Armindalino chegara em casa com a notícia de que estava tudo acertado para a viagem, no fim de semana, com os patrões para a praia. Chamou o Júnior e encheu a cabeça do garoto de conselhos e ameaças, desde corte de mesada a palmadas, se aprontasse alguma ou, então, irritasse o filho do patrão com pirraças, como era do seu feitio. Juanita saiu em defesa do moleque, avisando ao Armindalino que não era porque se tratava do filho do patrão que iria pisar no seu filho.
Aproveitou para comunicar que tinha de fazer uns gastos por conta de roupas de banho, bronzeador, protetor solar e algum vestido para sair à noite, ao que o Armindalino pediu que fosse devagar, mesmo porque os patrões eram pessoas simples e não gostavam de esnobar.
Juanita irritou-se: “Não são? Pensa que eu não notei que as duas fulanas, no dia da festa de fim de ano, estavam em cochichos e reparando em tudo que era mulher e não tiravam os olhos de mim? Te aviso, Armindalino, que não vou que nem tonta e empregadinha, não.”
Armindalino consentiu, mas que não exagerasse como da vez que saíram com amigos, em que ela se encheu de parafernália, numa exibição só, que deixou as coitadas das mulheres dos amigos envergonhadas diante de tantos badulaques e ostentação. Além do que, se a sua mulher estava com ouro para todo lado, o aumento pretendido por ele poderia ir por água abaixo.
A mulher, que não era de engolir calada, retrucava, se era por isso, ele que esquecesse o aumento, porque ela não iria se apresentar para a viagem de qualquer jeito. Igual, ou melhor que as fulanas; abaixo, nem em sonho. Armindalino manifestou, levemente, a vontade de recusar o convite diante das circunstâncias, no que recebeu uma bronca da Juanita: “Nem pensar. Para depois elas ruminarem que eu estou dando uma de esnobe, recusando ou até pensarem que estou com vergonha e que me acho inferior a elas? De jeito nenhum, nós vamos nessa viagem, nem que seja toda a despesa por sua conta.”
De nada adiantava Armindalino dizer que o motivo da viagem era somente diversão. “Fica quieto, que você não entende de society. Conheço bem esse pessoal”, dizia ela.
Ainda, ao colocar as malas no carro, Armindalino reclamava do peso e que, certamente, estava exagerando nas roupas que seriam usadas em um fim de semana e não em um mês. Melhor levar demais do que faltar ou passar constrangimento, resmungou Juanita.
Não demorou muito para Armindalino confirmar que fizera uma burrada e que aquele passeio não traria nenhum benefício ao seu pretendido aumento. A mulher não era de colaborar com os seus planos e parecia sentir prazer em mostrar-se superior e irritar as mulheres dos patrões.
Maldita hora em que resolveram jogar buraco. Juanita, nervosa por estar perdendo, não manteve a pose, quando percebeu que a mulher do patrão do marido dava uma roubadinha (coisa normal no jogo de buraco). Fez o maior escarcéu, deixando o pessoal atônito. Para ajudar, Júnior abriu um berreiro e chutou o filho do patrão que saía em defesa da mãe. O que salvou o emprego do Armindalino foram os pitos que deu na mulher, na vista de todo mundo, não dando bola para uma feminista. Embora não vá ter o pretendido aumento, por muito tempo, deu-se por feliz por ficar só nisso, porque, nestes tempos, não é hora de se perder o emprego.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco.
Fontes:
Laé de Souza. Nos bastidores do cotidiano. SP: Ecoarte, 2018
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing
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