Eduardo Martínez (Paulão, Dudu e o Elefante)


Paulão trabalhava em um órgão do governo, onde ocupava uma posição de chefia. Por causa disso, sempre havia um ou outro bajulador em sua sala, seja levando uma maçã ou qualquer outro agrado, seja elogiando o novo terno, seja até mesmo para levar um pouco de café requentado em um copo de plástico. No geral, ele recebia todos de bom grado, mas lhe faltava algo naquela cidade tão distante da sua, lá no interior de São Paulo.

Nesse mesmo local havia um outro funcionário, o Dudu, que de chefe não tinha nada. Ele trabalhava em um departamento bem próximo da sala do Paulão, com quem já havia cruzado algumas vezes pelos corredores ou na cantina. Apenas um "Oi!", nada de muita conversa. No entanto, o Dudu havia percebido algo que o incomodava no Paulão. Ele, que não era psicólogo nem nada, notou um olhar tristonho por detrás daquele sorriso expansivo do Paulão.

Certo dia, lá estava o Paulão, jogando aquelas pernas longas em passadas espaçosas pelo corredor, quando foi parado por um grupo de funcionários, que falava sobre futebol. Um deles, mais atrevido, perguntou para o Paulão qual era o seu time. Ele deu aquela estufada no peito e, quase gritando, disse: 

- Linense!

- O quê?

- Linense! O Elefante!

Ninguém entendeu bulhufas do que o Paulão queria dizer com aquilo. Todavia, antes que ele pudesse explicar, alguém o chamou para resolver um problema de última hora. Coisas da chefia!

Alguns dias se passaram, até que o Paulão precisou ir ao departamento do Dudu, que fingia estar entretido com alguma coisa importante simplesmente porque não queria trabalhar. Entretanto, o olhar sagaz do Paulão não pode deixar de notar o símbolo do seu time do coração na tela de proteção do computador do Dudu.

- Linense! Por que você tem o escudo do Linense no seu computador?

- Ué, porque sou Elefante!

O Paulão, ainda desconfiado, pensou que aquilo fosse uma piada. Mas, antes que pudesse fazer novo questionamento, eis que o Dudu, com um ligeiro toque no teclado bem à sua frente, fez com que o hino do Linense começasse a tocar. 

A partir daí, aqueles dois malucos passaram a ter um vínculo tão intenso, que muita gente não entendia. "Afinal, quem é que torce pro Linense?", todos se perguntavam.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Asas da Poesia * 22 *

 

Trova de 
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Ante a dor de um dissabor
a esperança no socorre;
age feito a planta em flor
que está murcha, mas não morre!... 
= = = = = = 

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

O Lobisomem

Na lua cheia um uivo a ressoar,
o Lobisomem surge, a besta a vagar,
filho da maldição em dor a se transformar,
nas noites sombrias sua fúria a despertar.

Homem e lobo em luta a se tornar,
os instintos primais, a razão a ofuscar,
entre as sombras da floresta, um ser a errar,
a busca por paz, que nunca vai encontrar.

Mas há quem o veja como trágico ser,
uma vida marcada, um amor a perder,
e em cada transformação, um grito de dor,

que ecoa na bruma em busca de amor.
Na solidão da noite, um lamento a crescer,
o Lobisomem, na sombra, anseia por viver.
= = = = = = 

Trova de
NEI GARCEZ
Curitiba/PR

A justiça nos ensina
o equilíbrio que nos deu:
o teu direito termina,
bem onde começa o meu!
= = = = = =

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Presidente Alves/SP, 1947 – 2025, Bauru/SP

Tropeço

Vejo-me agora no final da estrada
e as consequências de uma vida aflita
a procurar afoito a mais bonita
virtude altiva, joia lapidada.

As mãos vazias cheias de desdita
não afagaram outras sem ter nada.
E a consciência viva, tão pesada,
arrasta o fardo que a ambição incita.

Peço perdão para mim mesmo, eu sei
que para evoluir existe lei
da semeadura e sua consequência.

Queira ou não queira o fim faz o começo
para engendrar a escala sem tropeço;
ser mais humilde na nova existência!
= = = = = = 

Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Há nesta recorrente dolência 
um preparo para o saber
barreiras a quebrar fronteiras
a adivinhar o acontecer 

Ciente desta real irrealidade, 
desta minha inconformidade  
anulo a envolvência do espaço
à dimensão retemperadora dum abraço

Há beleza e encanto
no dia onde espreita o pranto
da nuvem carregada d' incerteza 
esparjo água límpida e fecunda

Existo na pureza utópica
revelando anseios secretos
na essência harmoniosa dos afetos 

Na beleza deste amar
quero em gratidão levitar!
= = = = = = 

Quadra Popular

Diga, meu benzinho, diga,
com tua boca, confesse,
se no mundo já encontrou
quem tanto bem lhe quisesse.
= = = = = = 

Poema de
NELIO CHIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Gentileza

A gentileza anda tão pálida
Quão fagulha apagada
Perdida na poeira bruta
Que envolve essa era de gente afobada.

Gente que vive no corre-corre sem fim,
Competindo entre si e com o tempo,
Que não para uma prosa
E acha que a vida é mesmo assim.

Mas assim não é, isso o tempo dirá,
Precisamos do afeto e da energia humana...
Para alimentar o ânimo que nos elevará
Ao patamar que a alma reclama.

Temos a primazia de saber sorrir
E o privilégio de se emocionar,
Para desenvolver a arte de se relacionar
E aprender a viver e se divertir.

Nesses tempos de afeto precário,
Encoberto pelo encanto do novo,
Bom seria que a gentileza desse povo,
Não virasse joia inativa de relicário.

Quero me ver nos olhos dos outros,
Dizer algo a alguém, para ouvir meu pensamento,
Ceder o lugar, para ter um lugar na vida,
Fazer da trilha rude, uma alameda florida.
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

A justiça humana é falha!
E reconheço isto a custo...
Se é rico, livra o canalha!
Se é pobre, condena o justo...
= = = = = = 

Poema de
CRIS ANVAGO
Lisboa/Portugal

Vê para lá do nevoeiro
Não te deixes cegar
Fechar os olhos
Não te leva a nenhum lugar

A canção foi feita para ser compreendida
Preciso de ouvir todas as palavras
Só assim percebo as frases
E com elas o pensamento
Que, de repente passou por ti

Não vejas só o nevoeiro
Vê com o coração
Eu estou para lá do que não vês…
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

A estrela da mocidade,
que em minha infância brilhou;
brilha em meu céu de saudade,
depois que a infância passou!
= = = = = = 

Poema de 
SEBASTIÃO ALBA
Braga/Portugal, 1940 – 2000

Ninguém, Meu Amor

Ninguém, meu amor
 ninguém como nós conhece o sol
 Podem utilizá-lo nos espelhos
 apagar com ele
 os barcos de papel dos nossos lagos
 podem obrigá-lo a parar 
 à entrada das casas mais baixas
 podem ainda fazer
 com que a noite gravite
 hoje do mesmo lado
 Mas ninguém meu amor
 ninguém como nós conhece o sol
 Até que o sol degole
 o horizonte em que um a um
 nos deitam
 vendando-nos os olhos.
= = = = = = 

Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Quantos banquetes regados
a vinho, trufa e salmão...
quantos irmãos relegados
sem água, sem luz, sem pão!
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Clausura 

Reclusa no próprio 
tempo, seu sorriso
é seu sentimento.

Ora transborda paz, um alento, 
às vezes um leve contratempo. 
Atada em utopias, é momento, 
ou somente uma página virada
levada por folhagens no vento.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Será?

Tal qual a juriti de canto triste,
que enfrenta a vida solitariamente,
mas mesmo assim tão só, jamais desiste
de esperar que um amor se lhe apresente...

Também minha alma que é tristonha e crente,
no aguardo de seu par, por muito insiste...
E tal e qual a juriti, não sente
vontade de cantar e ainda resiste.

Será que a juriti tristonha, um dia
terá o trinado de uma cotovia,
de tão feliz, por encontrar seu par?

Se acontecer tal sorte, algo me diz,
minha alma vai também ser tão feliz,
que ao certo vai cantar, e muito amar!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Com que suave ternura 
tece a canária o seu ninho! 
– Mãe é assim, dengosa e pura... 
a nossa e a do passarinho. 
= = = = = = 

Poema de
SONIA CARDOSO
Curitiba/PR

Finitude 

Não mereces a finitude 
No duro calcário 
Mereces o acolhimento 
Da terra mãe, que te 
Acolheu, te fez germinar 
E crescer em tamanho e beleza.
= = = = = = 

Trova de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Tenham todos terra e teto,
sem preconceito ou fronteira
e que haja amor, não decreto,
para a inclusão verdadeira!
= = = = = = 

Poema de 
PEDRO EMÍLIO 
São Fidélis/RJ (1936 – 2013)

Canção Finita

Do primeiro canto da primavera
serão teus:
- o pássaro e a canção

Da primeira flor da primavera
serão teus:
- a cor e o perfume

Do primeiro verso da primavera
serão teus:
- o poeta e o poema.

Do último canto da primavera
de quem serão:
- o pássaro e a canção?

Da última flor da primavera
de quem serão:
- a cor e o perfume?

Do último verso da primavera
de quem serão:
- o poeta e o poema?

Murcha a flor...
quieto o pássaro...
morto o verso...

De quem será a primavera?
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

O meu sonho é uma tapera
que nenhum caminho corta;
e assim mesmo ainda espera
que alguém bata à sua porta!
= = = = = = 

Hino de 
TREZE TÍLIAS/SC

Erguendo os braços co´as algemas rotas
Na data augusta da libertação
O escravo outrora vil e acorrentado
Enflora as armas deste teu brasão.

Deixando ao longe a escravatura branca
Louro imigrante aqui chegou
Liberto da opressão e agora livre
Semente, flor e fruto ele plantou.

Teu signo é herança de um falaz passado,
Mas hoje é lema do Brasil inteiro
A liberdade à sombra da Bandeira
Os pés na terra e os olhos no Cruzeiro.

Por sobre os troncos e os grilhões em sangue
E o azorrague de uma mão cruel
Colocou Deus as régias mãos bondosas
E a imagem redentora de Isabel.

Caminha, juventude, e acende a chama
E mostra ao mundo escravo o teu perfil.
És filho desta terra quem a ama.
A liberdade é filha do Brasil.

Não olhes nunca, heroica juventude
Lá no passado as marcas dos grilhões,
Há no futuro uma esperança nova
Tu és da primavera as florações.
= = = = = = 

Poetrix de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

Retrospecto

Relógio antigo
ecoa passado
em badaladas musicais.
= = = = = = 

Poema de
ELCIANA GOEDERT
Curitiba/PR

En(frente)

Como disse outro poeta
Sim, "a vida vale a pena"
Tá difícil nesse planeta
Mas tento me manter serena
Sigo firme com minha meta
Se preciso rezo uma novena
Repito um mantra, discreta
Sei que logo tudo se engrena.
= = = = = =

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Sozinha, num desvario,
sem concretude, meus braços,
traçam, sobre um leito frio
o perfil dos teus abraços.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
CHICO BUARQUE DE HOLANDA 
Rio de Janeiro/RJ

Construção (Deus Lhe Pague) 
(1971)

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo por tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
E agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo por tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
E agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Deus lhe pague

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
= = = = = = = = =

Dalton Trevisan (Penélope)


Naquela rua mora um casal de velhos. A mulher espera o marido na varanda, tricoteia em sua cadeira de balanço. Quando ele chega ao portão, ela está de pé, agulhas cruzadas na cestinha. Ele atravessa o pequeno jardim e, no limiar da porta, beija-a de olho fechado.

Sempre juntos, a lidar no quintal, ele entre as couves, ela no canteiro de malvas. Pela janela da cozinha, os vizinhos podem ver que o marido enxuga a louça. No sábado, saem a passeio, ela, gorda, de olhos azuis e ele, magro, de preto. No verão, a mulher usa um vestido branco, fora de moda; ele ainda de preto. Mistério a sua vida; sabe-se vagamente, anos atrás, um desastre, os filhos mortos. Desertando casa, túmulo, bicho, os velhos mudam-se para Curitiba.

Só os dois, sem cachorro, gato, passarinhos. Por vezes, na ausência do marido, ela traz um osso ao cão vagabundo que cheira o portão. Engorda uma galinha, logo se enternece, incapaz de mata-la. O homem desmancha o galinheiro e, no lugar, ergue-se caco feroz. Arranca a única roseira no canto do jardim. Nem a uma rosa concede o seu resto de amor.

Além do sábado, não saem de casa, o velho fumando cachimbo, a velha trançando agulhas. Até o dia em que, abrindo a porta, de volta do passeio, acham a seus pés uma carta. Ninguém lhes escreve, parente ou amigo no mundo. O envelope azul, sem endereço. A mulher propõe queimá-lo, já sofridos demais. Pessoa alguma lhes pode fazer mal, ele responde.

Não queima a carta, esquecida na mesa. Sentam-se sob o abajur da sala, ela com o tricô, ele com o jornal. A dona baixa a cabeça, morde uma agulha, com a outra conta os pontos e, olhar perdido, reconta a linha. O homem, jornal dobrado no joelho, lê duas vezes cada frase. O cachimbo apaga, não o acende, ouvindo o seco bater das agulhas. Abre enfim a carta. Duas palavras, em letra recortada de jornal. Nada mais, data ou assinatura.   Estende o papel à mulher que, depois de ler, olha-o. Ela se põe de pé, a carta na ponta dos dedos.

— Que vai fazer?

— Queimar.

— Não, ele acode.  

Enfia o bilhete no envelope, guarda no bolso. Ergue a toalhinha caída no chão e prossegue a leitura do jornal.

A dona recolhe a cestinha, o fio e as agulhas.

—   Não ligue, minha velha. Uma carta jogada em todas as portas.

O canto das sereias chega ao coração dos velhos? Esquece o papel no bolso, outra semana passa. No sábado, antes de abrir a porta, sabe da carta à espera. A mulher pisa-a, fingindo que não vê. Ele a apanha e mete no bolso.

Ombros curvados, contando a mesma linha, ela pergunta:

— Não vai ler?

Por cima do jornal admira a cabeça querida, sem cabelo branco, os olhos que, apesar dos anos, azuis como no primeiro dia.

— Já sei o que diz.

— Por que não queima?

É um jogo, e exibe a carta: nenhum endereço. Abre-a, duas palavras recortadas. Sopra o envelope, sacode-o sobre o tapete, mais nada. Coleciona-a com a outra e, ao dobrar o jornal, a amiga desmancha um ponto errado na toalhinha.

Acorda no meio da noite, salta da cama, vai olhar à janela. Afasta a cortina, ali na sombra um vulto de homem. Mão crispada, até o outro ir-se embora.

Sábado seguinte, durante o passeio, lhe ocorre: só ele recebe a carta?  Pode ser engano, não tem direção. Ao menos citasse nome, data, um lugar. Range a porta, lá está: azul. No bolso com as outras, abre o jornal. Voltando as folhas, surpreende o rosto debruçado sobre as agulhas. Toalhinha difícil, trabalhada havia meses. Recorda a legenda de Penélope, que desfaz a noite, à luz do archote, as linhas acabadas no dia e assim ganha tempo de seus pretendentes. Cala-se no meio da história: ao marido ausente enganou Penélope? Para quem trançava a mortalha? Continuou a lida nas agulhas após o regresso de Ulisses?

No banheiro fecha a porta, rompe o envelope. Duas palavras... Imagina um plano? Guarda a carta e dentro dela um fio de cabelo. Pendura o paletó no cabide, o papel visível no bolso. A mulher deixa na soleira a garrafa de leite, ele vai-se deitar. Pela manhã examina o envelope: parece intacto, no mesmo lugar. Esquadrinha-o em busca do cabelo branco — não achou.

Desde a rua vigia os passos da mulher dentro de casa. Ela vai encontra-lo no portão — no olho o reflexo da gravata do outro. Ah, erguer-lhe o cabelo da nuca, se não tem sinais de dente... Na ausência dela, abre o guarda-roupa enterra a cabeça nos vestidos. Atrás da cortina espiona os tipos que cruzam a calçada. Conhece o leiteiro e o padeiro, moços, de sorrisos falsos.

Reconstitui os gestos da amiga: pós nos móveis, a terra nos vasos de violetas úmida ou seca... Pela toalhinha marca o tempo. Sabe quantas linhas a mulher tricoteia e quando, errando o ponto, deve desmanchá-lo, antes mesmo de contar na ponta da agulha.

Sem prova contra ela, nunca revelou o fim de Penélope. Enquanto lê, observa o rosto na sombra do abajur. Ao ouvir passos, esgueirando-se na ponta dos pés, espreita à janela: a cortina machucada pela mão raivosa.

Afinal compra um revólver.

— Oh, meu Deus... Para quê? — espanta-se a companheira.

Ele refere o número de ladrões na cidade. Exige conta de antigos presentes. Não fará toalhinhas para o amante vender? No serão, o jornal aberto no joelho, vigia a mulher — o rosto, o vestido — atrás da marca do outro: ela erra o ponto, tem de desmanchar a linha.

Aguarda-o na varanda. Se não a conhecesse, ele passa diante da casa. Na volta, sente os cheiros no ar, corre o dedo sobre os móveis, apalpa a terra das violetas — sabe onde está a mulher.

De madrugada acorda, o travesseiro ainda quente da outra cabeça. Sob a porta, uma luz na sala. Faz o seu tricô, sempre a toalhinha. É Penélope a desfazer na noite o trabalho de mais um dia?

Erguendo os olhos, a mulher dá com o revólver. Batem as agulhas, sem fio. Jamais soube por que a poupou. Assim que se deitam, ele cai em sono profundo.

Havia um primo no passado... Jura em vão, a amiga: o primo aos onze anos morto de tifo. No serão ele retira as cartas do bolso — são muitas, uma de cada sábado — e lê, entre dentes, uma por uma.

Por que não em casa no sábado, atrás da cortina, dar de cara com o maldito? Não, sente falta do bilhete. A correspondência entre o primo e ele, o corno manso; um jogo, onde no fim o vencedor. Um dia tudo o outro revelará, forçoso não interrompê-la.

No portão dá o braço à companheira, não se falam durante o passeio, sem parar diante das vitrinas. De regresso, apanha o envelope e, antes de abri-lo, anda com ele pela casa. Em seguida esconde um cabelo na dobra, deixa-o na mesa.

Acha sempre o cabelo, nunca mais a mulher decifrou as duas palavras. Ou — ele se pergunta, com nova ruga na testa — descobriu a arte de ler sem desmanchar a teia?

Uma tarde abre a porta e aspira o ar. Desliza o dedo sobre os móveis: pó. Tateia a terra dos vasos: seca.

Direto ao quarto de janelas fechadas e acende a luz. A velha ali na cama, revólver na mão, vestido branco ensanguentado. Deixa-a de olho aberto.

Piedade não sente, foi justo. A polícia o manda em paz, longe de casa à hora do suicídio. Quando sai o enterro, comentam os vizinhos a sua dor profunda, não chora. Segurando a alça do caixão, ajuda a baixá-lo na sepultura; antes de o coveiro acabar de cobri-lo, vai-se embora.

Entra na sala, vê a toalhinha na mesa — a toalhinha de tricô. Penélope havia concluído a obra, era a própria mortalha que tecia — o marido em casa.

Acende o abajur de franja verde. Sobre a poltrona, as agulhas cruzadas na cestinha. É sábado, sim. Pessoa alguma lhe pode fazer mal. A mulher pagou pelo crime. Ou — de repente o alarido no peito — acaso inocente? A carta jogada sob outras portas... Por engano na sua.

Um meio de saber, envelhecerá tranquilo. A ele destinadas, não virão, com a mulher morta, nunca mais. Aquela foi a última — o outro havia estremecido ao encontrar porta e janela abertas. Teria visto o carro funerário no portão. Acompanhado, ninguém sabe, o enterro. Um dos que o acotovelaram ao ser descido o caixão — uma pocinha d’água no fundo da cova.

Sai de casa, como todo sábado. O braço dobrado, hábito de dá-lo à amiga em tantos anos.  Diante da vitrina com vestidos, alguns brancos, o peso da mão dela. Sorri desdenhoso da sua vaidade, ainda morta...

Os dois degraus da varanda — “Fui justo”, repete, “fui justo” —, com mão firme gira a chave.  Abre a porta, pisa na carta e, sentando-se na poltrona, lê o jornal em voz alta para não ouvir os gritos do silêncio.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Dalton Jérson Trevisan nasceu em Curitiba, a 14 de junho de 1925 e faleceu em 9 de dezembro de 2024.. Antes de chegar ao grande público, quando ainda era estudante de Direito, costumava lançar seus contos em modestíssimos folhetos. Em 1945 estreou com um livro de qualidade incomum, Sonata ao Luar, e, no ano seguinte, publicou Sete Anos de Pastor. Entre 1946 e 1948, editou a revista Joaquim, "uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil". A publicação tornou-se porta-voz de uma geração de escritores, críticos e poetas nacionais. Reunia ensaios assinados por Antonio Cândido, Mario de Andrade e Otto Maria Carpeaux. Trevisan era avesso a fotografias e jamais dava entrevistas. Em 1959, lançou o livro Novelas Nada Exemplares - que reunia uma produção de duas décadas e recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. O escritor, arisco, esquivo, não foi buscar o prêmio, enviando representante. Escreveu, entre outros, Cemitério de elefantes, também ganhador do Jabuti e do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores, Noites de Amor em Granada e Morte na praça, que recebeu o Prêmio Luís Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil. Guerra conjugal, um de seus livros, foi transformado em filme em 1975. Dedicando-se exclusivamente ao conto (só teve um romance publicado: "A Polaquinha"), Dalton Trevisan acabou se tornando o maior mestre brasileiro no gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra. Criou uma atmosfera de suspense em torno de seu nome que o transforma num enigmático personagem. Não cede o número do telefone, assina apenas "D. Trevis" e não recebe visitas — nem mesmo de artistas consagrados. Enclausurou-se em casa de tal forma que mereceu o apelido de O Vampiro de Curitiba, título de um de seus livros. "O "Nélsinho" dos contos originalíssimos e antológicos, é considerado desde  há muito "o maior contista moderno do Brasil por três quartos da melhor crítica atuante". Em 2003, divide com Bernardo Carvalho o maior prêmio literário do país — o 1º Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira —  com o livro "Pico na Veia".

Fontes:
Dalton Trevisan. Vozes do Retrato: Quinze Histórias de Mentiras e Verdades. Publicado em 1998.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Asas da Poesia * 21 *

 

Poema de
WASHINGTON DANIEL GOROSITO PÉREZ
Irapuato/Guanajuato/México

Solidão
 
A solidão dos espaços
infinitos me aterroriza.
Pascal.
 
Muda, etérea, indisciplinada,
se rompe ante a vista
do mundo.
 
A vontade de sermos livres
nos guia.
Às vezes,
enfraquece essa vontade.
 
Até onde se inclina o fiel
da balança da liberdade?
 
Vista nossa decadência atual,
é impossível prever,
se seremos conservadores,
para construir a liberdade.
 
Ou nos encerramos mais
na solidão.
= = = = = = = = =  

Trova de
JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Nada mais belo, decerto,
no cenário da esperança,
que a imagem de um livro aberto
sob o olhar de uma criança!
= = = = = = = = =  

Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Alencar

Hão de os anos volver, — não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...

Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.

E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.

Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...
= = = = = = = = =  

Trova de
CAROLINA RAMOS
Santos/ SP

Quando a noite se desata
e o véu de sombras descerra,
a lua derrama prata
sobre as misérias da terra.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Prelúdio do anoitecer

Esmaece o fim de tarde
Quase, posso tocar
As nuvens, em degrade
Ah, esse silêncio encantado
Do outono em gotas
À beira do lago beijando as folhas,
Sussurrando às flores
Um poema de amor,
Enquanto  embala
A despedida do dia
Na cadeira de balanço
E nesse amenizar da respiração
Da saudade tão intensa,
Mas calada - disfarçada - lágrima
Deixo as lembranças
De cada detalhe
Do teu corpo junto ao meu
Mesclarem-se, unificando-nos
Nesse terno e apaixonante
Prelúdio do anoitecer...
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Haicai de
ÁLVARO POSSELT
Curitiba/PR

Faz eco na rua –
O grito dos quero-queros
sob o nevoeiro
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Sobre a margem tranquila de um açude
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Sobre a margem tranquila de um fresco açude
Fez uma pausa longa o Tempo, a acalmar
Exausto de correr sempre a vindimar
Risos, vontades, crenças e juventude.

Também eu me detive nessa atitude
De conceder a mim mesmo esse vagar
Vergando-me ante mim, não sendo eu altar
Num gesto de humildade que me desnude.

Temos andado os dois sempre de mãos dadas
Desperdiçando as horas, que são sagradas
Em correrias loucas e sem sentido.

Vejo agora que me expus ao grave risco
De fazer desta vida um pequeno cisco
E chegar ao fim sem nunca ter vivido.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Bem outro seria o clima
se em tantos gritos cruzados,
fosse ouvida, lá de cima,
a prece dos desgraçados!
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Maldição

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
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Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

É nos momentos tristonhos 
que eu peço à minha lembrança 
que traga de volta os sonhos, 
no aconchego da esperança…
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Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN

À memória de uma ave

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança,
Foi para o Céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avezinha querida
Se extingue como um clarão,

Ponho-me a rir, pois, divina,
Ouço cantar, em surdina,
Tu' alma em meu coração.
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Interior

Havia uma rosa
no vaso. Veio do ocaso
a hora silenciosa.
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Imemorial

À noite pervaguei pelo Beco do Império
que há cinquenta anos não existe mais
e as horríveis mulheres, nos portais,
estavam belas de eu sonhar com elas.

Um bêbado me olhava, muito sério.
"Ó meu velho Condessa, como vais?"
Porém, agora — eu é que era o velho
e ele nem me conhecia mais...

Tolice!... Ele, afinal, disse o meu nome!
Ah, sempre que se sonha alguma coisa
tem-se a idade do tempo em que as sonhamos:

Me esqueci do futuro... e lá nos fomos
e a luz da Lua — eterna, intemporal —
juntava numa as duas sombras gêmeas.
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Hino de 
ITABUNA/ BA

I
Lá na mata, o ouro fruto,
O seu brilho atraiu
Homens bravos, corajosos,
A natureza... O desafio!
Com o machado, o homem na mata
Ressoa o grito voraz da vitória!
Tabocas! Tabocas! Tabocas...
Itabuna tu és agora!

Refrão:
Na madeira, o machado taboca!
E a vila de Ferradas vem surgindo!
O fruto ouro nos olhos, na alma!
Do Cachoeira, a cidade se expandindo!
Amada cidade grapiúna,
Sua glória; sua história
São orgulhos ao coração!

II
Com muralhas, em seu rio,
Grande espelho se formou!
Pedra preta refletindo
Sua gente, seu progresso, seu valor!
Nas praças, seus contos na memória!
Os compêndios enaltecem sua história!
Amada cidade grapiúna:
Itabuna tu és agora!

III
Hoje és linda, hoje és forte!
Sua fauna é conhecida!
Há riquezas nessa terra!
Nessa flora mãe amiga!
No comércio, na indústria... Sua força!
Esse aroma de cacau no coração
São braços fortes, que acolhem o seu povo.
Outra terra não há igual!

Obs : Repetir no final do último coro:
Itabuna, sua glória, sua história
São orgulhos ao coração! 
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Teu retrato

Em frente ao teu retrato jovem, belo,
Chegado há pouco tempo nesta terra,
Cheio de sonhos bons, encontra a guerra
Pela sobrevivência, e busca um elo.

O sorriso confiante nela encerra
Uma esperança no porvir, no anelo,
buscavas inquietante,  sem libelo,
o  apoio certo, então sobes a serra.

Desiludido já não  ris, na foto
Da carteira social, anos depois.
Sério, parece preocupado e noto,

Que não foi tão feliz a decisão
De deixares a amada terra, pois,
Choravas de saudade à volição.
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Uma Lengalenga de Portugal
MENINA BONITA

 Menina bonita
Não sobe à janela
Porque o bicho mau
Carrega com ela.
 
Se quer alvos ovos
Arroz com canela
Menina bonita
Não sobe à janela.
 
Não sobe à janela
Não sobe à varanda
Porque lá está posta
Uma fita de ganga.
 
E dentro da panela
Uma fita amarela
E dentro do poço
A casca de tremoço
E lá no telhado
Um gato molhado
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Se eu pensara quem tu eras,
 quem tu havias de ser,
não dava meu coração
para tão cedo sofrer.
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba / PR

Palavra é ave
Às vezes suave
Às vezes arredia
Entre um pouso e outro
Escolhe um coração
Como ancoradouro
Pra nele fazer
O seu seguro ninho.
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Soneto de
FLORBELA ESPANCA
Vila Viçosa/Portugal, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal

Amor que morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há de vir!
= = = = = = = = =  

Setilha do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Casinha à beira da estrada
com chão de terra batida,
fiz do teu portão de entrada
o meu portão de saída,
parti morto de saudade
tangendo os sonhos da idade
pelas estradas da vida!
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Trova de 
PAULO ROBERTO OLIVEIRA CARUSO
Niterói/RJ

Horas por dia eu passei 
no tal mundo virtual,
até que um dia paguei 
uma conta bem real!
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Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Casulo da palavra

Palavra fechada no casulo da alma.
Como bicho da seda tecendo fios dourados.
Trabalha sem cessar.
Na noite profunda sonha.
Escondida, aguarda seu tempo.
Na hora certeira amadurece.
Silenciosa e calma.
Com a força do pensamento,
Abre sua provisória morada.
Vagarosa sai informe.
Úmida e gelada,
Na madrugada de um dia qualquer.
Aguarda o sol chegar.
Um raio luzente a aquece,
Revigora sua carne machucada.
Distende as asas lentamente,
Voa para experimentar a vida!
Agora linda e colorida borboleta.
Não é efêmera…
Logo ela volta e docemente pousa
Na perfumada flor branca do papel.
Que acolhedor está à sua espera.
A Indelével Palavra do poeta.
= = = = = = = = =  

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

No caminho sem atalhos
que leva ao teu coração,
feri meus pés nos cascalhos
que espalhaste pelo chão.
= = = = = =

Poetrix de
MARDILÊ FRIEDRICH FABRE
São Leopoldo/RS

pas de deux

No jardim,
Borboletas dançam.
Coreografia da paixão.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Em uma tarde de outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao ir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
- Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol..
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Já quase louco de amor, 
envolto num triste enlevo 
ponho toda a minha dor 
no papel…quando eu escrevo!
= = = = = = 

Poema de
JOSÉ CARLOS MOUTINHO
Porto / Portugal

Céu azul

Contemplo o céu, fascinado
Pelo azul imensamente belo;
Deslumbra-me a imensidão do infinito espaço
E me reduz a uma infinita expressão do nada!
As nuvens movimentam-se em bailados
De fantástica coreografia;
Brancas, pombas alvas da paz,
Na quietude do tempo que sorri,
Acariciadas pelo brilho do astro rei!

E é nesta visão, serena, que me acalma,
Ao mesmo tempo que me alerta,
Para as nuvens negras, tenebrosas e ameaçadoras
De tempestades de forças diluvianas...

Mas agora, aqui, neste momento,
Só quero sentir a ilusão do belo eterno
Que me é oferecido,
Neste quadro de singular perfeição,
Onde as cores são distintas
Das inventadas pelos homens;
Aquelas têm um brilho irreal, esotérico,
Que nos atraem e nos elevam espiritualmente,
Para um outro espaço extasiante de emoções.
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