domingo, 14 de dezembro de 2025

Autor Anônimo ( Fábula do Rei e suas 4 Esposas)


Era uma vez... um rei que tinha 4 esposas.

Ele amava a 4ª esposa demais, e vivia dando-lhe lindos presentes, joias e roupas caras.

Ele dava-lhe de tudo e sempre do melhor.

Ele também amava muito sua 3ª esposa e gostava de exibi-la aos reinados vizinhos.

Contudo, ele tinha medo que um dia, ela o deixasse por outro rei.

Ele também amava sua 2ª esposa. Ela era sua confidente e estava sempre pronta para ele, com amabilidade e paciência. Sempre que o rei tinha que enfrentar um problema, ele confiava nela para atravessar esses tempos de dificuldade.

A 1ª esposa era uma parceira muito leal e fazia tudo que estava ao seu alcance para manter o rei muito rico e poderoso, ele e o reino. Mas, ele não amava a 1ª esposa, e apesar dela o amar profundamente, ele mal tomava conhecimento dela.

Um dia, o rei caiu doente e percebeu que seu fim estava próximo.

Ele pensou em toda a luxúria da sua vida e ponderou:
- É, agora eu tenho 4 esposas comigo, mas quando eu morrer, com quantas poderei contar?

Então, ele perguntou à 4ª esposa:
- Eu te amei tanto, querida, te cobri das mais finas roupas e joias. Mostrei o quanto eu te amava cuidando bem de você. Agora que eu estou morrendo, você é capaz de morrer comigo, para não me deixar sozinho?

- De jeito nenhum! – respondeu a 4ª esposa, e saiu do quarto sem sequer olhar para trás.

A resposta que ela deu cortou o coração do rei como se fosse uma faca afiada.

Tristemente, o rei então perguntou para a 3ª esposa:
- Eu também te amei tanto a vida inteira. Agora que eu estou morrendo, você é capaz de morrer comigo, para não me deixar sozinho?

- Não!!! - respondeu a 3ª esposa.– - A vida é boa demais!!! Quando você morrer, eu vou é casar de novo.

O coração do rei sangrou e gelou de tanta dor. Ele perguntou então à 2ª esposa:
- Eu sempre recorri a você quando precisei de ajuda, e você sempre esteve ao meu lado. Quando eu morrer, você será capaz de morrer comigo, para me fazer companhia?

- Sinto muito, mas desta vez eu não posso fazer o que você me pede! – respondeu a 2ª esposa. – O máximo que eu posso fazer é enterrar você!

Essa resposta veio como um trovão na cabeça do rei, e mais uma vez ele ficou arrasado.

Daí, então, uma voz se fez ouvir:
- Eu partirei com você e o seguirei por onde você for...

O rei levantou os olhos e lá estava a sua 1ª esposa, tão magrinha, tão mal nutrida, tão sofrida... 

Com o coração partido, o rei falou:
- Eu deveria ter cuidado muito melhor de você enquanto eu ainda podia... 

Na verdade, nós todos temos 4 esposas nas nossas vidas...

Nossa 4ª esposa é o nosso corpo. Apesar de todos os esforços que fazemos para mantê-lo saudável e bonito, ele nos deixará quando morrermos... 

Nossa 3ª esposa são as nossas posses, as nossas propriedades, as nossas riquezas. Quando morremos, tudo isso vai para os outros.

Nossa 2ª esposa são nossa família e nossos amigos. Apesar de nos amarem muito e estarem sempre nos apoiando, o máximo que eles podem fazer é nos enterrar...

E nossa 1ª esposa é a nossa ALMA, muitas vezes deixada de lado por perseguirmos, durante a vida toda, a Riqueza, o Poder e os Prazeres do nosso Ego... Apesar de tudo, nossa Alma é a única coisa que sempre irá conosco, não importa aonde formos...

Então... Cultive... Fortaleça... Bendiga... Enobreça... sua Alma agora!!! É o maior presente que você pode dar ao mundo... e a si mesmo. Deixe-a brilhar!!!

Fonte:
Vários autores. Lendas para reflexão.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Hans Christian Andersen (No quarto das crianças)

 

O papai e a mamãe e os irmãos tinham ido ao teatro. Só ficaram em casa a Ana, que era muito pequena, e  o avô.

   Mas o avô disse:

   - Nós também havemos de ter uma comédia. E vai começar já, já.

   - Mas nós não temos teatro - disse a menina.- E não temos ninguém para representar... A minha boneca velha não pode, porque ela é muito feia; e a nova, a nova não há de amarrotar assim o vestido, que é tão fino...

   - Ora, atores a gente arranja: é só contentar-se com o que tem. Vamos construir o teatro. Aqui vai este livro de pé, lá outro, e mais outro...uma fila oblíqua. Agora  outros  três do outro lado, assim. Pronto: já temos os bastidores. Aquela caixa velha pode servir de fundo: é só virar o fundo para cima. O cenário representa uma sala, isso logo se vê. Precisamos agora arranjar os personagens. Vejamos o que há nesta caixa de brinquedos... Primeiro, os personagens, depois faremos a comédia: uma coisa depois outra, e tudo sairá bem. Aqui está um fornilho de cachimbo, e ali uma luva sem par: serão pai e filha.

  - Pois sim, vovô!  Mas são só dois...Oh! Aqui está o colete velho do meu irmão... Ele poderá também desempenhar um  papel?

   - Tem tamanho suficiente para isso... Pode fazer o galã. Não tem nada nos bolsos, e isso não deixa de ser interessante: é a metade de um namorado infeliz... E aqui temos um quebra-nozes em forma de bota, e com espora. Arre! Como a bota se pavoneia, e pisoteia tudo... Pois ela vai ser o pretendente antipático, que a mocinha aborrece... E agora que gênero de peça preferes?  Uma tragédia, ou um drama de família?

   - Um drama de família, sim, vovô? Todos gostam tanto disso... O senhor conhece algum?
   - Sim, centenas! Os que o público preferem são traduzidos do francês, mas esses não convém para uma menininha como tu... Mas a gente pode escolher um mais conveniente. No fundo, todos são iguais. Pois bem! Vamos lá! Entrem por aqui, senhoras e senhores... O drama de família mais novo! Quinhentas representações, com a casa lotada! Vejamos agora qual é o elenco.

   E o avô pegou o jornal, fingindo que lia:
       
 " O FORNINHO E O BOM RAPAZ"
        - Drama familiar em uma ato - 
          Personagens:
Senhor Fornilho - pai.
Senhorita Luva - filha.
Senhor Colete - galã.
Senhor de Bota - pretendente.

     – Vamos começar. Levanta-se o pano - como não temos pano, já está levantado. Todos os personagens estão presentes, não nos falta nada. Agora vou falar, como se eu fosse o Senhor Fornilho. Ele está muito zangado hoje... Bem se vê que foi feito de espuma-do-mar, e amarelada!

   Fala então, como se fosse o Fornilho:

  - Que tolice! Tudo isso é asneira, ora essa! Quem manda nesta casa sou eu! Sou o pai da minha filha! Ouçam, pois, o que estou dizendo: o Senhor da Bota é uma pessoa em que a gente pode mirar-se como em um espelho. Por cima é de marroquim,  e embaixo tem espora. Ora essa! É ele quem há de casar com  a minha filha!
 
  - Agora, Aninha, presta atenção ao que diz o Colete; agora é o Colete quem fala. Ele tem a gola virada e é muito modesto, mas sabe o que vale, e tem toda a razão quando diz:

  - Sou imaculado! E devem tomar também em consideração a fazenda! Fui feito de legítima seda, e tenho galões.
 
  A isso acudiu logo o Senhor Fornilho:
   
- Mas é só no dia do casamento! Depois, acabou-se! A sua cor não se mostrou muito firme na lavagem. Agora o Senhor de Bota é a prova d'água, é feito de couro forte, e muito macio. Sabe ranger, sabe fazer a espora tinir! E tem feições italianas.
 
 - Mas eles deviam falar em verso! - exclamou a Aninha. - Dizem que é a coisa mais linda que há...

  - Pois sim, podem falar em verso, podem. Se o público assim o determina, fala-se em verso... Olha para a Senhorita Luva, vê como estende as mãos... e diz:
  
   " Hei de me empenhar, hei de me empenhar,
          Hei de ter um par!
    Mas não o consigo... não posso alcançar...
    Já sinto meu couro, de dor, estalar!"

O Senhor Fornilho:
  - Asneiras...

– Agora é o Colete quem fala:
"Luva, minha bem-amada!
 Oponha-se a quem quiser;
 Eu aqui declaro a todos:
 Hás de ser minha mulher!"

Aqui o Senhor de Bota começa a dar pontapés, e derruba três bastidores, enquanto Aninha grita:

   - Mas que maravilha!

   - Silêncio! Silêncio! - brada o avô. - O aplauso silencioso mostra que o público que está na plateia - porque tu estás na plateia - é um público culto. Agora a Senhorita Luva vai fazer uma mesura, e depois cantará a sua grande ária, acompanhada de castanholas:
    " E quem não tem boa voz,
      E não canta de verdade,
      Cantará ' coricocó!'
     Na frente da sociedade.”  

 - E agora é que chega o momento mais empolgante, Aninha!  O que há de mais  importante, em uma comédia . Olha, o Senhor Colete entreabriu-se; vai falar. E é a ti que ele se dirige, para que batas palmas no fim. Mas... não, não batas palmas; é mais distinto. Repara... ouve o ruge-ruge da seda... Ele começa:
   - Estou extraordinariamente exasperado! Cuidado! Começa agora a intriga! O senhor é o Fornilho, bem sei: mas eu sou o bom rapaz... Zás-trás! Pronto! Sumiu-se o Fornilho!

- Vês, Aninha, como o cenário e a mímica são perfeitos? O Senhor Colete pega no velho Fornilho e mete-o no bolso... O Fornilho lá fica escondido, e o Colete diz:
   - Agora está o senhor dentro do meu bolso, e não poderá sair daí enquanto não me prometer em casamento a sua filha, a Senhorita Luva da Esquerda, a quem darei a minha Direita!

    - Mas é extraordinário! - gritava Aninha.

   - Ouve agora o que responde o velho Fornilho:
 " Eu ouço perfeitamente,
  Mas...parece que estou tonto...
  Que é do meu antigo espirito,
  Que dantes era tão pronto?
  Meu tubo onde foi parar?
  Se saio desta armadilha,
  Prometo; Com minha filha,
  Irás depressa casar!"

- Acabou-se a comédia? - perguntou Aninha.

 - Qual! Acabou somente para o Senhor de Bota. Agora os namorados ajoelham, e ela canta:
   " Ó meu pai!"

E o namorado canta também:
   " ...sai escondido!
   Vem teus filhos abençoar!"

  Ambos recebem a benção, celebra-se o casamento. Os móveis cantam em coro;
     "Tilintintim! Tilintintim!
   Já se acabou a comédia!
    Tilinrintim!"

- Agora sim, vamos bater palmas; vamos  chamar todos os atores, e os móveis também, porque são de acaju!
  
- Vovô, a nossa comédia não foi tão boa como a que eles foram ver lá no teatro de verdade?

  - A nossa é muito melhor! É mais curta, não custa nada, e serviu para nos entreter até a hora do chá.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
Hans Christian Andersen foi um escritor dinamarquês, autor de famosos contos infantis. Nasceu em Odense/Dinamarca, em 1805. Era filho de um humilde sapateiro gravemente doente morrendo quando tinha 11 anos. Quando sua mãe se casou novamente, Hans se sentiu abandonado. Sabia ler e escrever e começou a criar histórias curtas e pequenas peças teatrais. Com uma carta de recomendação e algumas moedas, seguiu para Copenhague disposto a fazer carreira no teatro. Durante seis anos, Hans Christian Andersen frequentou a Escola de Slagelse com uma bolsa de estudos. Com 22 anos terminou os estudos. Para sair de uma crise financeira escreveu algumas histórias infantis baseadas no folclore dinamarquês. Pela primeira vez os contos fizeram sucesso. Conseguiu publicar dois livros. Em 1833, estando na Itália, escreveu “O Improvisador”, seu primeiro romance de sucesso. Entre os anos de 1835 e 1842, o escritor publicou seis volumes de contos infantis. Suas primeiras quatro histórias foram publicadas em "Contos de Fadas e Histórias (1835). Em suas histórias buscava sempre passar os padrões de comportamento que deveriam ser seguidos pela sociedade. O comportamento autobiográfico apresenta-se em muitas de suas histórias, como em “O Patinho Feio” e “O Soldadinho de Chumbo”, embora todas sejam sobre problemas humanos universais. Até 1872, Andersen havia escrito um total de 168 contos infantis e conquistou imensa fama. Hans Christian Andersen mostrava muitas vezes o confronto entre o forte e o fraco, o bonito e o feio etc. A história da infância triste do "Patinho Feio" foi o seu tema mais famoso - e talvez o mais bonito - dos contos criados pelo escritor. Um dos livros de grande sucesso de Hans Christian Andersen foi a "Pequena Sereia", uma estátua da pequena sereia de Andersen, esculpida em 1913 e colocada junto ao porto de Copenhague/ Dinamarca, é hoje o símbolo da cidade. Quando regressou ao seu país, com 70 anos de idade, Andersen estava carregado de glórias e sua chegada foi festejada por toda a Dinamarca. Após uma vida de luta contra a solidão, Andersen logo se viu cercado de amigos. Faleceu em Copenhague, Dinamarca, em 1865. Devido a importância de Andersen para a literatura infantil, o dia 2 de abril - data de seu nascimento - é comemorado o Dia Internacional do Livro Infanto-juvenil. Muitas das obras de Andersen foram adaptadas para a TV e para o cinema.
Fontes:
Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente em 1859. Disponível em Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

sábado, 13 de dezembro de 2025

Asas da Poesia * 143 *


Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Kararaô !

Em cada curva de rio,
em cada palmo de chão
da Amazônia existe um olho
observando o Dragão
com seu hálito de fogo,
seu discurso demagogo,
seu poder de sedução...

E em cada rosto caboclo
existe um índio escondido,
enclausurado em si mesmo,
discriminado, oprimido,
escravo em sua própria terra
trazendo o grito de guerra
no coração reprimido.

Eu sou a voz desse índio :
a flecha, a lança, a borduna...
Sou peixe na piracema,
limo de várzea, boiúna,
tronco no rio submerso
e, se me desfaço em verso,
sou arma, pão e tribuna!

Meu cantar é berço e tumba,
é pedra, rosa e punhal;
é chuva regando a terra,
é fogo no matagal :
alerta, instiga, provoca
com fúria de pororoca,
força de vento geral!

Mas não desperte essa fera
no meu peito adormecida,
concebida e alimentada
na dor da própria ferida.
Seu corpo de argila e trigo
serve e alimento e abrigo
aos que lutam pela vida.

Canto as glórias do meu povo
e as dores desta nação.
Meu canto é grito de guerra,
punhal contra a servidão :
- Kararaô ! Canto alado,
pendão de amor desfraldado
em defesa do meu chão!
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 

Poema de
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa/Portugal (1919 – 2004) Porto/Portugal

O Anjo

O Anjo que em meu redor passa e me espia
E cruel me combate, nesse dia
Veio sentar-se ao lado do meu leito
E embalou-me, cantando, no seu peito.

Ele que indiferente olha e me escuta
Sofrer, ou que, feroz comigo luta,
Ele que me entregara à solidão,
Pousava a sua mão na minha mão.

E foi como se tudo se extinguisse,
Como se o mundo inteiro se calasse,
e o meu ser liberto enfim florisse,
e um perfeito silêncio me embalasse.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
FAUSTINO DA FONSECA JÚNIOR
Angra do Heroísmo/Portugal, 1871 – 1918, Lisboa/Portugal

Lira da mocidade

Os versos na mocidade
Todos fazem, e a razão
É serem necessidade
Aos risos do coração.

O futuro cor de rosa,
O mundo cheio de encantos;
A nossa alma jubilosa
Não chorou amargos prantos.

Desde o ar que se respira,
Ao céu da cor de safira,
Tudo ri e diz – Amar!

E contemplando a beleza,
O sorrir da natureza,
Sabemos todos cantar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
CRIS ANVAGO
Lisboa/Portugal

Acredito

Acredito no compasso
Das palavras que dançam
No papel colorido
Pauta perfumada de tons quentes
Acredito no livro ainda não escrito
Onde o coração transborda
Nas palavras que balançam
No olhar ternurento de quem as lê
Na sensibilidade de quem as sente
Acredito na melodia que ainda não foi tocada
Mas que está em construção
Nas mãos de um violinista
Acredito no quadro ainda não pintado
Mas já imaginado no pincel
Que replica as emoções do pintor
Acredito no amor que renasce todos os dias
Com toques de arte ainda não descoberta
Sonhada na ponta dos dedos
Acredito no AMOR
Num mundo mais colorido
Imaginado e vivido…
Acredito!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

Fui no livro do destino
minha sorte procurar,
corri folhas encontrei:
eu nasci para te amar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
DIOGO BERNARDES
Ponte da Barca/Portugal, 1530 – 1605, Lisboa/Portugal

[3]

Da branca neve, e da vermelha rosa
O Céu de tal maneira derramou
No vosso rosto as cores, que deixou
A rosa da manhã mais vergonhosa.

Os cabelos (d’amor prisão formosa)
Não d’ouro, que ouro fino desprezou,
Mas dos raios do Sol vo-los dourou,
Do que Cíntia também anda invejosa.

Um resplendor ardente, mas suave,
Está nos vossos olhos derramando
Que o claro deixa escuro, o escuro aclara;

A doce fala, o riso doce, e grave
Entre rubis, e perlas lampejando
Não tem comparação por coisa rara.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/Portugal

Dança dos dias
Os dias passeiam
nos biquinhos dos pés,
dançando graciosamente
no palco da vida.

Dançam, rodopiam…

De lés a lés,
vigorosamente,
ouvem-se aplausos
de uma loucura desmedida.

Sorrisos que brilham,
alma deliciada.
Felicidade que se mostra
numa bela gargalhada.

Dançam, rodopiam…

Por vezes, a desilusão.
Lágrimas desmedidas
que emergem da solidão.

É o tempo quem reina,
sem hesitação,
seguindo o compasso
desta canção.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Música de
CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
São Luís/MA, 1863 – 1946, Rio de Janeiro/RJ

Os boêmios

Deus! Que viver, que prazer
Nesta vida que teço o senhor
Eu gozo só, sem tocar no
Duende travesso do amor!

Oh lé lé! Sou feliz! Uma pinga
De ideias, me faz entrever
O gozar nesta vida borida
É traze-la florida
Em alegre folgar

Mas, oh, que importa o sofrer
Se eu só conheço o prazer?
Eu sei desviar-me da dor
E leve o diabo ao amor!

Meu coração, não aceita
Os espinhos daninhos do amor
Se a mulher, veja ali
Vou passando
Brincando, folgando
A cantar, sou assim!

E que fuja a mulher
O demônio de mim!
Deus me deu esta vida
Por prêmio, serei o boêmio
Que ele quiser

Leve o diabo até inferno
Da vida, a este terreno
Ridente sofrer!
Num copo eu venço o amargor
Do viver!
Tem doçura ao beber! Oh!

Leve o diabo a este inferno
Da vida, este terreno
Cansado sofrer
Eu só encontro alegria no céu
Da folia, cantando a beber!

Oh, como é bom, como é boa
Esta vida que passo sem lar!
Não quero amar, só namoro
A natura que levo a cantar
Uma flor, o luar
Das estrelas, namoro

O divino fulgor
Que ao boêmio dão
Almas meiguices, sem essas
Pieguices do bobo do amor
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 

Soneto de
FREI AGOSTINHO DA CRUZ
Ponte da Barca/Portugal, 1540 – 1619, Setúbal/Portugal

Da contemplação a mesma

Dos solitários bosques a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta serra, do mar largo cercada,
Me move a contemplar mais formosura.

Que tem quem tem na terra mor ventura,
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registrada
Nas mãos do Criador da criatura?

A folha que no bosque verde estava,
Em breve espaço cai, perdida a flor,
Que tantas esperanças sustentava.

Por isso considere o pecador,
Se quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Envolve com a tua claridade
A concavidade do meu âmago
Com feixes dourados de serenidade
Afasta a inclemência desta cegueira 
Chama-me à transparência da razão
Acentua-me o brilho do olhar
Com a luz líquida da emoção
Incendia o peito desnudado
O restolho que antes foi trigo
Onde morremos pra nascer de novo
Sê o entardecer que amanhece em mim
A canícula que alimenta novas paixões
A luz quente que dá forma às sensações  
Abraça-me na fugacidade do momento
Sê o sol do meu feliz contentamento.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
JOAQUIM DE MELO FREITAS
Aveiro/ Portugal, 1852 – 1923

Misterioso abismo

Tépido sonho de luz
corpo, que destila aroma
sublime e claro axioma
espargindo amor a flux!

Uma vertigem produz
teu olhar, o seio, a coma,
voluptuoso sintoma
que a fantasia traduz.

Débil flor, que o sol admira
beijando com azedume
as estrelas de safira...

mas ninguém sequer presume
que o meu coração expira
na mortalha do ciúme.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
EUGÉNIO DE CASTRO
Coimbra/ Portugal, 1869 – 1944

A coroa de rosas

A fim, oculto amor, de coroar-te,
de adornar tuas tranças luminosas,
uma coroa teci de brancas rosas,
e fui pelo mundo afora, a procurar-te.

Sem nunca te encontrar, crendo avistar-te
nas moças que encontrava, donairosas,
fui-as beijando e fui-lhes dando as rosas
da coroa feita com amor e arte.

Trago, de caminhar, os membros lassos,
acutilam-me os ventos e as geadas,
já não sei o que são noites serenas...

Sinto que vais chegar, ouço-te os passos,
mas ai! nas minhas mãos ensanguentadas
uma coroa de espinhos trago apenas!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

De tudo o que partiu sem ter partido
(Maria Celeste Salgueiro Seabra in "Ânsia de infinito", p. 22)

“De tudo o que partiu sem ter partido”
Eu guardo nas gavetas da memória
Misturado nas lamas dessa escória
Um brilhante, de todos, o mais querido.

Tudo o que eu fiz morreu, sem alarido
Da vaidade a herança é ilusória
Farta, a riqueza é sempre transitória
E o futuro, de sonhos, é tecido.

Mas uma coisa eu guardo com desvelo:
Um louro caracol do meu cabelo
Que a minha mãe cortou em pequenino.

E mesmo sem ter caixa eu guardo ainda
De todas essas coisas a mais linda:
Os ecos dos meus risos de menino.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Hino de Caraguatatuba/SP

Caraguatatuba bonita
Esplendor de beleza rara!
Caraguatatuba onde habita
O cortês e gentil caiçara

Nas fímbrias da serra que aos céus se levanta
À margem formosa de imensa baía
Se estende uma terra que aos olhos encanta
A terra onde as praias têm mais alegria
Se sois dentre as joias a mais reluzente
Se dentre as cidades vós tendes mais vida
Então não sois obra divina somente
Sois obra de Deus pelos homens polida

Caraguatatuba bonita
Esplendor de beleza rara!
Caraguatatuba onde habita
O cortês e gentil caiçara

Oh! Terra, vós tendes um mar cristalino
Que tanto vos beija em carícias de irmão
Que traz ondulante um murmúrio divino
O suave murmúrio de Deus na amplidão
Vós tendes na frente uma ilha gigante
Que às nuvens se lança a perder-se de vista
A exemplo da ilha erguei-vos vibrante
E glória sereis brasileira e paulista
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
AUGUSTO GIL
Porto/Portugal, 1873 – 1929, Lisboa/Portugal

De profundis clamavi ad te domine*

Ao charco mais escuso e mais imundo
chega uma hora no correr do dia
em que um raio de sol, claro e jucundo,
o visita, o alegra, o alumia;

pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
nesta contínua e intérmina agonia,
nem tenho uma hora só dessa alegria
que chega às coisas ínfimas do mundo!...

Deus meu, acaso a roda do destino
a movimentam vossas mãos leais
num aceno impulsivo e repentino,

sem que na cega turbulência a domem?!
Senhor! não é um seixo que esmagais;
olhai que é – o coração de um homem!... 
= = = = = = = = = = = = = = = =
*De profundis clamavi ad te domine : Eu te clamei das profundezas, Senhor
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O mergulhão, a silva e o morcego

O mergulhão, a silva e o morcego
Fizeram sociedade: entram no emprego
De embarcarem, levando por contrato
Metais o mergulhão, a silva fato;
O morcego, sem fundo, foi forçado,
Para a carga, a valer-se do emprestado.

Tal tormenta lhes deu, que lá ficaram
Os bens, e eles com custo se salvaram:
O mergulhão da praia agora gosta,
A ver se os seus metais deram à costa:
A silva, quando o fato nela embarra,
Cuidando que é o seu, a ele se agarra:
O morcego de dia não se atreve
A sair, temendo esses a quem deve.

Fatal vício o da sórdida avareza,
Porque além de meter os seus amigos
Em imensos trabalhos e perigos,
Por tenaz se converte em natureza.

No que procura o seu, não é defesa;
Mas hesita tormentos e castigos
Naqueles que perdendo os bens antigos,
Qual silva, nos alheios fazem presa.

O que intenta negócio do emprestado,
Manda a quem lhe emprestou muito presente;
Lá vai lucro, e talvez que vá dobrado.
Se houve perda, retira-se da gente,
Por andar do credor envergonhado,
Sente muito, e o que empresta ainda mais sente.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Contos e Lendas do Mundo (Índia) O Pote Rachado


Um carregador de água levava dois potes grandes, pendurados em cada ponta de uma vara, sobre os ombros. Um dos potes tinha uma rachadura, enquanto o outro era perfeito e sempre chegava cheio de água no fim da longa jornada entre o poço e a casa do Mestre; o pote rachado chegava sempre pela metade.

Assim foi durante dois anos. Diariamente, o carregador entregava um pote e meio de água na casa de seu Mestre. 

O pote perfeito estava orgulhoso de suas realizações. Porém, o pote rachado estava envergonhado de sua imperfeição, e sentia-se miserável por ser capaz de realizar apenas a metade do trabalho que deveria fazer. 

Um dia decidiu e falou para o homem, à beira do poço:

"Estou envergonhado, e quero pedir-te desculpas."

"Por quê?" – perguntou o homem. - "De que estás envergonhado?"

"Nesses dois anos eu fui capaz de entregar apenas a metade da minha carga, porque essa rachadura no meu lado faz com que a água vaze por todo o caminho até a casa de teu senhor. Por causa do meu defeito, tens que fazer todo esse trabalho, e não ganhas o salário completo dos teus esforços."

O homem ficou triste pelo sentimento do velho pote, e disse-lhe amorosamente:

"Quando retornarmos para a casa de meu senhor, quero que admires as flores ao longo do caminho."

De fato, à medida que eles subiam a montanha, o velho pote rachado notou flores selvagens ao longo de todo o caminho, e isto alegrou-o. Mas, ao fim da estrada, o pote ainda se sentia mal porque tinha vazado a metade, e de novo pediu desculpas ao homem por sua falha.

Disse o homem ao pote:

"Notaste que pelo caminho só havia flores no teu lado? Eu, ao conhecer teu defeito, transformei-o em vantagem. Lancei sementes de flores no teu lado do caminho, e cada dia, enquanto voltamos do poço, tu as regas. Por dois anos eu pude colher flores para ornamentar a mesa de meu senhor. Se não fosses do jeito que és, meu Mestre não teria essa beleza em sua casa."

Cada um de nós temos nossos próprios e únicos defeitos. Todos nós somos potes rachados. Se permitirmos, o Senhor vai usar estes nossos defeitos para embelezar a mesa de Seu Pai.

Na grandiosa economia de Deus, nada se perde.

Nunca deveríamos ter medo dos nossos defeitos; se o reconhecermos, eles poderão proporcionar beleza. Das nossas fraquezas, podemos tirar forças.

Fontes:
Vários autores. Lendas para reflexão.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing