Voilà ce que l'on dit de moi
Dans la “Gazette de Hollande”.
Um doutor da mula ruça,
Caolho, coxo e maneta,
É o homem que se embuça
No papel desta gazeta.
Gazeta que, se tivesse
Outra forma, outro formato,
Pode ser que merecesse
Vir com melhor aparato.
Mas é modesta, não passa
De uma folha de parreira,
Que dá uva, que dá passa,
Que dá vinho e borracheira.
Traz programa definido,
Para entrar no grande prélio;
Nem bemol, nem sustenido,
Nem Caim, nem Marco-Aurélio.
Não traz idéias modernas,
Nem antigas; não traz nada.
Traz as suas duas pernas,
Uma sã, outra quebrada.
E vem, como é de ciência,
Entre muletas segura,
A muleta da inocência,
E a muleta da loucura.
Se uma não pega, outra pega,
E fica o corpo amparado;
Se para um lado escorrega,
Fica-lhe sempre outro lado.
De modo que, quanto diga,
Seja ou não o que a lei manda,
Há de achar entrada amiga
Esta Gazeta de Holanda.
Que traga idéias a folha
Liberal que se anuncia,
Que as espalhe, que as escolha,
Como a Reforma fazia.
Vá que seja — posto seja
Tarefa das mais reversas,
Fazer uma só igreja,
De tantas seitas diversas.
A prova é que, ainda agora,
Já pronta a bagagem sua,
Somente esperando a hora
De sair a folha à rua,
Feito um capítulo apenas,
De tão diversos capítulos,
E, contando boas penas,
Já traz a folha dois títulos.
Voz da Nação, ou — Gazeta
Nacional; só falta a escolha.
Já principia a marreta,
Antes de sair a folha.
Eu cá, perfeita unidade.
Ora aprovo, ora contesto,
Sem que haja necessidade
De ouvir protesto e protesto...
Exemplo: ao ler que se trata
De fazer um edifício
Para o júri: — colunata,
Vasto e grego frontispício,
E que esta idéia bizarra
Nasceu mesmo agora, agora,
Quando foi ali à barra
Uma distinta senhora;
Quando a afluência de gente
Era tal, que o magistrado
Teve de ir incontinente
Pedir sabão emprestado;
Comigo disse: — Bem feito
Que a Joaninha expirasse
De uma moléstia do peito,
E que a Eduarda cegasse.
Só assim tínhamos prédio
Para um tribunal sem nada;
Não foi morte, foi remédio;
Foi vida, não foi pancada.
Pangloss, o doutor profundo,
Mostra que há grande harmonia
Entre as cousas deste mundo,
Entre um dia e outro dia;
Que os narizes foram dados
Para os óculos; portanto,
Trazem óculos pousados...
Pangloss é o meu padre-santo.
Logo, se uma e outra escrava
Brigaram sem sentimento,
A razão de ação tão brava
Foi termos um monumento.
Neste ponto o ponto pingo,
E despeço-me no ponto
Em que cada novo pingo,
Já não é ponto, é posponto.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Dans la “Gazette de Hollande”.
Um doutor da mula ruça,
Caolho, coxo e maneta,
É o homem que se embuça
No papel desta gazeta.
Gazeta que, se tivesse
Outra forma, outro formato,
Pode ser que merecesse
Vir com melhor aparato.
Mas é modesta, não passa
De uma folha de parreira,
Que dá uva, que dá passa,
Que dá vinho e borracheira.
Traz programa definido,
Para entrar no grande prélio;
Nem bemol, nem sustenido,
Nem Caim, nem Marco-Aurélio.
Não traz idéias modernas,
Nem antigas; não traz nada.
Traz as suas duas pernas,
Uma sã, outra quebrada.
E vem, como é de ciência,
Entre muletas segura,
A muleta da inocência,
E a muleta da loucura.
Se uma não pega, outra pega,
E fica o corpo amparado;
Se para um lado escorrega,
Fica-lhe sempre outro lado.
De modo que, quanto diga,
Seja ou não o que a lei manda,
Há de achar entrada amiga
Esta Gazeta de Holanda.
Que traga idéias a folha
Liberal que se anuncia,
Que as espalhe, que as escolha,
Como a Reforma fazia.
Vá que seja — posto seja
Tarefa das mais reversas,
Fazer uma só igreja,
De tantas seitas diversas.
A prova é que, ainda agora,
Já pronta a bagagem sua,
Somente esperando a hora
De sair a folha à rua,
Feito um capítulo apenas,
De tão diversos capítulos,
E, contando boas penas,
Já traz a folha dois títulos.
Voz da Nação, ou — Gazeta
Nacional; só falta a escolha.
Já principia a marreta,
Antes de sair a folha.
Eu cá, perfeita unidade.
Ora aprovo, ora contesto,
Sem que haja necessidade
De ouvir protesto e protesto...
Exemplo: ao ler que se trata
De fazer um edifício
Para o júri: — colunata,
Vasto e grego frontispício,
E que esta idéia bizarra
Nasceu mesmo agora, agora,
Quando foi ali à barra
Uma distinta senhora;
Quando a afluência de gente
Era tal, que o magistrado
Teve de ir incontinente
Pedir sabão emprestado;
Comigo disse: — Bem feito
Que a Joaninha expirasse
De uma moléstia do peito,
E que a Eduarda cegasse.
Só assim tínhamos prédio
Para um tribunal sem nada;
Não foi morte, foi remédio;
Foi vida, não foi pancada.
Pangloss, o doutor profundo,
Mostra que há grande harmonia
Entre as cousas deste mundo,
Entre um dia e outro dia;
Que os narizes foram dados
Para os óculos; portanto,
Trazem óculos pousados...
Pangloss é o meu padre-santo.
Logo, se uma e outra escrava
Brigaram sem sentimento,
A razão de ação tão brava
Foi termos um monumento.
Neste ponto o ponto pingo,
E despeço-me no ponto
Em que cada novo pingo,
Já não é ponto, é posponto.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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Levo a prosa e a poesia,
através de um boletim,
e também toda a magia
que elas trazem para mim.