A Leal de Souza
Quando, à primeira vez, lhe vi a grandeza,
Foi nos tempos da longe meninice.
E quedei-me à mudez de quem sentisse
A alma de Pasmos e terrores presa.
Depois, na mocidade, a olhá-lo, disse:
É moço o mar na força e na beleza!
Mas, ao dia apagado e à noite acesa,
Hoje o sinto entre as brumas da velhice.
Distanciado de escarpas e barrancos,
Vejo-o a morrer-me aos pés, calmo, ao abrigo
Das grandes fúrias e os hostis arrancos.
E ao contemplá-lo assim, tristonho digo,
Vendo-lhe, a espuma, os meus cabelos brancos:
O velho mar envelheceu comigo!
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A MORTE DA TORRE
A Coelho Neto
Vetusta catedral que, ao tempo, te esborcinas,
Choras a torre audaz que aos céus erguendo a agulha
Os mistérios e os bens de que a igreja se orgulha,
Do alto mostrava aos fiéis, nas sonoras matinas.
Já, de ti, longe vão as práticas divinas
Com que davas ao incréu a sagrada fagulha
E inda julgas ouvi-la em fragorosa bulha,
A oscilar no teu flanco e a desfazer-se em ruínas.
Abateste, eu me lembro, à tarde, de repente,
Doirando, no clarão de um último arrebol,
O pó que te envolveu sutil e refulgente!
Torre morta! Afinal, do orgulho, no crisol,
Tombaste amortalhada, ampla e gloriosamente,
No purpúreo esplendor da agonia do sol!
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ENVELHECENDO
A Luiz Murat
Tomba às vezes meu ser. De tropeço a tropeço,
Unidos, alma e corpo, ambos rolando vão.
É o abismo e eu não sei se cresço ou se decresço,
À proporção do mal, do bem à proporção.
Sobe às vezes meu ser. De arremesso a arremesso,
Unidos, estro e pulso, ambos fogem ao chão
E eu ora encaro a luz, ora à luz estremeço.
E não sei onde o mal e o bem me levarão.
Fim, qual deles será? Qual deles é começo?
Prêmio, qual deles é? Qual deles é expiação?
Por qual deles ventura ou castigo mereço?
Ante o perpétuo sim, e ante o perpétuo não,
Do bem que sempre fiz, nunca busquei o preço,
Do mal que nunca fiz, sofro a condenação.
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ANTERO
A Félix Pacheco
Eu quisera saber em que horrendo limite,
Em que fronteira atroz, em que raia do mundo,
Está o ponto ante o qual, sem que a tortura o agite,
O teu gênio se esvai como um Deus moribundo.
Senti-te crente um dia. Indeciso senti-te
E, afinal, te senti como quem busca o fundo
Das coisas e obedece a um sinistro convite,
Da descrença imergir no pélago iracundo.
Não inspiras temor, mas não há quem te vença.
Por orgulho, és humilde e, na humildade, és forte.
Na imensa revolta e és a piedade imensa.
Morte, amor, crença ou vida, a quem quer que te exorte,
Dizes: Sou mais que a vida e sou menos que a Crença;
Muito maior que o Amor, pouco menor que a Morte.
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FLOR LUTUOSA
Natacés! Natacés! Meu dote encanto
Que ameigaste, gentil, meus gestos brutos
E me inflamaste, em rápidos minutos,
O ininflamável coração amianto,
De onde essa treva que o teu corpo santo
Assim reveste de pesados lutos?
Porque esses olhos negros quando enxutos
Ficam mais negros úmidos de pranto?
De luto ao ver-te, nem eu sei que sinto.
Não sei se é ver fulgir o halo de um astro,
Dentro de escuro e tétrico retinto.
Creio, seguindo o teu saudoso rastro,
Que vejo um cofre de ébano retinto
Resguardando uma estátua de alabastro!
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MELANCOLIA
Quanta gente talvez no mundo existe
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa.
Raimundo Correia
Pelos males e pelas desventuras,
Com que o destino nos foi tão cruel,
Procuramos em nossas mútuas juras,
Atenuar o travor do nosso fel.
Antefruindo, além, horas futuras
No calmo gozo de um ideal vergel,
Esquecemos passadas amarguras,
O beijo impuro ou a carícia infiel.
Mas por sofrer ainda os vis apodos
Dos que me não conhecem o sofrer,
Vivo a fingir audácias e denodos.
Pensam, ao ver-me o alegre parecer,
Que tenho o riso que ambicionam todos,
Em vez do pranto que não quero ter.
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VITÓRIA-RÉGIA
À tona ingrata e hostil de tétrica palude,
Abre, gloriosamente, a impoluta corola
E esplende, no vigor da vida e da saúde,
Na região que um mortal sopro de peste assola.
Grande como a bondade e alva como a virtude,
Na miséria de em torno ela é a radiante esmola
De uma alma vegetal que em toda plenitude
Do mal que a quer poluir, mais se apura e acrisola.
Bendito resplendor da flora brasileira!
Ela, Senhora, eu sei: dessa voss'alma egrégia,
E o símbolo perfeito, é a expressão verdadeira ...
Fê-la rainha a ciência e, ao vê-la, a musa elege-a
Como suprema flor, de entre todas primeira, -
Rival de Vós que sois como a Vitória-Régia.
Fonte: Menezes, Emílio de. “Últimas Rimas”. In Obra reunida. RJ: José Olympio, 1980.
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que elas trazem para mim.