VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP (1866 – 1924)
Velho tema I
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
= = = = = =
Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP
"Casamento... - alguém já disse -
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice
e começa...a criançada..."
= = = = = =
Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
Somos barcos que navegam sem partirmos
A distância nos separa, mas sonhamos...
E nos sonhos, somos muito mais felizes,
Pois nas cores mais sensíveis que criamos,
Inventamos flores de novos matizes.
Nossas rosas são azuis sem as tingirmos,
Nossos mares são tranquilos ou selvagens,
Somos barcos que navegam sem partirmos,
Ninguém pode impedir nossas viagens.
Somos seres que transcendem sentimentos,
Nosso voo vai muito além da eternidade,
Recriamos nossos próprios pensamentos,
Nosso amor só sobrevive em liberdade.
Colorimos as imagens que queremos,
Encurtamos o espaço que separa
Quem nos ama, com o melhor amor que temos
E é assim que a solidão nos vira a cara.
Mesmo quando alguma dor nos surpreende,
Porque somos seres frágeis e mortais,
Só a nossa fantasia compreende
Esses nossos sofrimentos tão iguais.
Construímos nossas naus e viajamos
Para onde os sonhos possam nos levar
Pois em cada sonho bom que recriamos
Nós soltamos nossa solidão... no mar.
= = = = = =
Trova Premiada em Irati/PR, 2023
LILIA MARIA MACHADO SOUZA
Curitiba / PR
Melhor seguires adiante,
dispenso o anel e as mesuras:
a pedra é falso brilhante,
e falso o amor que me juras.
= = = = = =
Escada de Trovas de
FILEMON MARTNS
São Paulo/SP
“É frio, a noite descansa;
o espaço é vasto e medonho.
De repente, a lua mansa
surge nos braços de um sonho.”
Humberto Del Maestro
(Serra/ES)
“Surge nos braços de um sonho”
numa beleza sem fim,
e a poesia que componho
fica mais perto de mim.
“De repente, a lua mansa”
aparece sorridente
dando vivas à esperança
e sorrindo à minha frente.
“O espaço é vasto e medonho”
quase sempre me dá medo,
que às vezes fico tristonho
pensando no teu segredo.
“É frio, a noite descansa”
e eu sonho com as estrelas
tão belas, ninguém alcança,
- só é permitido vê-las.
= = = = = =
Trova Popular
Alma no corpo não tenho:
minha existência é fingida;
sou como o tronco quebrado,
que dá sombra sem ter vida.
= = = = = =
Poema de
EUNICE ARRUDA
Santa Rita do Passa Quatro/SP, 1939 – 2017, São Paulo/SP
Um dia
um dia eu
morrerei
de sol,
de vida acumulada
na convulsão
das ruas
um dia eu
morrerei e
não
podia:
há poemas
escorregando de meus dedos
e um vinho não
provado
= = = = = =
Trova de
HILÁRIO S. SONEGHET
Ibirassú/ES
No meu cinzeiro de barro
constantemente deponho
ora a cinza de um cigarro,
ora a cinza de algum sonho.
= = = = = =
Poema de
CLEVANE PESSOA
Belo Horizonte/MG
Origami da sorte
A folha de papel A4, totalmente em branco
é uma tentação a que eu derrame a alma,
para sempre marcando-a com a magia da Palavra...
Meu lado artesã/artista discute com meu lado poetisa:
desenhar, dobrar, fazer
em vez de apenas escrever...
Então, aliso a folha nívea,
triangulo o gesto,
corto a sobra e obtenho
um perfeito quadrado...
As dobraduras se sucedem, aqui e ali,
faço um dos mais básicos origamis:
uns dizem que é um saleiro,
outros, um açucareiro
para qualquer escoteiro,
mas os sonhadores,
viram-no do lado oposto,
encaixam nas abas os polegares e indicadores
e se põem a ler a sorte, a partir de números
pedidos ao acaso...
Para falar de sorte ou atraso,
perdas e ganhos,
amores,
levanto cada espaço
e neles escrevo trovas
sem nenhum embaraço...
assim , ao chamar a menina
que cochilava dentro de mim,
resolvi o impasse:
fiz um objeto, escrevi versos
e pude brincar como se a infância
nunca tivesse acabado…
= = = = = =
Trova de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS
Um verso pobre, uma trova,
merecem sempre acolhida,
pois o sonho se renova
a cada instante da vida.
= = = = = =
Soneto de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP
Trovador
Não sei se trovador já nasce feito,
ou se ele é feito apenas por amor;
sei que ele lembra muito o amor-perfeito,
se nos encanta, assim como essa flor.
Qualquer das duas formas, com efeito,
talvez nem interfira em seu valor,
pois na flor ou poesia vale é o jeito
encantador que o deu seu criador.
No amor-perfeito o belo é sempre assim,
quer ele nasça num nobre jardim,
ou num quintal bem rude e desprezado.
E o trovador em sua poesia,
tem que insuflar amor, com estesia,
para exaltar alguém apaixonado!
= = = = = =
Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ (1916 -1977) Santos/SP
Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto!...
= = = = = =
Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989
O assassino era o escriba
Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito
inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular
com um paradigma da 1ª conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético
de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
= = = = = =
Trova Funerária Cigana
Erguei-vos flores da noite,
tristes rosas da manhã,
velem umas sobre as outras
O tum'lo de minha irmã.
= = = = = =
Soneto de
EMILIANO PERNETA
Pinhais/PR, 1866 — 1921, Curitiba/PR
D. Juan
Sensível, como quem podia ser, apenas
Mais vão do que uma sombra um gesto perpassou,
E logo desse herói, revoltas as melenas,
Brilhava o estranho olhar, que tanto ambicionou...
Era uma confusão. Pálidas e morenas,
Cada qual, cada qual, como Deus a formou,
Não foi uma, nem dez, porém foram centenas
As mulheres por quem D. Juan desesperou...
Todas, todas que viu, ele mordeu de beijos,
Enraiveceu de amor, poluiu de desejos,
Tomado de furor, doido d'embriaguez...
Um delírio! Porém, D. Juan era um artista
E portanto cruel, nervoso, pessimista,
E de resto, o infeliz nunca se satisfez!
= = = = = =
Trova Hispânica de
PATRÍCIA PEREZ NERICE
Chile
Tu rostro cada mañana,
tu sonrisa y tu mirada,
me hacen sentir soberana
siendo por ti apasionada.
= = = = = =
Poema de
DILMA DAMASCENO
Caicó/RN
Relembrando a minha origem (I)
Amo a vida genuína
(ornada de singeleza)!...
Idolatro a Natureza!...
A floração, me fascina!
Exulto, sobremaneira,
com o cantar que encerra
meu querido “Pé de Serra”!...
Sou Cabocla Brasileira,
aguerrida descendente
da Região do Nordeste…
portanto, “Cabra da Peste”...
Ademais, sou renitente,
Potiguar e Sertaneja
(do Sertão do Seridó)…
e natural de Caicó
(onde a brisa é benfazeja…
e o povo é bom, e gentil),
Cidade de clima quente
(terra do sol reluzente),
que acende o céu do Brasil!
= = = = = =
Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP
- Peço a mão de sua filha...
e aí para, ante a visão:
Tá o sogro... de sapatilha
e a sogra... que sapatão!
= = = = = =
Soneto de
JOSÉ D'ABREU ALBANO
Fortaleza/CE 1882-1923
Soneto da Dor
Mata-me, puro Amor, mas docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício implacável e inclemente.
Faze que a dura pena me atormente
E de todo me vença e me conquiste,
Que o peito saudoso não resiste
E o coração cansado já consente.
E como te amei e sempre te amo,
Deixa-me agora padecer contigo
E depois alcançar o eterno ramo.
E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.
= = = = = =
Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
A velhice se avizinha,
porém não me assusta não.
– Eu sei que no fim da linha
Deus me espera na estação!
= = = = = =
Poema de
JOVINO PEREIRA DA LUZ
Pão de Açucar/AL 1855 – 1908
O São Francisco a sonhar
Era noite! O São Francisco,
Dormindo e manso a sonhar,
Entre os beijos d’uma brisa,
Ao sorriso d’um luar!
As estrelas lhe sorriam,
Os aromas o envolviam!
E eu dizia, então:
“Como é belo quando dorme
O gigante rio enorme
Nestas plagas do sertão!”
................
Era belo ver-se o rio
Venturoso assim dormir,
Entre flores trescalando,
Entre belas a sorrir!
Oh! Lembro-me dessa cena,
Grandiosa e tão serena
Como um riso p’raisal!
Cena tocante e sublime
Que um poeta não exprime
E só diz: - “Não tinha igual!”
= = = = = =
Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Se tu não tens água e pão,
te expões ao mundo voraz...
Migra em busca de outro chão,
sê pois, migrante da paz!
= = = = = =
Hino de
Salto do Lontra/PR
Foi chegando o Bandeirante
Seu semelhante a irradiar
A esperança d'alma nobre
Na grandeza do lugar
Mais que a terra tão selvagem
Foi valente o sonhador
Fez brotar da terra bruta
O feijão, a paz e o amor.
(Refrão)
Salto do Lontra és coração do sudoeste
A Senhora Aparecida é quem vigia seu andar
Pelos caminhos da bonança que fizeste
Salto do Lontra és esperança, és Paraná (bis)
O Iguaçu vai junto ao Lontra
Procurando enriquecer
As colinas montanhosas
Onde o sol te viu nascer
De Caxias foi a Salto
Onde a beleza foi morar
No coração do sudoeste
Fiz meu canto, fiz meu lar.
= = = = = =
Trova Humorística de
IVAN RIBEIRO DA CONCEIÇÃO
São João do Meriti/RJ
Vai nascer. Meu Deus, compadre,
chame o médico, ligeiro!
- Não, - diz o pai - chame o padre:
nós vamos casar primeiro!
= = = = = =
Sonetilho de
OLIVALDO JUNIOR
Mogi-Guaçu/SP
Um poeta se despede
Com a mão na consciência,
um poeta sempre pede
um pouquinho de ciência,
claridade que nos mede.
Já sem pouso, em paciência,
um poeta sempre cede
quando a vida, efervescência,
só borbulha e retrocede.
Com as linhas mal traçadas,
um poeta se despede,
despe o corpo de alvoradas!...
Deixa versos sem amadas
e uma mãe que lhe concede
muitas lágrimas roladas.
= = = = = =
Trova de
ALOÍSIO ALVES DA COSTA
Umari/CE (1935 – 2010) Fortaleza/CE
Feliz é quem, pela vida,
envelhecendo sem fugas,
alegre e de fronte erguida,
zomba do espelho e das rugas.
= = = = = =
Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França
As rãs e o Sol
Querendo o Sol casar-se,
As rãs, quando o souberam,
A Júpiter fizeram
Humilde petição,
Dizendo: «Não consintas,
Ó Júpiter sagrado,
Que mude o Sol de estado,
Que tenha geração;
Porque se ele sozinho,
Com seu calor intenso
Nos faz um dano imenso
Na cálida estação;
Em tendo esposa e prole,
Seus novos sucessores,
Com férvidos calores
O mundo abrasarão:
Secando-se as lagoas,
As fontes e as correntes,
Os nossos descendentes
A vida acabarão!»
Ouvindo Jove as preces,
Negou consentimento
Do Sol ao casamento,
Às rãs em atenção.
Aquele que previne
Que o mal se reproduza,
Prudente evita e escusa
De horrores profusão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Levo a prosa e a poesia,
através de um boletim,
e também toda a magia
que elas trazem para mim.