FORÇA MALDITA
Eras fraco e feliz, sem meditar,
E na tua consciência vaga e obscura,
A vida, sob um olhar de iluminura,
Era um conto de fadas para o olhar.
Um dia, um rude e pérfido avatar
Vestiu-se de uma força ingrata e impura
E sonhaste a ciclópica aventura
De o espírito das coisas penetrar.
Mas, ah! homem ingênuo, desde quando
Deste o primeiro passo da escalada,
Foste, como um tristíssimo Sansão,
Na fúria da tua obra desgraçada,
Estremecendo, aluindo, derrubando
As colunas do Templo da Ilusão!…
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IMAGINAÇÃO
Scherazade do espírito, que rendas
Num fio ideal de verossimilhança
O Símbolo e a Ilusão, únicas prendas
Que nos vieram dos deuses como herança!
Transformando em alhambras nossas tendas,
Na tua voz, o nosso olhar alcança
As Mil e uma Noites de Esperança
E a esfera azul dos sonhos e das lendas!
Quando o despeito da Realidade
Nos fere, és quem de novo nos persuade,
Com teu consolo que nem sempre engana.
Porque, na tua esplêndida eloquência,
És o sexto sentido da Existência
E a memória divina da alma humana!
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INSTINTO
Glória ao Instinto, a lógica fatal
Das coisas, lei eterna da criação,
Mais sábia que o ascetismo de Pascal,
Mais bela do que sonho de Platão
Pura sabedoria natural
Que move os seres pelo coração,
Dentro da formidável ilusão,
Da fantasmagoria universal!
És a minha verdade, e a ti, entrego,
Ao teu sereno fatalismo cego
A minha linda e trágica inocência!
Ó soberano intérprete de tudo,
Invencível Édipo, eterno e mudo
De todas as esfinges da Existência!…
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PARA A VERTIGEM!
Alma, em teu delirante desalinho,
Crês que te moves espontaneamente,
Quando és na Vida um simples rodamoinho,
Formado dos encontros da torrente!
Moves-te porque ficas no caminho
Por onde as coisas passam, diariamente:
Não é o moinho que anda, é a água corrente
Que faz, passando, circular o Moinho...
Por isso, deves sempre conservar-te
Nas confluências do Mundo errante e vário,
Entre forças que vêm de toda parte.
Do contrário, serás, no isolamento,
A espiral, cujo giro imaginário
É apenas a Ilusão do Movimento!…
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VIVENDO
Nós, incautos e efêmeros passantes,
Vaidosas sombras desorientadas,
Sem mesmo olhar o rumo das passadas,
- Vamos andando para fins distantes...
Então, sutis, envolvem -nos ciladas
De pequenos acasos inconstantes,
Que vão desviando, a todos os instantes,
A linha leviana das estradas...
Um dia, todo o fim a que chegamos,
Vem de um nada fortuito, entristecido
Nas surpresas das horas em que vamos...
Para adiante! Ó ingênuos peregrinos!
Foi sempre por um passo distraído
Que começaram todos os destinos...
Fonte:
LEONI, Raul de. Luz mediterrânea. São Paulo: Livraria Martins, 1959
LEONI, Raul de. Luz mediterrânea. São Paulo: Livraria Martins, 1959
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