Nesse tipo de história, os
personagens são animais, mas agem como se fossem gente. Costumam aparecer
disputando alguma coisa, como o macaco e a onça que você vai conhecer a seguir.
Esta espécie de conto também é chamada de fábula, principalmente quando termina
com uma lição de moral explícita.
O macaco e a onça
A onça era o bicho mais bravo e
malvado da floresta. Comia anta. Comia capivara. Comia tatu. Comia queixada.
Comia veado. Só não comia o macaco, pois esse a onça não conseguia pegar, de
jeito nenhum.
- Um dia eu agarro esse malandro -
dizia ela lambendo os beiços.
Quando foi um dia, a onça teve uma
idéia.
Subiu no alto de uma pedra e chamou
a bicharada da floresta. Avisou que ia dar uma festa. Mas tinha uma coisa. A
onça fazia questão:
- Quero que cada bicho traga sua
mãe.
- Pra quê? - perguntou a anta.
A onça fez cara de inocente.
Inventou que era para ver quem gostava e quem não gostava da própria mãe:
- Quem não trouxer, já sei que não
gosta! A bicharada caiu na conversa fiada da onça.
Mas o macaco ficou desconfiado.
Voltou para casa e escondeu a mãe no galho mais alto do tronco mais alto da
árvore mais alta do morro mais alto da floresta.
O dia da festa chegou.
A bicharada apareceu toda contente,
cada um trazendo a sua mãe.
Que desgraceira!
A onça deu um bote e foi comendo
tudo quanto foi mãe de bicho que encontrava no caminho.
Quando estava de pança cheia, encontrou o macaco:
- Cadê sua mãe?
O macaco encheu os olhos de cuspe,
botou a mão no peito, fez careta e começou a berrar:
Ai de mim, ai de mim
Minha pobre mãe morreu
Minha mãe era um quindim
Veio uma onça e comeu
O macaco gritava, chorava e ria.
A onça ficou com raiva, pois não
tinha comido nem a mãe do macaco nem, muito menos, o macaco.
Tempos depois, a malvada teve outra
idéia.
- Agora eu cato o danado!
Ficou escondida bem no caminho que o
macaco pegava todos os dias.
No fim da tarde, o macaco apareceu.
Sentiu um cheirinho estranho no ar.
"Aqui tem onça", pensou
ele.
Para ter certeza, parou, olhou bem
para o chão e gritou:
Caminho, cadê você
Caminho, quero passar
Caminho, se não responde
Vou já pra outro lugar
O caminho, claro, continuou quieto,
parado no chão.
O macaco sacudiu os ombros, deu meia-volta
e fingiu que ia embora.
Ao ver o macaco escapar mais uma
vez, a onça disfarçou e fez voz de estrada:
- Uh! mucucu. Num vui imbura num.
Pudi pussur qui iu istu uqui.
Ao ouvir aquela voz fingida, o
macaco caiu na gargalhada:
Cai fora, onça, cai fora
Cai fora, não vem com essa
Cai fora que eu vou-me embora
Cai fora, que eu estou com
pressa!
Disse isso, saltou num galho e sumiu
rindo e dançando no meio das folhagens.
A onça ficou tiririca. Arreganhou os
dentes e resmungou baixinho:
- Um dia eu te pego, pelintra!
Passou o tempo. A onça teve outra
idéia. Subiu no alto de uma pedra e chamou a bicharada. Disse:
- Descobri que tem uma santa morando
na floresta. Vamos fazer um altar pra botar a santa.
Mandou a bicharada juntar madeira e construir
um altar. Explicou que no dia seguinte a santa ia aparecer.
A bicharada tinha medo da onça, por
isso achou melhor obedecer.
A onça disse mais:
- Amanhã, todo mundo aqui. Se a
santa estiver no altar quero ver a bicharada cantando, dançando e tocando
pandeiro.
No outro dia, logo cedo, a onça se enrolou num pedaço de linho branco,
subiu no altar e ficou lá se fingindo de santa.
A bicharada, quando chegou, ficou
espantada:
- Não é que apareceu uma santa
mesmo? - disse a anta.
- Milagre! - gritou o papagaio.
- Eta coisa danada de boa! -
disseram todos.
E a bicharada, feliz da vida, ficou
cantando, dançando e tocando pandeiro em volta do altar.
A onça parada lá no alto só espiava.
O macaco escutou aquela folia e resolveu ver o que estava acontecendo.
A onça sabia que o macaco era
curioso. Sua idéia era agarrar o bicho quando este se aproximasse do altar.
Mas o macaco era esperto. Olhou para
a santa. Olhou de novo. Olhou outra vez e logo desconfiou. Só de pirraça,
saltou da árvore no chão e começou a rezar, a dançar e a cantar:
Me salva, santa, me salva
Que a onça quer me pegar
Me ajuda, santa, me ajuda
Que a onça vai me matar
E o macaco foi dançando e foi
chegando perto. De repente, de surpresa, catou uma pedra no chão e atirou bem
na cara da onça:
Sai daí, santa malvada
Sai desse pano de linho
Vai embora, onça pintada
Vai embora do meu caminho
Rosnando furiosa, com a fuça
machucada, a onça saltou do altar mas não pegou coisa nenhuma. O macaco,
ligeiro feito um corisco, sumiu no matagal cantando:
Um bicho quer me prender
Mas não vai
Um bicho quer me caçar
Mas não vai
Um bicho quer me comer
Mas não vai
Um bicho quer me matar
Mas não vai
Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular.
São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)
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