Papéis avulsos é um livro de contos, lançado em 1882, embora alguns críticos literários considerem “O Alienista” mais uma novela do que propriamente um conto. Foi o terceiro livro de contos publicado por Machado de Assis, “a mais notável coletânea de Machado, a mais original e radical”.
"Em termos da evolução intelectual do seu autor, Papéis avulsos (1882) é sem dúvida a mais importante das coleções de contos de Machado de Assis. [...] É possível que, de certo ponto de vista, as coleções posteriores sejam melhores ─ mais sutis na sua ironia, mais penetrantes na sua complexidade psicológica ─, mas aqui sente-se o poder resultante de uma repentina libertação de energia. Há, obviamente, uma relação crucial com Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado em livro no ano anterior [...]. Em Papéis avulsos e Brás Cubas a energia é, acima de tudo, satírica: o Machado bem comportado dos romances da década anterior, que só tinha mostrado o seu lado mais perigoso em contos como “A parasıta azul” (1873) ou nas estranhas “fantasias” publicadas em O Cruzeiro, em 1878, revela-se, finalmente, em pé de igualdade com os grandes temas de um Erasmo ou um Swift."
O livro abre com uma advertência de que, embora se trate de contos separados, possuem pontos em comuns: “Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa.”
O escritor e crítico literário Carlos de Laet assim anunciou o lançamento de Papéis Avulsos: “Abram vossas excelências e senhorias lugar na sua biblioteca para mais um bom e espirituoso livro do sr. Machado de Assis: – Papéis avulsos – reunião de contos e artigos humorísticos, alguns dos quais já foram devidamente apreciados, quando figuraram no rodapé das folhas diárias favorecidas pela colaboração do distinto escritor.”
Contos
1) O Alienista
Publicado originalmente na revista quinzenal A Estação entre 15 de outubro de 1881 e 15 de março de 1882 com a assinatura Machado de Assis. Conta a história do renomado médico Simão Bacamarte, que retorna à sua terra natal, Vila de Itaguaí, para dedicar-se aos estudos da psiquiatria. Para tanto, decide implementar um asilo para abrigar os loucos da cidade e região, cabendo ao próprio médico diagnosticar a loucura dos pacientes e propor sua internação. Antevendo as ideias da antipsiquiatria do século XX, Machado brinca com as fronteiras tênues entre a sanidade mental e loucura. Pode-se interpretar o conto (ou novela) como crítica ao cientificismo exacerbado: Simão Bacamarte, sempre agindo em nome da ciência (“Homem de ciência, e só de ciência, nada o consternava fora da ciência”), acaba se revelando um déspota. O texto evoca o Elogio da Loucura, de Erasmo, além das peças de Molière que satirizam médicos e as obras de Cervantes, Jonathan Swift e Voltaire.
TRECHO: Não se sabia já quem estava são, nem quem estava doido.
2) Teoria do Medalhão
Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 18 de dezembro de 1881, com a assinatura Machado de Assis. Apresenta o diálogo em que um pai dá conselhos a seu filho, Janjão, no dia em que completa sua maioridade, sobre como se portar em sociedade, adotando o ofício de medalhão. Como fez em sua coluna Aquarelas na revista O Espelho, onde traçou perfis caricaturais de personagens da sociedade como o parasita e o empregado público aposentado, aqui Machado, através dos conselhos de um pai a seu filho, vai traçar a “caricatura” literária do chamado “medalhão”, um figurão que se mete a falar de tudo sem na verdade se aprofundar em nada, sendo por isso admirado pela sociedade. Segundo o crítico literário Araripe Júnior, “Somos com efeito um país de medalhões; e o autor dos Papéis avulsos faz ressaltar o caráter atrofiante com que essa espécie funesta desenvolve-se, difunde-se em todas as relações da vida pública no Brasil.”
TRECHO: A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra.
3) A Chinela turca
A versão original desse conto precursor do “surrealismo’’ do século XX foi publicada em A Época de 14 de novembro de 1875 sob o pseudônimo Manassés, a versão incluída nos Papéis Avulsos tendo sido consideravelmente modificada. Essa versão preliminar foi incluída por R. Magalhães Júnior em sua coletânea Contos e Crônicas de textos inéditos de Machado de Assis. O bacharel Duarte, prestes a sair para o baile, recebe a visita do Major Lopo Neves, sujeito enfadonho, que o visita para consultá-lo acerca de um drama que havia escrito. Durante a interminável leitura do manuscrito, Duarte recebe a visita da polícia, que o acusa do furto de uma chinela turca.
TRECHO: A chinela de que se trata vale algumas dezenas de contos de réis; é ornada de finíssimos diamantes, que a tornam singularmente preciosa. Não é turca só pela forma, mas também pela origem. A dona, que é uma de nossas patrícias mais viajeiras, esteve, há cerca de três anos no Egito, onde a comprou a um judeu. A história, que este aluno de Moisés referiu acerca daquele produto da indústria muçulmana, é verdadeiramente miraculosa, e, no meu sentir, perfeitamente mentirosa. Mas não vem ao caso dizê-la. O que importa saber é que ela foi roubada e que a polícia tem denúncia contra o senhor.
4) Na arca (subtítulo: Três capítulos inéditos do Gênesis)
Publicado originalmente em O Cruzeiro de 14 de maio de 1878, sob o pseudônimo Eleazar. Um preâmbulo ao texto, suprimido na versão em livro, foi publicado na revista Confluência no 1 (1991) e reproduzida na edição dos Papéis Avulsos publicada pela Penguin/Companhia das Letras. Paródia ao texto bíblico, dividida em capítulos e versículos. Os filhos de Noé, Sem, Jafé e Cam desentendem-se sobre como dividir a terra após o Dilúvio.
TRECHO: “Eles ainda não possuem a terra e já estão brigando por causa dos limites.”
5) D. Benedita (subtítulo: Um retrato)
Publicado originalmente na revista A Estação de 15 de abril a 15 de junho de 1882, com a assinatura Machado de Assis. História de Dona Benedita, mulher indecisa, que nasceu sob o signo da veleidade, no sentido de “vontade imperfeita, hesitante”. Casada com o Desembargador, que está há alguns anos no Pará, onde, dizem as más línguas, vive amasiado com outra mulher, D. Benedita planeja viajar para visitar o marido, mas não consegue se decidir por embarcar. E assim sua vida transcorre como uma sucessão de indecisões hamletianas.
TRECHO: D. Benedita arredou a cortina da janela, deu com os vidros molhados; era uma chuvinha teimosa, o céu estava todo brochado de uma cor pardo-escura, malhada de grossas nuvens negras. Ao longe, viu flutuar e voar o pano que cobria o balaio que uma preta levava à cabeça: concluiu que ventava. Magnífico dia para não sair, e, portanto, escrever uma carta, duas cartas, todas as cartas de uma esposa ao marido ausente.
6) O segredo de Bonzo (subtítulo: Capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto)
Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 30 de abril de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Alegoria sobre a credulidade humana e a propensão a acreditar no charlatanismo. Narrado como um relato do desbravador português do século XVI Fernão Mendes Pinto,[14] que visita o reino de Bungo e descobre o milagroso Bonzo Pomada, capaz de convencer outras pessoas. De fato, uma das acepções da palavra “pomada”, embora hoje em desuso, é “mentira, fraude” (ver dicionários Aulete e Houaiss).
TRECHO: Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente.
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continua…
Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papéis_Avulsos
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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