Uma das mais conhecidas
trovas deste que escreve estas linhas é a seguinte:
Parti do Norte
chorando!
Que coisa triste, meu
Deus!...
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando
adeus!
Em 1968, após
uma ausência de vários anos, voltamos ao Rio Grande do Norte, em gozo de
férias. O poeta José Amaral, parodiando a nossa quadrinha, na homenagem que nos
foi prestada pela Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, recebeu-nos com
esta linda trova de circunstância:
Voltaste ao Norte
sorrindo,
nós te abraçamos
cantando;
— o coqueiral te
aplaudindo,
o verde mar te
beijando.
Exemplo da vivacidade
dos trovadores sucedeu quando Hebe Camargo entrevistou Anis Murad e Zálkind
Piatigorsky, em seu programa na televisão, cujo nome era "O Mundo é das
Mulheres". Anis foi cavalheiresco, saudando Hebe desta forma:
Terás, mulher, se
quiseres,
o mundo inteiro a
teus pés,
porque o mundo é das
mulheres
que forem como tu és,
Lisonjeada, Hebe
voltou-se para Zálkind, indagando: "Você também concorda que o mundo é das
mulheres?", ao que Piatigorsky rebateu na hora:
Seja, pois, como
quiseres,
que dá certo,
felizmente:
- este mundo é das
mulheres
.. .e as mulheres são
da gente!
No ano
seguinte, houve o 1.° Encontro Nacional de Trovadores, realizado ainda na
cidade de Natal, O general Umberto Peregrino, então diretor do Instituto
Nacional do Livro, convidou alguns dos trovadores visitantes para almoçarem na
famosa "Carne Assada do Marinho". Tão gostosa se prenunciava a carne
e tão grande era o apetite, que o silêncio reinou na faminta expectativa.
Considerando que a poetisa Magdalena Léa não é muito dada a estes silêncios,
improvisei esta quadrinha:
Inacreditável cena!
Diante da carne
assada,
até mesmo a Magdalena
resolveu ficar
calada!...
Certa vez
deparamo-nos aqui no Rio com um mendigo que pedia esmola declamando esta quadrinha:
Ajude este
aleijadinho,
mais tem Deus para
lhe dar.
Mesmo que seja
pouquinho,
eu não posso recusar.
Perguntamos-lhe
se o expediente dava resultado e ele respondeu que sim, mesmo porque tinha
"bolado" vários outros versinhos para substituição, quando a trova
declamada não estivesse rendendo o esperado. Por solidariedade de classe, demos
uma esmola melhorada ao "confrade" mendigo, prometendo que o seu nome
— Lourival de Jesus Gonçalves — figuraria em nosso livro.
Por ocasião de um dos Jogos Florais de Pouso
Alegre, homenageando o magistrado e poeta Jorge Beltrão, Adalberto Dutra de
Rezende "aplicou" este improviso:
Tua palavra correta
te põe da glória na
crista,
como brilhante poeta,
como eminente
jurista!
Há também os casos em que
as trovas de circunstância são também trovas de propaganda. Várias delas
aconteceram, por exemplo, em dezembro de 1962, quando, a convite da
escritora Mariazinha Congílio, vários trovadores estiveram na cidade de Jundiaí
e foram convidados a visitar a famosa fábrica de doces Cica. Essa fábrica é de
fato algo de notável, pela limpeza e pelo requinte de perfeição que se traduz
na qualidade de seus produtos. Diante disto, vários trovadores improvisaram
suas quadrinhas. Eis algumas delas:
De Zálkind Piatigorsky
Um bom paladar se
indica
às vezes num simples
nome:
- quando ouço falar
de Cica,
na verdade sinto
fome!
De Admerval Silva de Souza:
Que doces apetitosos
neste lugar se
fabrica!
Que seria dos
gulosos,
se não existisse a
Cica?
De Colbert Rangel Coelho:
Suporta melhor a
carga,
que bem mais leve lhe
fica,
quem na vida tão
amarga
saboreia doces Cica!
De Luiz Otávio:
É a mais pura
realidade:
- a pessoa — pobre ou
rica —
se tem gosto de
verdade,
só prefere o doce
Cica!
De Ivo dos Santos Castro:
Verias, meu bem, se
fosses
comigo até Jundiaí:
- Cica é a fábrica de
doces
mais completa que já
vi!
De Raul Serrano:
A vida seria pura
e de alegrias mais rica,
se nela houvesse a
doçura
dos doces de marca
Cica!
De Aparício Fernandes:
Com tanto carinho é
feito,
que logo se verifica:
– é sempre mais que
perfeito
qualquer produto da
Cica!
Quando já nos
despedíamos, fui brindado com o sorriso amável de uma linda operária, o que deu
motivo a mais esta trova:
Que dúvida extraordinária
seu sorriso comunica!
Quem é mais doce: – a
operária,
ou o doce que ela
fabrica?
Guimarães Barreto
cita uma trova-propaganda de Olavo Bilac, promovendo os fósforos
"Brilhante". Bilac cobrou cem mil réis pela trova — o que, na época,
era um bom dinheiro. Eis a quadrinha:
Aviso a quem é
fumante:
- tanto o Príncipe de
Gales
como o Dr. Campos
Sales
usam fósforos
Brilhante.
E outra, curiosíssima, de um bicheiro fazendo propaganda do seu jogo:
Jogadores avisados,
o meu palpite, hoje,
é
cercar por todos os
lados
o macaco e o jacaré.
Aliás, esta
tese foi apresentada no Congresso de Trovadores realizado em Nova Friburgo em
1969 — a Trova, pela sua comunicabilidade e sendo fácil de se decorar, é um
elemento de extraordinário valor publicitário, que
surpreendentemente ainda não despertou nos
especialistas do assunto (sempre à cata de "idéias
geniais") a atenção de que é merecedora. Naturalmente, para
que uma trova alcance êxito como fator de promoção
publicitária, é necessário que seja feita por um verdadeiro trovador. Versinhos
forçados e de "pé-quebrado" jamais adiantariam...
Muito úteis me
foram também as trovas de circunstância quando, no mês de abril de 1970, a
convite do Dr. Domingos Vieira Filho, diretor da Secretaria de Cultura do
Estado do Maranhão, e do meu caro amigo, o dinâmico poeta e trovador Carlos
Cunha, Presidente da Academia Maranhense de Trovas, fiz uma palestra na capital
maranhense. Os maranhenses são um povo cuja tradição de cultura é algo de muito
sério. Sua hospitalidade não fica atrás. Por isso, até banda de música havia na
Academia Maranhense de Letras, para a minha palestra. Minhas primeiras palavras
foram estas trovas de circunstância:
Minhas senhoras,
senhores
presentes à reunião,
meus irmãos, os trovadores
do Estado do
Maranhão,
Não espereis um
tribuno
de palavras
colossais,
pois sou um simples
aluno
que aqui veio
aprender mais.
Na terra em que Assis
Garrido
deu lições de
inteligência,
não quero ser
presumido,
para fazer
conferência.
Por isso, em linguagem
destra,
mas sem nada de
genial,
vou fazer uma
palestra
muito simples e
informal.
A trova são quatro
versos,
que nos dão muito
prazer.
Os assuntos mais
diversos
pode uma trova
conter.
Mas antes quero
dizer,
com toda sinceridade,
do meu imenso prazer
por estar nesta
cidade.
São Luís, em toda
parte,
como um sol que se
irradia,
será sempre um
baluarte
da cultura e da
poesia.
Seu próprio nome
comprova
esta grandiosa
missão:
– pois é um verso de
trova
São Luís do Maranhão.
No Rio Grande do
Norte,
no Encontro dos
Trovadores,
tornou-se muito mais
forte
minha amizade aos
senhores.
Pois em Natal viu-se
o brilho
do Maranhão que se
impunha:
- Virgílio Domingues
Filho
ao lado de Carlos
Cunha!
Quando o Nordeste
deixei,
para tentar vida nova,
minha saudade cantei
dizendo em forma de
trova:
– Parti do Norte
chorando,
que coisa triste meu
Deus!
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando
adeus!...
Hoje eu digo aos
maranhenses,
já saudoso e
emocionado:
- não partirei
totalmente
desse Estado
abençoado.
À sombra de uma
palmeira,
deixarei meu coração.
E, na hora
derradeira,
ao tomar a condução,
Minha esposa e eu
diremos,
com imensa gratidão:
– nós jamais
esqueceremos
São Luís do Maranhão!
Após vos haver falado
estes versos
incolores,
vamos ao mundo
encantado
da Trova e dos
Trovadores.
E fiz então a minha
palestra, que, aliás, continha vários aspectos da Trova abordados neste livro.
Como se vê, a trova de circunstância desempenha um importante papel na
animação dos encontros trovadorescos. Pena que a quase totalidade delas se
perca ao sabor do improviso ocasional.
Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil:
história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972
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que elas trazem para mim.