terça-feira, 18 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 37 =


Trova Humorística, de São João de Meriti/RJ

CLEBER ROBERTO DE OLIVEIRA

Os passarinhos da praça
não podem nem ver um calvo:
- Na careca de um que passa
praticam... "titica ao alvo"!
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Soneto do Rio de Janeiro

AGRIPPINO GRIECO 
Paraíba do Sul/RJ, 1888 – 1973, Rio de Janeiro/RJ

Copo de Cristal

Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo estirado na rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,

esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos, e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco a dor da sede.

Contam-me que esse copo pertencera
outrora a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele muita vez bebera.

E ainda hoje a extravagar – cabeça louca ! -
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca...
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

ÂNGELA FONSECA

lápis
sobre
papel
tessitura
de
ideias
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Soneto de São José do Egito/PE

VINÍCIUS GREGÓRIO

Eu e o Galo de Campina

Triste sina de um Galo-de-Campina
Que era alegre bem antes da prisão,
Mas foi preso nas grades do alçapão
E hoje chora no canto a triste sina.

Eu também tive a sina repentina,
Pois um dia fui livre e hoje não.
Na tristeza, esse Galo é meu irmão:
Minha sina da dele é copia fina.

Hoje a casa do Galo é a gaiola.
Notas tristes no canto é que ele sola.
A saudade do Galo - a vastidão.

O meu canto é um canto de lamento.
A gaiola é o meu apartamento.
E a saudade que eu sinto é do sertão.
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Trova Premiada em Rio Novo/MG, 1988

ABIGAIL DE ARAÚJO LIMA RIZZINI 
Nova Friburgo/RJ

Perco a calma se demoras...
Mas chegas e, ao te abraçar,
quisera reter as horas...
fazer o tempo parar...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
1901 – 1964

Fantasma

Para onde vais, assim calado,
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado?

Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa...

Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta indiferença,
que qualquer pergunta dispensa.

Desapareces do lado oposto
e, então, com súbito desgosto,
vejo que teu rosto é o meu rosto,

e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,

minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!
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Quadra Popular

Acordei antes da aurora
dando suspiros por ti,
suspirei o dia inteiro,
suspirando adormeci.
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Soneto de Curitiba/PR

PEDRO SATURNINO
Cabo Verde/MG, 1883 – 1953, Curitiba/PR

Cavalo Pampa

Devo contar (naturalmente em rima)
que também tive o meu cavalo pampa,
de muita fibra, de bonita estampa,
em que eu montava para ver a prima.

O soberbo animal de minha estima,
que bem marchava pela estrada escampa,
ao pé da casa dela, numa rampa,
estralava as ferragens rua acima.

Adivinhando que eu gostava dela,
com tal força batia as ferraduras,
que ela vinha postar-se na janela.

E eu lograva da flor do lugarejo,
das mais belas e gentil das criaturas,
um sorriso de amor melhor que um beijo! 
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Trova de Juiz de Fora/MG

GERALDA ARMOND

A saudade é simplesmente,
um claro espelho encantado,
mira-se nele o presente
e ele reflete o passado.
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Poema de Goiás

CORA CORALINA
(Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas)
Cidade de Goiás/GO, 1889 – 1985, Goiânia/GO

Mãe

Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.
Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições...
Empregos fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.

Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.
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Haicai de Santos/SP

SONIA ADARIAS SOARES BRUNO

Velho cão se encolhe
E o dono divide a colcha –
Inverno na rua.
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Sextilha de Porto Alegre/RS

MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Quando somo, na vida, o meu total,
reconheço, queria fazer mais...
Muitas vezes meu passo foi pequeno,
outras vezes, tremi nos temporais...
Mesmo assim, fiz bastante, e agora eu sei
dar amor, pois amor nunca é demais...
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

A inspiração lembra um sonho...
As trovas, para escrevê-las,
basta querer, eu suponho,
e chegamos às estrelas.
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Glosa de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

MOTE: 
Tu vieste qual guarida
dando sentido ao meu passo.
E passaste em minha vida
qual nuvem, sem deixar traço. 
J. B. Xavier 
São Paulo/SP
 
GLOSA: 
Tu vieste qual guarida 
desde o Plano Superior; 
antes mesmo de nascida, 
incrustavas-me de amor. 

Filha amada, tu chegaste 
dando sentido ao meu passo. 
Eu nem sentia o desgaste 
diante de algum embaraço. 

Por força preconcebida, 
deixaste-me abruptamente. 
E passaste em minha vida 
qual um raio, de repente... 

Não me cabe lamentar, 
esse rude descompasso, 
pois tinhas que aqui passar 
qual nuvem, sem deixar traço.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

GILBERTO MADEIRA PEIXOTO

luz
divina
Deus
assiste
minha
alma
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Soneto de Maceió/AL

GUIMARÃES PASSOS
(Sebastião Cícero dos Guimarães Passos)
Maceió/AL, 1867 – 1909, Paris/França

Teu lenço

Esse teu lenço que possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de mandar-t'o um dia, pois roubei-o,
E foi meu crime em breve descoberto.

Luto, porém, a procurar quem certo
Pode servir-me nisto de correio;
Tu nem sabes que grande é o meu receio
Se em caminho te fosse o lenço aberto...

Porém, ó minha vívida quimera.
Fita as bandas que eu moro, fita e espera,
Que enfim verás, em trêmulos adejos,

Em cada ponta um beija-flor pegando.
Ir pelo espaço o lenço teu voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
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Trova Premiada de Santos/SP

EDNA GALLO

Mensageira tão formosa
é a trova em rimas de amor,
que leva o aroma da rosa
de um coração trovador!
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Poema de Tambaú/SP

SEBAS SUNDFELD
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP

Dilema

O coração é uma taça para a festa da vida.
Com ela comemoramos, na embriaguez da euforia,
os esplendores das pompas, o riso da alegria,
a glória encantada dos amores.
Mas o fazemos com tamanha ansiedade,
com tanto medo
de ver a festa em breve terminar,
que, ao fim, quando brindamos à Felicidade,
que um dia há de chegar,
temos cansado o coração
e a taça está vazia.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

portabilidade

A vida é duradoura
Pra falar com Deus
só com outra operadora
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

O Medo

Sucinto, te sinto
às vezes silente
em raro decanto

ou pressinto teu mavioso canto.
Um instinto quase animal revela
teu êxtase, em peculiar encanto.
Escorres por minhas frestas em
ecos, és o labirinto sacrossanto.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Escravo da liberdade,
sem ela não sei viver.
– Abaixo a corrente, a grade,
tudo quanto anule o ser!
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Reminiscência

O joão-de-barro, a paineira,
e a casinha, ali construída…
Na infância, sobremaneira,
deram-me exemplo de vida!

''São Carlos"... Era o nome da fazenda,
com primaveras, pássaros, paineira...
O cafezal em flor, cena estupenda:
— recordação para uma vida inteira!

No terreirão, na grama em verde renda
- eu com dez anos –, quanta brincadeira!
Na casa simples, mesa com merenda;
dali se via o véu da cachoeira!...

Lembro o balanço no chorão... — Saudade!
Naquele pasto o gado em liberdade;
farto pomar, coqueiro carregado...

Apenas meses e eu nunca esqueci,
da infância a fase que passei ali:
— um tempo mágico do meu passado!
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Poetrix de Paranavaí/PR

RENATO FRATA

Ocasião

Carente e "pidoncha",
a gripe se aninhou
no meu ninho.
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Soneto de Joaçaba/SC

MIGUEL RUSSOWSKY
(Miguel Kopstein Russowsky)
Santa Maria/RS, 1923 – 2009, Joaçaba/SC

A Vida é Urgente

Se sabes que te quero e sou por ti bem quisto,
o “depois” não importa. O tempo nos dirá.
Viver!... Sentir o amor, é urgentíssimo já!
Não somes ao anseio uma descrença, insisto!

Felicidade... Instante azul!... Apenas isto.
Deixa então, o porvir, às leis do “Deus dará”.
Não penses que o amanhã necessite alvará
para dar luz ao sol, se tudo está previsto.

Aproveitemos agora os encantos da vida,
antes que o fado hostil os sonhos desarrume,
ou às desilusões os teus enganos somes!

A existência esvai-se em célere corrida...
Um dia eu serei pó e tu serás perfume
e o vento soprará sem lembrar nossos nomes.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Cai no trilho e a triste sina
maldiz tanto o beberrão...
“Essa escada não termina
e é tão baixo o corrimão!”
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Poema de Portugal 

EUGÉNIO DE ANDRADE 
(José Fontinhas)
Fundão, 1923 – 2005, Porto

A boca 

A boca,
onde o fogo 
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?) 
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser 
se a luz é tanta,
como se pode morrer?

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através de um boletim,
e também toda a magia
que elas trazem para mim.