Luís Vaz de
Camões .Pouco
se sabe com certeza sobre a sua vida. Aparentemente nasceu em Lisboa, cerca de
1524, de uma família da pequena nobreza. Por via paterna, Luís de Camões seria
descendente de Vasco Pires de Camões, trovador galego, guerreiro e fidalgo, que
se mudou para Portugal em 1370 e recebeu do rei grandes benefícios em cargos,
honras e terras, e cujas poesias, de índole nacionalista, contribuíram para
afastar a influência bretã e italiana e conformar um estilo trovadoresco
nacional. Sobre a sua infância tudo é conjetura mas, ainda jovem, terá recebido
uma sólida educação nos moldes clássicos, dominando o latim e conhecendo a
literatura e a história antigas e modernas. Frequentou a corte de D. João III,
iniciou a sua carreira como poeta lírico e envolveu-se, como narra a tradição,
em amores com damas da nobreza e possivelmente plebéias, além de levar uma vida
boêmia e turbulenta. Diz-se que, por conta de um amor frustrado, autoexilou-se
em África, alistado como militar, onde perdeu um olho em batalha. Voltando a
Portugal, feriu um servo do Paço e foi preso. Perdoado, partiu para o Oriente.
Passando lá vários anos, enfrentou uma série de adversidades, foi preso várias
vezes, combateu ao lado das forças portuguesas e escreveu a sua obra mais
conhecida, a epopeia nacionalista Os Lusíadas. De volta à pátria, publicou Os
Lusíadas e recebeu uma pequena pensão do rei D. Sebastião pelos serviços prestados
à Coroa, mas nos seus anos finais parece ter enfrentado dificuldades para se
manter.
Logo após a sua morte a sua obra lírica foi reunida na coletânea Rimas, tendo
deixado também três obras de teatro cômico. Enquanto viveu queixou-se várias
vezes de alegadas injustiças que sofrera, e da escassa atenção que a sua obra
recebia, mas pouco depois de falecer a sua poesia começou a ser reconhecida
como valiosa e de alto padrão estético por vários nomes importantes da
literatura europeia, ganhando prestígio sempre crescente entre o público e os
conhecedores e influenciando gerações de poetas em vários países. Camões foi um
renovador da língua portuguesa e fixou-lhe um duradouro cânone; tornou-se um
dos mais fortes símbolos de identidade da sua pátria e é uma referência para
toda a comunidade lusófona internacional. Hoje a sua fama está solidamente
estabelecida e é considerado um dos grandes vultos literários da tradição
ocidental, sendo traduzido para várias línguas e tornando-se objeto de uma vasta
quantidade de estudos críticos.
Depois de ver-se amargurado pela derrota portuguesa na Batalha de
Alcácer-Quibir, onde desapareceu D. Sebastião, levando Portugal a perder sua
independência para Espanha, adoeceu, segundo Le Gentil, de peste. Foi
transportado para o hospital, e faleceu em 10 de junho de 1580, sendo
enterrado, segundo Faria e Sousa, numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, ou no
cemitério dos pobres do mesmo hospital, segundo Teófilo Braga.
Os testemunhos dos seus contemporâneos descrevem-no como um homem de porte
mediano, com um cabelo loiro arruivado, cego do olho direito, hábil em todos os
exercícios físicos e com uma disposição temperamental, custando-lhe pouco
engajar-se em brigas. Diz-se que tinha grande valor como soldado, exibindo
coragem, combatividade, senso de honra e vontade de servir, bom companheiro nas
horas de folga, liberal, alegre e espirituoso quando os golpes da fortuna não
lhe abatiam o espírito e entristeciam. Tinha consciência do seu mérito como homem,
como soldado e como poeta.
Todos os esforços feitos no sentido de se descobrir a identidade definitiva da
sua musa foram vãos e várias propostas contraditórias foram apresentadas sobre
supostas mulheres presentes na sua vida. O próprio Camões sugeriu, num dos seus
poemas, que houve várias musas a inspirá-lo, ao dizer "em várias flamas
variamente ardia".
Contexto
Camões viveu na fase final do Renascimento europeu, um período marcado por
muitas mudanças na cultura e sociedade, que assinalam o final da Idade Média e
o início da Idade Moderna e a transição do feudalismo para o capitalismo.
A produção de Camões divide-se em três gêneros: o lírico, o épico e o teatral.
A sua obra lírica foi desde logo apreciada como uma alta conquista. Demonstrou
o seu virtuosismo especialmente nas canções e elegias, mas as suas redondilhas
não lhes ficam atrás. De fato, foi um mestre nesta forma, dando uma nova vida à
arte da glosa, instilando nela espontaneidade e simplicidade, uma delicada
ironia e um fraseado vivaz, levando a poesia cortesã ao seu nível mais elevado,
e mostrando que também sabia expressar com perfeição a alegria e a
descontração. A sua produção épica está sintetizada n’Os Lusíadas, uma alentada
glorificação dos feitos portugueses, não apenas das suas vitórias militares,
mas também a conquista sobre os elementos e o espaço físico, com recorrente uso
de alegorias clássicas. A ideia de um épico nacional existia no seio português
desde o século XV, quando se iniciaram as navegações, mas coube a Camões, no
século seguinte, materializá-la. Nas suas obras dramáticas procurou fundir
elementos nacionalistas e clássicos.
Os seus melhores poemas brilham exatamente pelo que há de genuíno no sofrimento
expresso e na honestidade dessa expressão, e este é um dos motivos principais
que colocam a sua poesia em um patamar tão alto.
As suas fontes foram inúmeras. Dominava o latim e o espanhol, e demonstrou
possuir um sólido conhecimento da mitologia greco-romana, da história antiga e
moderna da Europa, dos cronistas portugueses e da literatura clássica,
destacando-se autores como Ovídio, Xenofonte, Lucano, Valério Flaco, Horácio,
mas especialmente Homero e Virgílio, de quem tomou vários elementos estruturais
e estilísticos de empréstimo e às vezes até trechos em transcrição quase
literal. De acordo com as citações que fez, também parece ter tido um bom
conhecimento de obras de Ptolomeu, Diógenes Laércio,Plínio, o Velho, Estrabão e
Pompónio, entre outros historiadores e cientistas antigos. Entre os modernos,
estava a par da produção italiana de Francesco Petrarca, Ludovico Ariosto,
Torquato Tasso, Giovanni Boccaccio e Jacopo Sannazaro, e da literatura
castelhana.
Camões, depois de uma fase inicial tipicamente clássica, transitou por outros
caminhos e a inquietude e o drama se tornaram seus companheiros. Por todo Os
Lusíadas são visíveis os sinais de uma crise política e espiritual, permanece
no ar a perspectiva do declínio do império e do caráter dos portugueses,
censurados por maus costumes e pela falta de apreço pelas artes, alternando-se
a trechos em que faz a sua apologia entusiasmada. Também são típicos do
Maneirismo, e se tornariam ainda mais do Barroco, o gosto pelo contraste, pelo
arroubo emocional, pelo conflito, pelo paradoxo, pela propaganda religiosa,
pelo uso de figuras de linguagem complexas e preciosismos, até pelo grotesco e
pelo monstruoso, muitos deles traços comuns na obra camoniana.
O caráter maneirista da sua obra é assinalado também pelas ambiguidades geradas
pela ruptura com o passado e pela concomitante adesão a ele, manifesta a
primeira na visualização de uma nova era e no emprego de novas fórmulas
poéticas oriundas de Itália, e a segunda, no uso de arcaísmos típicos da Idade
Média. Ao lado do uso de modelos formais renascentistas e classicistas,
cultivou os gêneros medievais do vilancete, da cantiga e da trova.
N’Os Lusíadas Camões atinge uma notável harmonia entre erudição clássica e
experiência prática, desenvolvida com habilidade técnica consumada, descrevendo
as peripécias portuguesas com momentos de grave ponderação mesclados com outros
de delicada sensibilidade e humanismo. As grandes descrições das batalhas, da
manifestação das forças naturais, dos encontros sensuais, transcendem a
alegoria e a alusão classicista que permeiam todo o trabalho e se apresentam
como um discurso fluente e sempre de alto nível estético, não apenas pelo seu
caráter narrativo especialmente bem conseguido, mas também pelo superior
domínio de todos os recursos da língua e da arte da versificação, com um
conhecimento de uma ampla gama de estilos, usados em eficiente combinação. A
obra é também uma séria advertência para os reis cristãos abandonarem as
pequenas rivalidades e se unirem contra a expansão muçulmana.
A obra lírica de Camões, dispersa em manuscritos, foi reunida e publicada
postumamente em 1595 com o título de Rimas. Ao longo do século XVII, o
crescente prestígio do seu épico contribuiu para elevar ainda mais o apreço por
estas outras poesias. A coletânea compreende redondilhas, odes, glosas,
cantigas, voltas ou variações, sextilhas, sonetos, elegias, éclogas e outras
estâncias pequenas. A sua poesia lírica procede de várias fontes distintas: os
sonetos seguem em geral o estilo italiano derivado de Petrarca, as canções
tomaram o modelo de Petrarca e de Pietro Bembo. Nas odes verifica-se a
influência da poesia trovadoresca de cavalaria e da poesia clássica, mas com um
estilo mais refinado; nas sextilhas aparece clara a influência provençal; nas
redondilhas expandiu a forma, aprofundou o lirismo e introduziu uma temática,
trabalhada em antíteses e paradoxos, desconhecida na antiga tradição das
cantigas de amigo, e as elegias são bastante classicistas. As suas estâncias
seguem um estilo epistolar, com temas moralizantes. A écoglas são peças
perfeitas do gênero pastoral, derivado de Virgílio e dos italianos. Em muitos
pontos de sua lírica também foi detectada a influência da poesia espanhola de
Garcilaso de la Vega, Jorge de Montemor, Juan Boscán, Gregorio Silvestre e
vários outros nomes.
O conteúdo geral de suas obras para o palco combina, da mesma forma que n’Os
Lusíadas, o nacionalismo e a inspiração clássica. A sua produção neste campo
resume-se a três obras, todas no gênero da comédia e no formato de auto: El-Rei
Seleuco, Filodemo e Anfitriões.
Em El-Rei Seleuco, o tema, da complicada paixão de Antíoco, filho do rei
Seleuco I Nicator, por sua madrasta, a rainha Estratonice, foi tirado de um
fato histórico da Antiguidade transmitido por Plutarco e repetido por Petrarca
e pelo cancioneiro popular espanhol, trabalhando-o ao estilo de Gil
Vicente.
Anfitriões, é uma adaptação do Amphitryon de Plauto, onde acentua o caráter
cômico do mito de Anfitrião, destacando a onipotência do amor, que subjuga até
os imortais, também seguindo a tradição vicentina. A peça foi escrita em
redondilhas menores e faz uso do bilinguismo, empregando o castelhano nas falas
do personagem Sósia, um escravo, para assinalar seu baixo nível social em
passagens que chegam ao grotesco, um recurso que aparece nas outras peças
também.
O Filodemo, composto na Índia e dedicado ao vice-rei D. Francisco Barreto, é
uma comédia de moralidade em cinco atos, de acordo com a divisão clássica,
sendo das três a que se manteve mais viva no interesse da crítica pela
multiplicidade de experiências humanas que descreve e pela agudeza da
observação psicológica. O tema versa sobre os amores de um criado, Filodemo,
pela filha, Dionisa, do fidalgo em casa de quem serve, com traços
autobiográficos.
Camões via a comédia como um gênero secundário, de interesse apenas como um
divertimento de circunstância, mas conseguiu resultados significativos transferindo
a comicidade dos personagens para a ação e refinando a trama, pelo que apontou
um caminho para a renovação da comédia portuguesa. Entretanto, sua sugestão não
foi seguida pelos cultivadores do gênero que o sucederam.
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