segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Humberto de Campos (Mocidade…)

O teatro Fênix enchera-se, naquela tarde de junho, para o espetáculo científico, anunciado pelo Dr. Wilhelm Korner, antigo reitor da Universidade de Iena. As frisas, os camarotes, as cadeiras, as galerias, regurgitavam de espectadores, quando, após a apresentação do sábio pelo eminente professor Austregésilo, começaram as provas práticas de magnetismo animal.

- Senhores, - começou, arrastando as sílabas, o ilustre homem de ciência, - a minha primeira demonstração, para que me não tomem por um aventureiro, um intrujão, um impostor, será coletiva. Entre vós, há velhos e moços, pessoas que sentem em si os arrebatamentos da juventude, a alegria, a saúde e o entusiasmo dos verdes anos, e anciãos que pendem para o túmulo, e que mal se arrastam por si mesmos. Para demonstrar-vos que essas energias são meros produtos da sugestão, eu vou fazer com que todos sejam postos em uma condição média, isto é, que os moços se sintam mais velhos, e que os velhos se sintam, de súbito, rejuvenescidos. A experiência durará dez minutos e começará com o simples estender da minha mão, para terminar com um sopro da minha boca, em momento oportuno.

E unindo o gesto à palavra, estendeu a mão sobre a plateia, ordenando o milagre.

O resultado, de acordo com o que ele havia prometido, não se fez esperar. Cavalheiros de idade avançada, que para ali haviam ido nos braços vigorosos dos netos, experimentavam as juntas, exercitavam os músculos, passavam as mãos pelas rugas, estranhando o ânimo novo que lhes distendia os nervos, reavivando-lhes o sangue, a memória, o coração. Nenhum deles se mostrava, no entanto, mais alegre, mais feliz, do que um ancião de cabeça inteiramente alva, que para ali havia ido a arrastar-se, e que tomara lugar em uma das primeiras filas. Agitava-se ele, porém, risonho, contentíssimo, na cadeira, quando soou a hora tremenda.

- Senhores, - trovejou o sábio, - vai terminar o encantamento. Cada um vai ser o que era antes. Vou soprar.

Nesse momento, manifestou-se um reboliço na plateia. Curiosos, olhando para o lado do palco, os espectadores perguntavam o que teria acontecido, quando viram, de pé, na primeira fila, um ancião, nervoso, pálido, agitado, empunhando um revólver. Era o octogenário respeitável, que, trêmulo, com a voz rouca, intimava o magnetizador, com o dedo no gatilho:

- Se soprar... mato-o!

E desabou na cadeira, chorando...
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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