Arranjou uma namorada carioca, coisa linda de morrer, no seu tipo mignon, na sua tez morena de menina de Copacabana. Conheceu-a em Petrópolis e entre as muitas cartas trocadas, havia sempre um fim-de-semana para ir encontrá-la no Rio.
Eram os anos dourados, fins da década de 50, fim de um tempo que não volta mais.
Embora maiores de idade, o namoro, pelo menos da parte dela, era mantido em segredo perante seus parentes.
E os dois adoravam quando se encontravam, quando conseguiam se falar por telefone, até gozando os momentos que passariam juntos no sábado e marcando os detalhes para irem à praia ou a uma festa em casa de parentes dele, que os tinha no Rio.
A única praia que podiam freqüentar era a Praia Vermelha, na Urca. Razão: a única que dispunha de cabines para a troca de roupa, pois ele não poderia sair de Petrópolis, tomar um lotação para Copacabana na Praça Mauá e de lá, da Rua Barata Ribeiro, tomar outro lotação até a Av. Pasteur onde saltavam e iam a pé até a Urca, vestindo um short ou uma bermuda, coisa que qualquer garotão faz hoje. Naqueles tempos dourados, nem pensar. Ainda havia decoro e respeito pelo próximo.
Esta era a odisséia do nosso herói, cada vez que descia para encontrar seu amor.
Sair de Petrópolis bem cedo, saltar na praça Mauá, embarcar em um bólido Mauá-Copacabana, geralmente dirigido por um alienado, descer na Barata Ribeiro, esperar sua namorada quase uma hora na porta do edifício onde ela morava, andar até a N. S. de Copacabana e lá embarcar em outro bólido que passasse pelo Iate Club, onde saltavam e depois de uma última caminhada, a triunfal chegada à praia.
Mas, em nome do amor e pelo amor, se faz qualquer sacrifício, para que ele “seja eterno enquanto dure”, não é verdade, Vinícius de Moraes?
Em um desses dias, depois dessas peripécias todas, heis os dois à beira-mar, prontos para o primeiro e refrescante mergulho nas águas outrora límpidas.
De pé sobre umas pedras quase à flor d’água, quando a mansa onda vem, ela grita e mergulha “Vamos, meu bem!”
Por uma fração de segundo ele titubeia. Quando a onda vai, ele também. Sai da água metros adiante, ainda dando pé. Ela já o aguarda, pronta para lhe dar um caldo, e se possível, trocar um furtivo beijo, coisa rápida e esquiva, não era como essa chupação que se vê hoje em dia em qualquer lugar, a qualquer hora do dia. Aqueles eram os anos dourados!
Onde é que eu estava mesmo? Ah! Nosso herói se espanta com a cara de espanto da sua amada. Ela está simplesmente horrorizada!
– Meu amor, o que aconteceu? Você está coberto de sangue, da cabeça até a cintura.
Realmente. Ao mergulhar, ele raspara toda a parte frontal do corpo no fundo, na areia cheia de pedacinhos de mariscos e conchas. Do alto da testa até aos joelhos. A água salgada não o deixara sentir assim de pronto, o que acontecera.
– Vamos já para o pronto-socorro!
– Não é preciso, meu bem. Foi superficial, nenhum arranhão mais profundo...
– Não senhor. Vamos já. Ali em frente tem uma farmácia.
Na farmácia, um vidro de mercurio-cromo foi fartamente aspergido pelos arranhões. O sangue parou de correr, mas o dito cujo ficou parecendo um índio pintado para a guerra com os caras-pálidas.
Depois dessa, nada mais a fazer do que recolher a roupa, trocá-la entre gemidos e fazer todo o percurso inversamente, mas chamando a atenção de meio mundo para eles. Ela, se desdobrando em cuidados e carinhos para com seu amado e ele, com a cara mais infeliz do mundo.
Ao chegar em casa, de tardinha, a mãe se espanta:
– Meu filho! Que foi isso? Você foi atropelado? Eu não te disse para não se meter a namorar no Rio?
– Não, mãe. Não foi nada disso. Não é nada grave. O diabo não é tão feio como o pintam...
Fonte:
Arca de Não É, 1993
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