Eustáquio Primo de Seixas,
Morador em Santo Amaro
(Bahia), fez umas queixas
Sobre um caso duro e amaro.
Parece que um tal Francisco
De Paula Aragão e Souza,
Para reduzi-lo a cisco
E pôr-lhe em cima uma lousa,
Pegou de um revólver, obra
Bem feita, acabada,
Pior que dente de cobra,
Melhor que fio de espada;
E, indo ao sobredito Seixas,
Despejou-lhe, não a arma
Nem precisamente endechas,
Nem violetas de Parma,
Mas uma descompostura,
Como se diz vulgarmente,
Porque quando a gente cura
De falar mais finamente,
Diz torrentes de impropérios;
Tal foi o modo limado
Que, em seus artigos tão sérios,
Empregou este agravado.
Eustáquio estava na rua
Da Matriz — tão concorrida
De gente, que viu a sua
Pessoa assim ofendida.
De tais injúrias e acintes
Ouviu metade calado,
Até que, em tantos ouvintes,
Um houve, mais animado,
Que pôde dar escapula
Ao que ouvia tanta cousa,
Mas o diabo que açula
A alma a Aragão e Souza,
Faz com que lhe não estaque
A torrente de impropérios,
Sotaque sobre sotaque,
Ditérios sobre ditérios.
Já que em casa recolhido
Eustáquio, vai muita gente
Pôr-se ao lado do ofendido
Contra aquele ato insolente.
Vai mais; vai gente inimiga;
Vai mais; vai o próprio Souza
Pedir-lhe que o não persiga;
Que lhe perdoe tanta cousa.
Responde-lhe Seixas: “Pronto
Estou a dar-lhe o que pede,
Mas só quero um ponto, um ponto,
E cederei se me cede.
“Peço-lhe que se retrate
Das injúrias que me há dito...”
Aragão, dado ao combate,
Repete, e repete escrito
Todas as injúrias feitas...
Aqui, meu leitor amigo,
Tu que buscas, tu que espreitas
Achar sentido ao que digo,
Não decifrando a charada,
Perguntas naturalmente:
“Que tenho eu com isso?” — “Nada,
Respondo-te eu; e a Regente?”
Porque o mais rico da cousa
E' que o tal Eustáquio Seixas,
Contra o Aragão e Souza,
Trouxe à imprensa as suas queixas,
Escrevendo: “À Sereníssima
Princesa Regente”. Ó dura
Condição triste e tristíssima,
Que mal sei como se atura!
Governar para ler estas
E outras ridiculezas...
Ó sorte das régias testas!
Ó destino de princesas!
Que um homem em Santo Amaro,
Ouvindo duas graçolas
(Caso antes comum que raro)
Toque no chapéu de molas,
Enfie a casaca, e calce
As botas envernizadas,
E, todo flor e realce,
Suba as imperiais escadas,
Para contar uma cousa
Que se conta ao delegado
Isto é, que Aragão e Souza
É pouco morigerado,
Palavra que desanima
De ocupar na terra um sólio:
Antes governar a rima,
Bem ou mal como o Malvólio.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Morador em Santo Amaro
(Bahia), fez umas queixas
Sobre um caso duro e amaro.
Parece que um tal Francisco
De Paula Aragão e Souza,
Para reduzi-lo a cisco
E pôr-lhe em cima uma lousa,
Pegou de um revólver, obra
Bem feita, acabada,
Pior que dente de cobra,
Melhor que fio de espada;
E, indo ao sobredito Seixas,
Despejou-lhe, não a arma
Nem precisamente endechas,
Nem violetas de Parma,
Mas uma descompostura,
Como se diz vulgarmente,
Porque quando a gente cura
De falar mais finamente,
Diz torrentes de impropérios;
Tal foi o modo limado
Que, em seus artigos tão sérios,
Empregou este agravado.
Eustáquio estava na rua
Da Matriz — tão concorrida
De gente, que viu a sua
Pessoa assim ofendida.
De tais injúrias e acintes
Ouviu metade calado,
Até que, em tantos ouvintes,
Um houve, mais animado,
Que pôde dar escapula
Ao que ouvia tanta cousa,
Mas o diabo que açula
A alma a Aragão e Souza,
Faz com que lhe não estaque
A torrente de impropérios,
Sotaque sobre sotaque,
Ditérios sobre ditérios.
Já que em casa recolhido
Eustáquio, vai muita gente
Pôr-se ao lado do ofendido
Contra aquele ato insolente.
Vai mais; vai gente inimiga;
Vai mais; vai o próprio Souza
Pedir-lhe que o não persiga;
Que lhe perdoe tanta cousa.
Responde-lhe Seixas: “Pronto
Estou a dar-lhe o que pede,
Mas só quero um ponto, um ponto,
E cederei se me cede.
“Peço-lhe que se retrate
Das injúrias que me há dito...”
Aragão, dado ao combate,
Repete, e repete escrito
Todas as injúrias feitas...
Aqui, meu leitor amigo,
Tu que buscas, tu que espreitas
Achar sentido ao que digo,
Não decifrando a charada,
Perguntas naturalmente:
“Que tenho eu com isso?” — “Nada,
Respondo-te eu; e a Regente?”
Porque o mais rico da cousa
E' que o tal Eustáquio Seixas,
Contra o Aragão e Souza,
Trouxe à imprensa as suas queixas,
Escrevendo: “À Sereníssima
Princesa Regente”. Ó dura
Condição triste e tristíssima,
Que mal sei como se atura!
Governar para ler estas
E outras ridiculezas...
Ó sorte das régias testas!
Ó destino de princesas!
Que um homem em Santo Amaro,
Ouvindo duas graçolas
(Caso antes comum que raro)
Toque no chapéu de molas,
Enfie a casaca, e calce
As botas envernizadas,
E, todo flor e realce,
Suba as imperiais escadas,
Para contar uma cousa
Que se conta ao delegado
Isto é, que Aragão e Souza
É pouco morigerado,
Palavra que desanima
De ocupar na terra um sólio:
Antes governar a rima,
Bem ou mal como o Malvólio.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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Levo a prosa e a poesia,
através de um boletim,
e também toda a magia
que elas trazem para mim.