sexta-feira, 30 de maio de 2025

Aparecido Raimundo de Souza (Vai ser azarado assim lá no raio que o parta)

 
O AMAPOLO CHEGOU na portaria do prédio onde mora o seu amigo Beringelo e interfonou para a portaria. Na terceira, atendeu uma jovem de voz sorridente:

— Pois não?

— Boa noite, senhorita. Como é seu nome?

— Gervasiana, às suas ordens.

— Eu queria ir no 609.

— Ok! Então até logo. Boa noite. Passe bem.

Amapolo gritou, antes que ela desligasse:

— Senhorita Gervasiana, eu quero ir no 609...

Gervasiana respondeu sem deixar de olhar para a tela de seu celular:

— O senhor me disse assim: “eu queria.”

— Tá legal, moça. Eu quero ir no apartamento 609.

— E a quem devo anunciar? Qual é o seu nome?

— Amapolo.

— E com quem o senhor quer falar, seu Anacolo?

Risos:

— Linda, eu preciso subir no apartamento 609. Pretendo visitar meu amigo Beringelo... E meu nome é Amapolo.

A porteira, de novo, sem deixar o celular onde falava com o seu namorado:

— Perdão. Com quem?

— Beringelo...

Gervasiana sequer se dignou a dar uma espiada nos moradores. Não encontrou nenhum Anabelo:

— Perdão, meu amigo. Com quem?

— Beringelo... Be... e... erre... i... ene... ge... e... ele... o...

A porteira, educadíssima respondeu:

— Senhor, aqui não tem nenhuma pessoa com esse nome.

— A senhorita não disse que conhece todos os moradores?

— Disse e repito. Conheço todo mundo. O senhor é quem está me dando um nome estranho. Tem certeza que é essa mesma que procura? Como é o nome do tal morador? Quer por favor repetir?

— Tenho certeza, moça. Vou repetir: procuro o Beringelo.

—  Cogumelo?

— Beringelo, moça. Beringelo. Já lhe soletrei letra por letra...

— Então, senhor, aqui não tem nenhum PEDIBELO...

Amapolo, em vias de perder a serenidade e a educação:

— Filha você por acaso tem problema de audição?

E a Gervasiana grudada no bate paro com seu amado:

— Senhor, de quê?

— Audição...   

Gervasiana, irritada e sem deixar, claro, o celular, não sabia se dava atenção ao namorado ou ao sujeito que queria subir no 609:

— O que é isso? Eu estou fazendo confusão...?

— Audição, moça, audição...   

— Então, foi o que eu disse, amor... hoje não... estou naqueles dias...

— Senhorita Gervasiana, pelo amor de Deus. Interfona para o Beringelo... apartamento 609...   

Gervasiana, para lá de irada, deixa o seu local de trabalho e caminha até onde está o Amapolo. Ao dar de cara com ele, berra:

— Escuta, ô seu “Pé de chinelo...” já lhe falei mil vezes que aqui não tem nenhum Amancoso... muito menos essa pessoa que o senhor procura, esse... esse... Berim sem chinelo, ou Berim descalço...

Foi aí que o Amapolo perdeu as estribeiras. Ele realmente se distanciou do bom senso: 

— Que foi que disse, sua desqualificada?

— O que o senhor escutou...

Fora de si, Amapolo se encheu de razão. Meteu os pés na porta envidraçada, até que ela se partiu em cacos. Sem se desvencilhar do endiabrado que o dominava, voou para cima da Gervasiana. Tomou seu celular e jogou o aparelho no meio da rua. Quase acertou a cabeça de uma idosa que justo naquele momento, adentrava o prédio. Completamente descontrolado, Amapolo agarrou com raiva incontida, o pescoço da porteira. E o apertou com toda força que vinha do ódio que o dominava. Completamente sem ar, língua de fora, tremendo feito vara verde, em face da força bruta empregada, a infeliz serviçal, se estrebuchando, veio, por conta da esganação, a óbito. 

Moradores que saiam e outros que chegavam, presenciando a cena, acionaram a polícia.  Amapolo tentou fugir da galera que se pôs em seus calcanhares. Sem saída, correu, estabanado, de um lado para outro. Se viu perdido. Sem conhecer as dependências do edifício, a certa altura abriu uma porta ao acaso. Na escuridão do ambiente, escorregou numa escada sem corrimão e caiu justo na piscina. Como não sabia nadar, e em vias de morrer afogado, finalmente se viu resgatado e dominado pelos condôminos. Quando a viatura militar encostou, acabou algemado, preso e conduzido para a delegacia do bairro. Até hoje, seis meses se passaram. Nenhum advogado apareceu. Menos ainda Beringelo, o amigo que fora visitar.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fonte:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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