Mensagem na Garrafa = 119 =


George Washington Abrão
Maringá/PR

A ESTAÇÃO

Em meados do século passado, mormente aos domingos ou feriados, a juventude jaguariaivense, vestida com os seus trajes domingueiros, sabedora dos horários de passagem dos trens de passageiros (misto, passageiro e noturno), dirigia-se à Estação Ferroviária para assistir a passagem dos comboios.

Da plataforma já se escutava o apito da locomotiva aproximando-se e também do sino que lá havia e que badalando dava o “pode” para que o trem adentrasse a estação. Quando ele estacionava, espalhando o cheiro acre de fumaça, começava o corre-corre dos vendedores de amendoim, sanduíches, doces e outras guloseimas; do desembarque e embarque dos passageiros; das moças e rapazes locais procurando olhar os jovens viajantes, mesmo que fosse apenas para ganhar apenas um olhar ou um sorriso. Também havia os que tinham mais sortes às vezes entabulavam breve diálogo com algum deles, a troca de endereços e promessa de correspondência. Era um encantamento fugaz que fazia com que as moças mais românticas sonhassem com um príncipe encantado, que talvez conhecessem naquele passeio.

Então, novamente o sino tocava, o apito langoroso em tom de despedida soava da locomotiva e o trem partia, a princípio lentamente, depois ganhando velocidade, levando lembranças e deixando saudades naquelas mentes juvenis.

Então, pouco a pouco, fazia-se o silêncio na bela estação, e todos iam se retirando para esperar a chegada do próximo comboio.

[George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017. Enviado pelo autor.]

Vereda da Poesia = 4 =


Antero Jerónimo
Lisboa/Portugal

De novo invoco o testemunho do tempo antigo
na ilusão de despertar um sonho adormecido

O espírito paira  na atração da vertigem
vítreo olhar incidindo na profundidade resguardada
onde só a memória mergulha com exatidão

Sem o pressentir, já habitavas em mim!

Revejo-me debaixo da frondosidade da árvore 
estendido sobre um atapetado manto de fantasia
contemplando com o olhar não empoeirado
o tempo espreguiçando-se na sua vagarosa letargia

Desconhecendo que já conhecia a paz
deixava-me livremente invadir
pelos ruídos do dia em suave orquestração
sinfonia recebendo os aplausos do sentir

Sem o pressentir, já habitavas em mim!

O pensamento retinha a inocência de cada gesto
sorriso a desabrochar em doçura de pólen
ingenuidade perante o voo sôfrego das abelhas

Uma felicidade idílica tomava conta de mim
naquele recôndito esconderijo de verdura
onde o sonho abraçava a realidade com ternura

Mesmo não o pressentindo,  já habitavas em mim!

Fonte: Facebook do poeta

Silmar Bohrer (Croniquinha) 111

O pensar, o escrever, o divagar, o filosofar, todos parecem um gravetinho que fica cutucando as ideias, disfarçando o sono, absorvendo madrugadas. 

Xingar ? Não xingo ! 

Farinhas do mesmo teor costumam produzir produtos homogêneos em sua natureza. E neste caso o verbo agradece . Porque é nestas horinhas da calada da noite em que alma e ser harmonizam, que se reúnem os seres interiores para fabular tanta coisa. 

No colo das madrugadas as musas incitam instantes de pura lucidez, e então flui um pouco de tudo, como se viessem lá dos labirintos do ser nobres pensares, rimas ricas, rimas pobres, palavras doces, frases sortilégios, encantamentos do viver. 

Fonte> Enviado pelo autor

Aníbal Beça (Poemas Escolhidos) = 3 =


CHUVA DE FOGO

Meus olhos vão seguindo incendiados
a chama da leveza nesta dança,
que mostra velho sonho acalentado
de ver a bailarina que me alcança

os sentidos em febre, inebriados,
cativos do delírio e dessa trança.
É sonho, eu sei. E chega enevoado
na mantilha macia da lembrança:

o palco antigo, as luzes da ribalta,
renascença da graça do seu corpo,
balé de sedução, mar que me falta

para o mergulho calmo de um amante,
que se sabe maduro de esperar
essa viva paixão e seu levante.
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CURTA PAVANA

O dorso que se curva arco elegante
desenha na memória a leve dança
da bailarina grácil, celebrante
de rito sedutor, que me balança

toda vez que me vejo tão distante,
torcendo meus desejos na lembrança
dos momentos vividos, no constante
aprendizado vasto da mudança.

Posto que a vida corre em curtas curvas,
transitória paisagem, vário atalho
que vai modificando linhas turvas.

Mutante claridade me agasalha:
no casulo do gozo de sussurros
sei-me bicho saído dessa malha.
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DIONYSIO

Ungido para o fado e a nova festa
Meu carnaval profano já celebra
As quarentenas dívidas da carne
Na cela de costelas das mulheres.

Como devasso réu, confesso fauno,
No vinho das delícias me declaro
Sem culpa e sem pecado original
Pois nessa pena sou igual a tantos.

Já disse certa vez em cantoria:
De nada me arrependo e reconfirmo
Agora que o meu tempo é só de gozo.

A vida que me dou não dá guarida
Nem guarda desalentos de tristeza
Somente na alegria é que me morro.
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EQUU 
(para o poeta Rafael Courtoisie)

Nos astros me perdia logo cedo
enquanto a luz vestia-me de noites.
Então chorava no meu ombro o enredo
grave galope breve com seus coices.

As éguas do destino cospem medos
sabendo-me alazão de muitas foices,
ou pangaré lunar dos meus degredos.
Por isso perseguiam-me nas noites

àquelas mais escuras sem estrelas
nas quais sou presa fácil sem que fosse
porque flechando verbos sei contê-las.

Não eram éguas mouras dos desertos
senão potrancas férteis com seus roces
estas que vinham mansas muito perto.
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SONETO DA SENTIDA SOLIDÃO

A falta é complemento da saudade,
servida em larga ausência nos ponteiros,
bandeja dos segundos que se evade,
em pasto das desoras, sorrateira.

Estar é seduzir sem muito alarde,
no avaro aqui agora companheiro,
o porto da atenção que se me guarde
o ser presente da sanha viageira.

Partir é sentimento de voltar,
liberta, eu sei, no vento e seu afoite,
navega a sina em rasa preamar;

ela, essa ausente, é dona e meu açoite,
no seu impulso presto em navegar,
vai se enfunando em névoa pela noite.
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TOADA PARA SOLO DE OCARINA

Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalha

como tapete denso em chão de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhado

Nesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafina

E colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
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Fonte> https://www.sonetos.com.br. Acesso em 15.01.2016. (site desativado)

Monsenhor Orivaldo Robles (O Palavrão)

Tarde de um domingo destes. Caminho para a Catedral. Em minha direção, na calçada, vêm dois rapazes. A todo instante olham para trás com um sorriso maroto. Lá adiante, o motivo: três garotas em shortinhos sumários, que só não revelam pensamento. É a moda, que fazer? Ninguém lhe resiste. (A propósito, alguns esperam que o padre condene trajes curtos na igreja. Nunca me senti à vontade para isso. Não é minha praia. Faz anos, após muita cobrança, expliquei: “Gente, não tenho nenhuma competência para a moda. Nem, aliás, para muitas outras coisas. Não se usa longo em praia nem biquíni em casamento. Para uma igreja, o marido, pai, avô, irmão, primo, namorado… da senhora ou da senhorita vejam se a roupa é adequada ou não. Quem convive com elas é que deve opinar sobre o que vestem”).

Voltando às jovens: alcanço-as no semáforo fechado. Antes que ele abra por completo, passam correndo. Um motorista buzina. A mais alta ergue o braço e, sem se importar com os presentes – parece desejar que todos ouçam – grita, o mais forte que pode: “Ah, vá se …”! Levo um susto. Sou antiquado, reconheço. Entendo palavrão como descortesia, falta de educação. Pelo menos em público. Vindo de mulher, então, é um descalabro. Nos marmanjos, mais desbocados por natureza, surpreende menos. Mas mulher é pessoa fina, nobre, gentil.

Sabe-se lá quem criou o xingamento ou o baixo calão, que todas as línguas conhecem. Aquele mais comum, que ofende a mãe do atingido, pelo jeito, existe há séculos. Quase todos os povos o utilizam. Ou todos mesmo. Até na Bíblia, onde ninguém esperava encontrá-lo, ele aparece. Saul, primeiro rei de Israel, era um indivíduo de maus bofes. Apesar da nobreza do cargo, não tinha muita preocupação com a fineza das palavras. Prática seguida, ainda hoje, por muitos ocupantes de altos postos que, longe dos microfones, mostram levar uma latrina na boca. Num rompante de ira contra o filho Jônatas, Saul sapecou-lhe o xingamento de uso universal (1Sam 20,30). Para não chocar o leitor, as traduções da Bíblia costumam usar expressão mais suave. Mas, no popular mesmo, a gente sabe muito bem o que ele disse. E olhe que Saul viveu no século 11 a. C., embora os livros de Samuel, que contam a sua saga, tenham sido redigidos pelo século 7° a. C. Como se vê, boca suja não é invenção de hoje.

Não sou nenhum puritano; não me escandaliza qualquer besteirinha. Compreendo, além disso, que situações excepcionais, vez por outra, acabem com a paciência do mais devotado discípulo de Jó. Por experiência aprendi, ao longo dos anos, quanto nos pesa o barro de que somos feitos. Mas uma dose de cuidado com as palavras cairia bem entre nós. Ultimamente as pessoas vêm usando um palavreado de fazer corar marinheiro em cais de porto. Isso é ser moderno, ser livre? Não será, antes, grosseria, falta de educação?

Desculpem-me os que me consideram um velho quadrado. Mas reflitam comigo: com razão reclama-se da violência que hoje assola o nosso mundo. Entretanto a violência nutre-se também da agressividade expressa no modo de falar. Do prazer doentio desfrutado por muitos num vocabulário canalha que, longe de dignificar, avilta as pessoas. Não será o caso de cuidarmos um pouco mais das palavras que usamos?

Recordando Velhas Canções (O Caderno)


Compositores: Toquinho e Mutinho

Sou eu que vou seguir você
Do primeiro rabisco até o bê-a-bá
Em todos os desenhos
Coloridos vou estar
A casa, a montanha, duas nuvens no céu
E um sol a sorrir no papel

Sou eu que vou ser seu colega
Seus problemas ajudar a resolver
Te acompanhar nas provas bimestrais
Você vai ver
Serei de você confidente fiel
Se seu pranto molhar meu papel

Sou eu que vou ser seu amigo
Vou lhe dar abrigo
Se você quiser
Quando surgirem seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel

O que está escrito em mim
Comigo ficará guardado
Se lhe dá prazer
A vida segue sempre em frente
O que se há de fazer

Só peço a você um favor
Se puder
Não me esqueça num canto qualquer

Só peço a você um favor
Se puder
Não me esqueça num canto qualquer
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A Jornada da Infância aos Primeiros Passos da Adolescência em 'O Caderno'
A música 'O Caderno', interpretada pelo cantor e compositor Toquinho, é uma obra que evoca a nostalgia e a inocência da infância, além de refletir sobre o crescimento e as mudanças que ocorrem na passagem para a adolescência. A letra da canção personifica um caderno, que simboliza as memórias e aprendizados que acompanham uma pessoa desde os primeiros traços infantis até os desafios mais complexos da vida escolar e pessoal.

O caderno, como narrador da história, expressa um vínculo profundo com o dono, prometendo estar presente em todos os momentos significativos, desde as simples atividades de colorir até as provas e dificuldades escolares. A relação entre o caderno e a criança é apresentada como uma amizade leal, onde o caderno se torna um confidente das alegrias e tristezas que marcam o crescimento. A menção aos 'primeiros raios de mulher' sugere a transição para a adolescência, um período de descobertas e transformações intensas, onde o caderno, ainda que possa ser rasgado, guarda as memórias de um tempo mais simples e puro.

A canção termina com um pedido emocionante do caderno para que não seja esquecido, refletindo o desejo humano de preservar as lembranças da infância. 'O Caderno' é uma metáfora para as experiências que moldam quem somos e um lembrete de que, apesar do inevitável avanço do tempo, as memórias da infância têm um valor inestimável que merece ser guardado e revisitado. Toquinho, com sua habilidade de composição e sua voz suave, consegue transmitir essa mensagem de forma tocante, ressoando com ouvintes de todas as idades.

Contos e Lendas do Paraná (Município de Jaguariaíva)

A SANTA DO PAREDÃO

Conta-se que pelos idos de 1820, quando Jaguariaíva ainda não existia e era apenas uma vasta área de terra cheia de matas e campos, num raio de mais de uma centena de quilômetros, pertencendo à Vila de Castro, surgiu a lenda da Santa do Paredão.

A origem exata da imagem da santa ninguém sabe. O que chama a atenção até hoje é o surgimento do desenho de uma imagem na pedra, num paredão, a uns 80 metros de altura, trabalhado pela natureza de modo admirável.

Muitas histórias surgiram com o passar dos anos. Uma delas, contada pelo senhor Jostino de Miranda, morador na época, nas imediações do paredão, diz que, às margens do rio, alguns homens caçavam e já depois do meio-dia, sem que tivessem tido sucesso na caçada, ouviram repentinamente os latidos dos cães furiosos. Correram para verificar o que acontecia. Os cães continuavam latindo sem parar. O terreno era muito irregular, mata muito fechada e os cachorros haviam se embrenhado num local de acesso muito difícil. Após vencer os obstáculos, verificaram que os cães, muito bravos, latiam e investiam contra alguma coisa.

O primeiro caçador a chegar, vê então uma cena da qual nunca mais se esquecerá: os cães, aos pés de um alto paredão de pedra, latindo contra um facho forte de luz, que dele emanava. Essa visão foi testemunhada por todos os caçadores que viram. No meio do mato, ao pé do paredão, no meio de uma forte luz azulada, estava aparecendo a imagem de uma santa. Uma imagem de santa que eles nunca tinham visto, porém imaginavam que era de uma santa.

A religiosidade aflorava naquela época e os caçadores imediatamente voltaram para o povoado, a quase trinta quilômetros, contando a todos o que viram. As pessoas ficavam admiradas e logo começaram a visitar o local. E, não muito tempo depois, iniciaram-se algumas romarias para ver a Santa do Paredão.

Alguns já falavam em construir uma capela, mas, de repente, ninguém mais via a santa. Ela havia preparado uma surpresa. A imagem, vista pelos caçadores, inicialmente na parte baixa do paredão, não mais aparecia ali. As aparições pararam por um tempo. Mas não demorou muito para que voltassem a acontecer. Só que, a partir de então, no centro do paredão, em local a que jamais se poderia chegar, pois o paredão tinha cerca de 100 metros de altura. Esses fatos, que tiveram registros a partir de 1820 em Jaguariaíva, contêm uma curiosa coincidência com o grande fenômeno religioso do Brasil. Aconteceram, paralelamente, às aparições de Nossa Senhora Aparecida, a versão negra da mãe de Jesus, no Rio Paraíba, no Estado de São Paulo.

A época era a do tropeirismo. Por ali passava o histórico Caminho de Viamão. E os maiores divulgadores da história da Santa do Paredão foram os tropeiros, que transportavam de tudo, levando de Viamão-RS a Sorocaba-SP mulas carregadas de produtos.

Ao passarem por ali, encantavam-se com tudo que ouviam. Era na época o único meio de transporte e comunicação. Eles se incumbiam de espalhar pelo Brasil a fama da religiosidade da região e da Santa. Isso com certeza ajudou a convencer o Imperador do Brasil, Dom Pedro I, no dia 15 de setembro de 1823, a assinar o alvará elevando a Fazenda Jaguariaíva à condição de Freguesia.

O paredão em que aparece a Santa fica na zona rural do município de Jaguariaíva, a 22 km do centro da cidade, na estrada PR 092, ainda sem pavimentação, que liga a cidade com o Distrito Eduardo Xavier da Silva, Sertão de Cima e o município de Doutor Ulysses. Existem placas que orientam o motorista para chegar com facilidade ao local, que é muito frequentado por romeiros.

No mês de maio, último domingo do mês, acontece uma Caminhada Ecológica ao local, com a participação de milhares de pessoas, que saem a pé do centro da cidade e caminham os 22 km até o local, onde acontece missa e festa com barraqueiros. Muletas, fotos e objetos dos mais variados são depositados num local parecido com uma gruta durante o ano todo, quando velas são queimadas em agradecimento por graças recebidas.

Muitos são os testemunhos de pessoas que alcançaram cura ou graças diversas pela intercessão à Santa do Paredão.

Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Vereda da Poesia = 3 =

Solange Colombara
São Paulo/SP

Trio de Spinas

MATURIDADE 

Minguaram algumas falas,
calaram-se várias lágrimas, 
sangraram fortes canduras.

Sorrisos dizem mais que palavras 
soltas levadas ao vento, absortos 
em lábios tristonhos, sem rasuras. 
Neste enleio, determino a bússola 
do tempo, em inúmeras molduras.
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CLAUSURA 

Reclusa no próprio 
tempo, seu sorriso
é seu sentimento.

Ora transborda paz, um alento, 
às vezes um leve contratempo. 
Atada em utopias, é momento, 
ou somente uma página virada
levada por folhagens no vento.
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SAUDADE...

Penetra na pele
feito um aroma
leve de jasmim,

soprado na brisa do outono, 
um sentimento da doce paz
que renasce dentro de mim.
É um poema, uma profunda
saudade que nunca terá fim.

Fonte> Facebook da poetisa

Mensagem na Garrafa = 118 =


Tito Olívio
Lisboa/Portugal

O VERÃO DE ANTIGAMENTE

Nos anos 30 e 40 do século passado, que incluíam os seis anos da Segunda Guerra Mundial, já havia uma grande afluência às praias, mas ao domingo, que era o único dia de descanso semanal. No campo ainda se trabalhava de sol a sol e só tinham férias de um mês os funcionários públicos. Na atividade privada, os patrões davam quinze dias de férias por ano e apenas aos empregados mais antigos.

Como a quase totalidade das pessoas tinha de utilizar os transportes públicos, somente podia frequentar as praias servidas por eles. Quem vivia em Lisboa tinha ao seu dispor o elétrico, o comboio de Cascais e os barcos do Tejo. O primeiro chegava até o Dafundo, permitindo que se aproveitasse a praia de Algés ou a da Cruz Quebrada; o segundo tinha início no Cais do Sodré e servia toda a chamada linha, permitindo usar as praias de Caxias, Paço de Arcos, Parede, Estoril e Cascais; os terceiros partiam de Belém e dirigiam-se para a Trafaria, de onde havia autocarros (chamavam-se camionetas) para a Costa da Caparica. O transporte mais barato era o elétrico, mas, mesmo assim, andava-se muito a pé, para poupar uns centavos. O custo dos bilhetes estava dividido em três escalões, conforme a distância, sendo de cinquenta (verde), oitenta centavos (amarelo) e um escudo (vermelho). Aos dias de semana e antes das oito horas da manhã, este último tinha um desconto para setenta e cinco centavos e chamava-se bilhete operário.

Os pobres atravessavam a cidade de Lisboa, a pé, descendo para a rua marginal, onde apanhavam o elétrico que partia de Xabregas e seguia até à Cruz Quebrada, passando pelo Terreiro do Paço, Cais do Sodré, Alcântara, Belém e Algés, cujo bilhete custava um escudo, estando isentas as crianças até os quatro anos.

Na praia, os banheiros instalavam barracas e toldos, mas os mais pobres sentavam-se na sombra formada nas traseiras das barracas, onde não tinham de pagar. Os banhos eram de manhã e à tarde e o almoço não era menos importante. Comia-se de prato e garfo e ninguém dispensava o garrafão de vinho. Para isso, as mulheres levavam, em alcofas de palha ou em cestos de verga, a comida feita, a louça e talheres necessários. Estas refeições também não dispensavam o guardanapo de pano e a fruta. Por essa altura, estavam na moda os piqueniques, que, fora do Verão, eram feitos nos campos de cultivo e nas hortas dos arredores da capital, porque ainda não estavam ligados a Lisboa o Lumiar, Odivelas, Sacavém e Olivais.

As férias escolares eram de três meses, de Julho a Setembro. A burguesia alugava casas de pescadores nas praias do litoral oceânico, entre Sintra e Mafra, onde, os homens deixavam a família e as criadas, ficando em Lisboa a trabalhar, apenas podendo aproveitar aquela mudança de ares nos domingos e nas suas pequenas férias. As pessoas do povo, porém, não podendo dar-se a esse luxo, iam ao domingo à praia, de transporte público. Os oriundos de fora da capital aproveitavam as férias do chefe da família para irem para a terra, exibindo, na pobreza das aldeias provincianas, uma falsa riqueza de quem vivia em Lisboa, traduzida em roupas novas e em dinheiro para gastar nas vendas.

Fonte> Carlos Leite Ribeiro e Iara Melo (eds.). Recanto da Prosa e do Verso. Ano II - Agosto - 2009.

Professor Garcia (Reflexões de um Trovador) * 1 *


A chuva fina parece
nas gotas que vêm e vão,
ladainhas de uma prece
no altar-mor da solidão!
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Aos calos de minha mão,
confesso que não me oponho!...
Vêm dos sonhos que se vão,
na busca de um novo sonho!
= = = = = = = = = 

Até o mar que é insolente,
depois que ruge e se alteia...
Abre os braços mansamente
e abraça os braços da areia!
= = = = = = = = = 

A vida tem seus quebrantos,
seus motivos, seus matizes.
Uns vão perdendo os encantos
e, outros de encantos felizes!
= = = = = = = = = 

Brinquedo que eu não largava,
meu palhacinho sem jeito
que, quando triste, me  olhava,
sorria alguém no meu peito!
= = = = = = = = = 

Cada gotinha de orvalho
na folha cristalizada,
é um lindo penduricalho
na orelha da madrugada!
= = = = = = = = = 

Do mundo eu jamais duvido,
vivo preso aos seus gradis;
e esse tributo, indevido,
pago por ser mais feliz!
= = = = = = = = = 

Entre nós dois, há memória,
tão louca e tão sem viés,
que há loucuras dessa história
por trás, de seus rodapés!
= = = = = = = = = 

Envelheceu na jornada!...
Na busca, o velho andarilho
já sentindo o fim da estrada,
enfim, abraça o seu filho!!!
= = = = = = = = = 

Eu retorno à velha praça
do tempo da mocidade,
onde a saudade me abraça
nos braços de outra saudade!
= = = = = = = = = 

Eu volto aos tempos infindos,
preso aos gradis da distância,
pra ver meus sonhos mais lindos
nos olhos verdes da infância!!!
= = = = = = = = = 

Insone, na madrugada,
em meio a tantas mudanças,
quanta lembrança acordada
nos braços de outras lembranças!
= = = = = = = = = 

Lembro de tua arrogância,
dos teus nãos e dos teus trancos.
Ah! teus apupos da infância,
estão de cabelos brancos!
= = = = = = = = = 

Na tarde que silencia
ou logo ao romper da aurora,
há um silêncio que angustia
e uma alegria que chora!
= = = = = = = = = 

No casebre abandonado
entre as trempes do fogão,
ao ver o fogo apagado,
vi, a luz da solidão!!!
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O homem conduz os seus passos,
e, às vezes, em vãos dilemas
tropeça e cai noutros braços,
nos braços de outros problemas!
= = = = = = = = = 

O papel já desbotado,
as letras perdendo a cor
e, em cada letra, um recado
e uma lágrima de amor!
= = = = = = = = = 

O seu canto, ó carrilhão,
não decifro o que descreve!...
pode ser de solidão
ou de um longínquo até breve!
= = = = = = = = = 

O tempo é um poeta astuto
e, este sábio professor,
pode mostrar num minuto,
todas as regras do amor!
= = = = = = = = = 

O tempo um velho inquilino,
mesmo invisível, sem voz,
aos poucos, muda o destino
dos planos de todos nós!
= = = = = = = = = 

Ó, violino tão plangente,
por que é que tu transmites,
dores das tardes da gente
dessas tardes, sem limites?!…
= = = = = = = = = 

Palhaço que ri não chora.
Nesta afirmação não entro;
às vezes, rindo por fora,
esconde o choro por dentro!
= = = = = = = = = 

Por sobre pedras e espinhos,
prossigo em minha jornada,
que os cardos dos meus caminhos,
não ferem meus pés na estrada!
= = = = = = = = = 

Quem divide o pão que come
mantém viva a luz acesa,
que brilha mostrando a fome
de quem não tem pão na mesa!
= = = = = = = = = 

Recebi o seu bilhete
e entendi os gestos seus,
escritos num só verbete
da velha palavra "adeus"!!!
= = = = = = = = = 

Vê na lua cor de prata,
que a solidão que a angustia,
é a mesma que nos maltrata
na noite pobre e vazia!
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Fonte> Facebook do trovador.

Laé de Souza (Eta Carnaval!)

Carnaval é considerado uma festa diabólica. Tanto que para se livrar dos perigos e tentações e rezar pelas almas mais fracas, que nessa época realizam-se os retiros espirituais dos quais Belarmino participou muitas vezes em isolamento total do mundo material. E nos últimos, para penitenciar-se de pequenos pecados, com jejum e tudo.

Neste ano, não falou nada e, na sexta-feira, sumiu. Procurou-se pelo Belarmino por tudo quanto era lugar, desde delegacias até necrotérios e nada. 

Um menino da vizinhança disse ter visto passar o seu Belarmino vestido com uma bermuda preta com adornos brancos nos fundos, uma camiseta com bolinhas nas mangas, no peito um verso carnavalesco e nas costas um desenho da Tiazinha, e de tênis sem meia. Mas conversa de menino ninguém nunca sabe se é verdade ou fantasia.

Com os parentes desanimados e dado como integrante da lista de desaparecidos, no entardecer da quarta-feira, chega o Belarmino, vestido do jeitinho que descreveu o guri. Ele, nem aí com perguntas simultâneas da mulher, alegando muita de dor de cabeça da ressaca, pediu que não fizessem barulho e nem o chamassem porque queria dormir e se curar. Assustados com o jeito bravo e olhos esbugalhados, ninguém teve coragem de contestar.

Descobri numa conversa de boteco, ainda ontem, o que ocorreu.

Belarmino, depois de tomar algumas, se abriu comigo. Vinha de algum tempo cabisbaixo. Depois que fora dispensado do emprego, notou que a mulher e filhos não estavam lhe dando o devido respeito. Seu comando vinha caindo e a mulher até lhe passava alguns carões. 

Aquele ciúme que ela tinha, parece que se esvaiu e que ele não estava lá essas coisas para despertar vontade em ninguém. A mulher implicava não com sua demora fora de casa, mas suas idas e vindas para a rua a toda hora, sem saber o que fazer. E lhe dizia com energia: "Resolve Belarmino, ou fica fora ou dentro que está atrapalhando a limpeza da casa." Já começava a ouvir insinuações, tipo "quem te quer", "te olha", e aí decidiu. Queria ver se estava assim mesmo tão jogado. Pegou o dinheiro da última parcela do seguro-desemprego e torrou na roupa, confetes e serpentinas e deixou uns caraminguás para gastar em cervejas e para o que aparecesse. Nunca se sabe.

Confessou-me que percebeu que seu astral não estava tão baixo assim. Enganou-se a mulher. Encontrou, pelas cinco noites, gente que se amarrou na dele que não foi fácil! Abraçou e foi agarrado por mulheres bonitas ao som dos tamborins, mas na segunda noite já estava pulando de mãos dadas com uma fulana que era artista de cinema e se amarrou no jeitão dele e ele no dela.

Estava por cima e ainda era o tal.

Fiquei confuso quando o Belarmino começou a tirar a roupa, ficando com a tal bermuda e camiseta dizendo: "Olha ela aí!" dirigiu-se para a rua saindo de mãos dadas com uma fulana de tanguinha, sutiã e sapato alto, como se estivessem ainda no desfile.

Segurei o impulso para não falar ao Belarmino que aquela era a Maria Pedreira, doida varrida de vários carnavais.

Aproveito o ocorrido, para pedir aos amigos que se acontecer comigo, pelo amor de Deus, não me avisem não.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Acalanto)


Compositor: Dorival Caymmi

É tão tarde
A manhã já vem,
Todos dormem
A noite também,
Só eu velo
Por você, meu bem
Dorme anjo
O boi pega Neném;
Lá no céu
Deixam de cantar,
Os anjinhos
Foram se deitar,
Mamãezinha
Precisa descansar
Dorme, anjo
Papai vai lhe ninar:
"Boi, boi, boi,
Boi da cara preta
Pega essa menina
Que tem medo de careta". (2X)
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A Doçura do 'Acalanto' de Dorival Caymmi
A música 'Acalanto', composta pelo renomado artista brasileiro Dorival Caymmi, é uma canção de ninar que transborda ternura e simplicidade. A letra evoca a imagem de uma noite tranquila, onde todos estão dormindo e apenas o narrador permanece acordado, velando pelo sono de seu bem mais precioso, seu filho ou filha. A referência ao 'boi da cara preta', uma figura comum em cantigas de ninar brasileiras, é utilizada aqui para embalar a criança, apesar de tradicionalmente ser um elemento para assustar e fazer a criança dormir.

No contexto da música, o 'boi da cara preta' perde seu aspecto ameaçador e se torna parte de um ritual de carinho e proteção. A repetição do verso 'Boi, boi, boi, Boi da cara preta' funciona como um mantra que tranquiliza e conduz ao sono. A canção também reflete a cultura brasileira, onde é comum os pais cantarem para seus filhos na hora de dormir, criando um ambiente de segurança e conforto.

Dorival Caymmi, conhecido por suas composições que retratam o mar e a vida dos pescadores, aqui se aventura em um universo mais íntimo e familiar. 'Acalanto' é uma música que, apesar de sua simplicidade, consegue transmitir uma mensagem universal de amor e cuidado, elementos essenciais na relação entre pais e filhos.

Eliana Palma (Microcontos) = 2 =

Amigos íntimos, dividiam sonhos e sucessos e repartiam problemas. A amizade acabou quando um deles passou a também compartilhar a esposa alheia.
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Beata assumida, não saía da igreja. Coordenava grupos, corais, catequese, viagens de peregrinação. Um exemplo de cristã perfeita! Só faltava, mesmo, converter o próprio coração, invejoso e egoísta!
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Da luxuosa suíte no terceiro andar observava a praia paradisíaca. Estranhou a extensão incomum da areia e notou o horizonte se alteando. Testemunhou a catástrofe com água pelos tornozelos.
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Dez anos de noivado com a doçura em pessoa! Enjoou. Conheceu uma "da pá virada", encantou-se, casou-se. E foi muito infeliz!
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Era carnaval. Deixou a família na praia e pulou, por quatro dias, a cerca para a casa da vizinha. Foi denunciado. Na quarta recolhia as cinzas de seu casamento.
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Era jardineiro generoso. Cultivava amizades e amores com a mesma dedicação com que tratava as flores. Quando morreu, sua cova cobriu-se de amores-perfeitos!
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Queria ganhar o concurso literário. Pagou caro a um ghost writer por um poema fabuloso. Foi desclassificado. Errara o tema.
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Rezava, dia após dia, por um marido. Cansou. Passou a pedir por si mesma e recebeu a graça: Santo Antônio atendeu suas preces!
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Terapeuta holística, tentou, em vão, shiatsu, florais, acupuntura, cromoterapia, e nada de resolver o problema do paciente. Finalmente descobriu o mal: amor não correspondido. Correspondeu e "foram felizes para sempre".
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Vivia exausta! Três turnos, falta de tempo para preparar aulas. A indisciplina, agressividade e salário vil. Com bocas a sustentar montou boca-de-fumo e transformou alunos em usuários.
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Fonte> Maria Eliana Palma. Momentos em prosa e verso. Maringá, 2016. Entregue pela autora.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Mensagem na Garrafa = 117 =

Águida Hettwer
Sapiranga/RS

A arte de não se enganar
 
  Engana-se vergonhosamente quem acredita somente em suas próprias forças. Ora, pois, somos sementes da evolução, página em branco, na espera de ser escrita. Quem nunca precisou de uma mão, a ser estendida, alcançando um objeto, ombros de apoio, na descida.
 
  Nas coisas mais banais do cotidiano, abrir um vidro de picles, darem nó na gravata, fazer laços nos cadarços dos tênis, prender o botão da camisa. É, precisamos uns dos outros, numa permuta, num contrato, num simples gesto.
 
  Na subjetividade da vida, formulamos nossos valores, aspectos e crenças, reações diversas. Vacilantes são os passos, que se desviam da verdade. O homem busca realizar suas fantasias perdidas, aprisionadas no riso da criança, que outrora era feliz com o simples e singelo.
 
   Não se engane, com o cheiro forte da mentira, ela apenas se defende para salvar as aparências, no seu íntimo mora um menino, assustado com pavor de seus medos, dúvidas e aflições. Na sua fraqueza vive de meras ilusões.
 
   A vida e a natureza explodem em cores a nossa volta, o vento dança, balançando os cabelos, os perfumes das flores desprendem com naturalidade, as águas dos rios seguem seu curso, sabem contornar das pedras, sem afetar seu destino. E muitas vezes nos esquecemos disso em declínio, fechamo-nos em melodias lamuriosas e tristes.
 
  Esquecemo-nos, que nas lágrimas encontramos o consolo, na tristeza, a fortaleza para se reerguer, nas dores, a valorização da vida. E no apogeu do amanhecer ressuscitamos vigorosos, donos e protagonistas de nossa história. Temos um livre arbítrio pendente as nossas escolhas. Eu e você!... Ninguém mais.

Fonte: Gruta da poesia. Ano VI – Novembro de 2010.