ao expressar nesta trova,
a saga do primoroso
José Bento, à toda prova.
Esta história dos avós
inspira um quadro forrioso,
feito em sutis rococós,
num resgate glorioso.
Vovó eu mal conhecia
mas lembro a leve ternura
do amor que pouco vivi,
desse anjo belo em candura.
Quando se foi a vovó
para o céu... Ó que amargura!
Nosso galo carijó
cantou rouco e sem altura.
Se foi tão cedo a vovó,
levou lendas e mil juras!
Já do vovô fui xodó,
consolo, bênção, venturas...
O vovô era tão lindo,
português, loiro de escol,
em qualquer lugar bem-vindo,
brílhante feito um farol!
A vovó também lindinha,
a pele alva como o leite,
da linda italianinha,
sem dúvida era um deleite.
Ângela Moreti, o nome
da bela sinhá e que ora
pelos netos - se consome -
rogando à Nossa Senhora!
A vovó sempre encantada,
com vovô e com poesia,
recebia extasiada,
verso, beijo e companhia.
Vovô era encantador!
Divina a sua cantiga,
mimava a vovó de amor
e ainda curtia uma briga...
Ele era prestes, garboso,
era alma da flor, crisol.
Era trovador charmoso,
em trovas de lua ou sol!...
Vovô era homem prendado,
lavrava a terra e sorria
às sete filhas - coitado -
pois filho algum ele tinha.
Seu Zé era bom trovista,
sobejo de Portugal,
da Galiza - humilde artista,
um inventor genial!
Roda d'água ele criou,
bem diferente, e um monjolo.
A fazenda prosperou...
Como era verde seu solo!
Mas voltando lá atrás
deste conto, que é poesia,
vemos vovô que num zás…
trás, se espichava à Maria.
Maria Izabel, bem morena,
cheia de borogodó,
passista desde pequena,
ela era uma graça só.
Vovô levara vovó,
para ver passar o samba.
No chão levantava o pó...
No samba ele era um bamba!
E, se vovó se zangava
e olhava-o criticando,
o belo, o facho abaixava,
se recompunha... sambando.
-Ângela... samba é cultural
- dizia vovô, o olhar
disfarçado na cintura
da cabrocha a rebolar...
- Ó José... se mal me engano
você não tem sangue mouro,
lembra mais deus africano,
meu português verde-louro.
E vovô ria envolvente,
bigode bem aparado,
cantando em fervor de crente,
caprichando o rebolado.
Vovó via o vô sambar
e ficava enciumada.
Mas... era deusa em altar,
do Zé era a bem amada!
E... vovó sem utopia,
transbordante de bondade,
amava o vô e sabia
que era amada de verdade.
Vovô era boa pinta,
mulherengo que ele só,
virava-se bem nos trinta,
mas, a respeitar vovó.
Meu avô me deu amor,
com paciência e carinho,
me ensinou amar a flor,
proteger o passarinho!
Às vezes vejo na vida
verde-olhar, pele-café...
Será a neta na avenida,
sambando o sangue do Zé?
[Fonte> Dinair Leite. 11 rostos: antologia poética. SP: Edicon, 2015]
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através de um boletim,
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