Elegia:
poema de fundo melancólico, que fala dos sentimentos tristes ou é inspirada neles;
EXEMPLO DE ELEGIA
Elegia IV
Aquele mover de olhos excelente,
Aquele vivo espírito inflamado
Do cristalino rosto transparente;
Aquele gesto imoto e repousado,
Que, estando na alma propriamente escrito,
Não pode ser em verso trasladado;
Aquele parecer, que é infinito
Pera se compreender de engenho humano,
O qual ofendo em quanto tenho dito,
Me inflama o coração dum doce engano,
Me enleva e engrandece a fantasia,
Que não vi maior glória que meu dano.
Oh! bem-aventurado seja o dia
Em que tomei tão doce pensamento,
Que de todos os outros me desvia!
E bem-aventurado o sofrimento
Que soube ser capaz de tanta pena,
Vendo que o foi da causa o entendimento!
Faça-me, quem me mata, o mal que ordena;
Trate-me com enganos, desamores,
Que então me salva, quando me condena.
E se de tão suaves desfavores
Penando vive ua alma consumida,
Oh, que doce penar! que doces dores!
E se ua condição endurecida
Também me nega a morte por meu dano,
Oh, que doce morrer! que doce vida!
E se me mostra um gesto brando e humano,
Como quem de meu mal culpada se acha,
Oh, que doce mentir! que doce engano!
E se em querer-lhe tanto ponho tacha,
Mostrando refrear o pensamento,
Oh, que doce fingir! que doce cacha!
Assi que ponho já no sofrimento
A parte principal de minha glória,
Tomando por melhor todo o tormento.
Se sinto tanto bem só na memória
De vos ver, linda Dama, vencedora,
Que quero eu mais que ser vossa a vitória?
Se tanto vossa vista mais namora
Quanto eu sou menos para merecer-vos,
Que quero eu mais que ter-vos por senhora?
Se procede este bem de conhecer-vos,
E consiste o vencer em ser vencido,
Que quero eu mais, Senhora, que querer-vos?
Se em meu proveito faz qualquer partido,
Só na vista de uns olhos tão serenos,
Que quero eu mais ganhar que ser perdido?
Se meus baixos espíritos, de pequenos,
Ainda não merecem seu tormento,
Que quero eu mais, que o mais não seja menos?
A causa, enfim, me esforça o sofrimento;
Porque, apesar do mal que me resiste,
De todos os trabalhos me contento;
Que a razão faz a pena alegre ou triste.
(Luís Vaz de Camões)
Ode:
composição pequena, de caráter erudito, com elevação do pensamento, sobre vários assuntos. As odes podem ser classificadas em pendáricas (cantam heróis ou acontecimentos grandiosos), anacreônicas (cantam o amor e a beleza), e satíricas (celebram assuntos morais e / ou filosóficos);
EXEMPLO DE ODE
Ode III
Se de meu pensamento
Tanta razão tivera de alegrar-me
Quanta de meu tormento
A tenho de queixar-me,
Puderas, triste lira, consolar-me.
E minha voz cansada,
Que noutro tempo foi alegre e pura,
Não fora assim tornada,
[Com tanta desventura],
Tão rouca, tão pesada, nem tão dura.
A ser como soía,
Pudera levantar vossos louvores;
Vós, minha Hierarquia,
Ouvíreis meus amores,
Que exemplo são ao mundo já de dores.
Alegres meus cuidados,
Contentes dias, horas e momentos,
Oh! quão bem alembrados
Sois de meus pensamentos,
Reinando agora em mim duros tormentos!
Ai, gostos fugitivos,
Ai, glória já acabada e consumida,
Cruéis males esquivos,
Qual me deixais a vida!
Quão cheia de pesar, quão destruída!
Mas como não é morta
A triste vida já, que tanto dura?
Como não abre a porta
A tanta desventura,
Que em vão co'o seu poder, o Tempo cura?
Mas, pera padecê-la,
Se esforça meu sujeito e convalece;
Que só, para dizê-la,
A força me falece,
E de todo me cansa e me enfraquece.
Oh! bem afortunado,
Tu, que alcançaste com lira toante,
Orfeu, ser escutado
Do fero Rodamante,
E co'os teus olhos ver a doce amante!
As infernais figuras
Moveste com teu canto docemente;
As três Fúrias escuras,
Implacáveis à gente,
Quietas se tornaram, de repente.
Ficou como pasmado
Todo o Estígio reino co'o teu canto;
E, quase descansado
De seu eterno pranto
Cessou de alçar Sísifo o grave canto.
A ordem se mudava
Das penas que ordenava ali Plutão.
Em descanso tornava
A roda de Ixião,
E em glória quantas penas ali são.
Pelo qual admirada
A Rainha infernal e comovida,
Te deu a desejada
Esposa, que perdida
De tantos dias já tivera a vida.
Pois minha desventura
Como já não abranda ua alma humana,
Que é contra mim mais dura
E mui mais desumana
Que o furor de Calírroe profana?
Ó crua, esquiva e fera,
Duro peito, cruel, empedernido,
De algua tigre fera
Da Hircânia nascido,
Ou de entre as duras rochas produzido!
Mas que digo, coitado,
E de quem fio em vão minhas querelas?
Só vós, ó do salgado,
Húmido reino, belas
E claras Ninfas, condoei-vos delas.
E, de ouro guarnecidas,
Vossas louras cabeças levantando
Sôbola água erguidas,
As tranças gotejando
Saí alegres todas ver qual ando.
Saí em companhia
Cantando e colhendo as lindas flores;
Vereis minha agonia,
Ouvireis meus amores,
E sentireis meus prantos, meus clamores.
Vereis o mais perdido
E mais mofino corpo que é gerado;
Que está já convertido
Em choro, e neste estado
Somente vive nele o seu cuidado.
(Luís Vaz de Camões)
Fontes:
Garganta da Serpente
Imagem = compartilhada no facebook pela Libreria Fogola Pisa
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Levo a prosa e a poesia,
através de um boletim,
e também toda a magia
que elas trazem para mim.