sábado, 16 de agosto de 2025

Monteiro Lobato (O veado e o sapo)

Um veado e um sapo queriam casar com a mesma moça. Para decidirem a questão fizeram uma aposta. 

— Temos aqui esta estrada compridíssima. Vamos correr — propôs o veado. — Quem chegar primeiro, casa com a moça. 

O sapo concordou, e marcaram a prova para o dia seguinte. 

O veado saiu dali dando boas risadas. Um pobre sapo ter a pretensão de apostar corrida com quem? Justamente com ele, que era o animal de maior velocidade que existe! Ah, ah, ah!... 

Mas o sapo usou da esperteza. Reuniu cem companheiros, aos quais contou o caso, combinando o seguinte: de distância em distância, à beira da estrada, ficaria escondido um sapo, com ordem de gritar Gulugubango, bango, lê, sempre que o veado passasse por ele e cantasse Laculê, laculê, laculê. Enquanto isso, o sapo apostador ficaria, no maior sossego, esperando o veado no fim da estrada. 

Assim foi. Chegada a hora da corrida, o veado disparou que nem uma bala. Cem metros adiante cantou o Laculê, certo de que o sapo, lá atrás, nem ouviria. Mas com grande assombro ouviu a resposta adiante dele: Gulugubango, bango, lê. 

— Será possível? — pensou consigo o veado, e deu maior velocidade às canelas. Voou mais cem metros e cantou: Laculê, laculê, laculê, e ouviu adiante a resposta: Gulugubango, bango, lê. 

O veado começou a suar frio. Deu ainda maior velocidade às pernas, avançando mais duzentos metros, rápido como o relâmpago — e cantou o Laculê. Mas ouviu pela terceira vez, adiante, o Gulugubango, bango, lê. 

E desse modo até o fim da estrada, onde, mais morto que vivo, com as pernas a tremerem do grande esforço, o veado cantou pela última vez, com voz de quem não aguenta mais: Lá... cu... lê... Mas ouviu de novo a voz descansada do sapo, que respondia, adiante, sossegadamente: 

Gulugubango, bango, lê. Fora vencido. 

O veado jurou vingar-se. Na noite do casamento foi ao quintal do sapo e encheu de água fervente a lagoa onde ele nadava. Altas horas o sapo teve saudades da lagoa e veio tomar seu banho. Tchibum! — pulou dentro e morreu escaldado. 

O veado, então, muito contente da vida, casou-se com a viúva.
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Monteiro Lobato (José Bento Renato Monteiro Lobato) nasceu em 1882, em Taubaté/SP, e faleceu em 1948, em São Paulo. Foi promotor, fazendeiro, editor e empresário. Apesar de também escrever para adultos, ficou mais conhecido por causa dos seus livros infantis. Faz parte do pré-modernismo e escreveu obras marcadas pelo realismo social, nacionalismo e crítica sociopolítica. Já seus livros infantis da série Sítio do Picapau Amarelo possuem traços da literatura fantástica, além de apresentarem elementos folclóricos, históricos e científicos.Em 1900, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1903, se tornou um dos redatores do jornal acadêmico O Onze de Agosto. Escreveu também para periódicos como Minarete, O Povo e O Combatente. Se formou em Direito no final do ano de 1904. Em 1908, se casou com Maria da Pureza. Com a morte do avô, em 1911, o escritor recebeu como herança algumas terras. Assim, decidiu morar na fazenda do Buquira. Ele passou a ser conhecido quando, em 1914, sua carta “Uma velha praga” foi publicada n’O Estado de S. Paulo. Em seguida, o autor criou o personagem Jeca Tatu. Três anos depois, desistiu da vida de fazendeiro e se mudou para São Paulo. Nesse ano, publicou o polêmico artigo Paranoia ou mistificação?, que critica as tendências modernistas. No ano seguinte, comprou a Revista do Brasil. Em 1920, fundou a editora Monteiro Lobato & Cia. Cinco anos depois, vendeu a Revista do Brasil para Assis Chateaubriand (1892–1968) e decretou a falência da editora Lobato & Companhia, que, a essa altura, já se chamava Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato. Ele se tornou sócio da Companhia Editora Nacional. Se mudou para o Rio de Janeiro, em 1925. Dois anos depois, foi para Nova York, onde assumiu o cargo de adido comercial. Em 1929, devido à crise econômica, vendeu suas ações da Companhia Editora Nacional. No final de 1930, quando Getúlio Vargas (1882–1954) subiu ao poder, o escritor perdeu seu cargo de adido comercial. Retornou ao Brasil no ano seguinte. Em 1932, foi um dos fundadores da Companhia Petróleo Nacional. Anos depois, em 1941, o autor ficou preso, durante três meses, por fazer críticas ao regime ditatorial de Getúlio Vargas. Se tornou sócio da Editora Brasiliense, em 1946, ano em que decidiu morar na Argentina, onde foi um dos fundadores da Editorial Acteón. Voltou ao Brasil em 1947 e fez críticas ao governo de Eurico Gaspar Dutra (1883–1974). Em 1922, decidiu concorrer à cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras. Porém, desistiu da candidatura por não querer “implorar votos”. Já em 1926, voltou atrás e, novamente, concorreu a uma vaga na ABL, mas não foi eleito. Por fim, em 1944, recusou indicação para a Academia, em protesto por Getúlio Vargas ter sido eleito à Academia Brasileira de Letras em 1941

Fontes:
Monteiro Lobato. Histórias de Tia Nastácia. Publicado originalmente em 1937.
Imagem criada por Jfeldman com Adobe Firefly

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