sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Roberto Tchepelentyky (Trovas em Preto & Branco)


1
Amor, estranha magia,
do coração e da mente.
Com toda sua alquimia,
nos faz um adolescente.
2
À noite, em frente à TV,
a vovó e o manto dela...
Ela dorme e nada vê,
o manto assiste à novela…
3
"Bate" a inspiração na gente...
Verso nenhum se aquieta,
quando Deus, onipotente,
nos permite ser poeta!
4
Deixa o que passou "de lado",
a vida é um ensinamento...
Pois lamentar o passado
é correr atrás do vento!…
5
E o velhinho gritou: “Opa!...”
Depois de tanta procura...
no prato de sua sopa,
encontrou a dentadura.
6
O amargor da despedida
de alguém que amamos demais,
é ter o sabor na vida
do “gosto de nunca mais”!…
7
O destino escreve a escolha
do amor de nós dois assim:
Páginas da mesma folha...
Tu... de costas para mim!…
8
O teatro é fantasia,
mas, às vezes, como tal,
ninguém o diferencia
da nossa vida real…
9
Partiste... E a nossa amizade
no infinito se enternece...
Tu me mandas a saudade,
eu te mando a minha prece!…
10
Pra aquela visita chata,
o que me deixa mais louco,
é ouvir a frase insensata:
"Já vai? Fica mais um pouco"!…
11
Teu “jogo de amor” peralta,
por ciúme, nos devora:
- tu cobraste a minha falta,
batendo o “pênalti” fora! …
12
Vive a "página da vida"
nem que seja a "solavanco"!...
Pior é quem na "partida",
carimba a página: "Em branco"!

Trovas de Roberto Tchepelentyky em Preto & Branco
por José Feldman

As trovas uma a uma: temas, análise, relação com poetas brasileiros e estrangeiros e suas características. 

As trovas de Roberto Tchepelentyky são uma bela expressão da poesia popular, capturando emoções e situações cotidianas com humor e reflexões profundas.

Trova 1. 
Tema: O amor como uma força transformadora.
A magia do amor é apresentada como um fenômeno que afeta tanto o coração quanto a mente. A metáfora da "alquimia" sugere que o amor tem o poder de criar algo novo e maravilhoso, comparando os sentimentos ao estado de adolescência, onde tudo é intenso e vibrante. Destaca a magia do amor e sua capacidade de nos fazer sentir jovens e cheios de vida.

Vinicius de Moraes: é conhecido por sua poesia lírica sobre o amor, frequentemente explorando sua beleza e complexidade. Seus versos transmitem a intensidade e a magia do amor, assim como a transformação que ele provoca nas pessoas.

Adélia Prado: também aborda o amor de maneira profunda, ligando-o à espiritualidade e à experiência humana, com uma linguagem simples, mas repleta de emoção.

Pablo Neruda (Chile, 1904-1973): reconhecido por sua poesia apaixonada e intensa, frequentemente explorando o amor em suas diversas facetas. Ex: Soneto XVII. Neruda foi influenciado pelo modernismo latino-americano, especialmente na busca por novas formas de expressão poética. A técnica surrealista de imagens vívidas e sonhos se reflete em sua poesia, especialmente em seus poemas amorosos e políticos.

Elizabeth Barrett Browning (Reino Unido, 1806-1861): é famosa por sua obra lírica sobre o amor, especialmente em seu soneto que expressa a profundidade do sentimento amoroso. Ex: Sonhos de Amor (Soneto 43). A emotividade e a valorização da individualidade caracterizam sua obra, típica do movimento romântico. Também incorpora referências a mitologia e literatura clássica em seus sonetos.

Trova 2. 
Tema: A vida familiar e a rotina.
A cena retratada é comum e íntima, mostrando a avó, símbolo de sabedoria e tradição, em um momento de descontração. O contraste entre a avó adormecida e o "manto" que "assiste" à novela sugere uma crítica sutil ao tempo que passa, onde até os objetos têm vida própria nas narrativas da televisão.

Carlos Drummond de Andrade: frequentemente retrata o cotidiano e a vida familiar em suas obras, utilizando uma linguagem coloquial para capturar a essência da experiência humana.

Cecília Meireles: explora temas familiares e a passagem do tempo, refletindo sobre a vida em suas nuances. Sua poesia combina lirismo e simplicidade.

Walt Whitman (EUA, 1819-1892): geralmente retrata a vida cotidiana e a experiência humana em sua poesia, celebrando a simplicidade e a beleza do comum. Ex: Leaves of Grass. Foi profundamente influenciado pelo transcendentalismo, enfatizando a conexão entre o indivíduo, a natureza e o divino. Seu amor pela democracia e pela diversidade da experiência americana permeia sua poesia.

Langston Hughes (EUA, 1902-1967): explorou a vida da comunidade afro-americana, abordando temas cotidianos e familiares com uma voz autêntica. Ex: The Weary Blues. Hughes foi uma figura central no Harlem Renaissance, refletindo as experiências da comunidade afro-americana em sua obra. O ritmo e a musicalidade do jazz e do blues influenciaram seu estilo poético, criando um som único.

Trova 3. 
Tema: O ato de criar e a inspiração.
Aqui, a inspiração é personificada como uma força que "bate" na pessoa, quase como uma intervenção divina. A referência a Deus sugere que a criatividade é um presente e uma responsabilidade, enfatizando a relação entre o divino e o humano na arte.

Fernando Pessoa: é famoso por suas reflexões sobre a criação poética e a inspiração, muitas vezes abordando a busca por significado e a relação entre o poeta e o divino.

Mário Quintana: trata da inspiração de maneira leve e divertida, muitas vezes refletindo sobre a simplicidade e a beleza do ato de criar.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1875-1926): é conhecido por suas reflexões sobre a arte e a inspiração, frequentemente ligando a criação poética à espiritualidade. Ex: Poema: Cartas a um Jovem Poeta. Rilke foi influenciado pelo romantismo e pelo simbolismo, explorando a espiritualidade e a busca por significado. As reflexões filosóficas sobre a condição humana e a solidão estão presentes em sua obra.

Robert Frost (EUA, 1874-1963): aborda a vida rural e a criação poética, explorando a inspiração que vem da natureza e da experiência. Ex: The Road Not Taken. Frost foi influenciado pela paisagem rural dos Estados Unidos, que permeia sua poesia. Seu estilo realista e acessível reflete a vida cotidiana e os dilemas humanos.

Trova 4. 
Tema: Aceitação e aprendizado.
Esta trova fala sobre a importância de viver no presente e aprender com o passado, em vez de se prender a ele. A metáfora de "correr atrás do vento" ilustra a futilidade de lamentar o que não pode ser mudado, incentivando uma visão mais otimista da vida.

Cecília Meireles: além de abordar a vida familiar, Cecília frequentemente fala sobre o tempo e a aceitação, enfatizando a importância de viver no presente. 

Clarice Lispector: embora prosaísta, Lispector explora a psicologia e a aceitação do passado em seus textos, refletindo sobre a experiência humana e o aprendizado.

William Wordsworth (Reino Unido, 1770-1850): fala sobre a importância do presente e da natureza como fonte de inspiração e aprendizado. Ex: I Wandered Lonely as a Cloud. É um dos principais poetas românticos, enfatizando a natureza, a emoção e a experiência pessoal. A busca pelo sublime na natureza e nas emoções humanas é um tema central em sua obra.

T.S. Eliot (Reino Unido, 1888-1965): explora temas de tempo e memória, refletindo sobre a experiência humana e a aceitação do passado. Ex. de poema: The Love Song of J. Alfred Prufrock. Eliot é uma figura central do modernismo, refletindo o desespero e a fragmentação da sociedade moderna. Suas obras são influenciadas por suas leituras de filosofia, religião e literatura clássica.

Trova 5. 
Tema: Surpresas da vida cotidiana.
O tom humorístico destaca a simplicidade da vida e como situações inesperadas podem trazer alegria. A imagem da dentadura na sopa é uma representação da fragilidade da vida e da memória, mas, ao mesmo tempo, da leveza que o humor pode proporcionar.

Manuel Bandeira: combina humor e melancolia, frequentemente utilizando elementos do cotidiano para explorar a fragilidade da vida e o riso como forma de enfrentar a realidade.

Gregório de Matos: Conhecido como o "Boca do Inferno", ele usava o humor e a sátira para abordar a vida e suas ironias, refletindo sobre a condição humana de forma cômica.

Ogden Nash (EUA, 1902-1971): sua poesia humorística e satírica, frequentemente retrata cenas cotidianas com leveza e ironia. Ex: The Cow.

Shel Silverstein (EUA, 1930-1999): usa humor e simplicidade em sua poesia, abordando temas da vida cotidiana de forma divertida. Ex: Where the Sidewalk Ends.

Trova 6. 
Tema: A dor da separação.
Esta trova capta a tristeza e a nostalgia de uma despedida. O "gosto de nunca mais" evoca uma sensação de perda permanente, refletindo a profundidade das emoções ligadas ao amor e à saudade.

Adélia Prado: Adélia explora a saudade e a perda em sua poesia, capturando a dor das despedidas e a profundidade dos sentimentos humanos.

Alfredo Bosi: aborda a experiência da perda e da memória em sua obra, trazendo uma reflexão sobre o que nos deixa saudade.

John Keats (Reino Unido, 1795-1821): explora a beleza e a tristeza das emoções humanas, frequentemente abordando a dor da perda e da despedida. Ex. de poema: Ode to a Nightingale. Keats é um representante do romantismo, explorando a beleza, a emoção e a mortalidade. Referências à mitologia e à literatura clássica são comuns em seus poemas.

Emily Dickinson (EUA, 1830-1886): Dickinson lida com temas de morte, saudade e o efêmero, criando imagens poderosas e intimistas. Poema: Because I could not stop for Death. Dickinson combina elementos do romantismo com o transcendentalismo, refletindo sobre a natureza, a espiritualidade e a individualidade. Seu estilo único foi influenciado pelo seu isolamento e pela introspecção.

Trova 7. 
Tema: Amor e separação.
A metáfora das "páginas da mesma folha" sugere que, embora dois amantes estejam juntos, suas vidas podem se desenrolar em direções diferentes. A ideia de estar "de costas para mim" expressa a dor da desconexão, mesmo quando o amor ainda

Carlos Drummond de Andrade: também explora o destino e as relações amorosas em sua obra, refletindo sobre a condição humana e a separação.

Elias José: suas poesias frequentemente lidam com a temática do amor e do destino, abordando a conexão entre os amantes e as vicissitudes da vida.

Johann Wolfgang von Goethe (Alemanha, 1749-1832): Goethe explora o destino e as relações amorosas em sua obra, refletindo sobre a interconexão entre os amantes. Ex: Fausto. 

Mikhail Lermontov (Rússia, 1814-1841): trata do amor e da separação, frequentemente refletindo sobre o destino e a inevitabilidade das escolhas. Poema: The Demon.

Trova 8. 
A linha entre realidade e ficção.
Esta trova provoca uma reflexão sobre a vida cotidiana como um teatro, onde os papéis que desempenhamos podem ser indistinguíveis da realidade. A ideia de que, por vezes, não se consegue diferenciar entre as duas esferas sugere a complexidade da experiência humana.

Augusto dos Anjos: apesar de mais sombrio, reflete sobre a vida e a morte, questionando a realidade e a fantasia em suas poesias.

Fernando Pessoa: também trata da dualidade entre a realidade e a fantasia em sua obra, especialmente através de seus heterônimos.

Tennessee Williams (EUA, 1911-1983): embora tenha sido dramaturgo, explorou a linha entre realidade e fantasia em suas peças, refletindo sobre a vida humana. Obra: A Streetcar Named Desire.

Eugène Ionesco (Romênia, 1909-1994): é conhecido pelo teatro do absurdo, que discute a fantasia e a realidade de maneira provocativa. Obra: The Bald Soprano.

Trova 9. 
Tema: Amizade e saudade.
A conexão entre amigos é expressa através de um tom de melancolia. A troca de saudade e prece indica que, mesmo na ausência, há um desejo de proteção e carinho, mostrando a profundidade das relações interpessoais.

Casimiro de Abreu: aborda a amizade e a saudade em seus versos, refletindo sobre a conexão emocional e a dor da separação.

Cecília Meireles: novamente, Cecília é relevante por suas meditações sobre amizade, saudade e a profundidade das relações humanas.

Khalil Gibran (Líbano, 1883-1931): aborda temas de amor, amizade e saudade em sua obra, refletindo sobre a conexão emocional entre as pessoas. Poema: O profeta.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1875-1926): também trata de amizade e saudade, utilizando uma linguagem profunda e lírica. Poema: Cartas a um jovem poeta.

Trova 10. 
Tema: Relações sociais e desconforto.
O humor nesta trova aborda a frustração que muitos sentem durante visitas indesejadas. A frase "Já vai? Fica mais um pouco!" é uma ironia, refletindo a falta de percepção do outro sobre o desconforto da situação.

Carlos Drummond de Andrade: usa humor e ironia para abordar situações cotidianas e sociais, muitas vezes retratando a vida urbana e suas peculiaridades.

Mário Quintana: também utiliza o humor em sua poesia, explorando a vida e as relações sociais de maneira leve e bem-humorada.

W. H. Auden (Reino Unido, 1907-1973): usa o humor e a ironia para explorar as relações sociais, frequentemente comentando sobre a vida moderna. Poema: Funeral Blues

Dorothy Parker (EUA, 1893-1967): conhecida por seu humor ácido e críticas sociais, abordando situações de desconforto com sagacidade. Poema: Resume. Parker foi influenciada por movimentos de vanguarda e pelo modernismo, refletindo uma visão crítica da sociedade. Seu estilo mordaz e humorístico foi moldado por suas observações sociais e experiências pessoais.

Trova 11. 
Tema: Ciúmes e desentendimentos.
A metáfora do "jogo" é uma maneira inteligente de descrever a dinâmica do amor, onde os ciúmes podem causar conflitos. O "pênalti" perdido simboliza oportunidades desperdiçadas e a dor que resulta de mal-entendidos.

Vinicius de Moraes: explora as complexidades do amor e do ciúme, usando metáforas e imagens para retratar as dinâmicas amorosas.

Adélia Prado: também aborda a complexidade das relações amorosas com uma linguagem clara e poética, refletindo sobre emoções intensas.

W. B. Yeats (Irlanda, 1865-1939): explora a complexidade das relações amorosas e os conflitos que surgem delas, usando metáforas ricas. Poema: When You Are Old.

Sylvia Plath (EUA, 1932-1963): aborda a dinâmica das relações amorosas com intensidade e emoção, explorando ciúmes e conflitos. Poema: Lady Lazarus. Plath explora questões de identidade feminina e a luta contra as expectativas sociais. A influência da psicanálise e suas experiências pessoais permeiam sua obra, refletindo angústia e complexidade emocional.

Trova 12. 
Tema: Plenitude e realização.
Aqui, a ideia de viver plenamente é central. A metáfora da "página em branco" representa a falta de experiências significativas. A ênfase na "solavanco" sugere que, mesmo as dificuldades, são parte importante da jornada.

Mário Quintana: fala sobre a vida de forma leve e filosófica, incentivando a vivência plena e a apreciação do cotidiano.

Fernando Pessoa: reflete sobre a vida e suas experiências, instigando o leitor a refletir sobre a plenitude e o significado de cada momento.

Walt Whitman (EUA, 1819-1892): encoraja a vivência plena da vida e a apreciação da experiência humana em sua obra. Poema: Song of Myself

Mary Oliver (EUA, 1935-2019): celebra a vida e a natureza, incentivando a apreciação do presente e a vivência autêntica. Poema: The Summer Day. Oliver é fortemente influenciada pela natureza, explorando a conexão entre o ser humano e o mundo natural. Seu estilo é marcado pela simplicidade, com uma linguagem clara que transmite profundidade.

CONCLUSÃO
As trovas de Roberto Tchepelentyky representam uma intersecção rica entre a tradição poética e as inquietações contemporâneas, revelando a relevância contínua da poesia na compreensão da experiência humana. Em um mundo marcado pela velocidade das interações e pela superficialidade das relações, suas trovas ressoam com a profundidade emocional e a sabedoria que muitas vezes se perdem na correria do cotidiano.

As trovas são, em essência, uma celebração da vida em suas nuances. Elas abordam temas universais como amor, saudade, amizade, perda e as ironias do dia a dia. Cada verso serve como um espelho que reflete não apenas as alegrias e tristezas da vida, mas também as complexidades das relações humanas. Em um tempo em que a comunicação se dá predominantemente por meio de mensagens instantâneas e redes sociais, suas palavras poéticas nos lembram da importância da reflexão e da conexão emocional genuína.

Influenciado por uma rica tradição poética brasileira e pela cultura popular, Tchepelentyky incorpora uma linguagem acessível que dialoga com o leitor. Ele utiliza metáforas e trocadilhos que, embora simples à primeira vista, carregam uma profundidade significativa. Através de suas trovas, ele nos convida a reconsiderar nossas vivências, a valorizar os momentos simples e a aprender com os desafios da vida.

As temáticas que ele aborda são essenciais para o entendimento das dinâmicas sociais contemporâneas. A saudade, por exemplo, é uma emoção profundamente enraizada na cultura latina, e o trovador explora com sensibilidade, permitindo que os leitores se conectem com suas próprias experiências de perda e lembrança. O humor presente em suas trovas também desempenha um papel crucial, proporcionando alívio e uma nova perspectiva sobre as situações cotidianas que, muitas vezes, podem parecer pesadas.

Em um mundo onde a superficialidade frequentemente prevalece, as trovas de Tchepelentyky nos convidam a uma reflexão mais profunda sobre nossas relações e experiências. Elas nos lembram que, apesar das dificuldades e das ironias da vida, há beleza na simplicidade e na autenticidade. Através de sua poesia, Tchepelentyky reafirma a importância da arte como um meio de expressão e conexão, salientando que as emoções humanas são universais e atemporais.

Assim, suas trovas não são apenas um tributo à tradição poética, mas também um chamado à consciência e à apreciação das nuances da vida. Em um mundo contemporâneo que frequentemente busca a instantaneidade, suas trovas nos ensinam a valorizar o que é profundo, significativo e humano.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

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e também toda a magia
que elas trazem para mim.