Fernando Sabino nem se lembrava. Mas em 1932,
com 7 anos de idade, ele fez um poema dedicado a
São Francisco de Assis. No texto, descoberto por
um amigo mineiro, dizia que queria ficar amigo de
verdade do santo. Tão íntimo que passaria a chamar
São Francisco de “Chiquinho” e o santo trataria Sabino
de “Nandinho”.
Conhecido, também, como São Francisco das Chagas e São Francisco Seráfico, São Francisco de Assis é um dos santos católicos mais populares da cultura brasileira. Sendo assim, não é de se estranhar que poetas escrevessem sobre ele ou, até mesmo, com ele se identificassem, já que o Santo também, diz mais a lenda do que a verdade histórica, foi poeta.
Na pesquisa que fizemos, encontramos duas biografias do santo: uma, em prosa, e dedicada à juventude, do alagoano Jorge de Lima, escritor do nosso modernismo; outra do mineiro Augusto de Lima, em forma de um longo poema. Os trovadores brasileiros o elegeram como patrono e, na Literatura de Cordel, sua pobreza e sofrimento são temas recorrentes do imaginário do povo nordestino, como atestam a romaria e os festejos de Canindé, no Ceará.
Do trovadorismo, selecionamos a seguinte “interpretação” de autor desconhecido da famosa “Oração de São Francisco”:
1-Faze-me agente, Senhor,
De vossa radiosa Paz!
Permiti que eu leve Amor,
Onde o ódio esteja a mais...
2-Por onde estiver a Ofensa,
Que eu leve sempre o Perdão...
Onde houver Discórdia, intensa,
Que eu sempre faça a União.
3-Onde a dúvida existir
Que eu possa levar a Fé,
E onde o erro persistir,
Toda a Verdade da Sé.
4-Ó Mestre-Amor singular,
Concedei seja meu fado,
Consolo a todos levar,
Mais do que ser consolado.
5-E que eu possa Compreender,
Mais do que ser compreendido.
Possa AMAR, com todo o Ser,
Muito mais que ser Querido.
6-Pois, dando é que se recebe,
Ao irmão necessitado,
Perdoando é que se percebe
Que também se é perdoado.
7-Dai-me Senhor, a Esperança,
Pela maneira mais terna,
Pois morrendo é que se alcança
A glória da Vida eterna
Quanto à Literatura de Cordel, descobrimos o seguinte texto de Wellington Vicente:
Giovanni Bernardone
Foi jovem muito feliz
E enquanto adolescente
Fez da vida o que bem quis,
Por “Francesco” apelidado,
Depois, por Deus transformado
Em Francisco de Assis.
Em mil, cento e oitenta e dois
Nasceu este italiano,
Pietro e Picca Bernardone
Foram pais deste ente humano,
Que numa lição de amor,
Rejeitou ser mercador
Para seguir outro plano.
Como era moda na época,
Desejou ser cavaleiro,
O pai doou-lhe armadura
E um cavalo ligeiro,
Ele daí animou-se,
Neste instante transformou-se
Num combativo guerreiro.
Combatendo com Perugia
Assis não via os perigos
E mandava seus habitantes
Enfrentar os inimigos,
Nesses confrontos guerreiros,
Fizeram prisioneiros
Francisco e alguns amigos.
Assim Francisco passou
Quase um ano na prisão,
Mas seu pai, homem abastado,
Decidiu entrar em ação:
Gastou enorme quantia
Mas livrou da enxovia
Seu filho do coração.
Numa noite em que estava
Com seus amigos na rua
Fazendo uma serenata
Sob a beleza da lua,
Sentiu que algo o tocava
E bem sutil penetrava
No fundo da alma sua.
A partir deste episódio
Nasceu Francisco de Assis
O pai de toda a pobreza,
Protetor do infeliz,
O amante dos animais,
Inspira a quem sofre mais
A uma vida feliz.
Oitenta anos após
Cabral descobrir a gente,
A Ordem dos Franciscanos
Radicou-se em São Vicente,
Com um pensamento nobre:
Transformar o homem pobre
Em cristão bem diferente.
Dali pra outros Estados
A ordem se espalhou,
Inspirada no seu Mestre
E no que ele pregou:
A justiça, dignidade,
Compreensão, caridade,
Pelas quais tanto lutou.
Os devotos de São Francisco
Quando se acham doentes,
Imploram pelos milagres
Do Santo dos Penitentes,
Ele, com sua bondade,
Retira a enfermidade
Do corpo desses viventes.
Inspirados em Francisco
E nas leis da Santa Sé,
Transformaram as romarias
Numa Profissão de Fé,
Onde a maior louvação
Percebe-se na procissão
Existente em Canindé.
Por são Francisco das Chagas
Este Santo é conhecido,
Pois Canindé lembra bem
O mal por ele sofrido,
Quem se achar adoentado,
Pedindo será curado
Por este Santo querido.
Em Porto Velho, Rondônia,
Este Santo é venerado:
Dia 4 de outubro
É esse dia marcado,
Onde o povo em cada canto
Reza, agradecendo ao Santo,
Mais um milagre alcançado.
Mas ao falar em Francisco
Sinto-me na obrigação
De relembrar seus discípulos:
Bernardo, Pedro e Leão,
Filipe, Egídio e Rufino,
Clara, no mesmo destino
De Masseo, na pregação.
Seja de Assis ou das Chagas
É o Santo mais popular,
Quem for devoto que reze
Pra nosso mundo mudar:
Mais justiça social
E a consciência geral
Do perigo nuclear.
Para a paz reinar nas ruas
E pra chover no sertão,
Pra melhorar da coluna
E curar-se do coração;
Quem pediu foi atendido,
É isto que tem trazido
Milhares à procissão.
Como o provo brasileiro
Tem fé e convicção,
Roga ao Santo que auxilie
Nas horas de aflição,
Porto Velho ou Canindé:
Irmanados pela fé,
Unidos na devoção.
Porto Velho – RO, outubro de 1996.
continua...
Fonte:
Revista do Centro de Estudos Portugueses. v. 29, n. 42. Belo Horizonte/MG: UFMG, jul./dez. 2009.
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