Tânia Mara, uma jovem de 29 anos, levava uma vida relativamente pacata. Casara-se cedo com Dalmo, colega de escola, optando por não ter filhos para dedicar-se plenamente à carreira.
Este casamento não era um conto de fadas, mas o sucesso no escritório, onde destacava-se na área de Informática, já com propostas de promoção, compensava a monotonia do relacionamento.
No aniversário de 30 anos, ao acordar, recebeu um telegrama de sua tia Natércia, que dizia: “parabéns, trintona querida”.
Atordoada com essas palavras ressoando em seu cérebro, nem notou que algo parecido a um disjuntor caído, desligou-a de sua realidade.
Feito um autômato, vestiu-se e dirigiu sem rumo, não em direção ao local de trabalho. Muitos dias e milhares de quilômetros depois, adentrou em uma metrópole já envolvida totalmente em uma nova pessoa, porque durante esse trajeto, ao abastecer o carro, na loja de conveniência, trocou inadvertidamente sua bolsa com a de outra mulher.
Nesta grande metrópole, cansada, foi a um hotel, onde registrou-se com os documentos contidos na bolsa. Observando a documentação, incorporou-se automaticamente a nova identidade.
Descobriu-se especialista em computação, pesquisou ofertas de emprego, foi aprovada na entrevista, e em pouco tempo, foi absorvida pela nova vida, com o nome de Tônia, constante nos documentos trocados.
Por forças inexplicáveis, era muito parecida com as fotos. Sucesso rápido na empresa, logo adquiriu um confortável apartamento e iniciou um relacionamento com um médico que trabalhava no ambulatório da empresa.
Foi selecionada para fazer cursos na Europa e nos EUA, em técnicas contra ataques cibernéticos de hackers.
Certo dia, em um site, deparou-se com uma lista de pessoas desaparecidas e o nome Tânia chamou-lhe momentaneamente a atenção. Algo ainda superficial em seus pensamentos, mas que a atormentou todo o dia.
À noite, nos braços do namorado, sentiu-se distante da realidade, o que foi notado pelo companheiro. Na manhã seguinte, sob o olhar atônito do parceiro, entrou em seu carro, e guiada por algo imponderável, realizou o caminho de volta.
Chegou ao local do antigo emprego e bateu o ponto sem atinar com os 7 anos de defasagem. Estabeleceu-se enorme confusão na firma, com os diretores acionando a família para tentar elucidar a inusitada situação.
Tânia aproveitou um momento de distração dos alvoroçados colegas de trabalho, pegou seu carro e dirigiu-se até sua residência.
Ao ser recebida na porta por uma mulher desconhecida e duas crianças, notou que algo estava fora de contexto. Sentaram-se na sala e ela ficou sabendo que Matilde era a esposa de seu marido Dalmo. Depois de uma tranquila e esclarecedora conversa, pediu para ir à antiga sala de computação, hoje quarto das crianças, pegou em uma pequena gaveta algumas certidões e cópias de documentos e despediu-se da ainda surpresa mulher.
Fez novos documentos e com eles obteve a dupla cidadania italiana, e com os documentos de Tônia, a dupla cidadania francesa. Já residindo na Europa, entrou em contato pela Dark Web com uma associação clandestina de hackers, em um pequeno país do leste europeu.
Hoje, leva uma rica e emocionante vida, invadindo sites de ministérios de vários governos, chantageando-os e extorquindo muito dinheiro desses departamentos. Tânia já perdeu a conta de quantas identidades distintas usou e usa para escapar das inúmeras operações policiais que tentam capturá-la.
Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor
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