sobrevivência. Tinha a Sempre-viva, que mesmo depois de colhida, sobrevive por muitos anos, como se fosse imortal e que fecha suas pétalas quando está frio e as abre no calor. Flor muito rara, mas este jardim as tinha.

Tinha Lírio-do-vale, Jasmim, Glicínia, Gardênia, flores cheirosas que davam um perfume especial àquele jardim. E a rainha do jardim: a Rosa Vermelha. Ah! Ela era linda! Vermelha como o sangue, altiva e seu perfume era delicioso! Toda roseira tem espinhos. Ela não era exceção. Mas, tinha um espinho diferente!

Ele era surpreendentemente belo para um espinho. Era grande, saia do galho com um corpo mais forte e mais grosso do que o comum, numa cor vermelha parecida com a cor da Rosa Vermelha. Da metade para a ponta, era diferente de todos os espinhos já vistos, ele ia do vermelho, para o coral, laranja e a ponta era amarela, da cor do Girassol, lindo!

Os dias foram passando e uma manhã, uma leve brisa balançou a roseira, e a Rosa Vermelha apareceu no campo de visão do Espinho, linda, maravilhosa, brilhante pois estava molhada pelo orvalho noturno. Ele se maravilhou com aquela visão, mas oh! A Rosa Vermelha balançou e ele teve certeza que ela olhou para ele. Ficou feliz e ao mesmo tempo triste por não poder tocá-la, acaricia-la...

O Espinho foi tomado então por um sentimento novo, apaixonou-se pela Rosa Vermelha, mas sabia que era um amor impossível. A Rosa Vermelha, por sua vez, notou aquele Espinho diferente, belo e colorido e se apaixonou por ele! Ficaram assim, apaixonados e se vendo cada vez que a roseira balançava. Um dia, uma tempestade açoitou aquele belo jardim. Balançou diversas plantas. A roseira balançou muito, a ponto da Rosa Vermelha se soltar do galho!

Ela caiu, e na queda caiu sobre o Espinho, que desesperadamente tentou se balançar para que ela não o atingisse, mesmo que seu coração pedisse o contato. Mas, o destino resolveu a questão! A Rosa Vermelha caiu sobre o espinho e sangrou. O vento continuou fustigando a roseira e a Rosa Vermelha finalmente caiu e foi levada pela enxurrada!

O Espinho, desesperado, nada pode fazer. Depois que o tempo acalmou e tudo voltou ao normal, o sol voltando a brilhar, aquele Espinho, lindo, colorido, apaixonado, foi diminuindo, perdendo suas cores, tornou-se um espinho simplesmente, seco, marrom e sem vida!

Fonte:

Leandro Bertoldo Silva (Livre como um Passarinho)


“Algumas lembranças são confusas: umas me fazem rir, quando lembro que chorei. Outras me fazem chorar, quando lembro que rimos juntos”.
(Bob Marley)

“Pronto! Todo o esforço valeu a pena! Cheguei neste auditório como Alvinho e saio como Doutor Alvarenga Peixoto! As intermináveis provas, as leituras que me tiraram o sono… Tudo aqui neste diploma. Agora é ir para a advocacia e ser livre como um passarinho…”.

Recordar-se dessas palavras ditas há vinte anos, naqueles minutos fugidos para o café, enquanto olhava a rua pelas grades da janela de seu escritório, fazia-o lembrar do amigo de infância de quem um dia sentiu pena por não ter, como ele, estudado as letras. Agora, sentia pena de si no meio daquelas repartições, petições e processos igualmente intermináveis, enquanto, em algum lugar lá fora, talvez em alguma praia ouvindo o barulho do mar e sentindo a leve brisa do vento em seus cabelos, Tonho, o amigo iletrado, vendia seus biscoitos da sorte. Assim pensava quando foi interrompido por ter sido chamado, às pressas, para mais uma audiência, no mesmo instante em que um passarinho voou do peitoral da janela levando no bico um pedacinho de “sonho”…

Fonte:
Leandro Bertoldo Silva. Entrelinhas: Contos mínimos. Disponível Árvore das Letras 

X Concurso de Contos do Grupo Livrarias Curitiba (Prazo: 31 de Maio)


O 10º Concurso de Contos do Grupo Livrarias Curitiba está com inscrições abertas de 01/05 à 31/05/2019! Os 5 primeiros contos vencedores serão publicados na Revista Ler&Cia e receberão um vale-compras de R$ 500,00 (quinhentos reais) cada, a ser gasto em qualquer produto numa das 29 lojas físicas do Grupo Livrarias Curitiba ou nas comprar on-line no nosso site.

Regulamento do X Concurso de Contos do Grupo Livrarias Curitiba

1. Do Concurso Cultural

O Concurso Cultural de Contos promovido pelo Grupo Livrarias Curitiba, doravante também denominada de promotora, é um concurso exclusivamente cultural e artístico, com a finalidade de estimular a produção literária, premiando obras de novos talentos da literatura brasileira.

Poderão participar do presente concurso todas as pessoas físicas, residentes e domiciliadas em todo o território nacional, com idade superior a 18 anos, que apresentem textos em língua portuguesa totalmente inéditos (ainda não publicados e nem premiados), com temática livre e que queiram concorrer conforme as condições previstas neste Regulamento.

Trata-se de concurso sem subordinação a qualquer modalidade de área, pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço, realizado com base no art. 3º, II, da Lei 5.768/71 e art. 30 do Decreto 70.951/72.

2. Das inscrições

As inscrições são gratuitas e, para concorrer, os interessados deverão, a partir das 0h do dia 01 de maio de 2019 até às 23h59 do dia 31 de maio de 2019, enviar o formulário (a ser preenchido no endereço eletrônico correspondente) preenchido constando os seguintes dados:

- Nome completo
- CPF
- Cidade
- Estado
- Telefone
- E-mail para contato
- Título do conto
- Conto

Eventuais dúvidas quanto à inscrição no concurso, bem como sobre as regras do concurso, poderão ser esclarecidas através do e-mail: projetos@livrariascuritiba.com.br

Não poderão concorrer, nem participar do concurso pessoas envolvidas em sua organização e empregados do Grupo Livrarias Curitiba.

Cadastre seu conto em
http://portal.livrariascuritiba.com.br/index.php/concurso-de-contos-2019/


3. Da Forma de Execução

Os participantes que se inscreverem na forma descrita no item anterior, poderão inscrever apenas 01 (um) conto, preenchendo o formulário até o dia 31 de maio de 2019, sendo que, o conto, deverá conter no máximo 3.000 (três mil) toques, incluindo espaços e desconsiderando o título.

Serão considerados nulos e ficarão imediatamente desclassificados e impedidos de concorrer aos prêmios, a critério exclusivo e de acordo com a discricionariedade da promotora, os contos que:

- Contenham dados incorretos ou que de qualquer modo contenham informações incompletas ou que apresentem algum tipo de erro ou de inadequação ao disposto neste Regulamento.

- Possuam conteúdo considerado inapropriado ou contenham palavras e/ou expressões de baixo calão, violência explícita ou conteúdo sexual.

- Agridam a imagem, direta ou indiretamente, do Grupo Livrarias Curitiba ou de terceiros.

- Já tenham sido publicados e/ou divulgados por quais quer veículos de comunicação, no seu todo ou em parte.

- Contenham indícios de plágio.

Na hipótese de recebimento pelo Grupo Livrarias Curitiba de dois ou mais contos idênticos ou significativamente similares, análogos e/ou que de qualquer forma possam ser interpretados como cópia ou reprodução, total ou parcial, apenas será considerada para os efeitos de inscrição, o primeiro conto a ser recebido pela Promotora, sendo os demais desconsiderados para efeitos de julgamento e/ou premiação, aplicando-se as demais disposições deste Regulamento.

Na hipótese do recebimento de mais de um conto do mesmo candidato inscrito, será considerado apenas o primeiro, pela ordem do preenchimento dos formulários de inscrição.

4. Do Julgamento

A Comissão Julgadora reserva-se no direito de cancelar o concurso na hipótese de entender que o nível dos contos inscritos não seja satisfatório.

Os melhores contos serão selecionados por uma Comissão Julgadora constituída para os fins do concurso e composta por 06 (seis) representantes da Promotora. As decisões desta Comissão Julgadora são soberanas e irrecorríveis.

A Comissão Julgadora escolherá os 6 (seis) melhores contos, segundo os seguintes critérios: criatividade, originalidade e adequação às normas gramaticais vigentes da Língua Portuguesa.

5. Da Divulgação do Resultado

No dia 01 de setembro de 2019, a Livrarias Curitiba divulgará o resultado no site http://www.livrariascuritiba.com.br e também na Revista Ler & Cia – Edição set/out – 2019.

O ganhador receberá um e-mail do marketing do Grupo Livrarias Curitiba solicitando uma cópia do documento de identidade ou equivalente para comprovação da identidade. Após a confirmação, será combinada uma forma de entrega do prêmio.

6. Da Premiação

Os autores de cada um dos 6 (seis) melhores trabalhos ganharão um vale-presente de R$ 500,00 (quinhentos reais) a ser gasto em qualquer uma das lojas físicas do Grupo Livrarias Curitiba ou nas compras on-line no site www.livrariascuritiba.com.br (em uma compra única sem taxa de frete para qualquer lugar para do Brasil) e terão seus contos publicados na revista Ler&Cia. A ordem da publicação dos contos será de acordo com a data de envio da inscrição, podendo ser alterada sem aviso prévio:

1º Ganhador: 88ª Edição da revista Ler&Cia – meses setembro/outubro de 2019;

2º Ganhador: 89ª Edição da revista Ler&Cia – meses novembro/dezembro de 2019;

3º Ganhador: 90ª Edição da revista Ler&Cia – meses janeiro/fevereiro de 2020;

4º Ganhador: 91ª Edição da revista Ler&Cia – meses março/abril de 2020;

5º Ganhador: 92ª Edição da revista Ler&Cia – meses maio/junho de 2020;

6º Ganhador: 93ª Edição da revista Ler&Cia – julho/agosto de 2020.

Em caso de insuficiência de dados, telefone inexistente ou qualquer outra informação que impossibilite a equipe da Livrarias Curitiba de entrar em contato com o ganhador, este estará automaticamente desclassificado. Os prêmios serão entregues aos vencedores, sem qualquer ônus e nas condições deste Regulamento.

Em hipótese alguma o vencedor poderá trocar o prêmio ou recebê-lo em dinheiro, total ou parcialmente.

O participante declara estar ciente de que não estão incluídos no prêmio os valores relativos a quaisquer outros gastos fora do apresentado como prêmio, despesas estas que, se incorridas, deverão ser custeadas integramente pelo premiado.

Os prêmios são pessoais e intransferíveis, não se responsabilizando a Promotora por eventuais restrições que os contemplados possam ter.

Na eventualidade do participante ganhador vir a falecer, o prêmio será entregue ao respectivo espólio, na pessoa do seu inventariante.

O direito à reclamação do prêmio vale-presente de R$ 500,00 (quinhentos reais) extingue-se após o prazo de 180 dias, contados da data de divulgação do resultado. Após a entrega do vale-presente a Promotora não se responsabiliza pelo cartão entregue ao ganhador. Este passa a ser responsabilidade do ganhador.

7. Da Responsabilidade

Os participantes são responsáveis pela veracidade dos dados fornecidos no ato da inscrição, bem como por conceitos e opiniões expressados em seus trabalhos e pelos aspectos de natureza jurídica relacionados com as pessoas, instituições ou coisas mostradas ou que de alguma forma sejam objeto de alusão ou referência, não cabendo à Promotora nenhuma responsabilidade nesse sentido.

O participante assume a inteira e exclusiva responsabilidade na hipótese de constatação de plágio total ou parcial, sujeitando-se às penalidades da lei.

8. Das Considerações Gerais

Ao inscrever-se para participar deste concurso cultural, nos termos deste Regulamento, o participante estará automaticamente autorizando, desde já e de pleno direito, de modo expresso e em caráter irrevogável e irretratável:

- O uso gratuito, por tempo indeterminado, sem qualquer ônus ou encargo ao Grupo Livrarias Curitiba, de seu nome, sua imagem e sua voz em arquivos e/ou meios digitais ou não, digitalizadas ou não, bem como em cartazes, filmes e/ou spots, jingles e/ou vinhetas, em qualquer tipo de mídia e/ou peças promocionais, inclusive em televisão, rádio, jornal, cartazes, faixas, outdoors, mala-direta e na Internet (sites, portais e redes sociais), para a ampla divulgação da conquista do prêmio e/ou do conto vencedor.

- O uso, bem como cedendo todos os direitos patrimoniais relativamente ao conto criado, inclusive, mas sem limitação, os direitos de expor, publicar, reproduzir, armazenar e/ou de qualquer outra forma dela se utilizar, em caráter gratuito e sem qualquer remuneração, ônus ou encargo, podendo referidos direitos serem exercidos por meio de cartazes, filmes e/ou spots, jingles e/ou vinhetas, bem assim em qualquer tipo de mídia e/ou peças promocionais, inclusive em televisão, rádio, jornal, cartazes, faixas, outdoors, mala-direta e na Internet (sites, portais e redes sociais), para a ampla divulgação do conto vencedor, deste concurso e/ou de seu desenvolvimento posterior.

As autorizações descritas acima são com exclusividade e não significam, implicam ou resultam em qualquer obrigação de divulgação nem de pagamento, concordando ainda os vencedores, inclusive, em assinar eventuais recibos e instrumentos neste sentido e para tal efeito, sempre que solicitado pela Promotora.

Ao inscrever-se para participar neste concurso, nos termos deste Regulamento, os participantes estarão automaticamente ainda:

- Autorizando, reconhecendo e aceitando que os dados pessoais e demais informações são verdadeiras e que passam a ser de propriedade da Promotora que poderão utilizar tais dados para os fins necessários para a adequada realização e conclusão deste concurso.

- Assumindo plena e exclusiva responsabilidade pela autoria do conto, por sua originalidade, por seu ineditismo e por sua imagem, incluindo, sem limitação, responsabilidade por eventuais violações à intimidade, privacidade, honra e imagem de qualquer pessoa, a deveres de segredo, à propriedade industrial, direito autoral e/ou a quaisquer outros bens juridicamente protegidos, eximindo a Promotora de qualquer responsabilidade relativamente a tais fatos, aspectos, direitos e/ou situações.

- Conhecendo e aceitando expressamente que a Promotora não é responsável, nem poderá ser responsabilizada, por qualquer dano ou prejuízo oriundo da participação neste concurso ou da eventual aceitação do prêmio.

- O presente Regulamento do X Concurso de Contos poderá ser alterado, suspenso ou cancelado, sem aviso prévio, por motivo de força maior ou por qualquer outro fator ou motivo imprevisto que esteja fora do controle da Promotora e que comprometa o evento de forma a impedir ou modificar substancialmente a condução deste como originalmente planejado. Caso haja alteração em item(ns) deste concurso, na qual os participantes efetivamente inscritos não concordem com os termos alterados, poderão cancelar a inscrição de participação, a fim de se liberarem das obrigações ora assumidas.

Quaisquer dúvidas, divergências ou situações não previstas neste regulamento serão julgadas e decididas de forma soberana e irrecorrível pela Promotora.

A participação neste concurso cultural acarreta a aceitação total e irrestrita de todos os itens, cláusulas e condições deste Regulamento e não gerará ao participante e/ou contemplado nenhum direito ou vantagem que não estejam expressamente aqui previstas.

Curitiba, maio de 2019.

Fonte:
Livrarias Curitiba

II Concurso Literário de Poesias de Joaquim Távora/PR (Prazo: 30 de setembro)


Edital de II Concurso Literário de Poesias do Departamento de Cultura de Joaquim Távora – PR.

O Departamento de Cultura da Prefeitura de Joaquim Távora – PR, torna público o concurso de poesias.

1. OBJETIVOS Apresentar textos inéditos, na forma de poesia, no intuito de fomentar o gosto pela arte e literatura na comunidade de língua portuguesa, incentivando novos talentos.

2. CONCORRENTES

2.1 Nas categorias infanto-juvenis podem se inscrever concorrentes tavorenses menores de 17 anos ou que já tenham sido completados, em exclusivo a categoria de 4º e 5º anos, com premiações especiais aos três primeiros lugares para os alunos matriculados na rede pública ou privada, o que totaliza, portanto, duas categorias infanto-juvenis. Uma aberta a todo tavorense até 17 anos de idade e outra exclusiva, conforme citado acima. Para a categoria adulta, acima dos 18 anos de idade a inscrição é aberta para todo o território nacional e internacional. Ambas as categorias exigem trabalhos em língua portuguesa.

2.2 Cada concorrente pode se inscrever com apenas com 1 (um) trabalho que respeite o ineditismo.

2.3 A apresentação dos trabalhos deve obedecer aos seguintes critérios:

2.3.1 Categorias infanto-juvenis: a) Texto escrito em papel de caderno (grande) que não ultrapasse 50 (cinquenta) linhas ou em papel de caderno pequeno que não ultrapasse uma folha (duas páginas).

b) A opção por texto em forma manuscrita é exclusiva para as categorias infanto-juvenis;

c) Os textos redigidos em computador devem ser na extensão .doc;

d) Fonte Arial e tamanho 12;

e) Conter no máximo 2 páginas;

f) Título em negrito (obrigatório título, texto sem título será excluído do concurso);

g) Dois espaços entre o título e o texto;

h) Deve conter o nome do autor do trabalho e/ou pseudônimo;

i) O tema é LIVRE, mas que não contrarie o Estatuto dos Direitos Humanos e do da Criança e do Adolescente, sendo exigido texto inédito. Entende-se por inédito, poemas que nunca foram publicados em livros, antologias, jornais, revistas, endereços eletrônicos, portais de comunicação, redes sociais e quaisquer formas de divulgação.

j) É proibida a correção dos trabalhos escritos pelos alunos, seja qual for, por parte de professores, mestres, diretores ou outros profissionais do ramo educacional, visando assim avaliar a escrita e o conhecimento dos alunos.

2.3.2 Categoria adulta: a) Texto redigido em extensão .doc; b) Fonte Arial, tamanho 12; c) Conter no máximo 2 páginas; d) Título em negrito (obrigatório título, texto sem título será excluído do concurso); e) Dois espaços entre o título e o texto; f) Deve conter o nome do autor do trabalho e/ou pseudônimo; g) Assim como: 2.3.1 i. .

3. DAS INSCRIÇÕES

3.1 Todas as inscrições são gratuitas para o CONCURSO LITERÁRIO DE POESIAS DO DEPARTAMENTO DE CULTURA DE JOAQUIM TÁVORA – PR.

3.2 Cada participante poderá se inscrever com apenas 1 (um) trabalho. O trabalho deve conter: título, texto, o nome do autor ou pseudônimo. Caso contrário, a inscrição será indeferida;

3.3 Os trabalhos poderão ser entregues, no Departamento de Cultura de Joaquim Távora – PR, com sede na Estação Ferroviária Afonso Camargo ou na Biblioteca Pública Ataíde Camargo (ao lado da rodoviária), ambos na rua Senador Souza Naves, na cidade de Joaquim Távora no estado do Paraná, CEP: 86455-000, das 08:30 horas às 11:00 horas e 13:00 às 16:30 horas;

3.4 Os trabalhos poderão ser inscritos também, através da internet, por correio eletrônico (email) para o endereço: departamentoculturajt@gmail.com.
Na entrega do trabalho deverá conter, além do trabalho devidamente redigido conforme 2.3.1 e 2.3.2 deste edital 1 (uma) folha ou lauda contendo dados pessoais e de contato, como: Nome completo, endereço residencial com CEP, telefones de contato, e-mail pessoal, data de nascimento, pseudônimo, CPF, RG, nome do pai, nome da mãe e breve biografia. (MODELO ANEXO);

3.5 Prazo de inscrição: 27 de março de 2019 a 30 de setembro de 2019 para ambas as categorias. O concorrente só pode se inscrever em 1 (uma) categoria.

4. JULGAMENTO 

4.1 O julgamento encerra-se no dia 31 outubro de 2019 para ambas as categorias.

4.2. As avaliações serão feitas por uma comissão julgadora que deverá conter 2 (dois) professores aposentados com formação acadêmica e com mais 3 (três) profissionais das artes manuais, ou que possuam relevantes contribuições na área literária, para que se almeje por parte do júri uma avaliação crítica, democrática, imparcial e de igualdade entre todos os concorrentes, sem influências parentais, pessoais e/ou outras formas não éticas.

5. PREMIAÇÃO

5.1 Os trabalhos serão classificados até o terceiro lugar de cada categoria, recebendo premiação e diploma.

5.2 A comissão julgadora deverá escolher dois trabalhos por categoria, que não se classificaram nas 3 (três) primeiras colocações, mas que tiveram destaque ou que chamaram a atenção pelas suas características de escrita e de inspiração para receberem Diplomas de Menção Honrosa.

5.3 A premiação se dará por contribuições da indústria, comércio, entidades locais e públicas que por ventura queiram colaborar dessa forma para o fomento da arte literária.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

6.1 A inscrição de obra literária significa aceitação completa deste regulamento. Os casos omissos serão julgados pela Comissão Organizadora, que possui decisões definitivas e irrecorríveis.

6.2 Entende-se por poema ou poesia neste concurso, um texto escrito sob a forma de versos e estrofes, com ou sem rima, podendo ser em estilo concreto (visual) ou clássico.

6.3 Será de responsabilidade do (a) autor (a) o dever de confirmar se o texto enviado é inédito. Caso seja comprovada sua publicação anterior a este concurso ou ser um texto plagiado, a inscrição será anulada, podendo esse participante responder judicialmente por infringir a Lei 9.610/98 de direitos autorais.

6.4 O local de premiação será na Estação Ferroviária Afonso Camargo (Sede do Departamento de Cultura) no dia 30 de novembro de 2019, às 19:30 horas nesta cidade para ambas as categorias.

6.5 Mais informações e solicitação de cópia deste edital pelo e-mail: departamentodeculturajt@gmail.com.

Joaquim Távora, 19 de março de 2019.

Flavio Luís Ribeiro
Diretor Departamento Municipal de Cultura

Fonte:
Prefeitura de Joaquim Távora

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Trova 353 - Edy Soares

Fonte da imagem: http://taquiprati.com.br
 

Alcântara Machado (O Ingênuo Dagoberto)


Diante da porta da loja pararam. Seu Dagoberto carregava o menorzinho. Silvana a maleta das fraldas. Nharinha segurava na mão do Polidoro que segurava na mão do Gaudêncio. Quim tomava conta do pacote de balas. Lázaro Salém veio correndo do balcão e obrigou a família a entrar.

 Seu Dagoberto queria um paletó de alpaca. - A mulher queria um corte de cassa verde ou então cor-de-rosa. A filha queria uma bolsinha de couro com espelho e lata para o pó-de-arroz. O menino de dez anos queria uma bengalinha. O de oito e meio queria um chapéu bem vermelho. O de sete queria tudo.

 É só escolher.

 O menorzinho queria mamar.

- Leite não tem.

Não há nada como uma piada na hora para pôr toda a gente à vontade. Principalmente de um negociante como Lázaro Salém. Bateu nas bochechas do Gaudêncio. Deu uma bola de celulóide para o Quim. Perguntou para Silvana onde arranjou aqueles dentes de ouro tão bem-feitos. Estava se vendo que era ouro de dezoito quilates. Falou. Falou. Não deixou os outros falarem. Jurou por Deus.

 Entre marido e mulher houve um entendimento mudo. E a família saiu cheinha de embrulhos. Em direção ao Jardim da Luz.

 O pavão estava só à espera dos visitantes para abrir a cauda. O veadinho quase ficou com a mão do Gaudêncio. Os macacos exibiram seus melhores exercícios acrobáticos. Quando araponga inventa de abrir o bico só tapando o ouvido mesmo.

 Depois o fotógrafo espanhol se aproximou de chapéu na mão. Seu Dagoberto concordou logo. Porém Silvana relutou. Tinha vergonha. Diante de tanta gente. Só se fosse mais longe. O espanhol demonstrou que o melhor lugar era ali mesmo ao lado da herma de Garibaldi general italiano muito amigo do Brasil. Já falecido não há dúvida. Acabou-se. Garibaldi sairia também no retrato. Nem se discute. A família deixou os pacotes no banco e se perfilou diante da objetiva. Parecia uma escada. O fotógrafo não gostou da posição. Colocou os pais nas pontas. Cinco passos atrás. Estudou o eleito. Passou os pais para o meio. Cinco passos atrás. Ótimo. Enfiou a cabeça debaixo do pano. Magnífico. Ninguém se mexia. Atenção. Aí Juju derrubou a chupeta de bola e soltou o primeiro berro no ouvido paterno. Foi para os braços da mãe. Soltou o segundo. O fotógrafo quis acalmá-lo com gracinhas. Soltou o terceiro. Polidoro mostrou a bengalinha. Soltou o quarto. O grupo se desfez. Quinze minutos depois estava firme de novo às ordens do artista. O artista solicitou a gentileza de um sorriso artístico. Silvana pôs a mão na boca e principiou a rir sincopado. O artista teve a paciência de esperar uns instantes. Pronto. Cravaram os olhos na objetiva. O fotógrafo pediu o sorriso.

- O Juju também?

Polidoro (o inteligente da família) voou longe com o tabefe nas ventas.

 Depois da sexta tentativa o retrato saiu tremido e o espanhol cobrou doze mil-réis por meia dúzia.

 A família se aboletou no primeiro banco do caradura. Mas antes o Quim brigou com o Gaudêncio porque ele é que queria ir sentado. Com o beliscão maternal se conformou e ficou em pé diante do pai. O bonde partiu. Polidoro quis passar para a ponta para pagar as passagens. Mas olhou para o Quim ainda com as pestanas gotejando. Desistiu da ideia. E foi Seu Dagoberto mesmo quem pagou.

 O bicho saiu de baixo do banco. Ficou uns segundos parado na beirada entre as pernas do sujeito que ia lendo ao lado de Seu Dagoberto. Quim viu o bicho mas ficou quieto. E o bicho subiu no joelho esquerdo do homem (o homem lendo, Quim espiando). Foi subindo pela perna. Alcançou a barriga. Foi subindo. Tinha um modo de andar engraçado. Foi subindo. Alcançou a manga do paletó. Parou. Levantou as asas. Não voou. Continuou a escalada. Quim deu uma cotovelada no estômago do pai e mostrou o bicho com os olhos. Seu Dagoberto afastou-se um pouquinho, bateu no braço de Silvana, mostrou o bicho com a cabeça. Silvana esticou o pescoço (o bicho já estava no ombro), achou graça, falou baixinho no ouvido do Gaudêncio. Gaudêncio deixou o colo da Nharinha, ficou em pé, custou a encontrar o bicho, encontrou, puxou o Polidoro pelo braço, apontou com o dedo. Polidoro viu o bicho bem em cima da gola do paletó do homem, não quis mais saber de ficar sentado. Então Nharinha fez também um esforço e deu com o bicho. Virou o rosto de outro lado e soltou umas risadinhas nervosas.

– Que é que você acha? Aviso?

- O homem é capaz de ficar zangado.

- É mesmo. Nem fale.

Na curva da gola o bicho parou outra vez. Nesse instante o Gaudêncio deu um berro:

- É aeroplano!

Todos abaixaram a cabeça para espiar o céu. O ronco passou. Então o Quim falou assustado:

 - Desapareceu!

 Olharam: tinha desaparecido.

 - Entrou no homem, papai!

 Seu Dagoberto assombrado examinou a cara do homem. Será? Impossível. Começou a ficar inquieto. Fez o Quim virar de todos os lados. Não. No Quim não estava.

 - Olhe em mim.

 Não. Nele também não estava.

 - Veja no Juju, Silvana.

 Não. No Juju também não estava. Ué. Mas será possível?

 O Quim avisou:

 - Apareceu!

 Olharam: apareceu no colarinho do homem. Passeou pelo colarinho. Parou. Êta. Êta. Passou para o pescoço. O homem deu um tapa ligeiro. Todos sorriram.

 Tinham chegado no Parque Antártica.

 Polidoro não queria descer do balanço. Não queria por bem. Desceu por mal. Em torno da roda-gigante os águias estacionavam com os olhos nas pernas das moças que giravam. Famílias de roupa branca esmagavam o pedregulho dos caminhos. Nharinha de vez em quando dava uma grelada para O moço de lenço sulfurino com um cravo na mão. Juju começou a implicar com as valsas vienenses da banda. A galinha do caramanchão ficou com os duzentos réis e não pôs ovo nenhum. Foram tomar gasosa no restaurante. Seu Dagoberto foi roubado no troco. O calor punha lenços no pescoço de portugueses com o elástico da palheta preso na lapela florida. Quim perdeu-se no mundão que vinha do campo de futebol. O moço de lenço sulfurino encostou-se em Nharinha. Ela ficou escarlate que nem o cravo que escondeu dentro da bolsa.

 No bonde Silvana disfarçadamente livrou os pés dos sapatos de pelica preta envernizada com tiras verdes atravessadas.

 Depois do jantar (mal servido) Seu Dagoberto saiu do Grande Hotel e Pensão do Sol (Familiar) palitando os dentes caninos. Foi espairecer na Estação da Luz. Assistiu à chegada de dois trens de Santos. Acendeu um goiano. Atravessou a Rua José Paulino. Parou na esquina da Avenida Tiradentes. Sapeando o movimento. Mulatas riam com os soldados de folga. Dois homens bem trajados e simpáticos lhe pediram fogo. Dagoberto deu.

 - Muito gratos pela sua gentileza.

- Não tem de quê.

- Está fazendo um calorzinho danado, não acha?

- É. Mas esta noite chove na certa.

 Seu Dagoberto ficou sabendo que os homens eram de Itapira. Tinham chegado naquele mesmo dia as onze horas. E deviam voltar logo amanhã cedo e sem falta. Uma pena que ficassem tão pouco tempo. Seu Dagoberto com muito gosto lhes mostraria as belezas da cidade. Conversando desceram lentamente a Avenida Tiradentes. Na esquina da Cadeia Pública Seu Dagoberto trocou três camarões de duzentos e mais um relógio com uma corrente e três medalhinhas (duas de ouro) por oito contos de réis. E voltou para o Grande Hotel e Pensão do Sol (Familiar) que nem uma bala.

 (Napoleão da Natividade filho tinha o hábito feio de coçar a barriga quando se afundava na rede de pijama e chinelo sem meia. A mulher - a segunda, que a primeira morrera de uma moléstia no fígado - preferia a cadeira de balanço.

- Você me vê os óculos por favor?

 O melhor deste jornal são os títulos. - A gente sabe logo do que se trata. Foi BUSCAR LÃ..., QUEM COM FERRO FERE..., AMOR E MORTE. Aquela miséria de sempre. Aquela miséria de sempre. Aquela miséria de... MAIS UM! Mas então os trouxas não acabam mesmo.

 Depois que ficou ciente da abertura do inquérito a mulher concordou:

- Parece impossível!

- Nada é impossível.

 A dissertação sobre a bobice humana foi feita com os óculos na testa.)

 A indignação de Silvana não conheceu limites.

- Seu bocó! Devia ter contado o dinheiro na frente dos homens! Seu besta!

 A filharada não dava um pio. Nem Seu Dagoberto.

- Não merece a mulher que tem! Seu fivela!

 Seu Dagoberto custou mas foi perdendo a paciência e tirando o paletó.

 - Seu burro! Seu caipira!

 Aí Seu Dagoberto não aguentou mais. Avançou para a mulher mordendo os bigodes. Nharinha aos gritos se pôs entre os dois de braços abertos. Os meninos correram para o vão da janela.

- Venha, seu pindoba! Venha que eu não tenho medo!

 O pindoba se conteve para evitar escândalos. Vestiu o paletó. Fincou o chapéu na testa. Roncou feio. Só vendo o olhar. Bateu a porta com toda a força. Tornou a abrir a porta. Pegou o bengalão que estava em cima da cama. Saiu sem fechar a porta.

 Tarde da noite voltou contente da vida. Contando uma história muito complicada de mulheres e de um tal Claudionor que sustentava a família. Queria beijar Silvana no cangote cheiroso. Chamando-a de pedaço. E gritava:

- Também não quero saber mais dela!

 Silvana deu um tranco nele. Ele foi e caiu atravessado na cama. Caiu e ferrou no sono.

 Quando chegou o dinheiro para a conta do hotel e a viagem de volta Silvana pegou numa nota de cinco mil réis, entregou por muito favor ao marido e escondeu o resto.

 Depois chamou a Nharinha para ajudar a aprontar as malas. À voz de aprontar as malas Nharinha rompeu numa choradeira incrível. Já estava se acostumando com a vida da cidade. Frisara os cabelos. Arranjara um andarzinho todo rebolado. Vivia passando a língua nos lábios. Comprara o último retrato de Buck Jones. E alimentava uma paixão exaltada pelo turco da Rua Brigadeiro Tobías n. 24-D sobrado. Só porque o turco usava costeletas. Um perigo em suma.

 Mas a mãe pôs as mãos nas cadeiras e fungou forte. Quando Silvana punha as mãos nas cadeiras e fungava forte a família já ficava avisada: era inútil qualquer resistência. Inútil e perigosa.

 Nharinha perdeu logo a vontade de chorar. Em dois tempos as malas de papel couro e o baú cor-de-rosa com passarinhos voando de raminho no bico ficaram prontos.

 A família desceu. Silvana pagou a conta. A família já estava na porta da rua quando Seu Dagoberto largou o baú no chão e deu de procurar qualquer coisa apalpando-se todo. A família escancarou os olhos para ele interrogativamente. Seu Dagoberto cada vez mais aflito acelerava as apalpadelas. De repente abriu a boca e disparou pela escada acima. Voltou todo pimpão com um bolo de recortes de jornal e bilhetes de loteria na mão. Silvana compreendeu. Ficou verde de raiva. Ia se dar qualquer desgraça. Porém ficou quieta. Fungou só um instantinho. Depois intimou:

 - Vamos!

 Aí o proprietário do hotel perguntou limpando as unhas para onde seguia a família. Aí Silvana não se conteve desviou o nariz da mão do Juju e respondeu bem alto para toda a gente ouvir:

 - Pro inferno, Seu Roque!

 Aí Seu Roque fez que sim com a cabeça.

Fonte:
Alcântara Machado. Laranja-da-China.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Edwaldo Camargo Rodrigues (Tarefa complicada)


Dava dó ter de romper o papel laminado... Tão bonito e colorido!

Sorte que lá estava ela, bem perto, sentada na cadeira de balanço, imóvel feito uma pintura e emoldurada pelo retângulo luminoso que, na tarde outonal, projetava-se da janela sobre o parquê recém-encerado. Dormitava tranquila, o bastidor do bordado esquecido sobre o colo.

- Vovó! – interrompeu-lhe a paz a vozinha aflautada do garoto. – Consegue abrir para mim? – E aproximou-se dela; os dedos miúdos seguravam com cautelosa firmeza algo que parecia um volume pequeno e arredondado. Estendeu os braços e apresentou-lho. – Mas, cuidado, não é para estragar a embalagem! – advertiu o pequeno, muito sério.

Ajustando o lornhão sobre o dorso do nariz, a boa senhora apanhou o objeto e pôs-se a examiná-lo meticulosamente, fazendo-o girar entre as mãos engelhadas. E após repetidas tentativas:

- Ah, meu bem... Não parece possível, não sem rasgar o embrulho – declarou finalmente. – Pode ser? – ameaçou.

- Não! – ouviu a resposta peremptória. A isto, ela apenas suspirou e, porque o neto a fitasse amuado, devolveu-lhe depressa a prenda com um gesto trêmulo, aconselhando:

- Vá pedir a seu pai. Ele deve estar lá em cima, como de hábito.

No estúdio, situado no piso superior da casa, o homem, adepto de tecnologias tradicionais, trabalhava com banhos químicos a revelação de algumas fotografias tiradas com uma Voigtlader, registro do passeio à praia durante o último fim de semana. Ao ouvir o estalido da porta que se fechara, com certeza após a passagem a algum intruso, advertiu, sem se voltar:

- Pelo amor de Deus! Quantas vezes eu já avisei que, quando a lâmpada vermelha estiver acesa no batente lá fora, ninguém deve entrar no recinto!

Embora aquela intromissão muito o contrariasse, enterneceu-se afinal, ao constatar a presença da criança.

- Ah, é você, meu filho! – acolheu-o com bondade. Foi logo tomando o visitante entre os braços, de modo a alçá-lo à altura dos retângulos de papel molhado que gotejavam, perfilados ao longo de uma espécie de varal que se estendia de uma parede a outra, dividindo ao meio o aposento semi obscurecido.

- Pois é, amigão, chegou no momento exato de apreciar em primeira mão as fotos do nosso último passeio! – apontou entusiasmado.

Entretanto, o rapazinho não parecia demonstrar grande interesse; passou os olhos momentaneamente pelo material inédito e ordenou a exibir o pacote do qual não desgrudava:

- Abra pra mim!

Prático, o fotógrafo ia metendo-lhe as unhas pelas dobras multicores, mas um protesto, sonoro e lacrimoso, deteve-o a tempo de compreender, ainda que de modo atabalhoado, que as estampas, as fitas que o envolviam caprichosamente deveriam ser todas rigorosamente preservadas.

Uma vez que o choro persistia, a coisa toda ameaçando acrescentar complicações adicionais, além dos riscos representados pelas bandejas cujos conteúdos, muito tóxicos e perigosos, deveriam ser despejados de volta aos garrafões sem demora e de maneira segura, pretextou-se que a tia, ela sim, que seria uma ótima conselheira para resolver a delicada questão.

- Por exemplo, ela é uma excelente costureira... – tateou persuasivo, apeando o menino de volta ao chão, sobre os próprios pés. E acocorando-se junto a ele, de forma a poder olhá-lo nos olhos, prosseguiu, ajeitando-lhe os cachos macios sobre a testa: – Lembra do carnaval passado e da fantasia de caubói? Você ficou tão bacana, com chapéu, cartucheira e tudo mais! Pois é, foi ela quem fez tudo aquilo sozinha, sem ajuda de ninguém! Não é incrível? Pode ter certeza: ela é ainda melhor do que uma fada, porque não é de mentirinha e tem poderes mágicos de verdade! Vá! Corra lá, até ela – incitou, dando volta ao guri e impulsionando-o com delicadeza pelos ombros, em direção à saída.

Meia idade, porém de aparência ainda bastante jovial, a mulher esfalfava-se no jardim: uma de suas atividades prediletas, depois do tênis e do mexerico no clube com as amigas. Calçando luvas de trabalho, desenformava de uns vasos de barro, que estavam estrategicamente enfileirados sobre uma bancada de ripas, algumas mudas de rododendro, as quais trasladava cuidadosamente até uma estreita vala escavada no solo, junto ao muro, de modo a, em breve, formarem ali uma aleia definitiva e colorida.

- Mas, queridinho... – desculpou-se, tão logo conseguiu, com sincera atenção, desvendar finalmente o significado da garrulice infantil. – Não posso fazer nada agora. Olhe só para mim, veja o estado em que me encontro! – E, com um meneio vago das mãos empanadas feito as de um palhaço, tentou abranger sua figura como um todo, a começar dos tamancos e, depois de passar pelo avental de lona encardida, subindo até os cabelos cor de palha, que escapavam desgrenhados sob a bandana de cetim algo rota. Mas, em seguida, notando a decepção que persistia estampada no rostinho inocente diante de si, contemporizou:

- Está bem, está bem!... Mas só se tiver um pouco paciência e quiser esperar pela titia, bem ali, bem quieto e comportadinho. – E apontou para o banco de alvenaria, simples, sem encosto, ladeado por samambaias, colocado próximo ao viveiro das carpas, em cujo tanque, emergindo mais ao alto de uma bica camuflada entre pedras, um fio de água prateada precipitava-se constante, com um rumorejo sonolento. – Assim que eu terminar isto aqui, vamos juntos, você e eu, resolver esse seu problema, pode ficar tranquilo – garantiu simpática a mulher.

Na atmosfera cálida e estagnada da tarde, a melodia singela que ela assobiava, de novo absorvida em seus afazeres, vinha associar-se ao sussurro contínuo da fonte, harmonizando-se com este num acalanto, lânguido e convidativo.

Obediente, o menino aguardava sentado, mantendo-se em ansiosa expectativa. Entretanto, tinha de esforçar-se a fim de resistir ao máximo à modorra que, insidiosa, vinha, de vez em quando, entrecerrar-lhe as pálpebras sem aviso, sem que o desejasse, engolfando-o de repente, esquecido de tudo e confortável, num mundo macio igual à polpa de um fruto aberto, banhado de luz purpúrea.

O corpo oscilou... duas vezes ou mais, não estava certo. Os dedos, as pontas das unhas esbranquiçadas sob tensão, aos poucos relaxaram e... ops! O embrulho escapou-lhe! Rolando pela superfície um pouco esconsa do assento de pedra, saltou, indo quicar sobre a borda abaulada do tanque. Uma vez ali, equilibrou-se precariamente, menos de um átimo, antes de mergulhar mais abaixo na superfície da água limosa. Estremunhado, o sonolento correu ainda a tempo de vê-lo submergir aos poucos, até finalmente desaparecer em meio ao vórtice provocado pelos peixes, que, num cardume agitado, torvelinhavam curiosos em redor.

Acudiu finalmente a tia. Estivera talvez ausente por alguns instantes, o suficiente para arrumar-se, pois retornava então penteada, o rosto fresco e lavado; e depara-se com o menino, tolhido em muda perplexidade. Afinal, o pobrezinho acabara de presenciar o naufrágio do presente que ganhara na véspera, dia de seu aniversário. Verdade que havia muitos outros, mas não como este. Mesmo aflito de curiosidade, deixara para abri-lo por último, porque o considerava especial. E com toda a razão: a madrinha lho dera! E ela sempre acertava, sempre adivinhava seus desejos...

Cercado de obsequiosa atenção, sem compreender direito as palavras de consolo que com insistência lhe murmuravam, embora, afogado em lágrimas e soluços, ainda não tivesse conseguido sequer revelar a causa de tanta infelicidade, sossegou de repente.

- Olhe lá! – celebrou sorrindo, uma súbita cintilação de alegria tremulando nos olhos úmidos.

À tona, em meio a borbulhas e ondulações, emergia o hemisfério multicor; era uma bola igualzinha a que já vira em sonho, quase uma joia, caprichosamente ornamentada com desenhos e incrustações em toda a volta! Presa a esta, uma linda cadeia dourada, ao ser puxada, resgatou, lá do fundo, o soldado de chumbo, cujo peso fizera o conjunto afundar. Próximos, o papel de embrulho, os delicados fitilhos que havia pouco o enredavam, flutuavam intactos, e tudo logo pôde ser cuidadosamente resgatado com a simples ajuda de um puçá.

- Obrigado, peixinhos! – acenou em direção à água, agradecido. 

Fonte:
Texto enviado por João Líbero Marques

Sérgio Milliet (Poemas Escolhidos)




A DAMA AUSENTE

Brilhará a lua que não vejo
nas montanhas de minha terra?
Para que amores na serra
Brilhará a lua que não vejo?

Mais um dia longe, tão longe
que nem mesmo a intuição alcança
os gestos da dama ausente.
As sombras enchem os meus olhos
fechados para o presente.
Mais um dia longe tão longe
que nem mesmo o amor alcança
os gestos da dama ausente…

CARTA À DANÇARINA

porque não tens olhos amantes
para te contemplarem esguia
dançando ao luar de maio,
um desafio brilha em teu olhar.
pés descalços na relva orvalhada,
queres ser livre e dançar,

não te iludas,
loucuras não libertam ninguém.
na comissura dos lábios
deixam um vinco de remorso e nojo;
de tristeza turvam-se os olhos
que desafiantes brilhavam.
antes apoia a tua mão na minha mão,
deixa que de ternura ela se aqueça
e a calma descerá no coração.

beiço de choro, insistes em dançar ao luar;
mas não entendem essa tua ânsia feminina
de transbordar da carne morena.
desafias inutilmente um mundo cego,
gente que não vê teu ventre magro.
desafias inutilmente um mundo distraído,
gente que não sente a doçura de tuas mãos,
a riqueza quente de teus lábios.
e um desafio brilha em teus olhos.

não te iludas,
não basta quebrar as cadeias
para alcançar a liberdade.
a uma prisão sucedem mil prisões:
a do vício, a do tédio, a do cinismo.
antes chega tua pele à minha pele,
e teus lábios entreabertos a meus lábios.
é pelo amor que te hás de libertar,
é para o amor que poderás dançar
ao luar.

quando tudo morrer dentro de ti
quando tudo se fizer adubo
para a semente que em dia raro de inocência
o destino semear em tua alma,
a planta do amor vingará

dançarás em êxtase ao luar,
para olhos porém de saber ver,
para boca de saber gostar,
para coração de comungar.

sem loucuras nem remorsos,
olhos límpidos e pés ligeiros,
serás livre enfim
na prisão que então escolherás.

LISBOA

A cidade tomou banho
Água suja do Tejo
A Torre de Belém
no poente decadente
sonha com impossíveis caravelas.

OH VALSA LATEJANTE...

Oh valsa latejante. . .

O poema que eu hei de escrever
será nu e simplesmente rude
O poema que eu hei de escrever será um palavrão.

Dor recalcada
inveja mesquinha
perversidades impotentes
todo o fracasso e a sub-angústia

O espezinhamento usa batom

Mas tudo há de jorrar com ele
numa amarga libertação...

O cacto com seus espinhos
apertado entre as palmas da mão
é menos doloroso

Oh valsa latejante...

PARIS
Crepúsculos longos impressionistas
A luz não cai
escorrega
sobre os patins das nuvens

O Sena foge
levando o gosto da posse.

SÃO PAULO

Canto a cidade das neblinas
e dos viadutos
minha cidade
amante de futebol e vendedora de café
Os aventureiros bigodudos
como nas fitas da Paramount
o Friedenreich pé de anjo
e a bolsa de mercadorias
as chaminés parturientes do Brás
os quinze mil automóveis orgulhosos
no barulho ensurdecedor dos klaxons
e a cultura envernizada dos burgueses
os engraxates da Praça Antônio Prado
e o serviço telegráfico do "Estado"
a febre do dinheiro
as falências sírio-nacionais
a especulação sobre os terrenos
a politicagem e os politiqueiros
e a negra de pó de arroz
e até os bondes da Light
para o Tietê das regatas e dos bandeirantes
os homens dizem que tu és ingrata
e que devoras os teus próprios filhos...
Mas que linda madrasta tu és
toda vestida de jardins!
Minha cidade
Amo também teus plátanos nostálgicos
imigrantes infelizes
teus crepúsculos de seda japonesa
tuas ruas longas de casas baixas
e teu triângulo provinciano...

Fontes:
– Livro gentilmente enviado pelo autor
Cláudio de Cápua. Revolução na Paulicéia: Semana de Arte Moderna de 1922. 2.ed. São Paulo: EditorAção, 2019
Jornal de Poesia

Sérgio Milliet (1898 – 1966)


O intelectual paulistano Sérgio Milliet da Costa e Silva nasce em São Paulo, em 1898, filho de Fernando da Costa e Silva e Aida Milliet.

Com a morte da mãe, quando tinha dois anos, é criado pela avó, que em 1912 o envia  para a Suíça, onde forma-se em Ciências Econômicas e Sociais na Universidade de Genebra.

Em 1925 retorna a São Paulo e, junto com os escritores Oswald de Andrade, e Afonso Schmidt, cria a revista Cultura. Em 1933 ajuda na fundação da Escola de Sociologia e Política - ESP, ocupando o cargo de secretário da instituição até 1935 e de professor a partir de 1937.

Sérgio Milliet, nome de proa na história contemporânea da cultura do Brasil, participa da Semana de Arte Moderna, interessando-se pelas diversas manifestações surgidas a partir de 1922. Sua ação interliga modernistas históricos às gerações sucessoras.

Com o ensaísta Paulo Duarte e o escritor Mário de Andrade,  cria, em 1935, o Departamento de Cultura de São Paulo, tornando-se o primeiro diretor da Divisão de Documentação Histórica e Social, onde permanece até 1943, quando é transferido para a Divisão de Bibliotecas.

Como crítico literário colabora com as principais revistas de sua época: Klaxon, Terra Roxa, Revista do Brasil, Estética, A Plateia, Habitat, Quadrum e com os jornais O Tempo, A Manhã, Folha da Manhã  e O Estado de S. Paulo, onde passa a escrever diariamente a partir de 1938.

Na década de 1950, atua em diversas frentes: diretor artístico do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP, de 1952 a 1957, responde pela curadoria da 2ª, 3ª e 4ª edições da Bienal Internacional de São Paulo e  da representação brasileira na Bienal de Veneza, em 1956, além de presidir a Associação Brasileira de Críticos de Arte - ABCA.

Após a fusão da Associação Brasileira de Escritores com a Sociedade Paulista de Escritores, surge a U.B.E., que o elege para seu primeiro presidente, biênio de 1958 a 1960.

Além da poesia cultiva o ensaio, o romance, a crônica e a novela. Foi tradutor de vários estudos históricos e sociais do Brasil.

Em paralelo ao jornalismo profissional, dirige a Biblioteca Pública “Mário de Andrade”, na Pauliceia.

Morre em 1966, em São Paulo.

Fontes:
- Livro gentilmente enviado pelo autor
Cláudio de Cápua. Revolução na Pauliceia: Semana de Arte Moderna de 1922. 2.ed. São Paulo: EditorAção, 2019
– Enciclopédia Itaú Cultural

Carolina Ramos (A Xará)


O toque do interfone interrompeu-lho as lides domésticas. Atendeu.

— Dona Rita?

— Pois, não...

— Sua vizinha, do sétimo andar, está subindo para cumprimentá-la.

Eram duas da tarde. Rita mediu num só olhar a confusão dos móveis e utensílios, empilhados pela mudança, efetuada na véspera.

— Visita, agora?!

Largou o pano de pó, trocou os chinelos, jogou o avental sobre a mesa e ajeitou, como pode, os cabelos. Já a campainha soava. Recebeu a visitante com um sorriso amável. O sorriso da que chegava, fez-se mais largo ainda, portador dos anunciados cumprimentos.

— Bom dia, vizinha. Vim dar-lhe as boas vindas. Sou Maria Rita, aí do sétimo.

— Coincidência! Eu também me chamo Maria Rita. Entre, mas... por favor, não repare. Ainda está tudo bagunçado, de pernas para o ar... Também, chegamos ontem, não é?

— Ora, deixe pra lá... se quiser ajuda, disponha.

— Muito obrigada. Aos pouquinhos, tudo irá para o devido lugar. Questão de tempo. O pior é que, sem empregada, tudo fica mais difícil e... mais difícil ainda é achar uma!

O "papo" doméstico, descompromissado, estendeu-se com elasticidade, dissociada do relógio, como se as duas mulheres não tivessem nada para fazer, a não ser, matar o tempo.

Dois dias foram mais do que suficientes para que a nova moradora percebesse que a xará do sétimo andar, realmente nada tinha para fazer que a prendesse em casa, o que era alarmante!

A frequência com que a vizinha lhe batia à porta, a alugar-lhe a atenções por tempo indeterminado, mais do que impacientá-la, começava a gerar preocupações. Tão logo chegadas as catorze horas, o conhecido toque de campainha impunha-lhe a presença incômoda.

Maria Rita entricheirou-se, defensiva. Assim como em certos estados do norte, em que a regularidade das manifestações climáticas leva ao planejamento das atividades, programadas para antes ou depois da chuva, Maria Rita, instintivamente passou a separar as tarefas cronologicamente, para antes e depois da visita vespertina. Tentativa ingênua de acomodação, que em hipótese alguma solucionou o problema.

Verdade se diga, a situação tornava-se cada vez mais incomodativa. Desgastada e levada a um atropelo de ação perfeitamente dispensável, que não justificava o desperdício das tardes esbanjadas, custava a Maria Rita ver escoar-se o tempo em papos furados e conversa fútil.

Pontual e descontraída, a xará chegava para ficar. Tinha já cadeira cativa. Colocava os óculos na ponta do nariz e puxava do tricô. Trabalho interminável, porque finda uma peça, outra vinha a caminho. Rita sentia-se invadida, confusa e com remorsos, até.

Seis meses passados, e a situação inalterada. Sem privacidade, a moça beirava o poço do desespero! Marido e filho sofriam por ricochete. Sem definição, Rita fazia tudo para ausentar-se de casa na hora aprazada, na esperança de quebrar o ritmo e a disposição compulsória da visitante. Inútil!

Cansou-se de vagar sem rumo, cansou-se de olhar vitrinas sempre iguais, cansou-se de visitar igrejas. E os santos, quem sabe, cansaram-se dela e da insistência dos seus pedidos.

Tudo absolutamente em vão! A xará continuou voltando, com assiduidade exemplar e implacável!

A pressão era tanta, que Maria Rita acabou doente. Deprimida. Fechou-se no quarto. Levou para lá a TV portátil. Mergulhou nas novelas.

Fuga? Desequilíbrio? Desespero? — Tudo!

E foi quando a xará, solícita, prontificando-se a servir de enfermeira, adentrou, triunfante, a cidadela onde se aquartelara a enferma! A gota d’água!

— Então... doentinha? Não há de ser nada. Vou cuidar de você. Agora chegarei uma hora mais cedo. Sem pressa. Não tenho mesmo nada que me prenda em casa...

A paciente capitulou. Desceu definitivamente ao fundo do poço, levando a família consigo!

— Mudem-se! Mudem-se o mais rápido possível! — ordem do psiquiatra. Sem réplica.

Mudaram-se. E para bem longe! O apartamento vendido em tempo recorde. Pechincha!

Ninguém do prédio recebeu o novo endereço A mudança foi feita praticamente em caráter sigiloso, "antes da chuva", ou melhor, pela manhã, bem cedo, antes da famigerada visita.

Mudança radical! A neurose acabou como por encanto! Aliás, nem tanto assim, que, por longo tempo, o som de uma campainha sugeria sempre a inquietante pergunta: — Será ela?!

Pudesse, e Maria Rita teria trocado também de nome. Que, perdoado o trocadilho, até hoje, o nome Rita irrita por demais a Rita!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Silmar Bohrer (Lampejos Poéticos) XIII


Arthur de Azevedo (Conto em Versos: Banhos de Mar)


Manuel Antônio de Carvalho Santos,
Negociante dos mais acreditados,
Tinha, em sessenta e tantos,
Uma casa de secos e molhados.

Na Rua do Trapiche. Toda a gente
– Gente alta e gente baixa –
O respeitava. Merecidamente:
A sua firma era dinheiro em caixa.
 
Rubicundo, roliço,
Era já outoniço,
Pois há muito passara dos quarenta
E caminhava já para os cinquenta.
 
O bom Manuel Antônio
(Que assim era chamado),
Quando do amor o deus (Deus ou demônio,
Porque como um demônio os homens tenta,
Trazendo-os num cortado)

Fê-lo gostar deveras
De uma menina que contava apenas
Dezoito primaveras,
E na candura de anjo
Causava inveja às próprias açucenas.

Tinha a menina um namorado, é certo;
Porém o pai, um madeireiro esperto,
Que no outro viu muito melhor arranjo,
Tratou de convencê-la
De que, aceitando a mão que lhe estendia
Manuel Antônio, a moça trocaria
De um vaga-lume a luz por uma estrela

Ela era boa, compassiva, terna,
E havia feito ao moço o juramento
De que a sua afeição seria eterna;
Porém dobrou-se à lógica paterna
Como uma planta se dobrara ao vento.

Sabia que seria
Tempo perdido protestar; sabia
Que, na opinião do pai, o casamento
Era um negócio e nada mais. Amava;
Sentia-se abrasada em chama viva;
Mas… tinha-se na conta de uma escrava,
Esperando, passiva,
Que um marido qualquer lhe fosse imposto,
Contra o seu coração, contra o seu gosto.

Calou-se. Que argumento
Podia a planta contrapor ao vento?
No dia em que a notícia
Do casamento se espalhou na praça,
A Praia Grande inteira achou-lhe graça
E comentou-a com feroz malícia,
E na porta da Alfândega,
E no leilão do Basto
Outro caso não houve era uma pândega!

Que às línguas fornecesse melhor pasto
Durante uma semana, ou uma quinzena,
Pois em terra pequena
Nenhum assunto é facilmente gasto,
E raramente um escândalo se pilha.
Quando um dizia: – A noiva do pateta
Podia muito bem ser sua filha,
Logo outro exagerava: – Ou sua neta!

O moço desdenhado,
Que na tesouraria era empregado,
E metido a poeta,
Durante muito tempo andou de preto,
Co’a barba por fazer, muito abatido;
Mas, se a barba não fez, fez um soneto,
Em que chorava o seu amor perdido.

Do barbeiro esquecido
Só foi à loja, e vestiu roupa clara,
Depois que a virgem que ele tanto amara
Saiu da igreja ao braço do marido.

Pois, meus senhores, o Manuel Antônio
Jamais se arrependeu do matrimônio;
Mas, passados três anos,
Sentiu que alguma coisa lhe faltava:

Não se realizava
O melhor dos seus planos.
Sim, faltava-lhe um filho, uma criança,
Na qual pudesse reviver contente,
E este sonho insistente,
E essa firme esperança
Fugiam lentamente.

À proporção que os dias e os trabalhos
Seus cabelos tornavam mais grisalhos.
Recorreu à Ciência:
Foi consultar um médico famoso,
De muita experiência,
E este, num tom bondoso,
Lhe disse: – A Medicina
Forçar não pode a natureza humana.

Se o contrário imagina,
Digo-lhe que se engana.
Manuel Antônio, logo entristecido,
Pôs os olhos no chão; mas, decorrido
Um ligeiro intervalo,
O médico aduziu, para animá-lo:

– Todavia, Verrier, se não me engano,
Diz que os banhos salgados
Dão belos resultados…
Experimente o oceano! –

No mesmo dia o bom Manuel Antônio,
Á vista de juízo tão idôneo, Tinha
casa alugada
Lá na Ponta d’Areia,
Praia de banhos muito frequentada,
Que está do porto à entrada
E o porto aformoseia.

Nessa praia, onde um forte
Do séc’lo dezessete
Tem tido vária sorte
E medo a ninguém mete;

Nessa praia, afamada
Pela revolta, logo sufocada
De um Manuel Joaquim Gomes,
Nome olvidado, como tantos nomes;
Nessa praia que… (Vide o dicionário
Do Doutor César Marques) nessa praia,
Passou três meses o quinquagenário,
Com a esposa e uma aia.

Não sei se coincidência
Ou propósito foi: o namorado
Que não tivera um dia a preferência,
Maldade que tamanhos
Ais lhe arrancou do coração magoado,
Também se achava a banhos

Lá na Ponta d’Areia…
Creia, leitor, ou, se quiser, não creia:
Manuel Antônio nunca o viu; bem cedo,
Sem receio, sem medo
De deixar a senhora ali sozinha,
Para a cidade vinha
Num escaler que havia contratado,
E voltava à tardinha.

Tempos depois – marido afortunado!
Viu que a senhora estava de esperanças…
Ela teve, de fato,
Duas belas crianças,
E o bondoso doutor, estupefato,
Um ótimo presente,
Que o pagou larga e principescamente!
Viva o banho de mar! ditoso banho!

Dizia, ardendo em júbilo, o marido.
– Eu pedia-lhe um filho, e dois apanho!
Doutor, meu bom doutor, agradecido!
Pouco tempo durou tanta ventura;
Fulminado por uma apoplexia,
Baixou Manuel Antônio à sepultura.

O desdenhado moço um belo dia
A viúva esposou, que lhe trazia
Amor, contos de réis e formosura.

E no leilão do Basto
Diziam todos os desocupados
Que nunca houve padrasto
Mais carinhoso para os enteados.

Carlos Drummond de Andrade (A Datilógrafa)


A Associação dos Antigos Alunos do Professor Penaforte é modelo do gênero. Os associados pagam pontualmente as mensalidades, reúnem-se cordialmente em almoço no último sábado do mês, e agora resolveram editar um boletim: publicação modesta, trinta e duas páginas, que divulgue êxitos profissionais dos colegas, movimento da AAPP, essas coisas.

Pequeno aumento nas contribuições não afeta os Antigos Alunos, todos bem de vida ou a caminho de. O menos bem é talvez dr. Ariosto: ainda não pôde abrir mão do empreguinho burocrático, ou não soube transformá-lo em doce cargo de muita remuneração e zero obrigação. Grande praça, dr. Ariosto: sempre disposto a ajudar, a fazer força, de modo que o lugar de redator-secretário do boletim lhe cabe indiscutivelmente, como lhe coube o de tesoureiro da AAPP, sem falar em todas as demais funções da diretoria, nos casos de impedimento temporário, isto é, permanente, de colegas ocupadíssimos, além de ilustríssimos.

Redator-secretário pressupõe existência de outros redatores, inclusive redator-chefe… mas deixa, Ariosto escreve para mim este artigo, pois no sítio lá em Pires do Rio o fim de semana é danado de barulhento. E assim por diante, dr. Ariosto dá conta de tudo, escreve, reescreve o que os outros alinhavaram mal mal. Só que os originais precisam ser uniformizados. Datilógrafa esmerada, rápida, como encontrá-la? D. Jerusa, colega de repartição, precisa de uns bicos: só o cabeleireiro leva metade do ordenado. Há tempos pedira a dr. Ariosto que, se soubesse de algum servicinho de máquina em embaixada, não deixasse de avisá-la: esses boletins mimeografados, sabe como é? Pois ali estava o boletim,
não de embaixada, mas de uma associação de gente distinta, que paga corretamente. D. Jerusa lamentou-se: fora atacada por esse monstro moderno, alergia. Não pode nem ver papel, quanto mais lidar com ele.

O bom dr. Ariosto resigna-se a ser datilógrafo de si mesmo e da AAPP, em sigilo. Como tudo que faz tem o selo do capricho, a AAPP felicita-o por ter arranjado uma datilógrafa perfeita. O presidente pergunta-lhe se, além de perfeita, é bonita. Ariosto sorri, quer omitir a informação, o outro insiste, ele admite que não é feia.

— Pois traga a moça aqui, para a cumprimentarmos pelo serviço.

— Não convém. É muito tímida.

Toda vez que chegam os originais, batidos impecavelmente, repete-se o coro de louvores.

— E nós que ainda não nos lembramos de pagar-lhe. Quanto deve ser?

— Não se preocupem — responde dr. Ariosto. — Ela faz isso de camaradagem. Não precisa de dinheiro.

— Deveras? Não é justo. Temos de remunerar o trabalho da moça. Qual o nome dela, o endereço?

Explicou que a moça fazia o serviço por amizade a ele, e recusava terminantemente gratificação, sob pena de não botar mais o dedo no boletim; além do mais, era admiradora do saudoso professor Penaforte. A essa altura, dr. Ariosto verificou, estupefato, sua própria capacidade de mentir, ele que é a verdade em pessoa. Amizade, hem? Acabaram imaginando que a datilógrafa era namorada dele. E concluíram que ela merecia um presente, com os agradecimentos da AAPP.

— Agradecimentos que devem constar na ata — ponderou o presidente. — Essa jovem é uma pérola.

Dr. Ariosto lutou como leão para impedir a homenagem, mas, perturbado, acabou dando o nome de d. Jerusa. Saiu em disparada para avisá-la, pedir-lhe mil desculpas. Quando aparecesse o mensageiro, com um embrulho de presente e um ofício…

— Não posso aceitar — disse d. Jerusa, inflexível. — Devolvo.

— Não faça isso!

— Então mando botar na sua mesa.

Foi uma áfrica obter que aceitasse a linha completa de produtos de beleza. No ofício, além do mais, o presidente convidava-a para um chá na sede, onde receberia cumprimentos.

— Pensando bem, dr. Ariosto, eu vou. Não devo desapontar o presidente. Parece tão simpático!

Bom, dr. Ariosto não tinha nada com d. Jerusa, mas não é que o picou um vago ciúme do presidente?

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Marcos Satoru Kawanami (Poemas Avulsos)


ARTE METAFÍSICA

Estranha arte é esta de escrever...
Sem pincel, sem cinzel a obra cresce
E toma forma, e nem forma carece
Para que a outrem venha a entreter!

Um papel sujo basta ao seu mister,
Um papel que no lixo alguém esquece...
Na folha rota que o desdém merece,
É nela que o poema vai nascer.

Poesia, prima-irmã da Matemática
Que no papel também faz teorema,
Acha ela sempre musa mais simpática.

Seguem Música e Dança o mesmo esquema,
Brotando da sublime e etérea prática
Qual do nada também brota um poema.

CARTA DO MALANDRO ESCRUPULOSO

Minha querida Daisy, custa-me dizer...
Para teu bem-estar, por tua dignidade,
ver-me-as nunca mais. E não sintas saudade
deste vadio que te tanto fingiu querer.

Eu bem sei..., alma pura, jamais vês maldade;
mas esta virtude há de desaparecer
com a ilusão que só inspirou-te o padecer
por partilhar de minha vil intimidade.

Esquece do Brasil, do Rio, do meu franzino
e fingido sorriso de ingênuo menino.
É inevitável: nova ilusão vais achar.

Porém se, por ventura no teu fog londrino,
lembrança vier, lembra deste alexandrino:
"Eu te desprezo para não te ver chorar".

O BURACO

Na existência do homem, o buraco é tudo:
De um buraco ele vem, e para outro ele vai;
E outro buraco, ainda, bastante o distrai
Furtando-lhe a razão num louco anelo agudo.

O buraco será sempre coisa enigmática,
Esfinge alcandorada para a confraria
Dos homens indefesos perante a magia
Magnética, hipnótica, orificiática.

O buraco é ornado por pomposa flora
A qual mais seu mistério vela, encobre, oculta.
Buraco, és flor, não do Lácio, mas inculta!

E tanto o peito másculo, voraz, devoras
Que se o levas ao val sombrio da sepultura,
Ser fiel ao buraco eterno o homem jura.

O BURACO (2)

O buraco tem um quê de absoluto:
Não é palpável, mas claro é que existe;
Seu não-ser o faz ser, e assim persiste.
Sina humana, buraco, és cabal luto.

A terra cava de naco em naco
O menino que brinca angelical
E, ingênuo, conclui filosofal:
Jamais pode existir meio buraco!

Oráculo o buraco é do mistério,
Do insondável, da coisa indefinida:
Um buraco nos deu o dom da vida!

E nos espera lá no cemitério
à espreita, na tocaia escondida,
O Buraco, ironia sem medida.

RÉPLICA A CAMÕES

Alma minha gentil, qual hei deixado,
quiçá mesmo em favor da Humanidade
que hora ganha a lusa celebridade
das armas e barões assinalados;

se cá pr'onde  subi contrariada
memória da outra vida se consente
nunca me esquecerei do ódio ardente
às rimas pelas quais fui eu trocada.

E se vires que pode merecer-te
algu'a migalha de ira — que sobrou —
cuida que obrando estou por socorrer-te

rogando ao que meus anos encurtou
que tão cedo Amor venha a abater-te
quão cedo em meu soçobro soçobrou.

SONETO DE NASALIDADE

De tudo ao meu nariz serei atento;
e tanto e pouco e no jamais e antes,
que mesmo em face de dois elefantes
m'nha tromba cause mais alumbramento.

Por ele hei de viver sempre asmático
de assoar minha alma, e escarrar sua escória;
enamorado e não menos pneumático...
da sublime função respiratória.

E assim, quando mais tarde me procure
quiçá o vexame, angústia de quem vive,
quiçá a rinite, conforme Deus mande;

possa eu me dizer do nariz (que tive):
que não seja imoral, inda que grande,
mas que seja aquilino, e não pendure.

_____________________________________________________
Marcos Satoru Kawanami nasceu na cidade de São Paulo, em 1975, e passou quase toda a infância e adolescência na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Cenecista Capitão Lemos Cunha.

Aos 18 anos, ingressou no curso de Astronomia da UFRJ; no segundo período, foi cursar Engenharia de Minas e permaneceu por um ano em Ouro Preto, de onde voltou para prosseguir na UFRJ até o 6º período de Astronomia. Então, trancou a matrícula. Simultaneamente, trabalhou na Fundação Oswaldo Cruz. Em 2002, concluiu o curso de Letras da UNIFEV, em Votuporanga; e, em 2003, efetivou-se como professor  nas disciplinas de Português e Inglês.

Vinicius de Moraes (H2O)


Sete horas da manhã. Campainha na porta.

- Dez minutos de água, pessoal!

É a voz do seu Abel, o porteiro do meu edifício.

Água quer dizer banho. Há dois dias este corpinho só vê fricções de água-de-colônia. A ablução é um tanto ou quanto matinal demais, mas não há remédio: o homem é um escravo do quarto elemento, de que é ele próprio o composto químico: H-O-N-C. Os dois primeiros em combinação, dão água: H20. É ela!

A correria é infernal, enche-se desde o tanque de lavar roupa até os copos da casa. A lavação da louça suja é feita a toda, como para ganhar um campeonato. Ouvem-se profusas descargas de latrinas, torneiras escorrem ruidosamente, enchendo recipientes dos quais a banheira é o mais capaz. A barba é feita em dois minutos, havendo eu, muito de indústria, deixado pincel e aparelho adrede preparados. Depois vem o banho, às carreiras. Mas a verdade é que o tempo útil voa impressentido. Depois de bem ensaboado, o chuveiro começa a minguar assustadoramente, acabando por estar com um sinistro gorgolejo.

O nome feio anda pela casa, atravessa paredes, vai encontrar eco em outros apartamentos, desdobra-se até longínquos bairros, toma a cidade inteira. De repente todo mundo põe-se a berra-lo em uníssono. Ele é a expressão viva da realidade carioca. Aliás, um grande general de Napoleão já o usara em circunstâncias talvez não tão dramáticas, mas com vigor. Um homem ensaboado não se pode dizer que valha por dois, porque é o ser mais infeliz e ridículo da criação. Tem de se haver com o sistema da cuia. Seu corpo esfria, ele fica com um ar de pintainho molhado. É absolutamente lamentável.

Ontem à noite, o café foi feito com água mineral. Ficou com um gosto meio velhaco, mas não há de ser nada. É de esperar, contudo, que o recurso não se tenha de estender ao próprio banho, porque com a mineral a Cr$ 180, e sendo necessários uns cem litros para encher uma banheira, sai cada banho a 18 contos - o que torna a prática proibitiva para a classe média, ficando acessível apenas a uns poucos homens ricos e bem nutridos, que aliás devem ficar umas gracinhas dentro de um banho de água mineral, agitando os braços gordos e soltando milhões de borbulhas....

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor.

Trova 352 - Dorothy Jansson Moretti


segunda-feira, 20 de maio de 2019

Trova 351 - Odenir Follador


Carolina Ramos (O Amigo Discreto)


Celibatário por opção, Alfredo admirava e exaltava, a mais não poder, os amigos Lígia e Laércio, pela fidelidade sincera que deixavam transparecer no relacionamento conjugal.

Ele, Alfredo, optara pelo celibato. Nada de traumas ou pressões anteriores. Questão de foro íntimo. Melhor, só, do que ter de enfrentar a possibilidade de trair, ou de ser traído. Os tempos modernos, ou melhor dizendo, modernosos, de costumes desabridos e tendências liberais, ofereciam exemplos às dúzias. Se um dia viesse a casar, seria para valer. Nada de casa e descasa. Nada de filial por debaixo do pano. O "até que a morte nos separe", era o lema que tinha em mente. Na dúvida, preferia permanecer solteiro. Solteirão!

Lígia e Laércio eram caso ímpar. Par indestrutível! Quatro filhos. Quatro sólidas pilastras sustentando as bases seguras do edifício familiar. Construção perfeita! Sem deslizes, nem rachaduras.

Chovia naquela tarde em que, Alfredo, dolorosamente surpreendido, tremeu nas bases ao ver passar o amigo Laércio, aconchegando sob o mesmo guarda-chuva, os encantos loiríssimos daquela cujos ombros enlaçava carinhosamente. Uma loira espetacular!

Alfredo sentiu o estômago engulhado. Não podia ser... Laércio, logo Laércio!

Chocado, seguiu o par a distância. Não pretendia provocar o flagrante, vexatório, profundamente constrangedor, para qualquer das partes. Enxugou a testa coberta de suor frio. Compreendeu que nunca mais poderia encarar o amigo infiel, sem recriminá-lo interiormente. Sentia-se também traído. E quanto a Lígia, então?! Como enfrentar seu olhar cândido e meigo de esposa perfeita, vergonhosamente ludibriada pelo marido?!

Marido! Lá ia o descarado, sem o menor escrúpulo, a exibir a companheira, como quem exibe um troféu recentemente conquistado! Cachorro!

A raiva inflou as veias de Alfredo quando viu o casal sumir no carro de Laércio, estacionado adiante. Raiva pelo erro de julgamento. Laércio não era o que julgara ser. Não merecia sua amizade. Não o desmascarara, para poupar Lígia, que crescia no seu conceito.

Nessa mesma tarde, ao chegar em casa, abraçada pelo marido, Lígia sacudiu as roupas molhadas, olhando-se no espelho. Era bom demais sentir-se jovem, outra vez! Nova em folha! Que milagres faziam a dieta balanceada, o narizinho moldado pelo bisturi de um mestre e os reflexos dourados cobrindo a antiga cabeleira castanha. Era uma nova mulher. Uma loira espetacular!

Alguns anos depois, Lígia e Laércio questionavam, ainda, o inexplicável afastamento do amigo.

— E o Alfredo, hein? Que coisa estranha. Sumiu mesmo!

Laércio encerrou definitivamente a questão;

— Na certa, já chegou a esperada transferência. Foi para Curitiba e nem sequer se despediu! Cachorro! Em nossos dias, a gente não pode confiar nem no melhor amigo!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XII


LÁGRIMA

Orvalho do sofrer - dentro do peito nasce
e nos olhos em pranto sem querer floresce;
aumenta a pouco e pouco, e cada vez mais cresce...
- e rola finalmente em gotas pela face...

sublime florescer da dor... se ela falasse
diria para o mundo a mais sentida prece,
no entanto, em seu silencio humilde é que enternece
pois guarda na mudez um triste desenlace...

Repentina, ela brota, assim como se fosse
( de um mar que em nosso peito as ondas estrugisse)
uma gota que o vento, aos nossos olhos, trouxe...

Nuns olhos de mulher, porém, ainda não disse:
- é a pérola de um mar completamente doce,
de um mar feito de amor... de sonho e de meiguice!

LEMBRANÇA

Bom tempo o que ficou - amei-te na alegria
de uma tarde azulada e linda de setembro,
- disso tudo, hoje, triste, eu muita vez me lembro
enquanto uma saudade o peito meu crucia...

Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,
eras o meu sonhar de janeiro a dezembro...
Depois... Tu me deixaste, e ainda hoje se relembro,
amargo a mesma dor cruel daquele dia. . .

Agora, em solidão - sou um corpo sem alma -,
e indiferente a tudo vou chegando ao fim
como a tarde que cai bem suavemente em calma.

Já não sinto... não sofro... já nem vivo até.
- Se a vida ainda era vida ao ter-te junto a mim,
hoje, longe de ti, nem vida ao menos é!

LEVANTE!...

Apenas entre os lábios de uma aurora
sanguínea, o sol desponta num sorriso,
eu saio para o engenho, que diviso,
lá longe, no horizonte, estrada afora...

Os campos orvalhados - toda a flora
verdejante, é um espelho de improviso
dos céus, onde algum astro ainda indeciso
- não sabe se ficar ou se ir embora...

à beira dos caminhos, vez em quando,
passam lentos, os carros carregados,
que dois bois sonolentos vão puxando...

E a vida vai nascendo entre os currais...
- Os galos cacarejam nos cercados,
no espaço, ouve-se o canto dos pardais!...

LIRISMO...

Eu quero ser o poeta da ternura
o poeta dos carinhos, da meiguice,
das palavras de amor e de doçura
que ainda ninguém pensou... e ninguém disse...

O poeta dos "castelos" e dos beijos
quando vivemos longamente, a sós,
- que põe vultos de sonhos nos desejos
e que põe abajures na própria voz. . .

Eu quero ser o poeta que te enleia
e te encanta, e te embriaga, e te seduz,
- que no teu corpo branco como a areia
compõe versos de amor feitos de luz.

O poeta que em teus olhos, num momento
acende estranhos mundos e visões,
e que adivinha o teu deslumbramento
deslumbrado com as próprias emoções...

Eu quero ser o poeta dos anseios,    s
dessa minha alma, irrefletida e louca,
- e desvendando o encanto dos teus seios
murmurar versos para a tua boca!

Quero ser esse poeta que tu queres
e os meus versos, assim como um perfume,
hão de embriagar a alma das mulheres
para o teu sofrimento. . . e o teu ciúme. . .

Eu quero ser o poeta da ternura  
que espalha poemas e a sonhar caminha,
e que encontra afinal toda a ventura
nessa ventura de sentir-te minha!

O poeta que põe alma nos sentidos
e as belezas incógnitas desvenda,
- que murmura canções aos teus ouvidos
e fala sobre o amor num tom de lenda....      
      
O poeta a quem tua alma se prendeu,
esse que chamas louco e sonhador,      
para imortalizar teu nome e o meu
na imortalização do nosso amor!



Má que tu foste - me negaste aquela
última dança que eu pedi, no entanto
eu lá fiquei pelo salão a um canto
debruçado sozinho na janela...

E magoado, a te olhar, vi-te tão bela
nos braços de outro - que chorei, e o pranto
secava em minhas faces por encanto
como se fossem lágrimas de vela...

De que serve chorar - pensei - de nada
vale mostrar aquela que adoramos
a dor que temos na alma sepultada...

E me pus a dançar... Brinquei... Sorri...
E os dois sorrimos... nós dois brincamos...
Mas tu sofreste!... E eu - quanto sofri!...

MALDADE

Tu podes ser igual a todo o mundo
teres defeitos mais que toda a gente,
- que importa ? se este amor cego e profundo
teima em dizer que te acha diferente !

Para mim (eu que te amo como um louco)
os que falam de ti são línguas más,
- ah ! todo o amor que te dedico é pouco
e é sempre pouco o amor que tu me dás !

Sou a sombra que segue os teus desejos
e aos teus pés, numa oferta extraordinária
a minha alma vendeu-se por teus beijos...

Falam de ti... Escuto-os... Fico mudo...
Quanta maldade cruel, desnecessária
se eu já sei quem tu és... se eu sei de tudo !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Alberto Braga (A Sesta do Avô)


Há quatro dias, vejo todas as tardes, quando chego à janela, o meu vizinho a passear em frente da casa, amparado ao braço da netinha.

O avô é já muito velho, muito velho, com a face coberta de rugas, os olhos pequenos, as mãos encarquilhadas, as pernas trêmulas, e a dobrarem-se nos joelhos. E a neta, que se chama Izaura, e é linda como os amores, tem doze anos, os cabelos loiros, como fios de ouro, e os olhos muito azuis, como duas safiras.

Ele chama-se Macário; mas eu, quando lhe falo, dou à minha voz um tom marcial e digo-lhe alto ao ouvido:

- Como vai o nosso bravo capitão? Como passa o meu valente capitão?

E então, na vizinhança é mais conhecido pelo capitão "Feroz", que foi a alcunha que lhe ficou, por ter sido um militar valente e corajoso como poucos!

Quando os franceses vieram a Portugal... - Ai! - disse-me ele um dia, referindo-me as façanhas da guerra - quem me caçara naquele tempo! Eu tinha então dezoito anos, umas pernas rijas, o olho fino!... Olhe, só de uma vez me falhou a pontaria. Eu lhe conto. No convento de Santa Clara, de Thomar, estava recolhida uma menina, de quem eu gostava muito e com a qual depois casei. Um oficial francês, passando-lhe debaixo da grade, disse-lhe um galanteio, e piscou-lhe o olho direito. Ora eu, que estava ao longe a observar tudo, disse comigo: espera, que já te arranjo. E meti a espingarda à cara, fiz pontaria para o olho direito do francês, e...

-- E?

-- E, truz! Meti-lhe a bala no olho esquerdo! Errei dessa vez!

E ainda lhe fulguravam os olhos e o rosto se lhe iluminava, quando contava destas coisas.

Depois prosseguiu:

- Ao final, chegou-me a vez de ser vencido! Eu, que nunca tremi na guerra, a primeira vez que falei à minha santa, que Deus tenha, dei em tremer como varas verdes! Mas aquilo sim! Era formosa duma vez! O senhor vê a minha filha! É a cara da mãe.

O capitão não se enganava. A filha era realmente formosa; mas duma formosura, que é menos dos contornos do rosto, do que da graça interior da alma.

Havia um ano que era viúva de um industrial trabalhador, honesto e inteligente. Ficara a viver na companhia do pai e com dois filhos: - a Izaura, e o mais pequenino, o Abel, que tinha pouco mais de um ano e uma cabecinha loira de querubim.

Que santa vida a daquela família obscura!

A viúva repartia pelos três todo o generoso afeto do seu coração; e, até, como o pai era tão velhinho, quase que já carecia dos cuidados de uma criança. Que os bons velhos, coitadinhos, são fáceis de contentar! Basta-lhes uma réstia de sol, uns carinhos de filha e umas histórias da neta!

Quando perguntei ao Macário, porque passeava depois do jantar, respondeu-me:

--O sono é bom para a noite. Quando durmo depois de jantar, tenho sonhos maus.

E, beijando a cabeça de Izaura, acrescentou:

- Quero antes passear com a minha neta, que me conta histórias muito lindas.

E continuaram os dois, o velho pelo braço de Izaura, arrastando vagarosamente os pés nas lages do passeio.
*       *       *       *       *

Depois do jantar, o velho arrastava-se até à poltrona, que tinha ao canto da janela; e, bem refastelado, com os pés estendidos, as mãos cruzadas sobre o ventre e a cabeça encostada no espaldar, dormia patriarcalmente a boa sonata da sesta.

De uma vez, era em julho, e, às duas horas da tarde, fazia um calor insuportável. Até parece que a natureza também dormia a sesta! Lá fora, no quinteiro, as folhas das arvores pendiam desfalecidas. Ouvia-se o murmúrio monótono da bica d'água a cair, como uma lágrima, sobre uma pia de pedra, debaixo de uma latada. As portas das janelas estavam entreabertas para deixar entrar na sala um raio de sol, que se estendia aos pés do velhinho, como uma esteira de luz.

No outro canto da sala, a filha do capitão, sentada numa cadeirinha de pau, pospontava uma camisa de criança, mas tão pequenina, que parecia uma camisa de boneca! Ouviam-se até uns pequenos estalidos secos da agulha, atravessando a goma do morim (pano branco e fino de algodão) novo e em folha. O Abel!... Era um regalo vê-lo sentado no chão, em camisa, com as pernas roliças á mostra, um ventre redondinho de abade feliz, e os pezinhos cor de rosa!

Aos pés do avô, na réstia do sol, tremia a sombra dumas folhas do plátano do jardim. A criança engatinhou para lá. Como uma pequenina fera, atirando-se de golpe sobre a presa, o Abel lançou-se rapidamente sobre a sombra tremula das folhas - mas, que ludibrio! - ficou triste, espantado, com os olhos muito abertos, a contemplar a palma da mão vazia!

Ao lado estavam os grandes pés do avô, metidos nos dois grandes chinelos de tapete. Oh! eram duas colinas! E as pernas? As pernas pareciam dois enormes castelos roqueiros.

No espírito belicoso da criança surgiu a ideia terrível de os assaltar. Fincou as mãozinhas nos chinelos do avô, levantou-se valentemente nos pés, e upa! upa! arriba!

Nessa ocasião o velho sonhava:

Tinha remoçado cinquenta anos! Os franceses invadiam Portugal! Quando ele estava na tenda de campanha, a dormir no dia seguinte ao de uma batalha, viu entrar inesperadamente o exército de Bonaparte. As paredes de lona da tenda iam recuando, recuando, para dar entrada às hostes imensas do inimigo. Os esquadrões insofridos da cavalaria corriam sobre ele. Em volta da tenda levantou-se rapidamente - como nas mágicas do teatro! - uma bateria, com as bocas dos canhões apontadas para o leito. Os piquetes de infantaria corriam a marche-marche, de baionetas caladas, para o surpreenderem no sono. Ao fundo, no viso de um outeiro, Bonaparte, o terrível Bonaparte, com as suas botas de escudeiro e o seu chapéu de bicos posto de través, como o chapéu de um estudante de Salamanca, assestava sobre ele o óculo de alcance, sorrindo
alegremente da vitória!

O capitão Macário via tudo aquilo, ouvia o estrépito dos cavalos, o tropel da infantaria, as gargalhadas de Bonaparte, e sentia-se preso ao leito, impotente, inerme, ansiado, sem poder gritar!... Façam ideia!

De repente, todo aquele exército enorme se transformou num gigante, que lhe prendeu brutalmente as pernas com dois grilhões de ferro!

O capitão esforçou-se ainda por se levantar; mas conseguiu, apenas, depois de muito custo, soltar este brado aflitivo, com uma voz convulsa:

- Às armas!

E despertou, ouvindo as gargalhadas de... Bonaparte!

O velho abriu desmesuradamente os olhos, volveu-os espantado em torno de si; e, quando um instante depois, se sentiu completamente acordado, deu com o netinho, que lhe puxava pelas pernas, para lhe subir ao colo!

A criancinha estava com os olhos levantados para o avô, a sorrir, muito alegre, porque julgou que tinha sido para ela, como brincadeira, aquele grito sufocado - "Às armas"!

Fonte:
Alberto Braga. Contos d'Aldeia. Porto/Portugal: Cia. Portugueza Ed.,  1916.