AMIZADE
Por mera e singular curiosidade
quis eleger a coisa mais preciosa.
Que ela tivesse a beleza da rosa,
da violeta a real simplicidade;
do ouro tivesse a maleabilidade
e do diamante a força poderosa;
da árvore a acolhida deliciosa,
do sol o alento, da chuva a bondade.
Tudo encontrei. Ao longo dos caminhos,
fui recolhendo, entre pedras e espinhos,
uma porção de cada qualidade.
E de tudo o que enfim juntei, contente,
uma palavra só surgiu-me à frente,
a mais terna entre todas: Amizade!
ESPAÇONAUTA E A TERRA
Às vezes me surpreendo imaginando
o que deve sentir um astronauta
a olhar, da altura, a Terra divagando,
seguindo a órbita, no espaço, incauta...
Quem sabe há de cismar: “Como é pequena!
Que interesse terão os homens nela?
Guerras, paixões a fervilhar na arena,
longe assim, não são mais que bagatela.
A ambição a exigir supremacia,
autos, litígios e burocracia...
que imporiam as urgências do planeta?
O tempo aqui é inócuo e sem remissa...
Não se discute a pressa ou a preguiça
com que a areia se esvai pela ampulheta.”
FANAL
Vagando pelas ondas da poesia,
procurando entre escolhos, a passagem,
eu nem sequer supunha que haveria
de encontrar um amigo na viagem.
Em volta, o oceano... e só monotonia,
e eu tinha tanto verso na bagagem...
Soava em mim tão doce melodia,
mas era apenas minha cada imagem.
Até que a asa do vento transportou-me
à ilha onde um fanal resplandecia,
pondo fachos de luz sobre a paisagem.
Cheguei. Um novo alento arrebatou-me,
e ali deixando quanto verso havia,
eu encontrei meu porto de ancoragem.
MEU PEDACINHO DE CAMPO
Tive ao alcance da vista paisagens,
cada qual em seu gênero tão bela,
mas que o progresso extinguiu em voragens
onde até uma lembrança se esfacela.
Hoje, em novo painel, verdes ramagens
e árvores densas vejo da janela;
cavalo branco solto nas pastagens,
montanhas do outro lado da cancela.
E pensativa, a olhar essa beleza,
eu procuro iludir-me na certeza
tão vaga quanto a luz de um pirilampo,
de que o progresso pare de repente,
e poupe, compreensivo e conivente,
o pedacinho alegre do meu campo.
RETALHO DE PAINEL
O bairro sujo e pobre, a rua esburacada,
a água livre a correr no esgoto a céu aberto,
urubus em disputa à sobra já estragada
de um animal qualquer caído ali por perto…
Um garoto esgravata, em lixo descoberto,
uns restos de alimento e uma bola rasgada,
enquanto um menorzinho, andando a passo incerto,
rói o miolo doentio de uma fruta mofada.
Retalho de painel, comum país afora,
milhares que a cruel desigualdade explora
e que a Morte esqueceu, ao passar, distraída.
Ficamos lastimando o país do hinduísmo,
sem lembrarmos que aqui, bem ao nosso egoísmo,
nossos párias também tem seu direito à vida!
SENTINELAS
O carro deslizando velozmente
e eu, ligado. às mudanças na paisagem,
deparo novo quadro, de repente,
que me insinua singular imagem.
Lá no topo de um morro, lentamente,
três palmeiras agitam a ramagem,
embaralhando as palmas levemente,
somo leques abertos pela aragem..
Três atalaias na torre, em seu posto,
impassíveis nos gestos e no rosto,
desfraldando as bandeiras tremulantes,
tão firmes, tão altivas e tão belas,
parecem-me três vivas sentinelas
velando a segurança dos viajantes.
“ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO”
Nossa língua tão bela, tão sonora,
tem sofrido agressão tão aviltante
que nem se sabe como, rude, embora,
ela resiste à investida constante.
Agride-a barbarismo malsonante...
gíria e baixo calão... é o que vigora;
e quem repele a insensatez reinante,
magoado assiste à invasão que deplora.
Onde a joia de arrulhos e de brados
que inspirou poemas e canções e fados,
e o vale renitente ainda cultua?
"Última flor do Lácio”, eu te lamento,
mas sofrendo a teu lado esse tormento,
te espero ainda encontrar... talvez na lua…
Fonte:
Livro enviado pela poetisa.
Dorothy Jansson Moretti. Folhas esparsas: sonetos. Itu/SP: Ottoni, 2006.
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através de um boletim,
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