Houve um tempo em que a solidariedade existia nas pequenas ações do cotidiano. Lembro-me de histórias contadas por meus pais sobre como as comunidades se uniam durante momentos difíceis. Os vizinhos se ajudavam, as portas estavam sempre abertas, e a empatia era uma norma não escrita. As desgraças alheias eram sentidas como se fossem próprias, e a coletividade era um valor inegociável.
Hoje, no entanto, vivemos em uma era marcada pela insensibilidade. A compaixão parece ter se esvaído, dando lugar a um egoísmo crescente. As desgraças que antes nos uniam agora são frequentemente ignoradas. Vemos imagens de catástrofes naturais, guerras, e crises humanitárias deslizando nas redes sociais, como se fossem apenas mais um item na lista interminável de conteúdos a serem consumidos. O coração, antes pulsante de solidariedade, parece ter se petrificado.
A falta de ação diante do sofrimento alheio é alarmante. O que poderia ser um chamado à empatia se transforma em um mero espetáculo. As tragédias se tornam cifras em estatísticas, e as pessoas, rostos anônimos em uma multidão. O “like” nas redes sociais substitui a verdadeira ação; compartilhar uma postagem é considerado um ato de solidariedade, quando, na verdade, é apenas um gesto vazio.
Enquanto a empatia se esvai, o que vemos na televisão e nos meios de comunicação é um festival de desavenças e baixarias. Programas que promovem a discórdia, que elevam o conflito ao status de entretenimento, se tornaram comuns. A audiência ri e se diverte com as provocações, enquanto a verdadeira conexão humana se perde em meio a gritos e insultos. O respeito ao próximo foi substituído pelo espetáculo da desgraça alheia, e a cultura da crítica feroz tomou conta.
Esses programas não apenas alimentam a insensibilidade, mas também moldam comportamentos. A banalização da hostilidade se infiltra no cotidiano das pessoas, que começam a ver a desavença como norma. As discussões se tornam debates acalorados, onde a razão dá lugar à ofensa. O diálogo, antes um espaço de construção, se transforma em um campo de batalha.
E, como se não bastasse, o som alto dos carros ecoa pelas ruas como um símbolo da falta de respeito. A música, que poderia ser uma forma de expressão e celebração, se transforma em uma arma de desrespeito. O barulho ensurdecedor invade o espaço público, desconsiderando aqueles que buscam paz e tranquilidade. Os motoristas, absortos em seu próprio prazer, ignoram os olhares de reprovação e os pedidos silenciosos por um pouco de silêncio.
Essa cultura do “eu primeiro” se reflete em todas as esferas da vida. As pessoas se tornam ilhas em meio a um mar de indiferença, cada uma preocupada apenas com seu próprio bem-estar. O respeito ao próximo, que outrora era um pilar fundamental das interações sociais, se torna uma relíquia do passado.
Vejo muitos poetas, trovadores e outros literatos que escrevem sobre fraternidade, sobre humanidade, sobre solidariedade, mas são palavras vazias por quem, ao contrário delas, só pensam em si mesmas, não movem um dedo em favor da empatia. Ficam simplesmente em cima do muro. Falam de respeito, mas não respeitam os outros. Lembro que meus pais sempre diziam, se você quer mudar o mundo deve primeiro mudar a si mesmo, seus pensamentos, suas atitudes, senão serão ações vãs. Ou como se diz: “O inferno está cheio de boas intenções”.
Entretanto, mesmo em meio a essa escuridão, há pequenas chamas de esperança. Existem aqueles que ainda lutam pela solidariedade, que se mobilizam para ajudar os necessitados, que se importam com o bem-estar do outro. Grupos comunitários, ONGs, e iniciativas locais são exemplos de que a empatia ainda vive em algumas partes do mundo. Essas ações, embora muitas vezes ofuscadas pelo barulho da indiferença, são fundamentais para reacender o espírito solidário que parece ter se perdido.
A reflexão sobre a falta de solidariedade do ser humano nos tempos atuais nos convida a repensar nossas próprias atitudes. Como podemos ser agentes de mudança em um mundo que parece se desumanizar? A resposta pode estar nas pequenas ações do dia a dia: um gesto de gentileza, um ouvido atento, um momento de silêncio respeitoso.
A solidariedade não é uma característica inata; ela deve ser cultivada. Cada um de nós tem o poder de transformar o ambiente ao nosso redor, de ser a mudança que desejamos ver. Ao olharmos para o próximo com olhos de compaixão, podemos começar a restaurar a conexão que foi perdida.
Assim, enquanto caminhamos por um mundo que muitas vezes parece indiferente, é essencial lembrar que a verdadeira força reside na solidariedade. O eco do egoísmo pode ser ensurdecedor, mas a voz da empatia, quando unida, pode criar um coro poderoso. Que possamos, juntos, redescobrir o valor da compaixão e do respeito, e que nossas ações sejam um lembrete de que a humanidade ainda tem um longo caminho a percorrer, mas que o primeiro passo começa dentro de cada um de nós.
Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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