Dos homens, ai quem me dera
Longe, bem longe viver!
Junto de mim só quisera,
Como eu sonho, um anjo ter.
Que esse anjo surgisse agora,
E o mundo folgasse embora
Em seu nefando prazer.
Que vista! cede a inocência
À voz do crime traidor;
Folga a devassa impudência,
Nas faces não há rubor.
Traz o vício a fronte erguida,
E a virtude, sem guarida,
Geme transida de dor.
Vão ao templo da cobiça,
Vão todos sacrificar:
Consciência, fé, justiça,
Tudo lhe deixam no altar.
Devora-os a sede d'ouro;
O seu deus é um tesouro,
Porque o viver é gozar.
E que importa que o infante
Morra à fome, e o ancião?
Que importa que gema errante
O proletário, sem pão?
Oh! que importa que o talento
Esmoreça ao desalento?
Que vale do génio o condão?
Proclamou-se a lei do forte:
A lei do fraco é gemer.
Ai do triste a quem a sorte
Fez entre espinhos nascer!
É um dogma a tirania,
A liberdade heresia,
A servidão um dever.
Que tempos, que tempos estes!
Quem há-de viver assim
No mundo que rasga as vestes
Do justo; no seu festim?
Quem há-de? mas esperança!
Um dia foge; outro avança,
E a redenção vem no fim.
Hoje, porém, quem me dera
Longe dos homens viver!
Junto de mim só quisera,
Como eu sonho, um anjo ter.
Que esse anjo surgisse agora,
E o mundo folgasse embora
Em seu nefando prazer.
Fonte:
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource
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