terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Varal de Trovas n. 169


A. A. de Assis (O Avião, o Jipe e a Mulher)


Eram meados dos anos 1960. Numa conversa com o agrônomo Aníbal Bianchini da Rocha, ele me disse algo de que nunca mais me esqueci: que três contribuições foram fundamentais na colonização do norte e noroeste do Paraná – a do avião, a do jipe e a da mulher.

No começo, aqui não havia estradas. O avião, cavalo voante do desbravador moderno, pousava em qualquer clareira da mata, despejando gente arrojada em cima da terra que ansiava por parir fartura. Contavam-se proezas incríveis daqueles ginetes do ar, que perturbavam o sono das onças com o ronco festeiro dos seus teco-tecos.

Abertos os primeiros caminhos, o jipe acompanhou o avião no mergulho do homem floresta a dentro. Trotando nos picadões, rosnava qual fera de aço, pulando buracos, amassando espinhos, esmagando cobras, empurrando tocos, desafiando o que surgisse à frente.

Os caminhos viraram arremedos de estradas. E o jipe ainda nelas seguia atravessando túneis de poeira vermelha em épocas de sol, engatando reduzida e calçando correntes em dias de chuva, subindo e descendo aqueles morros escorreguentos que nem quiabo. O avião no céu, o jipe no chão, transportando o agito para o sertão selvagem. O homem invadindo a mata, guloso de plantar para enricar ligeiro.

Mas o homem não teria vencido como venceu, mesmo com os seus aviões malucos e os seus jipes desassombrados, se a seu lado não estivesse a mulher. Só Deus sabe o que enfrentaram aqui aquelas heroicas senhoras, naqueles tempos de total desassistência e desconforto.

Sair de sei lá onde, com as crianças e as panelas nas costas, para viver num lugar sem nenhum recurso, convenhamos que foi coragem das grandes. Os maridos plantando roças e elas em casa criando filhos, cozinhando inhame, lavando roupas que o pó e o barro transformavam numa espécie de encerado. E mais: rezando pra Deus ajudar, que só Deus podia ajudar na completa desproteção daquele fim de mundo.

Olhem que se eu fosse prefeito mandaria erguer um monumento para elas. Outro para o teco-teco. Outro para o jipe. Mandaria mesmo.

Fonte:
A. A. de Assis. Vida, Verso e Prosa.
Livro entregue pelo autor.

Horácio Portella (Versos Diversos)


A CIGARRA E O POETA

(Homenagem ao saudoso mestre e padrinho Olegário Mariano)

Quando a cigarra canta o espírito delira;
e desse canto alegre as notas musicais
criam na mente a forma excelsa de uma lira
em que o poeta canta os sonhos eternais.

O Vate empunha a lira e canta os ideais
que vêm do coração e os leva à etérea pira
eternizando ali, em versos magistrais,
o sonho bom pra ver se a mágoa se retira.

O singular refúgio, onde o poeta canta,
é o paço sideral, perene, é o universo..,
E o canto, mansamente, explode na garganta,

Seu canto é oração - simbólico rosário...
E cada conta dele é delicado verso,
onde reza a cigarra amiga de Olegário.
* * * * * * * * * * * * * *

 A MARCHA DO TEMPO

Sem pressa as horas passam uma a uma,
escorrem para o túnel do passado,
- não se consegue segurar nenhuma -
pois cada qual já deu o seu recado.

Para a memória humana resta a bruma
que pode dar prazer ou desagrado.
Querendo nós ou não assim se esfuma
a vibração do tempo - este é seu fado.

Essa rotina segue sem descanso,
no transcorrer sutil da eternidade,
num caminhar tranquilamente manso.

Assim também os versos do soneto
vão no papel deixando a novidade
envelhecer no último terceto.
* * * * * * * * * * * * * *

A MORTE DO SOL

Rondando o velho Sol pela amplidão do céu,
já moribundo cai, cansado, no horizonte,
enquanto a Noite vem trazendo o negro véu
que à Terra toda envolve, à espera que desponte

a Lua a comandar o imenso povaréu
de Estrelas, para o adeus ao Astro-Rei, insonte,
em silente cortejo até seu mausoléu,
localizado além dos píncaros do monte.

São lágrimas da Noite o orvalho, o desencanto,
enquanto a Lua espelha a sideral tristeza
na intensa palidez de seu argênteo manto.

Mas Deus, que é Luz e Amor e tudo fez do nada,
com Sua Mão gentil tocando a Natureza,
o Sol ressuscitou nos braços da Alvorada.
* * * * * * * * * * * * * *

LUZ DO ALÉM

Inspiração nascida à luz de vela,
que mansamente jorra no papel,
é delicada, meiga, assaz singela,
porém precisa praticar rapel.

Quando a energia foge da procela
galopa o Vate em seu sutil corcel
buscando a gema preciosa e bela,
a gema rara do divino anel.

Cada mensagem que de Deus provém
virá trazer aos corações humanos
a luz que brilha muito além do Além.

Assim, portanto, nasce cada verso,
sagrado, santo, aos olhos dos profanos
provindo do Arquiteto do Universo.
* * * * * * * * * * * * * *

TROVAS

Em métrica setimal
e quatro versos somente
a trova é gentil fanal
que ilumina nossa mente,

Eu creio que não mereço
o valor pago na cruz.
Caro demais foi o preço:
Vida, Sangue, Amor e Luz.

O Saci perdeu a graça
e agora só faz careta
quando diante de nós passa
mas não quer usar muleta.

Quem mantém um passarinho
na gaiola em cativeiro
diz por ele ter carinho
mas é cruel carcereiro.

Trovando com luz de vela,
com certeza, o que acontece:
a trova fica mais bela
pois ganha uns ares de prece.

Fonte:
Lilia Souza (org.). Coletânea: Academia Paranaense de Poesia. Curitiba: APP, 2012.

Contos e Lendas do Mundo (Finlândia: Lippo e Tapio)

Lippo, caçador exímio, foi um dia, com dois amigos, à caça à rena. Percorreram o bosque de manhã à noite e, quando escureceu, procuraram abrigo contra as trevas e o frio numa cabana de troncos. Pernoitaram aí e, ao amanhecer, os três homens voltaram a pôr os esquis. Antes de abandonarem a cabana, Lippo tocou um esqui com o outro e disse:

— Que o dia de hoje me proporcione uma boa presa: uma parte para um esqui, outra para o outro e uma terceira para o meu bastão.

Mal tinham começado a andar, quando se lhes depararam as pegadas de três renas. Seguiram-nas e não tardaram a avistá-las: duas juntas e a terceira um pouco afastada. Lippo disse então aos amigos:

— Podem perseguir as duas. Serão as vossas presas. Eu fico com a que está só.

Proferidas estas palavras, deslizou na neve durante todo o dia, até que a noite o surpreendeu, mas não pôde alcançar a rena, apesar de ser um esquiador muito rápido.

Chegou então a uma fazenda e a rena refugiou-se no estábulo, sempre com Lippo no seu encalço. No pátio, encontrava-se o proprietário, um venerável ancião de cabelo e barba brancos.

— Que é lá isso! — exclamou. — Quem é o filho de um sapo que persegue a minha reprodutora fazendo-a suar?

Lippo aproximou-se, saudou-o respeitosamente e replicou:

— Sou eu, mas como não a consegui capturar, vim parar a esta fazenda.

O ancião, que era o próprio Tapio, dono do bosque em volta, declarou:

— Bem, se perseguiste a minha reprodutora até ao por-do-sol, podes passar a noite nos meus aposentos.

Lippo entrou na casa e ficou maravilhado quando olhou em redor: havia renas, veados, ursos, raposas, lobos e todos os animais selvagens possíveis de imaginar. A seguir, Tapio convidou-o para jantar e serviu-o excelentemente.

Na manhã seguinte, Lippo quis prosseguir viagem, mas não conseguiu encontrar os esquis. Quando perguntou por eles ao dono da casa, este redarguiu:

— Não queres ficar em minha casa e ser meu genro? Tenho uma filha única.

Mas Lippo respondeu:

— Ficaria com o maior prazer, mas sou um homem pobre.

— Isso é comigo! A pobreza não é nenhum defeito. Na nossa casa, terás tudo o que desejares.

E assim, o ancião entregou a filha ao visitante, e o ágil esquiador e caçador ficou como genro na cabana do bosque de Tapio.

Quando haviam passado três anos desde a sua chegada, a filha de Tapio deu-lhe um filho. Lippo quis então visitar a pátria, pelo que pediu ao sogro que o conduzisse lá. No entanto, este último disse:

— Se fizeres uns esquis do meu agrado, autorizar-te-ei a partir.

Lippo dirigiu-se prontamente ao bosque e começou a trabalhar nos esquis. Um pássaro que estava empoleirado no ramo de uma árvore cantarolou:

Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.


Lippo atirou-lhe uma lasca de madeira, ao mesmo tempo que observava:

— Que estás aí a cantar, animalzinho pateta?

Terminados os esquis, adornou-os o melhor que sabia e foi mostrá-los a Tapio. Este experimentou-os e apressou-se a afirmar:

— Estes esquis não são para mim.

No dia seguinte, Lippo teve de se dirigir de novo ao bosque para recomeçar a trabalhar. O pássaro, que se achava igualmente presente, cantou:

Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.


— Estás outra vez com as tuas fantasias? — exclamou ele, furioso, atirando-lhe um pedaço de madeira.

Não fazia a menor intenção de seguir o conselho do pássaro, pelo que cortou os esquis segundo o método usual e foi mostrá-los a Tapio.

— Estes esquis não são para mim — voltou o sogro a dizer.

Quando Lippo, no terceiro dia, chegou mais uma vez ao bosque, deparou-se novamente o pássaro, com a sua cantilena:

Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.


Ele refletiu então: "Está bem, procederei como dizes. Não terás cantado em vão." Pegou num ramo bem nodoso, fixou-o à ranhura estreita da parte inferior do esqui e atou a correia à extremidade da frente, após o que foi mostrar o resultado a Lippo.

— Estes, sim, são meus! — exclamou o sogro, quando os experimentou. — Agora, podes ir à tua pátria.

E acompanhou-o, dizendo:

— Irei à frente e vocês seguirão as minhas pegadas. Onde encontrarem a marca da ponta do meu bastão, deverão pernoitar. Mas constrói a tua cabana com ramos de abeto e paredes espessas, para que não entre a luz das estrelas.

Com estas palavras, Tapio empreendeu o caminho. As ramagens que tinha na parte inferior dos esquis iam produzindo marcas bem nítidas, pelo que Lippo o podia seguir, com a mulher e o filho. Quando começava a anoitecer, viram o sinal do bastão e, junto dele, um veado assado para o jantar. Construíram uma cabana de paredes espessas com folhagem de abeto, cobriram-na com um teto muito firme e colocaram dentro o pequeno trenó com a criança, após o que se deitaram para descansar.

Na manhã seguinte, prosseguiram viagem, levando um pedaço do veado assado para o caminho.

Ao anoitecer, voltaram a encontrar a marca do bastão e uma rena assada ao lado. Tornaram a construir uma cabana de paredes muito espessas com folhagem de abeto e colocaram dentro o trenó com a criança. Depois de repousarem toda a noite, reataram a marcha, até que, ao anoitecer, encontraram a terceira marca do bastão. Desta vez, havia um galo-selvagem assado para o jantar.

— A pátria não pode estar muito longe, se só nos oferecem um galo-selvagem — exclamou Lippo.

Construíram uma cabana assaz diáfana, colocaram dentro o trenó com a criança e depois deitaram-se. Durante a noite, as nuvens dissiparam-se e a luz das estrelas incidiu neles através do teto pouco espesso.

Quando acordou de manhã, Lippo não conseguiu encontrar a esposa em parte alguma. Saiu da cabana e esquadrinhou as cercanias, mas não havia o menor vestígio dos esquis de Tapio, e ficou sem saber que rumo deveria tomar, dada a ausência de qualquer rasto. Sentou-se à porta da cabana com o filho, imerso em cogitações. De súbito, passou perto um veado aos berros. À parte isto, não viu nada ao longo de todo o dia e, quando anoiteceu, reconheceu que não lhe restava qualquer alternativa senão pernoitar ali. No dia seguinte, tornou a haver um galo-selvagem diante da porta e o veado voltou a passar aos berros.

Lippo permaneceu muitos anos com o filho na cabana de ramagens de abeto. Todas as manhãs havia um galo-selvagem assado diante da entrada, e o veado aos berros também nunca faltava. A criança cresceu e converteu-se num mancebo inteligente e sensato. Pediu ao pai que confeccionasse um tubo longo para poderem ver se a pátria estava longe. Nos momentos de ócio, Lippo assim fez e, quando terminou, ofereceu-o ao filho. Este utilizou-o imediatamente e exclamou:

— A pátria não é nada longe! Estamos muito perto da nossa terra!

E, com efeito, quando empreenderam viagem, não tardaram a chegar. O jovem veio a tornar-se o patriarca dos lapões. E, com isto, o conto chegou ao fim.

Fonte:
Contos Tradicionais da Finlândia

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Varal de Trovas n. 168


Vinicius de Moraes (A letra A: Palavra por Palavra) Abajur


Abajur: Foi, talvez a primeira palavra francesa de que tive conhecimento, e ela me traz recordações tão lindas da Ilha do Governador que, ainda agora, a escrever estas memórias, tenho os olhos rasos d'água.

Nossa casa, com duas janelas de frente, ficava à beira-mar, em Cocotá, a meio quilômetro da grande amendoeira onde o bondinho da ilha rangia na curva, em demanda de Freguesia. Eu tinha por aí uns nove anos, e era a coisa mais pulante, grimpante e nadante que já existiu. Nunca menino algum aceitou menos as vias normais de acesso. Sempre em carreira, desviava compulsivamente minha velocidade para as sebes, que varava, os muros, que escalava, e os fossos, que transpunha. Vivia aos saltos, de baixo para cima, de cima para baixo. Bastava ver um acidente qualquer de terreno, uma cerca, uma catraia a seco, um valado, e eu, dando tudo, precipitava-me a mil e - zumpt! - saltava-os feito um doido dançarino. Era como um Nijinski infante a dar entrechats cada vez mais altos e elásticos, numa ânsia de alcançar não sei o quê, quem sabe o infinito, quem sabe Deus...

E caía exato

Como cai um gato.

…para recomeçar uma correria nova, fosse para a casa de Mário e Quincas, meus amiguinhos pobres, fosse para o pontão das barcas da Cantareira, de onde Augusto mergulhava.

Augusto era o meu deus. Irmão mais velho de Mário, Quincas e Marina, minha namoradinha secreta, Augusto representava para mim o herói total configurado no mergulhador. Eu admirava, da ponte de Cocotá, a agilidade com que ele, numa escalada de macaco, subia as estacas mais altas, de onde dava os saltos de anjo mais lindos, penetrando o mar como uma faca em ponta, sem qualquer espadana, e com um marulho apenas perceptível. E eu ficava sempre numa aflição, de não vê-lo nunca mais voltar à tona. Augusto demorava dois minutos folgados a vasculhar o fundo, do qual trazia sempre qualquer coisa de belo ou de útil: caranguejo, ferro-velho, estrela-do-mar, ou o que fosse, que me atirava de baixo, em saltos que lhe faziam soerguer meio corpo da superfície, como um golfinho brincalhão. Nós andávamos os quatro sempre de súcia, e a mim me espantava a naturalidade em que seus irmãos o tinham, sem nenhuma mostra de admiração. Foi ele que me ensinou a mergulhar e mover-me no fundo do mar, rente ao lodo; e mais tarde a pescar a dinamite: uma barbaridade que, na época, eu achava o máximo. Augusto colocava-se à proa do barco, nós nos agachávamos na popa como podíamos, ele acendia o pavio, esperava um momento, soprando-o forte, e, de repente, no segundo antes, lançava a banana de dinamite ao mar. A explosão, gorda e cava, levantava, ato contínuo, um cogumelo espumarento, e logo os peixes mortos começavam a subir. Mas os que nos interessavam eram os que ficavam atordoados, atrás dos quais mergulhávamos rápido. Levávamos, para essas ocasiões, pequenos sacos, e, uma vez cheios, metíamos o peixe dentro da camisa da roupa de banho - como se usava na época - e voltávamos semi-asfixiados à tona. Nunca mais pude esquecer o contato frio e viscoso dos peixes contra a minha pele.
                                                *

À tarde, na sala de visitas, como então se dizia, onde tudo o que havia de luxo era o belo jarrão chinês, trazido por meu bisavô de uma de suas andanças, minha mãe sentava-se ao piano e ficava tocando horas perdidas.

Nós ficávamos, minha irmã mais velha e eu, sentados no chão, geralmente a armar colagens ou a folhear o Tico-Tico, o Eu sei tudo e o Tesouro da juventude, nossa primeira leitura infantil. Os sons vinham, encantatórios, mergulhar ainda mais nossas vidas naquele clima doméstico, como se nós fôssemos a única família do mundo. E a verdade é que éramos a única família do mundo, unidos pelos mesmos horários e pelos mesmos desígnios de poupança, pois meu pai, por uns maus negócios que fizera, andava mal de vida.

Minha mãe, ainda tão moça, aflorava as teclas, o olhar perdido longe. Ela tinha sido aluna de francês de meu pai, na velha chácara da Gávea, e se casara aos 15 anos com esse homem bem mais velho, que se apaixonara perdidamente por ela, e que, bom poeta, vivia a lhe fazer sonetos, odes, rimancetes, baladas, elegias - tudo enfim que constitui e consolida a arte de fazer versos.

Eu a achava linda, toda rechonchuda, os longos cabelos soltos e os olhos de um azul tão vivo que, às vezes, parecia perturbar-lhe a visão, como se ela estivesse enxergando mais do que devia. Posso ouvir ainda os primeiros tangos que ela tocava, dos quais "La cumparsita" era o mais vibrante e "Caminito" o mais terno...

E de repente foi o fox-trot. Que alucinação! Meu pai chegava com novas partituras, que minha mãe tirava laboriosamente ao piano:

Hindustão
Paraíso das mulheres divinais
Ó Hindustão
Quem te ama não te esquece nunca mais...

Eram os primeiros doces tentáculos do polvo tateando à toa num mundo despreocupado e sem malícia. Nós não sabíamos de nada ainda. Sabíamos que éramos uma família que morava numa ilha pertencente à capital de um país que não sabíamos tampouco subdesenvolvido. Sabíamos vagamente que houvera uma guerra mundial e um terremoto no Japão. E súbito, aquele ritmo diferente e cheio de langor, a insinuar conivências pecaminosas na penumbra...

Abajur
Com tua branda luz de cor bleu
Tu, só tu
Tu me inspiras não sei por quê...

Minha irmã e eu dançávamos, dois passos para lá, e dois para cá, como mandava o figurino. E os sons me envolviam dessa tristeza que nunca mais me abandonou, que tem a ver com alguma coisa sempre buscada e nunca totalmente possuída: não sei se o amor, não sei se a vida, não sei se a paz. Saudade, certo, que me fez poeta e compositor, e que, apesar de todas as flores e amores que a vida me deu, só me fez crescer em melancolia e solidão.

Fonte:
Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 31/12/1969

Silmar Böhrer ( Divagações Poéticas) 5


Ninguém duvida,
o livro dá vida
à nossa vida.
* * * * * * * * * * * * * *

a vida é uma comédia
infestada de tragédias
* * * * * * * * * * * * * *

às vezes penso
no que sou
e vejo
que nem isso sou
* * * * * * * * * * * * * *

a felicidade existe
em doses homeopáticas
em gotículas
em borrifos
* * * * * * * * * * * * * *

ideias fechadas não produzem
vegetam
* * * * * * * * * * * * * *

Porque a vida,
tão grande,
é tão pequena
que se vai
num piscar de olhos.
* * * * * * * * * * * * * *

Labirintos da memória,
antigos paióis,
silos
de armazenagem
de conhecimentos.
* * * * * * * * * * * * * *

Entre uma rodada e outra
de redes que vão ao mar,
cá estou eu a divagar,
há vida melhor, mais douta ?
* * * * * * * * * * * * * *

Apregoo,
expertos na vida
sejamos.
Eu, aprendiz,
esperto.
* * * * * * * * * * * * * *

Vivo no tempo
a destempo
sem contratempo
* * * * * * * * * * * * * *

tudo na vida
tem seu preço
tem seu peso

Fonte:
O Autor.

Nilto Maciel (Jornal de Domingo)


Escondido atrás do jornal, o professor Luiz Vaz passava o domingo. E garimpava pedras preciosas, por puro deleite. Ou para exi­bi-las a seus alunos.

Fora-se o tempo de Virgílio, Camões, Bilac. Agora, só queria os novos poetas. Nada de vertitur interea coelum*.

Olhos enfiados no chão da folha, Vaz sonhava. Nunca o chamariam velho. Antes, o eterno jovem. O mestre da língua viva. Polêmico, moderno, brasileiríssimo.

Súbita emoção. Arregalou os olhos. Um poema de Noto de Sissa! Leu o título. Uma beleza! O primeiro verso. Um primor!

Com sofreguidão, percorreu todo o poema. Voltou ao título, ao primeiro verso. Releu tudo, cheio de entusiasmo.

***
Na sala de aula, Luiz Vaz freou sua emoção. E amarrou a rubra língua no céu da boca. Queria um comentário escrito de cada aluno ao poema que copiava no quadro-negro.

***

Riu na cara dos alunos. Não aprendiam nada. Pareciam idiotas. Especialmente a "crítica" feita por Oton.

– Uma barbaridade!

E se pôs a falar os versos de Noto de Sissa. Pequena obra-prima da poesia épica.

A maioria dos jovens abriu a boca e queda ficou. Um, porém, não concordou com a análise do mestre. E defendeu, com língua e dentes, sua opinião.

Irritado com a presunção de Oton, o professor tratou de humilhá-lo. Não passava de um aluno, um fedelho. Longe ainda se achava de atingir os primeiros degraus do saber. Enquanto ele, Luiz Vaz, já alcançara o ápice da cultura literária. Ora, exercia a crítica e a cátedra há trinta anos. Escrevia para revistas estrangeiras. Correspondia-se com pessoas do tamanho de Barthes, Foucault, Jakobson, em francês e russo.

Oton de Assis nada mais falou. Na verdade, não podia se ombrear àquele homem.

E deixou-se anônimo entre os colegas. Seu lirismo, porém, ainda germinaria páginas tão belas como as publicadas no jornal daquele domingo.
___________________
Nota do Autor:
*Entretanto o céu gira. Virgílio, Eneida, Livro II; 250.


Fonte:
Nilto Maciel. Itinerário: contos. Fortaleza, CE: Ed. do Autor, 1974.
Livro enviado pelo autor

domingo, 19 de janeiro de 2020

Varal de Trovas n. 167


Isabel Furini (Meandros do Amor)

Fonte: Facebook

Humberto de Campos (Barba de Bode)


Foi recolhida, segunda-feira última, no Hospício Nacional, vítima de uma erva erroneamente receitada por um herbanário dos subúrbios, a encantadora senhorita Carmélia Passos, filha única e inteligentíssima da viúva Carlota Passos, proprietária nesta capital.

Eu desconhecia ainda este caso, e já aplaudia com todo o meu coração a atitude da Saúde Pública, perseguindo, punindo, combatendo com as armas da lei a praga dos curandeiros. E aplaudia-a com a lembrança, apenas, de um episódio doloroso, que me fora narrado, semanas antes, pelo meu prestimoso amigo o Sr. senador Elói de Souza.

O coronel Raimundo de Araújo, comerciante em Natal, capital do Rio Grande do Norte, havia entrado na casa dos sessenta anos quando, após quatorze de viuvez, entendeu de contrair novas núpcias com uma sólida moçoila de São Gonçalo. Pedida, porém, a rapariga, começaram as complicações, as dificuldades, os obstáculos e, com eles, o adiamento da cerimônia. Homem de idade avançada, sujeito, portanto, ao efeito das emoções violentas, o coronel, assim que ficou noivo, começou a declinar de forças, de coragem, de saúde, e de tal forma que, após um mês de noivado, parecia haver envelhecido dez anos. Aflito, impressionado, combalido, o abastado comerciante recorreu, e sempre inutilmente, a todos os médicos da cidade. E já estava quase desiludido da cura e da vida, quando um seu compadre, o capitão Ferreira, tabelião aposentado, a quem participara a sua infelicidade, lhe perguntou, interessado:

- O compadre já usou chá de barba de bode?

- Barba de bode? - indagou o outro, espantado.

- Sim. Pega-se todo o dia um punhado de barba de bode, faz-se um chá bem forte, e toma-se três vezes por dia.

E acentuou, sincero:

- É um santo remédio, compadre!

Animado com a nova esperança; o coronel Araújo mandou chamar à sua casa de negócio um caboclo de Currais Novos, o Antônio Severo, grande criador de caprinos naquela parte do sertão, e, sem lhe dizer para que era a encomenda, pediu que lhe mandasse na primeira oportunidade, e a qualquer preço, um saco com barbas de bode.

- Que quantidade, coronéo? - indagou o sertanejo.

- Uns dez quilos.

Duas semanas depois recebia o coronel Araújo a sua encomenda, entrando, de pronto, no uso da medicina receitada. À medida, porém, que tomava o chá, sentia efeitos exatamente opostos àquele que esperava: uma vontade doida de chorar, de berrar, de bodejar lamentosamente, e, sobretudo, um desejo irresistível de fugir às mulheres. No fim de um mês, a situação do enfermo era, mesmo, desesperadora: magro, nervoso, espumando pelo canto da boca, passava as noites na rua, encostando-se às paredes, às arvores, às pedras das estradas, nas proximidades do porto, do mercado e do quartel, e em estado tal de desmoralização que os amigos, penalizados com a sua infelicidade, tiveram de mandá-lo internar, com recomendações especiais do Dr. Ferreira Chaves, então governador do Estado, em uma casa de saúde de Pernambuco!

Esse desfecho de uma vida honrada e laboriosa impressionou, como era natural, o meio em que vivia o conhecido negociante. Quem, entretanto, mais pensava naquele infortúnio era o seu compadre Ferreira, autor da receita. Preocupado com o caso, e sem encontrar para ele uma explicação aceitável, ia o velho tabelião um dia pela praça do mercado quando sentiu, de repente, uma pancada no ombro. Era o Antônio Severo, de Currais Novos, que havia chegado naquele dia com uma partida de couros. A figura do sertanejo avivou-lhe, naquele momento, uma lembrança; e como esta fosse teimosa, forte, renitente, o velho Ferreira não se conteve, e indagou:

- Diga-me uma coisa, Severo: o coronel Araújo não lhe fez, quando você esteve aqui da última vez, uma encomenda de barba de bode?

- Fez, sim, senhor; e eu mandei, logo que cheguei lá.

- E você tem certeza de que era, mesmo, barba de bode?

Ante essa insistência, o matuto sorriu, cuspiu longe, por entre os dentes, e, com a sua vozinha de ingênuo e de esperto, confessou:

- Home, "seu" capitão, garantir eu não garanto. O coronéo me encomendou, é verdade, dez quilos de barba de bode. Mas porém, onde eu ia achar bode p'ra tanta barba? E como pensei que desse tudo na mesma coisa, mandei mesmo de cabra!

Lilia Souza (Poemas Avulsos)


CACOS DE VIDRO

Quando caminhas,
tua indiferença
de teus passos escorre,
como cacos de vidro
que se espalham no asfalto
por onde te seguem
meus passos cansados.
* * * * * * * * * * * * * *

DE REPENTE

No vão da noite
a luz se acende
estrela cadente
de repente
cai
cai e mente
que se esvai
a dor da saudade
e quem mais se espera
vai chegar, afinal,
de repente.
* * * * * * * * * * * * * *

FEITO FACA

No meio da noite do quarto
um raio de quarto de lua
força a vidraça
rompe a renda da cortina
feito faca
fere o silêncio
perfura o escuro.
* * * * * * * * * * * * * *

GRÃOS

Cômoda
no canto do sótão.

Gaveta aberta,
fotos, fitas.

Caixa de Pandora...
* * * * * * * * * * * * * *

MARCELA

Depois que ela descia à praia,
é que começava o dia,
e ao seu caminhar
cada flor pra ela se abria.

Matava sua sede
com algas e águas salgadas
e trocava de rendas
com as rendas brancas do mar.

O corpo, por todo o tempo,
cheirando a manjericão;
fazia amor com o Vento
em inusitada dimensão.

Dentro da concha fechada,
era uma Ostra desperta.
Ela, na ilha encerrada,
e toda a ilha era ela;
enquanto a noite gritava
pra sempre, ao Vento: Marcela!!
* * * * * * * * * * * * * *

PLASMA

Na veia cava a larva
e planta e lavra
o plasma das inquietações
e tinge de sangue
o sangue que corre
na veia e cava
um oceano onde desaguar
- sem jamais encontrar.
* * * * * * * * * * * * * *

SILÊNCIOS

Teus silêncios de água
calaram vozes tranquilas
de tempos, de almas.

Teus líquidos versos
despertaram silêncios
de saudades antigas.

Teus versos silentes
acordaram os ventos
de doridas cantigas.
* * * * * * * * * * * * * *

TANTAS ÁGUAS
Pudesse voltar no tempo
voltava por mesmas águas
até dissolver as mágoas
cravadas nas pedras do leito.

Voltava até os confins
das águas de outros tempos
banhando primevos leitos
de rios dentro de mim.

Voltava e matava a saudade
que corre transborda se espraia
no leito de muitas águas
do peito - longínqua cidade.

Fonte:
Lilia Souza (org.) Coletânea: Academia Paranaense da Poesia. Curitiba/PR: APP, 2012.

Manuel Antonio de Almeida (O Riso)


O homem é o único animal que se ri. - A observação não é nova,  nem lhe quero as honras do achado. Se estivesse hoje em veia de  filosofar havia entrar na indagação das causas desta singular exceção. Mas contento-me por ora, sem discutir, com a explicação de  um pessimista que me disse: o homem é o único animal que se ri,  porque é o único animal que é tolo.

O riso tem três variedades principais que eu chamarei de forma:  É sorriso, é riso, é gargalhada.  Entre o sorriso e o riso há a mesma diferença que entre o botão e a flor.

No sorriso há toda a incerteza, todo o encanto e toda a fugacidade da esperança.  O sorriso é uma palavra que os lábios dizem sem voz.  O sorriso é belo em todos os rostos; em alguns é um raio de luz  que os ilumina com o toque da suprema beleza.

É tímido como a modéstia, passageiro como tudo que é belo  na vida.

Se eu tivesse, como muitos de meus colegas de pena, o hábito  de namorar pela imprensa, tinha agora aqui a lira afinada para cantar um idílio sobre certos sorrisos que às vezes vejo enfeitar um rosto moreno, tão puros, tão suaves, tão cândidos, que morro de inveja ao lembrar-me que não é só para mim que eles desabrocham. Mas  não culpo por isso aos lábios em que eles se aninham, não; eles me  estão dizendo: - somos como o céu: na primavera não sabemos  senão sorrir. E eu creio que eles têm razão.

Voltemos porém ao assunto.  O riso já não tem todas estas qualidades, ou, pelo menos, não  as tem sempre. Há, por exemplo, rostos bonitos a que o riso dá ainda maior  encanto; há mesmo rostos feios que o riso, por assim dizer, enfeita.  Mas também há por outro lado caras que o riso transforma em caretas. Muita gente conheço eu que não pode fazer maior desfeita a  quem a encara, do que rir-se.

O sorriso pode ser às vezes, e quando muito, um ligeiro disfarce;  o riso em muitos casos serve de verdadeira máscara!

O sorriso compõe; o riso transtorna.  O sorriso não é todo do mundo externo; metade do que ele é  fica conosco, nossa alma guarda essa segunda parte de que os outros não tomam posse.

O riso não, esse, desde que o soltamos, escapa-se inteiro, e nada  fica em nós mesmos do que ele foi. O prazer acaba ordinariamente quando acaba o riso; ao contrário quando nós sorrimos é que o prazer começa.

O riso parece muito expansivo e não é; basta dizer que tem  quase uma só forma para todos os sentimentos; vemos um riso e  podemos ficar na dúvida se foi de assentimento ou de escárnio.

O sorriso, não; quando é só dos lábios, quando a alma não participa dele, mostra-o logo no que lhe falta de cândido e sincero.

É fácil fingir o riso; o verdadeiro sorriso não tem imitação.  Com o sorriso podemos exprimir o prazer e a dor; há sorrisos  pálidos, tristes, são quase o pranto; mas ninguém confundirá estas  duas sortes de sorrisos.

No ruído do mundo, no tumulto das sociedades, os homens e  as mulheres riem-se quando se encontram. No silêncio, no retiro,  quando dois entes que se amam estão sós com o seu amor, sorriem-se apenas um para outro.

Apesar de tudo o que fica dito, ainda o sorriso e o riso têm entre  si pontos de semelhança, que ninguém poderá negar.

Se compararmos porém estas duas variedades com a terceira  que a princípio notamos, isto é, com a gargalhada, bem se poderá  ver o que de diverso há às vezes entre coisas que se dizem da mesma origem.

A gargalhada está tão longe do riso e do sorriso, como a algazarra do canto.

Sem dúvida foi pensando na gargalhada que se fez o provérbio  risus abundat in ore stultorum. A gargalhada é uma desnaturação do riso. O riso deleita; a gargalhada aturde. Não é uma expansão, é um desconcerto. Na gargalhada a boca escancara-se, as faces engratam-se e enrugam-se; os  rostos mais formosos tornam-se caricatos; não assenta bem em  ninguém. O ridículo daquilo que nos arranca uma gargalhada,  reverte um pouco sobre nós mesmos. É por isso que muitas vezes  está um homem rindo-se às gargalhadas de qualquer coisa que só  ele viu, chegam outros, e, sem saber por quê, começam a rir-se  do mesmo modo.  E entretanto, meu Deus! parece que há homens fatalizados a  este respeito: as gargalhadas são os pontos e vírgulas das suas orações; dão gargalhadas pelo que eles mesmos dizem, pelo que ouvem dizer aos outros, pelo que veem nos outros e por aquilo que  os outros veem neles. Que entes lamentáveis! Que caricaturas de  carne e osso!

Querem realizar o prodígio do que se chama - gargalhada homérica - mas, não podendo consegui-lo pelo que toca ao volume, buscam suprir esta falta pela continuidade, e então fazem de toda  a sua vida uma gargalhada constante.  As mulheres conhecem mais do que os homens o ridículo de semelhante hábito; por excesso porém algumas tornam-se carrancudas e então pecam pelo extremo oposto.

Tudo nesta vida é assim: o segredo do justo meio é a sabedoria  eterna. No amor por exemplo não há nada pior do que o excesso.  E isso é muito natural; os excessos são raros; e um amor excessivo  dificilmente achará correspondência... Mas a que veio aqui falar-se  de amor? Talvez pensem que isto tem alguma aplicação; não tem: eu estava dizendo que a gargalhada era uma coisa tola; o amor veio  a propósito de coisas tolas.

E, para que não venham outras coisas do mesmo gênero interromper o curso destas muito sérias observações, façamos aqui ponto, alegando, em falta de outra razão, uma que anda agora muito  em moda, e que entretanto talvez bem poucas vezes seja tão verdadeira como nesta: a hora está muito adiantada.

Fonte:
Manuel Antonio de Almeida. Obra dispersa.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Varal de Trovas n. 166


Manuel Antonio de Almeida (O Nome)


Dizem os gramáticos, gente detestável nestes tempos de discordância, que o nome é uma voz com que se dão a conhecer as coisas.  Quando nos tempos de colégio de minha memória, rebelde às exigências do decurião, recusava guardar no seu arquivo esta triste  definição, é que o meu espírito, agora o conheço, pressentia-lhe  já todo o absurdo e falsidade. Nunca em verdade uma mentira tão  grande se escreveu em letra redonda. Aquilo por que as coisas menos se dão a conhecer neste mundo  é pelo seu nome.

O nome é hoje, e não sei se o deixou de ser em algum tempo, a  primeira mentira de todas as coisas: é como um cunho do pecado  original impresso sobre tudo o que existe.

A tradição da Torre de Babel parece-me errada até certo ponto; o  que ali se confundiu não foram as línguas, foram os nomes das coisas. Daí datou, segundo penso, em falta de origem mais remota,  essa confusão à custa da qual tanta gente vive.

Com efeito, se as coisas se chamassem pelo seu nome, muitas  leis não seriam leis, muitos legisladores não seriam legisladores,  muitos governos não seriam governos, muitos sentimentos não seriam sentimentos, e até muitos homens não seriam homens, nem  mulheres muitas mulheres.

Quando se fala em confusão não se pode deixar de falar em mulheres, que são os entes mais confusos da criação. É também nelas  que a mentira do nome é mais constante e mais manifesta. Tenho  visto algumas, feias como um pesadelo, a quem todos, desde o padre que com o batismo santificou a peta, até elas mesmas - e nisto  vai o maior escândalo - chamam pelo nome de Rosa, por exemplo.

Algumas há a quem a menor contrariedade encoleriza no mais  subido grau, que cospem blasfêmias contra a terra e o céu porque se lhes desarranjou a mais pequenina prega do vestido. Pois  se numa ocasião dessas alguém lhe perguntar o nome, responderá  com voz de tempestade: Angélica! Há outras que passam dia e noite prostradas ante o altar do espelho adorando a imagem de uma  divindade, que às vezes não têm segundo devoto, que nunca põem  a mão no peito para ver se o coração palpita, e que morrem no dia  em que se convencem da existência da primeira ruga no rosto e  do primeiro fio de prata na cabeça. Verdade é que muitas destas  ficariam eternas se a morte esperasse tal convicção.
Já perguntei o nome a uma criatura nestas circunstâncias, e  respondeu-me que se chamava Modesta!

Os homens a esse respeito não terão também muito de que gabar-se. Daqui se pode concluir que há muita gente neste mundo  que mente de cada vez que assina o seu nome. Há algumas coisas que se diz não terem nome; nisto há uma  economia de mentiras. Há porém uma infinidade de coisas que  tem uma infinidade de nomes. Entre estes contemos os príncipes,  o que por certo não lhes deve ser muito lisonjeiro.

Um homem, ou uma coisa com muitos nomes, devia representar uma ideia pelo menos por cada um deles; se isto se não dá, há  mentira em cada nome de mais. É por isso que ninguém se batiza com uma série de nomes; a  igreja não quer santificar senão uma mentira, e já não faz pouco.

Não sei qual foi o povo que primeiro pôs em uso ter um indivíduo muitos nomes; isso não deixa talvez de ser uma invenção espanhola. Os ingleses por certo não estabeleceram
semelhante uso. Entretanto - eis aqui uma prova das misérias humanas - um  nome é às vezes a história de uma vida; entretanto há épocas em que  os lábios não sabem pronunciar mais do que um nome, em que os  ouvidos não escutam em todas as vozes da natureza senão um nome,  em que não se tem escrito na memória senão um nome. Sabe Deus  quantas vezes entre estas palavras que se estão lendo o autor não  escreveu sem querer um nome!

Isto porém, como já disse, não prova senão a que misérias está  sujeita a pobre humanidade. Queria que me dissesse qual a razão por que quando um homem se eleva acima do comum, ninguém o conhece nem o chama pela enfiada de nomes com que o obrigam a carregar; por que  é que se diz: Lamartine, Chateaubriand, e todo o mundo sabe logo  de quem se trata?

Há gente que trabalha a vida inteira para conquistar um nome,  que deixa em breve à humanidade, às vezes nas mãos de um descendente, que nem lhe pode com o peso, e o atira de lado para  tomar outro mais leve e que mais lhe enquadre.

E morre-se por um nome!  E morre-se para manter ileso um nome de honra! Nome de  honra! Estas palavras invertidas dão: honra de nome, espécie muito  comum e vulgar, cuja conquista não vale o menor trabalho.

Havia em Roma, perto do Coliseu, que dele tirara o nome, um  colosso de mármore representando o filho de Agripina. A respeito  desta magnífica obra de arte dava-se um fato muito curioso: cada soberano que subia ao trono dos Césares queria que o colosso servisse  a perpetuar sua memória. Para isso o que fazia? Nada mais simples: mandava copiar em mármore sua cabeça, e fazendo tirar a que a estátua tinha primitivamente, colocava-se-lhe a nova sobre os ombros.  Alguns Césares houve menos pretensiosos que fizeram apenas substituir a cabeça do colosso por uma que representava o sol.

Aquele colosso e suas diversas cabeças representam com exatidão o que se passa no mundo em relação ao nome das coisas:  um capricho de César decide o batismo: o que era ontem verdade  chama-se hoje mentira, o que era ontem soberano chama-se hoje  vassalo, só porque isto aprouve a uma seita ou a um homem.

Mas tudo vai como deve ir, e nem se pode dar que fosse de outro  modo. O nome verdadeiro das coisas só Deus o há de dar quando  a sua obra imensa se achar consumada: o nome há de então caber  perfeitamente a tudo, porque há de compreender a essência e o  modo; será a última palavra da Divindade, o selo da grande obra.

Enquanto porém este tempo não chega - e eu pressinto que  ele está bem longe - vamos-nos servindo com o nome de empréstimo que temos; o que quero apenas é que não se lhe dê grande  importância, porque em resumo o nome é a origem de quase todas  as questões com que quebra a cabeça a pobre humanidade, e isso  explica ainda a razão por que tanta gente se mete a questionar.

Fonte:
Manuel Antonio de Almeida. Obra dispersa.

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) IV


AS PALAVRAS PERFUMADAS DA CONFIDÊNCIA
(Maria Goreti Andrade Carneiro Dias in “Textos de Amor", p. 40)

Palavras perfumadas de confidência
Dizias tu baixinho ao meu ouvido
E eu, delas tão sedento e atrevido
Ia perdendo, aos poucos, a inocência.

O amor ardia em nós com tal urgência
E como quase nada era proibido
Sem saber o caminho percorrido
Quase demos às portas da demência.

Dormem os nossos corpos saciados
Perdidos nos lençóis amarrotados
Envoltos numa paz que nos aquece.

Em redor tudo é calmo e é perfeito.
E eu sinto em mim que o mundo é o nosso leito
Como se nele nada mais houvesse.
* * * * * * * * * * * * * *

DE TUDO O QUE PARTIU SEM TER PARTIDO
(Maria Celeste Salgueiro Seabra in "Ânsia de infinito", p. 22)

De tudo o que partiu sem ter partido
Eu guardo nas gavetas da memória
Misturado nas lamas dessa escória
Um brilhante, de todos, o mais querido.

Tudo o que eu fiz morreu, sem alarido
Da vaidade a herança é ilusória
Farta, a riqueza é sempre transitória
E o futuro, de sonhos, é tecido.

Mas uma coisa eu guardo com desvelo:
Um louro caracol do meu cabelo
Que a minha mãe cortou em pequenino.

E mesmo sem ter caixa eu guardo ainda
De todas essas coisas a mais linda:
Os ecos dos meus risos de menino.
* * * * * * * * * * * * * *

NO DIA DA TUA MORTE CHOVEU
(Maria da Glória Oliveira Cardoso in "O Meu Vestido Cor de Rosa", p. 25)

No dia da tua morte choveu
Como se este céu fosse o confidente
Das coisas que não contavas à gente
E soubesse o que o teu peito sofreu.

Com o desgosto o céu se escureceu
E a chorar fez questão de estar presente
Nessa hora em que te fizeste ausente
E essa pura amizade se fendeu.

A chuva molhou todo esse caminho
Por onde te levaram, com carinho
À última morada que terás.

Limpam-se as longas lágrimas terrenas
Que ao fim de tantas lutas, tantas penas
Tu, finalmente, vais viver em paz.
* * * * * * * * * * * * * *

O VENTO ESTÁ DORMINDO NA CALÇADA
(Mário Quintana in "A rua dos Cataventos", p. 20)

O vento está dormindo na calçada
A tempestade o pôs fora de portas
Já ia alta a noite, a horas mortas
Quando ele entrou no lar de madrugada.

Andou a perseguir uma noitada
Que se agitava amena, em curvas tortas
Pelos campos lavrados, junto às hortas
E nela se enredou, noite fechada.

Não foi, de modo algum, um caso sério
Somente as aparências de adultério
Que agora paga, exposto ao pó da rua.

Em casa todos dormem sem cuidados
Só os raios do luar, sempre acordados
O cobrem com a luz que vem da lua.
* * * * * * * * * * * * * *

TENHO A ALMA VESTIDA DE SAUDADE
(Maria Paulina de Sousa in "Coração à Solta'', p. 45)

Tenho a alma vestida de saudade
Como a noite se cobre de negrume
A dor se desabafa num queixume
E a candura se enfeita de verdade.

Partindo, tu levaste a claridade
Desse dia sem paz e sem perfume
Na lareira apagou-se o brando lume
E de mim fizeste uma só metade.

Tenho o corpo dorido pela espera
Que tu voltes e faças Primavera
No chão que tanta chuva já bebeu.

Vem antes que eu me torne um malfeitor
A saudade me faça um pecador
E eu vá deixando, aos poucos, de ser eu.
* * * * * * * * * * * * * *

TUDO O QUE SOU É COMO SE NADA FOSSE
(Maria da Glória Oliveira Cardoso in "O Meu Vestido Cor de Rosa", p. 68)

Tudo o que sou é como se nada fosse
Neste eterno correr de tantos anos
E com ritos banais, de tão profanos
Cremos fazer da vida um limão doce.

Uma vontade louca é que nos trouxe
Fome de sermos mais do que uns humanos
Mas por serem mortais e tão mundanos
A glória desses sonhos acabou-se.

Mergulho na insondável vacuidade
Que me esvai como atroz enfermidade
E eu sofro-a, venenosa como cobra.

É tão pequeno e pobre o meu viver
Que no dia final, quando eu morrer
Tudo de mim se acaba e nada sobra.

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

Stanislaw Ponte Preta (O Inferninho e o Gervásio)


O cara que me contou esta história não conhece o Gervásio, nem se lembra quem lhe contou. Eu também não conheço o Gervásio nem quem teria contado a história ao cara que me contou, portanto, conto para vocês, mas vou logo explicando que não estou inventando nada.

Deu-se que o Gervásio tinha uma esposa dessas ditas "amélias", embora gorda e com bastante saúde. Porém, Mme. Gervásio não era de sair de casa, nem de muitas badalações.
Um cineminha de vez em quando e ela ficava satisfeita. Mas deu-se também que o Gervásio fez 25 anos de casado e baixou-lhe um remorso meio chato. Afinal, nunca passeava, a coitada, e, diante do remoer de consciência, resolveu dar uma de bonzinho e, ao chegar em casa, naquele fim de tarde, anunciou:

- Mulher, mete um vestido melhorzinho que a gente vai jantar fora!

A mulher nem acreditou, mas pegou a promessa pelo rabo e foi se empetecar. Vestiu aquele do casamento da sobrinha e se mandou com o Gervásio para Copacabana. O jantar - prometia o Gervásio - seria da maior bacanidade.

Em chegando ao bairro que o Conselheiro Acácio chamaria de "floresta de cimento armado", começou o problema da escolha. O táxi rodava pelo asfalto e o Gervásio ia lembrando: vamos ao Nino's? Ao Bife de Ouro? Ao Chateau? Ao Antonio's? Chalet Suisse? Le Bistrô?

A mulher - talvez por timidez - ia recusando um por um. Até que passaram em frente a um inferninho desses onde o diabo não entra para não ficar com complexo de inferioridade.

A mulher olhou o letreiro e disse:

- Vamos jantar aqui.

- Aqui??? - estranhou Gervásio. - Mas isto é um inferninho!

- Não importa - disse a mulher. - Eu sempre tive curiosidade de ver como é um negócio desses por dentro.

O Gervásio ainda escabriou um pouquinho, dizendo que aquilo não era digno dela, mas a mulher ponderou que ele a deixara escolher e, por isso, era ali mesmo que queria jantar. Vocês compreendem, né? Mulher-família tem a maior curiosidade para saber como é que as outras se viram.

Saíram do táxi e, já na entrada, o porteiro do inferninho saiu-se com um "Boa-noite, Dr. Gervásio" marotíssimo. Felizmente a mulher não ouviu. O pior foi lá dentro, o maitre d'hotel abriu-se no maior sorriso e perguntou:

- Dr. Gervásio, a mesa de sempre? - e foi logo se encaminhando para a mesa de pista.

Gervásio enfiou o macuco no embornal e aguentou as pontas, ainda crédulo na inocência da mulher. Deu uma olhada para ela, assim como quem não quer nada, e não percebeu maiores complicações. Mas a insistência dos serviçais de inferninho é comovedora. Já estava o garçom ali ao pé do casal, perguntando:

- A senhorita deseja o quê? - e, para Gervásio: - Para o senhor o uísque de sempre, não, Dr. Gervásio?

A mulher abriu a boca pela primeira vez, para dizer:

- O Gervásio hoje não vai beber. Só vai jantar.

- Perfeito - concordou o garçom. - Neste caso, o seu franguinho desossado, não é mesmo?
O Gervásio nem reagiu. Limitou-se a balançar a cabeça, num aceno afirmativo. E, depois, foi uma dureza engolir aquele frango que parecia feito de palha e matéria plástica. O ambiente foi ficando muito mais para urubu do que para colibri, principalmente depois que o pianista veio à mesa e perguntou se o Dr. Gervásio não queria dançar com sua dama "aquele samba reboladinho".

Daí para o fim, a única atitude daquele marido que fazia 25 anos de casado e comemorava o evento foi pagar a conta e sair de fininho. Na saída, o porteiro meteu outro "Boa-noite, Dr. Gervásio", e abriu a porta do primeiro táxi estacionado em frente.

Foi a dupla entrar na viatura e o motorista, numa solicitude de quem está acostumado a gorjetas gordas, querer saber:

- Para o hotel da Barra, doutor?

Aí ela engrossou de vez: - Seu moleque, seu vagabundo! Então é por isso que você se "esforça" tanto, fazendo extras, não é mesmo? Responde, palhaço!

O Gervásio quis tomar uma atitude digna, mas o motorista encostou o carro, que ainda não tinha andado cem metros, e lascou:

- Dr. Gervásio, não faça cerimônia: o senhor querendo eu dou umas bolachas nessa vagabunda, que ela se aquieta logo.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. O melhor de Stanislaw.

2º Concurso Literário Internacional de Conto e Poesias Reinaldo J. S. Corona "In memoriam” (Prazo: 28 de fevereiro)

REGULAMENTO

Art. 1º – HUNING Editora por meio deste edital abre inscrições para o 2º Concurso Literário Internacional de Conto e Poesias Reinaldo J. S. Corona "In memoriam”

Parágrafo único – Tema: A fome no mundo

Das inscrições

Art. 2º – Podem participar do Concurso, público em geral, de quaisquer nacionalidade ou residentes no exterior.

§ 1º – Vetada a participação de membros da diretoria, comissão avaliadora e funcionários da Huning Editora.

§ 2º – Podem participar escritores maiores de 16 anos, com texto em língua portuguesa.

a) Estrangeiros devem mandar texto em sua língua nativa.

§ 3º – Cada participante pode inscrever-se com até 02 (dois) poemas e 02 (dois) contos de sua autoria. Os poemas e ou contos devem ser inéditos, ou seja, que ainda não foram publicados em livro.

§ 4º – Inscrições são gratuitas.

Art. 3º – As inscrições podem ser feitas pelo site,
www.huningeditora.com.br/concursomachadinho até 29 de fevereiro de 2020.

§ 1º – Ao preencher o cadastro o participante esta concordando com os termos deste edital.

§ 2º – As inscrições serão consideradas validas mediante o preenchimento dos seguintes dados: Nome completo, CPF, Data de Nascimento, Telefone, e-Mail, endereço residencial, e Foto.

O CONTEÚDO

Art 4º – A inscrição deve ser composta por dois arquivos, o arquivo contendo a autobiografia resumida do autor (até 10 linhas). O poema e ou conto em arquivo PDF.

a) Os poemas devem ser digitados em editor de texto eletrônico com formatação clara.

b) Fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12;

c) Cada poema e ou conto não deve exceder o limite de 02 (duas) laudas no tamanho A4;

d) O texto deverá conter um título e caso necessário um subtítulo.

Da premiação


Art. 5º Publicação em livro dos poemas e contos classificados.

§ 1º – Os participantes não poderão acumular as premiações, ou seja, só poderá ser classificado apenas uma categoria participante.

§ 2º – Serão publicados em livro os 10 (dez) poemas classificados e os 10 (dez) contos.

§ 3º – Publicação de livro com os 20 (vinte)classificados, com edição de 1.000 (mil) exemplares.

§ 4º – Certificados para os 15 primeiros classificados.

Da comissão julgadora

Art. 6º – A Comissão Julgadora, será escolhida pela Comissão de Organização do Concurso e será composta por 03 (três) membros com amplo conhecimento e experiência em Literatura da UCEFF Faculdades.

Parágrafo único – A Comissão Julgadora terá autonomia no julgamento, que será regido pelos princípios da originalidade e linguagem poética.

Do resultado

Art. 7º – O resultado do Concurso será divulgado no dia 25 de Março de 2020 pelo site: www.huningeditora.com.br

Do Pagamento da Remessa dos livros

Art. 8º - Cada autor classificado arcará com os custos de envio e receberá 03 exemplares gratuitos.

Das disposições finais

Art. 9º – A Huning Editora detém todos os direitos de Publicação e Distribuição da obra.

Art. 10º – Do julgamento apresentado pela Comissão Julgadora, quanto a qualidade dos contos e poemas selecionados, não caberá qualquer recurso, ficando esta medida adstrita às condições extrínsecas do concurso, dispostas nas cláusulas deste Regulamento, que será julgado pela Comissão de Organização do Concurso.

Art.11º- O lançamento do livro acontecerá no mês de Abril na cidade de Sarandi – RS

Art.12º - Casos omissos a este Regulamento serão analisados pela Comissão Julgadora, que é soberana em suas decisões.

Art. 13º Concurso literário contará com apoio de entidades artísticos culturais da cidade de Sarandi RS e região.

Atenciosamente
Huning Editora
www.huningeditora.com.br
contato@huningeditora.com.br

Fonte:
http://www.huningeditora.com.br/Edital012019Sarandi.pdf

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Varal de Trovas n. 165


Olivaldo Júnior (Três Microcontos sobre a Empatia)


DEPOIS DAS AULAS

Aninha e João eram duas crianças que sempre voltavam para casa juntos depois das aulas. Amigos desde o Jardim da Infância, estavam no 3º Ano do Ensino Fundamental.

Um dia, João ficou doente e não pôde mais voltar da escola com sua fiel escudeira, a Aninha. Chorosa, Aninha também ficou doente e deixou de ir às aulas, tal e qual João.

No hospital mais próximo, numa manhã ensolarada de outubro, entre um e outro médico, sob o olhar dos enfermeiros e doentes de plantão, Aninha e João se uniram novamente.
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A HORA DO ALMOÇO

Carlos e André dividiam a mesma função no escritório da firma. Auxiliares Administrativos, tratavam de partilhar a hora do almoço, para falarem sobre o serviço.

Cargos de confiança, um dia Carlos foi chamado à sala do chefe, que, lá de dentro, antes mesmo de Carlos entrar, já esbravejava como um louco. Pálido, André o ouvia de fora.

Depois de muito berrar, vendo que a hora do almoço se aproximava, o chefe deixou que Carlos saísse da sala. André, ao vê-lo, sem dizer nada, achegou-se dele com a marmita.
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O NOIVO DA NOITE

Juninho era um jovem comum, sem nada que o fizesse se destacar. Porém, quando a noite caía, com lua ou sem lua, saía para a rua e contemplava a réstia de estrelas a sós.

Poeta por opção (ou por aflição), via na noite a noiva perfeita para os ais de seu peito de poeta, o que procura o amor onde o amor nunca estará, nem mesmo por um só minuto.

A noite, ao vê-lo passar, capricha no céu estrelado, pois sabe que ele vai descrever o céu que ele oculta no fundo de si, onde a luz é mais lúcida que a da lua e de sua bela noiva.

Fonte:
Textos enviados pelo autor.