quarta-feira, 25 de março de 2020

Varal de Trovas n. 219


Monteiro Lobato (Fábulas) Liga das Nações


Gato-do-mato, jaguatirica e irara receberam convite da onça para constituírem a Liga das Nações.

– Aliemo-nos e cacemos juntos, repartindo a presa irmãmente, de acordo com os nossos direitos.

– Muito bem! – exclamaram os convidados. – Isso resolve todos os problemas da nossa vida.

E sem demora puseram-se a fazer a experiência do novo sistema. Corre que corre, cerca daqui, cerca dali, caiu-lhes nas unhas um pobre veado. Diz a onça:

– Já que somos quatro, toca a reparti-lo em quatro pedaços.

– Ótimo!

Repartiu a presa em quatro partes e, tomando uma, disse:

– Cabe a mim este pedaço, como rainha que sou das florestas.

Os outros concordaram e a onça retirou a sua parte.

– Este segundo também me cabe porque me chamo onça.

Os sócios entreolharam-se.

– E este terceiro ainda me pertence de direito, visto como sou mais forte do que todos vós.

A irara interveio.

– Muito bem. Ficas com três pedaços, concordamos (que remédio!); mas o quarto tem de ser dividido entre nós.

– Às ordens! – exclamou a onça. – Aqui está o quarto pedaço às ordens de quem tiver coragem de agarrá-lo.

E arreganhando os dentes assentou as patas em cima.

Os três companheiros só tinham uma coisa a fazer: meter a cauda entre as pernas. Assim fizeram e sumiram-se, jurando nunca mais entrar em Liga das Nações com onça dentro.
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Disse o Visconde de Sabugosa:

Na minha opinião, as fábulas mostram só duas coisas: 1) que o mundo é dos fortes; e 2) que o único meio de derrotar a força é a astúcia. Essa da Liga das Nações, por exemplo. Os animais formaram uma liga, mas que adiantou? Nada. Por quê? Porque lá dentro estava a onça, representando a força, e contra a força de nada valeram os direitos dos animais menores. Bem que a irara fez ver o direito desses animais menores. Mas nada conseguiu. A onça respondeu com a razão da força. A irara errou. Em vez de alegar direito, devia ter recorrido a uma esperteza qualquer. Só a astúcia vence a forç
a.

Fonte:
Monteiro Lobato. Fábulas.

Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) 12 - Ganância e Avareza


O pobre carece de muitas coisas,
o avaro de tudo (Sêneca)


A ganância é um fenômeno humano que destrói tanto o próprio ganancioso quanto a todos os que estão no mesmo meio social. É o acúmulo insaciável de bens materiais, em geral em prejuízo dos outros seres humanos. O ganancioso não se contenta em obter o suficiente para viver bem. O acumular torna-se o único objetivo, à custa dos valores éticos, do bom senso e muitas vezes da legalidade. É um fenômeno destrutivo, incompatível com a cidadania.

Num Brasil de ouvidos moucos
a vida perde os encantos
quando a ganância de poucos
promove a fome de tantos!...
Antônio Juraci Siqueira - PA

Num triste e cruel enredo
escrito por poderosos,
a Terra treme com medo
das mãos dos gananciosos.
Ademar Macedo - RN

Seres vis, gananciosos,
movidos pela torpeza,
com seus atos criminosos
saqueiam nossa riqueza.
Gonzaga da Silva - RN
 

A avareza é reconhecida no Velho Testamento como um dos sete pecados capitais. Ganância e avareza são atitudes muito próximas, mas com certeza o avarento sofre mais do que o ganancioso. Podemos dizer que o avarento é um pobre coitado. Enquanto o ganancioso trocou o ser pelo ter, o avarento trocou o ser pela possibilidade de ter. Segundo Horácio, o avarento vive sempre na pobreza.

O avarento é estranho ser
- só quer dinheiro guardar;
o seu medo de perder
faz a ganância aumentar.
Lairton Trovão de Andrade - PR

Asqueroso é o avarento
que, de si, nada consome;
à família é rabugento,
por dinheiro, unha de fome.
Lairton Trovão de Andrade - PR


Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania. Natal/RN, abril de 2019.

Carlos Drummond de Andrade (Luzia)


— Não está me conhecendo? Sou a Luzia. Em casa todos bem?

— Oh, Luzia, desculpe. Ando com a vista meio fraca. Mas você está um bocado alinhada, criatura!

— O senhor acha? Bondade sua.

— Acho, não. É fato. Você se casou, Luzia?

— Que nada, doutor. Casamento é pra quem pode, quem sou eu?

— Você estava noiva quando saiu lá de casa.

— Estava sim, mas o senhor quer que eu seja franca? Não gostava dele, queria só casar, pra dar gosto à minha tia, que me criou. Aí eu pensei assim: Não tenho amor a este camarada, depois do casamento faço a infelicidade dele, não é direito. Até que meu noivo era legal, tinha uma alfaiataria em Niterói, carro na praça. Não fiz bem?

— Você foi muito correta, Luzia.

— Pois é. Mas depois me desiludi dos homens, sabe? Me desiludi completamente.

— Tão cedo!

— Tenho dezoito anos por fora, por dentro já perdi a conta. Veja só; fui ser cem por cento com o meu noivo, e quando arranjei outro namorado, não dei sorte.

— Também não gostou dele?

— Gostei demais, aí é que está. Foi o meu erro. Aí ele me disse que era casado, não podia remediar nada.

— Sendo assim…

— Mentira dele, doutor. Minha prima gostou de um cara que não usava aliança, quando foi ver ele tinha obrigação em casa, com cinco bocas. O meu não, se fez de pai de família pra não casar.

— É pena, Luzia. Mas não fique triste, há tanto marido ordinário nesse mundo, quem sabe se você não escapou de um!

— Ah, mas agora sou eu que não penso em casamento. Tenho mais que fazer.

— E que é que você faz?

— Pois o senhor não sabe? Quando saí de sua casa, resolvi acabar com o serviço de copeira. Empregada doméstica não resolve. Fiz o curso na escola de manicure, tirei certificado e fui trabalhar num salão de mulheres. Não dava pra pagar o quarto. O porteiro de uma boate olhou pra mim e disse: “Broto, não faz unha de mulher, que é fominha, faz unha de homem”. Mudei de salão, desta vez dei sorte.

— Ótimo, Luzia.

— Graças a Deus nunca mais andei sem dinheiro, o senhor acredita? O patrão só me paga no fim do mês, mas os fregueses dão boas gorjetas, de maneiras que tenho sempre algum na bolsa. Agora estou menos folgada, porque tive de comprar móveis, o apartamento estava tão vazio!

— Que apartamento, Luzia?

— O que eu aluguei. Um freguês se ofereceu pra prestar fiança, dizem que isso é difícil.

— Não é difícil, é um sonho. E você se queixa dos homens?

— Quer dizer: de todos, não. Comprei os móveis no crediário e agora vou comprar uma radio-vitrola. Quando acabar o pagamento compro a geladeira.

— Parabéns, minha filha, você venceu.

— Ah, doutor, não diga isso. Estou só começando. Quando quiser, apareça lá em casa que me dará muito prazer. Casa de pobre, mas tem uísque pros amigos. Recomendações à madame, um beijo pros netinhos!

E seguiu — o alegre estampado, a saia curta, as pernas longas e bem esculpidas, o bico fino dos sapatos, o sorriso de dentes alvos no belo moreno carregado do rosto.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

Silmar Böhrer (Lampejos Poéticos) XXVII


Agatha Christie (Resenha de Livros) 5


OS CRIMES ABC
The ABC Murders


Um misterioso e metódico assassino comete seus crimes de acordo com três normas: escolhe suas vítimas e as cidades onde moram seguindo rigorosamente uma ordem alfabética; deixa junto aos cadáveres um guia de trens, chamado ABC na Grã-Bretanha e anuncia cada um dos assassínatos através de uma carta dirigida a Hercule Poirot, indicando o lugar e o dia em que cometerá o crime. Tudo leva a supor que se trata de um estranho e aterrorizador psicopata, tão louco quanto inteligente e frio, que os jornais comparam a Jack, o Estripador. Porém o cruel criminoso não sabia que, ao enviar cartas a Poirot, brincava com fogo, desafiando um inimigo que o superava em inteligência. E Poirot imagina se a maneira de agir do assassino não constitui uma perigosa cortina de fumaça para ocultar alguém mais perverso do que um sanguinário doente mental. Poirot lança a pergunta e, como sempre, termina encontrando a surpreendente resposta.

O pequenino gênio Hercule Poirot desvenda uma série de assassinatos muito intrigantes. São assassinadas pessoas cujos nome e cidade onde moram estão de acordo com a ordem alfabética e, junto de seus corpos é sempre encontrado o guia de trens ABC. O mais estranho, porém essencial para a solução dos crimes por Poirot, é que o misterioso assassino sempre avisa ao detetive quando irá matar suas vítimas indefesas. A polícia acha que Sir Alexander Bonaparte Cust é o assassino, mas Hercule soluciona esses crimes com um desfecho absolutamente incrível.

MORTE NA MESOPOTÂMIA
Murder in Mesopotamia


Na misteriosa e fascinante Bagdá, uma expedição arqueológica procura vestígios de uma antiga cidade assíria. Mas a arqueologia pouco pode ajudar, quando a bela e encantadora Louise Leidner, esposa do chefe da expedição, é brutalmente assassinada. É preciso que entre em cena o maior de todos os decifradores de enigmas: um conhecido detetive belga… Morte na Mesopotâmia é uma das mais sensacionais aventuras de Hercule Poirot, o genial investigador criado pela imaginação da “velha dama” do crime, Agatha Christie.

Mrs. Leidner é assassinada em uma expedição arqueológica em Bagdá. Fora algo muito estranho pois ninguém vira pessoas circularem no pátio do local que dava acesso a cena do crime. Quem teria feito tal monstruosidade com a bela Louise? Só uma pessoa poderia responder: Hercule Poirot.

Durante uma expedição arqueológica à Bagdá, Poirot é chamado para solucionar um misterioso enigma: A mulher do chefe da expedição é assassinada em seu próprio quarto, só que o acesso parece impossível sem que o assassino seja visto, pois todos os ambientes da casa, sem exceção, tem ligação com um enorme pátio, onde o criminoso poderia ser visto facilmente por qualquer um. Além disso, a vítima, antes de morrer, estava assustada porque vinha recebendo cartas ameaçadoras de uma pessoa aparentemente morta. Um final realmente surpreendente!!!

CARTAS NA MESA
Cards on the Table


Para investigar o inesperado assassinato do extravagante Mr. Shaitana durante uma partida de bridge, ninguém melhor do que seus próprios convidados: quatro detetives particulares - e entre eles se encontra o melhor de todos, Hercule Poirot. O problema é que sobre cada um desses homens paira a sombra de crimes não esclarecidos no passado. Neste jogo de cartas marcadas, em que todos são virtualmente suspeitos, caberá ao genial detetive belga dar a cartada final.

O ricaço Mr. Shaitana, que tem costumes um tanto bizarros, convida para um jantar em sua residência quatro detetives particulares (entre eles Hercule Poirot) e quatro assassinos que nenhum juiz conseguiu alcançar por falta de provas. E foi nessa noite que Mr. Shaitana assinou seu decreto de morte, foi assassinado por uma das oito pessoas ali presentes, mais provavelmente pelos quatro assassinos impunes. Hercule Poirot desvenda o crime descobrindo o assassino onde ninguém poderia imaginar.

POIROT PERDE UMA CLIENTE
Dumb Witness


Todos responsabilizaram o acidente que Emily sofreu na escada a seu cachorro, um terrier. O mais que Emily pensava sobre o acidente, mais ela se convencia que alguém da sua família tentava matá-la. Assim, no dia 21 de Abril, ela escreve uma carta a Hercule Poirot contanto suas suspeitas. Misteriosamente ele não recebe a carta até o dia 28 de Junho, quando ela já estava morta.

MORTE NO NILO
Death on the Nile


A parte principal deste romance desenvolve-se a bordo de um barco, que navega pelas águas do Nilo, em cujas margens se levantam ruínas milenárias, restos de uma civilização dedicada ao culto dos mortos; e lá nesse ambiente fúnebre, uma deslumbrante garota, que tinha tudo - juventude, beleza, riqueza e felicidade -, perde tudo, num repente, ao ser assassinada na sua cabine. O assassinato foi cuidadosamente planejado, para que seja impossível descobrir o assassino, quem teve a má sorte de que Hercule Poirot estivesse de férias no Egito, e pudesse investigar seu crime - aliás, seus crimes, porque há mais de um - com uma maior atenção da que se tinha empregado em cometê-los. Para aumentar a intriga e o suspense, sabemos que entre os passageiros do Karnack, se encontra um famoso assassino profissional, que é perseguido pelo Coronel Race, amigo de Poirot e sagaz agente do Serviço Secreto inglês.

Poirot sai de férias. Embarca no Karnack para um cruzeiro nas águas do velho Nilo. Mas o que seria um belo passeio transforma-se em uma série de assassinatos que assustam o detetive pela frieza como são executados. Mas como se faz um arqueólogo ele encontra fragmentos, espana-os tirando o supérfluo e chega a verdade.

ASSASSINATO NO BECO
Murder in the Mews


Quatro estranhos casos desafiam a inteligência de Hercule Poirot. No primeiro, que dá título ao livro, o detetive belga investiga a morte de uma mulher. Todas as pistas indicam que se trata de um suicídio, mas Poirot desconfia de assassinato. Em O Roubo Inacreditável, Hercule Poirot é contratado para desvendar o desaparecimento de documentos secretos do governo inglês. Em O Espelho do Morto, ele se depara, mais uma vez, com um estranho suicídio. Agora, a vítima é um excêntrico aristocrata, encontrado morto dentro do próprio quarto com todas as portas trancadas pelo lado de dentro. O último caso é Triângulo de Rodes. Um assassinato brutal é cometido, e um inocente está prestes a ir para a cadeia. Hercule Poirot põe suas “pequenas células cinzentas” para funcionar até descobrir a verdadeira identidade do culpado.

Fonte:
http://users.hotlink.com.br/pmgi/agatha/index.html

terça-feira, 24 de março de 2020

Varal de Trovas n. 218


Dorothy Jansson Moretti (Uma Noite Inesquecível)


Há uma grande agitação no vestiário feminino. As garotas que vêm de Riversul trocam às pressas a roupa que vestem pelo uniforme simples, clássico e bonito do coral: saia azul-marinho, blusa branca, sapatos vermelhos e um laço também vermelho amarrado à gola.

Eu as observo, divertida. Uma garota engordara e outra emagrecera. Já vestidas e não se sentindo a cômodo, resolvem trocar as saias. Despem-se e tentam vestir-se, uma com a saia da outra. Pior a emenda! Despem-se novamente e voltam a vestir-se como estavam, Duas meninas queixam-se dos sapatos que lhes maltratam os dedos... mas tudo isso em meio a boas risadas e exclamações divertidas. Uma farra!

Pelas dependências do Clube Fronteira encontro velhos amigos. Cumprimentamo-nos com efusão. É sempre gratificante vê-los novamente. Há uma grande expectativa. A apresentação do Coral Santa Cecília promete ser sensacional e a sala está repleta.

Começam a entrar os cantores, em fila, sob estrondosos aplausos. O Maestro Batista é o último a passar. Para ele, salvas mais imponentes ainda. As coristas se ajeitam na posição indicada pelo Maestro. Ele faz breve e interessante exposição sobre música coral. Mostra o que convém e o que não convém numa apresentação vocal. Depois volta-se para o grupo e de maneira quase imperceptível dá-lhes a tonalidade.

Então o milagre acontece. Como se fossem um único instrumento tangido pelos dedos do Maestro, aos movimentos de suas mãos, sopranos e baixos, contraltos e tenores desprendem suas vozes maravilhosas, ora em pianíssimo, ora em meio forte, depois e crescendo, e finalmente num forte ou fortíssimo de arrepiar até os nervos da gente, de comoção.

É uma completa sinfonia com seu adagio, seu allegro, seu rondo e seu scherzo. É a leve música da Renascença; é a doce Ave-Maria; é a missa monumental, é a inconfundível cançoneta italiana; é a sentimental música latino-americana; é o encantador folclore brasileiro, nas asas do vento a se "imbalançá".

É o fragor de uma tempestade. É o trinar de um passarinho. E todos os sons que as vozes do universo repetem a cada dia, desde a cascatinha humilde que despenha no riacho até o vagalhão que se esfacela às fragas rijas do oceano... É mais que magnifico. É divino!

Estamos extasiados ao final, e os aplausos são intermináveis. Descemos a escada e nos encaminhamos para a mesa onde será servido um suculento arroz-com-frango acompanhado de salada e de uma farofa deliciosa.

E mesmo ali, todo mundo com muito bom apetite e servindo-se à vontade, o espírito da música não abandona o ambiente. Cantam alguns, lá na ponta da mesa. Aqui no meio, o Maestro faz dueto com um dos tenores do coral. Até eu me encorajo e faço trio com minhas sobrinhas. E todas essas manifestações espontâneas e isoladas são muito aplaudidas.

Por fim, alguém pede uma música de sua preferência e o Maestro não se faz de rogado. E mesmo sentado, todo mundo tendo à frente um prato cheinho de ossos, ele dá o tom e a turma canta ainda três números, o último dos quais é o belíssimo e arrebatador Salmo 150, de Ernâni Aguiar.

Sou insaciável em matéria de boa música. Fico querendo mais... e acho que os outros também. Mas a festa chega ao fim. Ainda há quarenta e cinco minutos de estrada para o pessoal de Riversul.

Aqui fora está um tanto frio, mas o céu escuro está muito estrelado.

Que façam boa viagem o Maestro e seus companheiros!
  
(Tribuna de Itararé - 26/04/87)

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.

Doce Aconchego das Trovas n. 3


O comilão, na cozinha,
cai de boca na penosa...
- Quem manda ela ser galinha
e, além de tudo, gostosa?
A. A. de Assis
Maringá/PR

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A minha sogra assanhada,
no barracão da Mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!...
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

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Exibe a mercadoria,
e enquanto o fiscal faz pausa,
rabisca na nota fria:
trambiqueiro em justa causa...
Alba Christina Campos Netto
São Paulo/SP

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Preguiçoso, o "Zé Pijama",
tanta preguiça agasalha,
que a mulher só não reclama
porque o vizinho trabalha.
Aloisio Alves da Costa
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

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É tão roxa por novela
a mulher do Serafim,
que, se alguém chama por ela,
ela responde: Plim-Plim!
Ana Maria Motta
Nova Friburgo/RJ

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Quando o peixeiro passava
com sua noiva faceira,
a vizinha comentava:
– Vai ter piranha na feira...
Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA

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É sovina a minha amiga:
se vai à feira gastar
não compra nem uma briga
sem primeiro pechinchar!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

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Minha sogra sempre anota
meus atrasos num caderno:
- Se esta "coroa" empacota,
vai ser porteira do inferno!
Carlos Guimarães
 Rio de Janeiro/RJ, 1915 – 1997

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Ouvindo a banda na praça
quis saber o Seu Manuel :
- De quem Maria da Graça
é o Bolero de Ravel ?
Célia Guimarães Santana
Sete Lagoas/MG

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Santo Antonio, Santo Antonio,
às vezes você nos logra:
pedimos só matrimônio,
e lá vem... mulher e sogra!
Célio Belmiro Grünewald
Juiz de Fora/MG, 1923 – 1991

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O Anedotário horroroso
que ele repete em torrente,
é do tempo em que o famoso
Mar Morto estava doente!
César Torraca
Rio de Janeiro/RJ

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Na bolsa as vê, mas sequer
o esposo otário adivinha:
“Se eu nem uso isso, mulher,
pra que tanta camisinha?!”
Cleber Roberto de Oliveira
São João de Meriti/RJ

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“Nossa! Que enorme chifrada!...
Conta, guri, como foi!” “
A minha até não foi nada;
da sua... pergunte ao boi...”
Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC (1926 – 2017) Sorocaba/SP

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Foi um choque e muita mágoa
para quem te acreditou:
a tua barriga d'água
com nove meses chorou!
Edmar Japiassú Maia
Rio de Janeiro/RJ

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- Esta pimenta é de cheiro?
Pergunta com azedume,
e o garçom fala ligeiro:
- Se não é... boto perfume!!!
Élbea Priscila de Souza e Silva
Caçapava/SP

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Dizem que todo "baixinho"
tem mania de grandeza...
por isso, é que meu vizinho
só chama a mulher de... "Alteza"!
Hermoclydes S. Franco
 Niterói/RJ (1929 – 2012) Rio de Janeiro/RJ
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A mulher do meu vizinho
faz a feira o mês inteiro,
sem sacola, sem carrinho,
sem vergonha e sem dinheiro...
Izo Goldman
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

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Vendo o marido a roncar,
grita, insistente, a Nair:
- Acorde, João, pra tomar
seu remédio pra dormir!
José Antonio de Freitas
Pitangui/MG

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De susto, quase morreu:
- É fantasma - e não ladrão!
E quando a luz acendeu,
era a sogra num roupão!
José Reginaldo Portugal
Bandeirantes/PR

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"Só pensa em sexo o Odilon,
diz ao juiz a esposa tensa.
- Minha senhora, isto é bom!
- Mas... seu juiz... ele só pensa...
Joubert de Araújo Silva
Cachoeiro de Itapemirim/ES, 1915 - 1993, Rio de Janeiro/RJ

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Clara disse: - Não te quero.
Mas disse tão docemente,
que eu notei: neste entrevero,
Clara mente, claramente!
Licínio Costa
Nova Iguaçu/RJ

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O terapeuta sugere:
- “Apimente” a relação!
Mas a mulher interfere:
- “Tô fora! Pimenta não!
Lucília A. T. Decarli
Bandeirantes/PR

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E se em tupi é “kiri”
e lá na Itália “bambino”,
no sul só falam “guri”:
diabruras de “menino’!
Luiz Carlos Abritta
Belo Horizonte/MG

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Do Cornélio, aqui ao lado,
o viver é bem inglório:
até no nome o coitado
deixa ver o que é notório!...
Luiz Carvalho Rabelo
Natal/RN, 1921 - 1996

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Doces, massa, a todo instante,
tão redondo é o comilão,
que nem escada rolante
consegue sair do chão!
Maria Helena Calazans Duarte
São Paulo/SP

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O cinquentão não se aguenta:
é calculista bebum,
e tão logo fez cinquenta,
já quer ter “ Cinquenta e Um” !!!
Marisa Rodrigues Fontalva
São Paulo/SP

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- Três frangos, polenta e vinho
– pede um gordo comilão.
- Comes tudo isso sozinho?!?!
- Não, garçom, como com pão!
Marina Bruna
Franca/SP, 1935 – 2013, São Paulo/SP
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Faxina pra lá de boa
ela faz por cinquentão:
limpa a casa da patroa
e a carteira do patrão.
Maurício Cavalheiro
Pindamonhangaba/SP

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O sargentão linha dura
se deu mal nessa "parada":
pois perdeu a dentadura
no decote da cunhada!
Nádia S. Huguenin
Nova Friburgo/RJ (1946 -2008)

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Com mania de grandeza,
a madame refinada
faz despacho, com destreza...
- mas com galinha importada!
Neuci da Cunha Gonçalves
São Bernardo do Campo/SP

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Na preguiça é contumaz,
mora no morro, e só vendo:
na subida, anda pra trás,
e finge que está descendo!
Newton M. Azevedo
Pouso Alegre/MG
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Zé preguiça pra informar
o banheiro pro Novais,
quando acabou de falar
já era tarde demais.
Pedro Viana Filho
Volta Redonda/RJ

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Tem mania de sucesso
e afirma que tem talento,
pois seu diretor , possesso,
só diz: " Tá lento, tá lento!
Renata Paccola
São Paulo/SP

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Muito egoísta e exigente,
de tudo tira partido...
- e sempre exige um presente,
nas ausências do marido!
Rodolpho Abbud
Nova Friburgo/RJ, 1926 – 2013

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Enquanto a banda tocava
numa praia de nudista,
a galera apreciava
o “perfil” de cada artista...
Ruth Farah N. Lutterback
Cantagalo/RJ, 1932 – 2017

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Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
Selma Patti Spinelli
São Paulo/SP

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Vovó se afoga ... e, no cais,
 com vovô tentando a cura,
o boca a boca foi mais
dentadura a dentadura.
Sérgio Bernardo
Nova Friburgo/RJ

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Trambicando a todo instante
Jacó, na esmola, revolta:
pois, usando de um barbante,
puxa a moeda de volta!
Sérgio Ferreira da Silva
São Paulo/SP

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Um cozinheiro ciumento
tacou pimenta na empada,
transformando o casamento
numa festa... só privada.
Walter Leme
Pindamonhangaba/SP

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Tentando aparentar trinta,
o cinquentão se “ferrou”.
Comprou um estoque de tinta,
mas... o cabelo acabou.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba/PR

Fonte:
https://doceaconchegodastrovas.blogspot.com 

Rachel de Queiroz (Nudez)


A filha tentava convencer a mãe a ir à praia e a velha resistia: estava muito idosa e gorda para vestir maiô.

— Mas, mamãe, eu já vi de maiô, na praia, muitas senhoras mais velhas e mais gordas do que você!

E a velha, suavemente:

— Eu também já vi. Por isso mesmo é que não vou.

Para mim, o critério dessa velha é o critério certo em matéria de nudez. O que é feio se esconde. Um moço, uma moça, no esplendor da juventude, seus belos corpos podem se mostrar praticamente desnudos, de biquíni, de sunga, de cavado: assim tão enxutos, rijos e tostados, chegam a ser castos. Predomina a impressão de beleza e saúde sobre a sugestão erótica. E, depois, sabe-se que aquela floração é tão transitória! Deixem que os jovens fruam o instante passageiro, que usem e mostrem os corpos na sua hora de flor, antes que chegue a hora da semente e do declínio.

Afirmam os nudistas, com perfeita lógica, que, todo o mundo andando nu, a nudez acostuma e deixa de escandalizar: sim, acredito que num campo de nudistas se acabe vivendo com a mesma naturalidade que numa sala de família. Aliás, quem convive com índios sabe disso: o hábito torna a nudez invisível.

O que eu tenho contra os nudistas é a exibição obrigatória da feiúra humana, o seu despojamento total, a miséria fisiológica sem um véu que a disfarce. O ridículo, a falta de dignidade de todo o mundo nu.

Certa amiga minha que, numa praia da Noruega. de repente se viu dentro de um grande bando de gente nua, diz que o seu choque primeiro não foi o da vergonha, foi o do grotesco. As pelancas, os babados, os rins flácidos, os joelhos grossos. A velhota magra com seus ossinhos de frango assado, a quarentona de busto murchinho, o senhor ruivo de barriga redonda, braços e canelas tão finos e peludos que, se tivesse mais duas pernas, seria igual a uma aranha. A matrona obesa e o seu esposo idem e o par de jovens rechonchudos, de mãos dadas como dois porquinhos enamorados. A seca donzela machona de coxas de cavalete, e a falsa Vênus de cintura grossa, com o falso atleta de torso enorme e pernas curtas. Da tribo toda, praticamente só se salvavam os adolescentes e as crianças.

A humanidade nua é feia, não há dúvida. E por isso mesmo a gente se oculta debaixo da roupa. Talvez mais do que para o defender do frio, a roupa se inventou para encobrir o corpo e lhe dar dignidade. O que é bonito se mostra, o que é feio se esconde, é a lei de todas as culturas humanas. Nada mais triste do que a deterioração do que foi belo. Ninguém usa no dedo um anel sem a pedra, ninguém bota na sala um ramo de flores murchas.

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.