O DESFECHO
Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de
finados.
Mais dez, mais cem, mais mil e mais
um bilhão,
Uns cingidos de luz, outros
ensanguentados...
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a águia em cima os olhos
espantados.
Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente
rói,
Deixou de renascer às raivas que a
consomem.
Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo
morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
MUNDO INTERIOR
Ouço que a natureza é uma lauda
eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e
lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a natureza
externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que
intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de
Lerna
Entre as flores da bela Armida.
E contudo, se fecho os olhos, e
mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro
sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de
outro orgulho,
Rola a vida imortal e o eterno
cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito
enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e
dorme.
LINDÓIA
Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.
Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as
rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.
Chegai, folgai, cantai. É esta, é
esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.
Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto
a morte!"
SPINOZA
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante ideia.
E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu
salário.
Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas
Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
GONÇALVES CRESPO
Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.
E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.
Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.
Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios
lares.
ALENCAR
Hão de os anos volver, — não como as
neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as
flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...
Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os
escreves
No volume dos pátrios esplendores.
E ao tornar este sol, que te há
levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o
dia
Da nossa dor, do nosso amargo
espanto.
Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o
encanto...
CAMÕES, I
Tu quem és? Sou o século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e
a graça.
Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo,
desgraça.
Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?... É-lhe devida.
Paga?... Paga-lhe toda a adversa
sorte.
Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?... Volvereis à
morte.
Ele, que é morto?... Vive a eterna
vida.
MARIA
Maria, há no seu gesto airoso e nobre,
Nos olhos meigos e no andar tão
brando,
Um não sei quê suave que descobre,
Que lembra um grande pássaro
marchando.
Quero, às vezes, pedir-lhe que
desdobre
As asas, mas não peço, reparando
Que, desdobradas, podem ir voando
Levá-la ao teto azul que a terra
cobre.
E penso então, e digo então comigo:
"Ao céu, que vê passar todas as
gentes
Bastem outros primores de valia.
Pássaro ou moça, fique o olhar amigo,
O nobre gesto e as graças excelentes
Da nossa cara e lépida Maria".
A CAROLINA
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana
lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, — restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Levo a prosa e a poesia,
através de um boletim,
e também toda a magia
que elas trazem para mim.