Nasci nos anos 50, no século passado, em um mundo que respirava esperança e transformação. A infância foi marcada por tardes ensolaradas, brincadeiras na rua e um aroma inconfundível de comida caseira que pairava no ar. Era uma época em que o tempo parecia se arrastar, mas, de certa forma, era também um tempo privilegiado, repleto de descobertas.
Ser criança nas últimas quatro décadas do século passado era viver em um mundo de descobertas simples e brincadeiras ao ar livre. Nos anos 60 e 70, as ruas eram os playgrounds. Crianças jogavam bola, andavam de bicicleta e se reuniam para brincar de esconde-esconde até o sol se pôr. Os brinquedos eram feitos de plástico e madeira, e a imaginação corria solta com bonecas, carrinhos e jogos de tabuleiro.
As tardes eram preenchidas com programas de TV, mas a tela era apenas uma parte do entretenimento. A interação social era vibrante, com amigos se reunindo para aventuras, criando histórias e laços que muitas vezes duravam a vida inteira.
Hoje, na última década, a infância é marcada pela tecnologia. Tablets e smartphones tornaram-se os novos brinquedos, e as crianças muitas vezes preferem jogos virtuais a brincadeiras ao ar livre. As redes sociais estão moldando novas formas de interação, mas muitas vezes à custa da desconexão física. Embora os brinquedos modernos sejam incríveis, muitos sentem falta da simplicidade e da criatividade dos brinquedos daquela época.
Lembro-me do primeiro telefone que vi: um aparelho de disco, com um som característico quando girávamos os números. Era uma conquista para a família, uma forma de nos conectarmos com o mundo. Hoje, ao olhar para os smartphones que todos carregam, fico impressionado com a velocidade com que as informações circulam. Naquela época, uma ligação era um evento, um contato especial. Agora, trocamos mensagens em segundos, mas a magia do “disca e espera” se perdeu.
Nos anos 60, a revolução cultural começou a tomar forma. O rock'n'roll invadiu nossas vidas, e os discos de vinil giravam nas picapes, criando trilhas sonoras para nossas histórias. As festas eram regadas a música e dança, enquanto hoje os jovens têm acesso a milhares de playlists com um toque no celular. A nostalgia do vinil, com seu chiado característico e a emoção de virar o disco, é algo que não se compara à música digital, que, apesar de prática, muitas vezes carece daquela autenticidade.
Os anos 70 trouxeram mudanças ainda mais drásticas. A invenção do mimeógrafo nos permitiu democratizar a informação nas escolas e nos grupos comunitários. Ah, como era emocionante ver as folhas saindo, ainda com aquele cheiro de tinta fresca! Hoje, a impressão é instantânea, mas a sensação de ver algo feito à mão, de esperar a tinta secar, parecia conectar as pessoas de um jeito especial. Cada cópia era única, uma obra de arte coletiva.
Na década de 80, a explosão da televisão a cores trouxe novas possibilidades. Assistíamos a programas que moldaram nossa cultura, como "Praça da Alegria" e "Os Trapalhões". A televisão estava se tornando a janela para o mundo, e as conversas na sala giravam em torno do que tínhamos assistido. Agora, com o streaming, temos acesso a uma infinidade de conteúdos, mas muitas vezes perdemos a experiência compartilhada. Lembro-me das reuniões familiares em torno da TV, rindo e comentando cada cena; isso criou laços que ainda guardo com carinho.
E assim, ao longo das décadas, vivi a transição dos anos 50 até agora, atravessando dois milênios. Cada fase trouxe suas belezas e desafios. O desenvolvimento da tecnologia foi impressionante, mas o que realmente me alegra é a capacidade de adaptação. Vi o mundo se transformar, e com isso, aprendi a valorizar o que realmente importa: as conexões humanas.
Hoje, ao olhar para os jovens imersos em suas telas, sinto uma mistura de saudade e admiração. Eles navegam por um mundo que eu mal consigo imaginar, mas também me pergunto se percebem a beleza das pequenas coisas que, para nós, eram fundamentais. A simplicidade de uma conversa à mesa, o toque de uma carta escrita à mão, a espera pela chegada de um disco de vinil pelo correio.
Nos anos 60, a educação era marcada por um ensino rigidamente tradicional. As salas de aula eram organizadas em filas, e o método de ensino focava na memorização e repetição. O professor era visto como uma figura de autoridade, e a participação dos alunos era mínima. Em contraste, a educação atual valoriza a interação e a aprendizagem ativa. Hoje, há um foco maior no desenvolvimento de habilidades críticas e na inclusão, com o uso de tecnologia e metodologias inovadoras que estimulam a curiosidade e o trabalho em grupo.
Nos anos 50, a vida era marcada por papéis tradicionais. Mulheres eram, em sua maioria, donas de casa, dedicadas à família, enquanto os homens eram os provedores. O trabalho feminino fora do lar era visto como exceção, e as aspirações frequentemente limitadas às expectativas sociais. Com a revolução dos anos 60 e 70, as mulheres começaram a desafiar essas normas, ganhando voz lutando por direitos e reconhecimento. Nas últimas duas décadas, tanto mulheres quanto homens enfrentam uma nova realidade. A diversidade de papéis é mais aceita, e o diálogo sobre igualdade de gênero se intensificou. Mulheres são líderes em diversas áreas e homens se tornam mais envolvidos na vida familiar. A luta por igualdade e respeito ainda continua.
Os carros que rodavam nas ruas eram grandes e robustos, com designs icônicos e motores potentes. Os modelos clássicos eram símbolos de liberdade e aventura. Atualmente, os carros são mais eficientes, com tecnologia avançada, como sistemas de navegação, conectividade e motores híbridos. O foco tem mudado para a sustentabilidade e a segurança, refletindo as preocupações modernas.
As lanchonetes eram frequentemente lugares de encontro, com cardápios simples e pratos clássicos, como hambúrgueres e milkshakes. Eram espaços vibrantes, onde jovens se reuniam para socializar. Hoje, as lanchonetes oferecem uma diversidade impressionante de opções, incluindo comidas rápidas de várias partes do mundo, opções veganas e saudáveis, Mc Donald’s, King Burger, Donuts, etc. A experiência de comer fora evoluiu para incluir ambientes temáticos e experiências gastronômicas variadas.
O namoro tinha um caráter mais formal e conservador. As saídas eram planejadas, com o foco em jantares e danças. As interações eram mais diretas e muitas vezes supervisionadas. Atualmente, o namoro é muito mais informal e diversificado. As pessoas se conhecem através de aplicativos e redes sociais, e as dinâmicas de relacionamento são mais flexíveis, permitindo uma ampla variedade de experiências e formas de conexão.
Os parques de diversões eram lugares mágicos, com atrações simples, como carrosséis e montanhas-russas clássicas. A atmosfera era cheia de nostalgia, com jogos de feira e shows ao vivo, jogo de argolas para conseguir prêmios, algodão doce, churros, pipoca. Hoje, os parques de diversões são verdadeiros complexos de entretenimento, com tecnologia de ponta, montanhas-russas emocionantes e experiências imersivas, como simuladores e áreas temáticas. Embora as atrações modernas ofereçam uma adrenalina incrível, muitos ainda guardam boas lembranças das diversões simples de décadas passadas.
Viver era experimentar um mundo cheio de descobertas e simplicidade, enquanto hoje a vida é marcada pela tecnologia e pela diversidade. Ambas as épocas têm suas belezas e desafios, refletindo a evolução da sociedade e das relações humanas. Cada geração traz consigo suas próprias experiências, e é fascinante observar como tudo se transforma ao longo do tempo.
A alegria de ter vivido tanto é uma dádiva. Cada risada, cada lágrima, cada inovação e cada nostalgia me moldaram. E, enquanto o mundo avança, guardo em meu coração essas memórias, como um tesouro que não se pode comprar. Sou grato por ter feito parte de tantas eras, por ter testemunhado a evolução da vida e por saber que, apesar das mudanças, a essência humana permanece a mesma. E assim, sigo em frente, com um sorriso e muitas histórias para contar.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com uma escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Brasileira de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria e Voo da Gralha Azul. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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