Na barranca havia um sapo ao abrigo de folhas de taioba. Sonhava conhecer a outra margem, mas permanecia na alfombra a observá-la perdido no tempo entre sussurros, resmungares e roncos.
As horas passavam com ele a admirar o outro lado, o verde mais verde da margem de lá. As árvores mais fortes, sinal de que a terra era melhor que a do seu lado. Diferente, majestoso, uma visão a criar fantasias que o punham a delirar. Os pássaros que cantavam lá possuíam vozes possantes e até o céu, das cercanias da taioba, era mais azul e o sol mais reluzente.
- Que belo! - exclamava. - Num lugar tão especial os insetos devem ser mais saborosos... Um dia ainda me mudo.
E permanecia sonhando desejos repetidos: o lado de lá, bonito e próspero, prometia...
Olhando, entretanto, para seu corpanzil, viu-se mais velho do que era e bem cansado, mesmo sem ter feito coisa alguma além de imaginar o quão bom poderia ser o outro lado, especialmente pelos apetitosos insetos que imaginara viverem ali.
A prova da velhice era sua respiração trôpega que o obrigava a ficar de boca aberta, puxando e expelindo ar, o que lhe tirava roncos do peito como uma máquina barulhenta. Não se poderia dizer se era obstrução respiratória ou a perda de elasticidade do decorrer da idade.
O fato é que, enquanto pensava, resmungava.
Era um sapo resmungão!
Como não se conhece a língua dos sapos, só outro entenderia o que expressava e, como vivia só, talvez fosse o peso da consciência a lhe cobrar a inanição e covardia por nunca ter atravessado o ribeirão.
Sua pele rugosa tingida de terra indicava que ele se preparava sem o saber, para voltar a ser terra como ditam os ciclos da vida, mas o que importa é que ele, sob as folhas, sugeria apenas desejo, e não o ímpeto.
Sonho sonhado não passa de vão desejo.
Uma dúvida surge nessa reflexão; por que não atravessava o ribeirão, se era anfíbio? Por que não fora pela ponte abaixo de onde estava a taioba? Perguntas sem respostas.
Há coisas que como o sapo nos põem sob camisa de força, com pensamentos a voarem flanando qual asas de borboleta, sem se importarem se está frio ou calor, se chove ou não, porque o importante é a aventura, a realização. Mas há os que flanam em mariposas em volta da luz e acabam por morrer chamuscados. Esses são os insensatos.
Com o sapo seria assim; covarde ou preguiçoso? Se não queria enfrentar a correnteza nem atravessar a ponte, por que sonhava?
Como disse Madre Tereza de Calcutá, "a disciplina é a ponte entre os objetivos e as concretizações".
Mas cobrar isso de um sapo que não conheceu a Madre e nem não sabia ler, seria um contrassenso. O que apavora, contudo, é que muitas vezes nós, que sabemos da Madre tanto quanto da leitura, por preguiça ou desmazelo nos transformamos em sapo sob taioba.
Olhamos a outra margem e viajamos... apenas na inveja...
Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
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