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domingo, 17 de agosto de 2025

José Feldman (A Nostalgia dos Velhos Tempos)

(Esta crônica obteve o 2. lugar no X Prêmio Literário “Gonzaga de Carvalho”, 2025, da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, para acadêmicos correspondentes)
 
Vivemos em um mundo onde a comunicação é um ritual. 

Os telefones de antigamente, com seus cabos emaranhados e o disco giratório, eram uma obra de arte em si. Não havia toque de tela, nem mensagens instantâneas. Para fazer uma ligação, era preciso paciência. Cada número discado era como uma pequena oração, um pedido ao universo para que a conexão se estabelecesse. E quando alguém atendia, era como se um portal se abrisse entre duas realidades.

As máquinas de escrever eram o coração dos escritórios. Cada tecla pressionada ressoava como uma batida, e o som da fita deslizando era música para os ouvidos de muitos. Havia algo quase mágico em ver as palavras surgirem na página. Erros? Ah, os erros eram uma tragédia! A fita corretiva era um recurso precioso, mas muitas vezes deixava marcas indesejadas.

Em contraste, os computadores modernos oferecem uma facilidade sem precedentes. Com um simples clique, podemos editar, apagar e reformular nossos textos. As palavras fluem com a rapidez dos pensamentos. No entanto, essa facilidade também trouxe distrações. Redes sociais e notificações incessantes competem pela nossa atenção, tornando quase impossível se focar no que realmente importa. A escrita, muitas vezes, se perde em meio a um mar de informações.

Quem se lembra dos mimeógrafos? Aqueles aparelhos que exalavam um cheiro característico de tinta fresca e que nos permitiam fazer documentos em série, mas que exigiam cuidado e habilidade. A espera pela secagem do papel era um momento de expectativa. Com a chegada das impressoras a jato de tinta e laser, a produção de documentos tornou-se instantânea. O papel, antes tão precioso, agora é descartado em grandes quantidades, e as preocupações ambientais crescem.

Os carros, ah, os carros. Lembro-me dos carros antigos, com suas chaves de ignição, que exigiam um pouco mais de interação e cuidado. O cheiro da gasolina, o som do motor, a troca de marcha. Faziam nos conectar com o mundo, mas também exigiam nossa atenção constante. Hoje, os carros se tornaram verdadeiros computadores sobre rodas. Com painéis digitais, assistentes de voz e GPS, a condução se tornou mais fácil e segura. No entanto, a dependência da tecnologia traz novos desafios. O ato de dirigir, que antes era um momento de reflexão, agora virou uma experiência passiva, onde o motorista se desliga do que acontece à sua volta.

A era dos smartphones revolucionou a maneira como nos comunicamos. Com um toque, estamos conectados a amigos, familiares e ao mundo. A informação flui a uma velocidade inimaginável. No entanto, essa conexão constante tem seus efeitos colaterais. A ansiedade e a pressão para estar sempre disponível criaram uma cultura de imediatismo que pode ser desgastante. Os momentos de silêncio e introspecção, tão essenciais para a saúde mental, tornaram-se raros.

Enquanto olhamos para trás e admiramos os equipamentos que moldaram nossas vidas, é impossível não reconhecer as melhorias que a tecnologia trouxe. A comunicação, a produtividade e a mobilidade foram ampliadas de um modo que nossos antepassados nunca poderiam imaginar. Contudo, é fundamental encontrar um equilíbrio. A nostalgia pelos tempos passados não deve nos impedir de aproveitar os avanços que temos hoje, mas também deve nos lembrar da importância dos momentos de desconexão e reflexão.

Assim, seguimos adiante, navegando entre o que foi e o que é, buscando sempre uma harmonia entre a inovação e a essência do que significa ser humano.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fonte:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

José Feldman (Os Rabugentos e os Carros do Futuro)

Na velha praça, Arlindo e Eulália estavam novamente em seu banco, prontos para mais uma discussão acalorada. O assunto do dia era a nova moda dos carros elétricos.

— Olha só, Eulália! — começou Arlindo, com um brilho cínico nos olhos. — Agora todo mundo fala de carros elétricos como se fossem a oitava maravilha do mundo! Você já viu um desses? Parecem mais brinquedo de criança!

— Brinquedo? — Eulália riu, balançando a cabeça. — Você está tão preso no passado que não consegue enxergar o futuro! Os carros elétricos são silenciosos, eficientes e ainda ajudam o meio ambiente!

— Silenciosos? — Arlindo exclamou, com uma expressão de desdém. — Prefiro ouvir o barulho de um motor potente! Isso sim é música para os meus ouvidos! Um carro sem ronco não é carro, é um... robô!

— Robô? Você está exagerando! — Eulália respondeu, cruzando os braços. — E quem precisa de barulho? No meu tempo, a gente sonhava com carros que não poluíssem! Agora, você só quer saber de roncos!

— Olha, eu não sou contra a ideia de carros que não poluam. — Arlindo disse, levantando as mãos. — Mas e a emoção de dirigir? Você já dirigiu um carro elétrico? É como andar em um sofá sobre rodas!

— Um sofá? Você realmente sabe como ofender! — Eulália respondeu, rindo. — E você se esqueceu que os carros a gasolina e álcool estão acabando? A gasolina vai virar coisa do passado!

— Coisa do passado? — Arlindo rebatou. — E o que você vai fazer quando ficar sem combustível? Pedir carona de um vizinho com um carro elétrico? Eu prefiro meu carro barulhento, que me leva a qualquer lugar!

— E eu prefiro saber que meus netos vão herdar um planeta saudável! — Eulália disse, com firmeza. — Você só pensa no presente, Arlindo! E o futuro? Vai ficar preso na nostalgia dos motores barulhentos!

— Nostalgia é uma coisa boa! — Arlindo insistiu. — E quem disse que os carros elétricos são a solução? E se a bateria acabar no meio do nada? Você vai ter que esperar uma eternidade por um carregador!

— E você, se ficar sem gasolina, vai ter que empurrar seu carro até o posto! — Eulália retrucou, com um sorriso travesso. — E não venha me dizer que isso é emocionante!

— Olha, eu não empurro carro nenhum! — Arlindo defendeu-se, rindo. — Se eu ficar sem gasolina, vou dar um jeito de arranjar um galão e encher o tanque. Não sou desses que ficam esperando um milagre!

— E quem precisa de milagre quando se tem tecnologia? — Eulália disse, fazendo uma pausa dramática. — Os carros elétricos estão mudando o mundo, Arlindo! Você deveria se atualizar!

— Atualizar? Eu não sou um computador! — Arlindo respondeu, balançando a cabeça. — E já viu o preço de um carro elétrico? Com o que custa um, eu compro três carros a gasolina e ainda sobra para uma viagem!

— Ah, claro! E depois você vai reclamar que os carros antigos estão se desintegrando! — Eulália riu. — Você só quer economizar e não se preocupa com o planeta!

Arlindo arqueou as sobrancelhas. — Economizar é uma virtude! E quem vai querer um carro que não faz barulho? Vou sair na rua e parecer um fantasma!

— Fantasma? Você já se olhou no espelho? — Eulália provocou, rindo. — Você já é um fantasma do passado, Arlindo! Aceite isso!

— Aceitar? Estou aqui, vivo e a cores! — Arlindo exclamou, gesticulando. — E se eu quiser um carro que marque presença, eu vou ter! Não quero sair dirigindo um “silencioso”, como se estivesse fugindo de algo!

— Você só está com medo do novo! — Eulália disse, com um sorriso. — Um dia, você vai ver que os carros elétricos são o futuro! E quem sabe você não acaba comprando um?

— Eu? Comprar um carro elétrico? — Arlindo riu, balançando a cabeça. — Só se você me prometer que vai me ensinar a usar um carregador!

— Oh, não se preocupe! — Eulália respondeu, piscando. — Eu vou te ensinar a usar, e você vai ver que é mais fácil do que empurrar um carro!

— Empurrar? Nunca mais! — Arlindo disse, levantando-se do banco. — Vamos tomar um café e deixar essas discussões de lado! Afinal, o que importa não são os carros!

— Concordo! — Eulália sorriu, levantando-se também. — E quem sabe, enquanto tomamos café, você não se convence de que um carro elétrico não é tão ruim assim?

Os dois velhos rabugentos se afastaram, rindo e discutindo, prontos para mais uma tarde de amizade e boas risadas, longe das preocupações sobre carros e tecnologia.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”
Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Adobe Firefly

domingo, 10 de agosto de 2025

José Feldman (O Tempo e o Agora)

 
O relógio marca a hora,
cada instante é um agora...
A vida não demora.


O relógio marca a hora, e, com cada tique-taque, somos lembrados de que a vida é feita de instantes. Em um mundo que parece acelerar a cada dia, é fácil nos perdermos na correria. Corremos para o trabalho, para compromissos, para a rotina que nos consome. Mas a poesia nos lembra: cada instante é um agora.

Quantas vezes deixamos de apreciar o que está diante de nós? O cheiro do café fresco pela manhã, o sorriso de um amigo, a luz do sol filtrando pelas folhas. Esses momentos, muitas vezes simples, são os que realmente compõem a tapeçaria da nossa existência. A vida não demora, mas é feita de sutilezas que muitas vezes passam despercebidas.

A verdade é que o tempo é um mestre implacável. Ele não espera. O que temos é este agora, e é nele que devemos encontrar significado. A vida não se mede apenas em grandes eventos, mas nas pequenas alegrias do dia a dia. Cada risada, cada conversa, cada instante vivido intensamente é um lembrete de que estamos aqui, presentes.

Vale a pena parar e refletir. O que estamos fazendo com nosso agora? Estamos realmente vivendo ou apenas existindo? O relógio continua a marcar as horas, e a vida não espera. Por isso, vamos aprender a valorizar cada momento, a respirar fundo e a sentir a beleza do presente.

No final, o que levará a nossa história não serão apenas os grandes feitos, mas as memórias construídas em cada agora. E assim, ao invés de correr, que possamos caminhar, apreciar, amar. A vida é breve, e o tempo, esse sempre fiel companheiro, nos mostra que o agora é tudo o que realmente temos.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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domingo, 3 de agosto de 2025

José Feldman (Nosso Shangri-Lá interior)


Após ler o texto publicado ontem por Carina Bratt neste blog, me senti impelido a uma reflexão.

Existe algo quase mágico em estar cercado pela natureza, em pisar na terra descalço, em ouvir o som das aves que parecem compor uma sinfonia para o amanhecer. É como se, nesses momentos, o mundo nos devolvesse uma parte de nós que havíamos esquecido. Um pedaço essencial, perdido entre o stress da cidade, os ruídos das avenidas e a constante necessidade de correr sem saber exatamente para onde.  

Estar em um lugar onde o tempo corre devagar é um presente raro. Um espaço onde os animais correm livres, as galinhas ciscam distraídas, onde o vento conversa com as árvores e o céu parece mais perto. É impossível não sentir que ali, naquele instante, somos parte de algo maior. O silêncio do campo não é vazio; é preenchido por uma calma que invade a alma e nos conecta ao que há de mais essencial.  

A natureza, com sua simplicidade, tem o dom de nos mostrar a perfeição do que é ser. Não há excessos, não há máscaras. O rio segue seu curso, as árvores crescem sem pressa, os animais vivem sem as complicações que os humanos insistem em carregar. E nós, ao nos colocarmos nesse cenário, somos lembrados de que a vida, em sua essência, é muito mais simples do que imaginamos.  

É impossível não pensar em Deus quando se está em um lugar assim. É como se a natureza fosse um reflexo direto de Sua presença, uma extensão de Sua criação. Os galhos que se curvam ao vento, as folhas que dançam ao som da brisa, os pássaros que cantam como se soubessem os segredos do universo – tudo parece nos sussurrar que não estamos sozinhos, que há algo maior cuidando de cada detalhe.  

E, ao nos colocarmos nesse cenário, algo dentro de nós muda. A pressa dá lugar à contemplação, a ansiedade se dissolve em gratidão, e a mente, tão cheia de pensamentos barulhentos, encontra um raro momento de serenidade. É como se, por um breve instante, pudéssemos ouvir não só o som da natureza, mas também a voz de Deus nos dizendo que tudo está bem.  

Esse contato com a terra, com o cheiro de mato depois da chuva, com os animais correndo livres, nos faz lembrar que fomos criados para isso: para viver em harmonia com o mundo ao nosso redor, para respeitar e cuidar do que nos foi dado.  

Há uma sabedoria que só a natureza pode ensinar. Não está nos livros, nem nos discursos grandiosos, mas nos pequenos detalhes. No jeito como o senhor Valdemar, com suas mãos calejadas, nos lembra que a verdadeira riqueza está no que se cultiva com amor; no sorriso de dona Diná, que fala mais do que mil palavras; na simplicidade do fogão à lenha, que aquece não só a comida, mas também o coração.  

Nesses lugares, percebemos que a vida não é sobre acumular, mas sobre pertencer. É sobre encontrar paz no silêncio, acolhimento no chão batido, e conexão nas pequenas coisas. Cada cheiro, cada som, cada cor carrega uma história que pulsa dentro de nós, como se aquele pedaço de terra fosse também parte de quem somos.  

Ao final de um dia assim, ao olhar para o céu tingido de laranja pelo pôr do sol, sentimos um agradecimento profundo. Não é apenas um lugar bonito – é um lugar que nos dá paz, que nos devolve a nós mesmos. É um pedaço de paraíso que nos lembra que, por mais que o mundo seja grande e barulhento, há sempre um canto de calmaria que nos espera.  

Estar na natureza é mais do que uma experiência; é um reencontro. Um momento em que percebemos que somos pequenos diante da grandiosidade do mundo, mas que, ao mesmo tempo, somos parte dele. E, nesse encontro, encontramos Deus. Não em palavras, mas no silêncio. Não em teorias, mas na simplicidade.  

Por mais que a vida nos leve para longe, para as metrópoles barulhentas e os compromissos incessantes, é reconfortante saber que sempre podemos voltar. Voltar para a terra, para as árvores, para os sons e cheiros que nos lembram quem somos. Porque, no fundo, todos temos um Shangri-Lá dentro de nós – um pedaço de chão que nos acolhe, nos sustenta e nos reconecta com o que há de mais puro em nossa essência.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

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sábado, 2 de agosto de 2025

José Feldman (Um Parque de Diversões não muito divertido)

Era uma tarde ensolarada quando Jorge decidiu levar seus dois filhos, Lucas e Ana, ao parque de diversões. Ele havia prometido isso há semanas, mas, para ser sincero, não estava tão animado quanto eles.

Lucas: — Papai, vamos no trem fantasma primeiro?

Ana: — Não! Eu quero ir na roda-gigante!

Jorge: — (pensando) Roda-gigante… tudo bem. Vamos começar por lá.

Ao chegarem, as crianças ficaram deslumbradas com as luzes e os sons do parque.

Ana: — Olha, papai! A roda-gigante é enorme!

Lucas: — E as montanhas-russas! Vamos nelas depois?

Jorge: — (sorrindo nervosamente) Primeiro a roda-gigante, então. Isso é… tranquilo.

Depois de uma longa fila, eles finalmente subiram na roda-gigante. Enquanto subiam, Lucas estava radiante, mas Jorge começou a suar frio.

Lucas: — Olha, papai! Estamos lá em cima!

Jorge: — (engolindo em seco) Sim, muito alto… Lindo, não é?

Quando chegaram ao topo, Lucas estava extasiado, mas Jorge olhava para baixo, imaginando o que aconteceria se ele caísse.

Lucas: — Papai, olha a vista!

Ana: — (pulando de alegria) É incrível!

Jorge: — (murmurando) Incrível… sim… muito bom…

Assim que desceram, Lucas estava pulando de alegria, enquanto Jorge respirava aliviado, pensando “Nunca mais quero ir na roda-gigante!”

Ana: — Vamos no algodão-doce!

Jorge: — (suspirando) Algodão-doce é bom. Vamos lá!

Na barraca de doces, Jorge pediu um algodão-doce gigante e dois sorvetes.

Vendedor: — Isso vai te custar caro!

Jorge: — Caro?  Porque? É só açúcar!

Vendedor: — Exatamente! E açúcar custa caro!

Enquanto pagava, Lucas e Ana estavam distraídos com um palhaço que fazia malabarismos.

Lucas: — Papai, eu quero aprender a fazer isso!

Jorge: — Primeiro, você precisa de um pouco de prática… e coragem!

Com as guloseimas em mãos, foram para a área de jogos. Jorge decidiu tentar a sorte em um jogo de arremesso de argolas.

Jorge: — Vou ganhar um prêmio para vocês!

Ele arremessou as argolas, mas errou todas.

Ana: — Papai, você não sabe jogar!

Lucas: — Deixa eu tentar!

Lucas pegou as argolas e, com toda a sua força, lançou uma. Acertou em cheio, mas não foi na garrafa, foi na cara do homem da barraca.

Lucas: — O que foi isso? Eu só queria ganhar um urso!

Homem da barraca: — E eu tenho cara de urso?

Jorge: — Desculpe, senhor. Vamos tentar mais uma vez, mas tenta não acertar este senhor… quem sabe?

Após várias tentativas, conseguiram ganhar um pequeno peixinho de pelúcia.

Ana: — Que lindo! Vamos dar um nome a ele!

Lucas: — Que tal “Nemo”?

Ana: — Não, “Peixinho Alegre”!

Lucas: — “Peixinho Alegre” é ótimo! Agora, que tal uma volta na montanha-russa?

Os olhos de Jorge se arregalaram.

Jorge: (pensando) Montanha-russa… será que eu consigo?

Lucas: — Papai, vem com a gente!

Relutante, ele decidiu acompanhar os filhos. Ao subir na montanha-russa, seu coração estava batendo mais rápido do que o trem.

Ana: — Isso vai ser incrível!

Lucas: — Vamos gritar juntos!

Quando o trem começou a descer, Jorge gritou mais alto do que todos, enquanto Lucas e Ana riam.

Jorge: (gritando) Isso é uma loucura!

Ao final do passeio, Lucas e Ana estavam gritando de alegria, mas seu pai estava mais pálido que um avental de médico.

Lucas: — Papai, você gostou?

Jorge: — (ofegante) Gostei… um pouco… talvez… nunca mais!

Ana: — Vamos de novo!

Jorge: — (com um sorriso forçado) Sério????

Lucas: — Que tal outra roda-gigante?

Após mais algumas voltas na roda-gigante, finalmente era hora de ir para casa. As crianças estavam exaustas, mas cheias de alegria.

Jorge: — E então, o que vocês acharam do dia?

Lucas: — Foi o melhor dia de todos!

Ana: — Podemos voltar no próximo fim de semana?

Jorge: — (sorrindo) Claro! Desde que a gente evite a montanha-russa…

Os três riram juntos enquanto caminhavam para o carro, já planejando novas aventuras, e Jorge pensava que, apesar do medo, o sorriso dos filhos valia cada grito e cada centavo gasto.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes: 
José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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sexta-feira, 25 de julho de 2025

José Feldman (Ecos da Solidão)


Em uma pequena cidade, onde as ruas são tranquilas e o tempo parece fluir de maneira diferente, vive Alessandro. Aos 75 anos, ele se tornou uma sombra do homem vibrante que um dia foi. Com seu fiel cachorro, Tico, como única companhia, ele habita uma casa que já foi cheia de risos e histórias, mas que agora ecoa um profundo silêncio.

A solidão é uma visita constante, e, para Alessandro, ela se torna cada dia mais pesada. Ele se lembra de seus irmãos quando eram pequenos, correndo, trazendo vida e alegria ao lar. Mas, à medida que o tempo passou, suas vidas tomaram rumos diferentes. A distância se transformou em abandono, e a casa, uma fortaleza vazia.

Caminhando pelas ruas, observa as famílias passando, as crianças brincando, os avós sendo abraçados. Ele sorri ao ver a alegria dos jovens, mas em seu coração uma dor silenciosa se instala. O descaso da sociedade para com os idosos que vivem sozinhos é um tema que muitas vezes não é discutido. Os dias se arrastam, e a presença de Tico se torna o único consolo em meio à solidão.

Muitos não veem o valor que um idoso pode trazer. A sabedoria acumulada ao longo de décadas, as histórias de vida que poderiam iluminar as novas gerações, tudo isso é frequentemente ignorado. Alessandro, em suas conversas com Tico, fala sobre os tempos antigos, sobre as dificuldades que enfrentou e as lições que aprendeu. Mas, na ausência de ouvidos atentos, suas palavras se perdem no ar.

A solidão não afeta apenas a mente, mas também o corpo. Ele sente a falta de energia, a falta de motivação. Ele gostaria de plantar flores no jardim, de preparar um bolo para as visitas que nunca vêm. O cachorro, com sua lealdade inabalável, é seu único alicerce, mas até mesmo a alegria que ele traz não é suficiente para preencher o vazio.

É essencial que as famílias acolham seus idosos com carinho. Cada um deles trilhou um longo caminho de experiências, de conquistas e derrotas. A vida os moldou, e eles têm tanto a oferecer. Um simples telefonema, uma visita inesperada, podem fazer toda a diferença. É nesse carinho que reside a esperança de um futuro mais humano.

No final de cada dia, Alessandro se senta na varanda, olhando para o céu que se pinta de estrelas. Ele ainda acredita que ao menos Tico o entende. E, embora a solidão possa ser uma companheira cruel, seu coração guarda a expectativa de que um novo dia traga uma mudança. Com um sorriso triste, ele acaricia a cabeça do cachorro e murmura: “Ainda temos muito para viver, não é, meu amigo?”

A verdade é que, enquanto houver amor e empatia, a solidão pode ser suavizada. A experiência dos idosos é um tesouro que devemos valorizar. Eles não são apenas lembranças do passado; são pilares de uma sociedade que precisa aprender a ouvir. E, quem sabe, ao acolhê-los, possamos também descobrir um pouco mais sobre nós mesmos.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba, Ubiratã e Maringá. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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quarta-feira, 16 de julho de 2025

José Feldman (E se for verdade?)

Acordo, como de costume, com os primeiros raios de sol filtrando pela janela. O calor suave me envolve, e ao meu lado, Sol, minha fiel companheira, já está acordada, com aquele olhar curioso e brincalhão. Aos 70 anos, a vida me ensinou a valorizar cada instante, mesmo que a sombra do câncer tente me roubar o brilho.

Moro em uma casa isolada, longe dos amigos e da família que, por razões que nunca entendi bem, se afastaram. A solidão é uma companheira constante, mas não deixo que isso me abale. Encontro formas de lidar com esse vazio. Converso com Sol como se ela pudesse entender cada palavra. E quem sabe? Ela é a única que realmente me escuta.

Para preencher os dias, criei uma rotina. Acordo cedo, faço as tarefas de casa e preparo o café. Às vezes, ligo para amigos antigos, apenas para ouvir suas vozes do outro lado da linha. Mesmo que as conversas sejam curtas, elas me lembram de que não estou completamente sozinho. A tecnologia me ajuda a me conectar, mesmo à distância.

Hoje, decidi que iríamos dar um passeio no parque. A brisa fresca me acariciava o rosto, e Sol corria à minha frente, como se estivesse me dizendo: “Vamos, ainda há muito para viver!” O caminho até o parque não é fácil, mas a cada passo, sinto o peso da solidão diminuir. Sorrio ao lembrar de um velho amigo que sempre dizia que a vida é como um jogo de cartas: o que importa é como você joga com as cartas que tem.

Chegando ao parque, observo as crianças brincando, os risos ecoando no ar. Um dia, fui como elas, cheio de sonhos e promessas. Agora, a doença me lembra constantemente de que a vida pode ser frágil. Mas, mesmo assim, não deixo que a tristeza tome conta. A cada sorriso que encontro, a cada elogio que recebo por causa da minha cadela, sinto que ainda tenho um papel a desempenhar.

Sol, sempre brincalhona, atrai a atenção das pessoas. Ela é uma estrela, e eu, seu humilde acompanhante. Um grupo de crianças se aproxima, e, em um instante, estamos cercados de risadas e carinhos. “Ela é tão linda!” dizem, e eu me sinto grato. É nesses momentos que percebo que a vida é feita de pequenas alegrias.

À noite, quando o sol se despede e a escuridão envolve a casa, sento-me na varanda com Sol ao meu lado. O céu está cheio de estrelas, e eu me pergunto se elas também têm suas próprias histórias. É fácil se deixar levar pela melancolia, mas eu prefiro olhar para o futuro. Cada novo dia traz a possibilidade de um milagre, e enquanto eu e Sol estivermos juntos, sempre haverá esperança.

Sim, a solidão pode ser desafiadora, mas eu a enfrento com gratidão. A doença pode me minar aos poucos, mas não me destruirá. O que importa é como encaro cada manhã. O câncer pode levar meu corpo, mas nunca meu espírito. O que importa é como encaro cada manhã. A ausência de visitas me ensinou a valorizar as pequenas interações, a encontrar alegria nas coisas simples. Continuarei a ser aquele homem alto astral, sempre pronto para ajudar os outros, mesmo que minha própria luta seja dolorosa e silenciosa.

E assim, adormeço com a certeza de que, ao acordar, haverá um novo dia. Um dia para brincar com Sol, para rir com os vizinhos, para viver. Porque, afinal, a vida é isso: um conjunto de momentos, e eu escolho fazer deles os melhores que posso.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quinta-feira, 10 de julho de 2025

José Feldman (Textos & Trovas) Máscaras da vida

Texto construído tendo por base a trova de Renato Alves (Rio de Janeiro/RJ)
Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
Fiz da vida um Carnaval, onde cada dia era uma nova festa, uma celebração vibrante de cores e sons. Desde pequeno, sempre encontrei na música e na dança um refúgio, uma forma de esquecer as dores e as frustrações do cotidiano. As ruas da cidade se tornavam meu palco, e eu, um artista em busca de aplausos e sorrisos. As fantasias que usava não eram apenas trajes, mas armaduras que me protegiam da realidade. Cada máscara que eu colocava me permitia ser quem quisesse, longe das amarras do eu cotidiano.

Naquele Carnaval, tudo era permitido. Sorrir, dançar, amar sem medo. As pessoas se entregavam à euforia, e eu, em meio a essa alegria, me sentia invencível. As cores se misturavam, as risadas ecoavam e a música envolvia tudo como um abraço caloroso. Mas, à medida que os dias passavam, percebi que havia algo mais profundo escondido atrás da festa. A realidade, como um espectro, pairava à espreita, esperando o momento certo para se revelar.

O que começou como uma celebração transformou-se em um labirinto de ilusões. A cada desfile de Carnaval, percebia que as risadas se tornavam mais distantes, os olhares mais vazios. As pessoas, antes tão vibrantes, pareciam presas em suas próprias fantasias, vivendo uma vida que não era a sua. Eu também me vi preso nesse ciclo. A alegria que antes me preenchia começou a se transformar em uma máscara pesada, grudada em meu rosto como um lembrete constante de que a vida estava se tornando uma encenação.

Certa noite, enquanto as luzes do Carnaval brilhavam intensamente, eu me afastei da multidão. O som da música se tornava um ruído ensurdecedor, e a dança, uma repetição mecânica de movimentos. Sentei-me à beira de um lago, onde a água refletia as estrelas como pequenos diamantes no céu. Olhei para meu reflexo e percebi a verdade que eu havia ignorado. A máscara do irreal não era apenas um adorno; tornara-se parte de mim, uma segunda pele que ocultava quem eu realmente era.

A realidade começou a se infiltrar em meus pensamentos. O que eu havia construído em torno de mim era uma fantasia que me afastava de uma vida autêntica. A busca incessante por aprovação e aplausos me deixava em um impasse, preso entre a necessidade de ser visto e o desejo de ser verdadeiro. O Carnaval, que deveria ser um momento de libertação, transformou-se em uma prisão de ilusões.

Naquela noite à beira do lago, decidi que era hora de desmascarar a verdade. O primeiro passo foi enfrentar a dor que eu havia ignorado por tanto tempo. As memórias de perdas, de desilusões, de momentos em que a vida não foi uma festa. Enfrentei cada uma delas, uma a uma, permitindo que a tristeza e a vulnerabilidade emergissem. Com lágrimas nos olhos, percebi que era essa autenticidade que me tornava humano, que me conectava aos outros de forma genuína.

Na manhã seguinte, acordei com o sol filtrando-se pelas janelas. O Carnaval ainda pulsava lá fora, mas eu estava disposto a participar dele de uma maneira diferente. Não como um espectador, mas como alguém que escolhe dançar ao ritmo de sua própria música. Comecei a me despir das máscaras que havia usado por tanto tempo, uma a uma. Cada peça que caía ao chão era um peso a menos, uma libertação da expectativa que havia me aprisionado.

Ao longo dos dias que se seguiram, a vida continuou a ser um Carnaval, mas agora eu participava dele de forma autêntica. Aprendi a rir sem medo, a dançar sem vergonha e a amar sem reservas. A máscara do irreal, que antes grudara-se em meu rosto, agora era apenas uma lembrança de um tempo em que eu não sabia quem era. Eu me permiti ser vulnerável, e essa vulnerabilidade me trouxe uma força inesperada.

As pessoas ao meu redor começaram a notar a mudança. O brilho em meus olhos não era mais uma ilusão, mas a chama de alguém que havia encontrado seu verdadeiro eu. As conexões se tornaram mais profundas, as risadas mais sinceras. Eu não precisava mais da aprovação alheia; a alegria que eu buscava estava dentro de mim, e a vida se transformou em uma celebração genuína.

O Carnaval se tornou uma metáfora da vida. Aprendi que, mesmo nas festas mais vibrantes, é essencial estar em contato com a realidade, com a dor e com a alegria que a vida traz. A máscara do irreal, que um dia me aprisionou, agora estava guardada como um símbolo de uma jornada de autodescoberta. E assim, enquanto a vida continuava a ser um Carnaval, eu dançava livre, com o coração leve, pronto para enfrentar o que quer que viesse, sempre fiel à verdade do meu ser.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

segunda-feira, 7 de julho de 2025

José Feldman (Fábula do Pato e da Lebre)


Era uma vez, em um lago sereno, um pato chamado Pedro e uma lebre chamada Lili. Pedro era um pato feliz, sempre nadando e brincando com os outros animais do lago. Ele tinha uma bela plumagem e um canto melodioso que encantava a todos. Lili, por sua vez, era uma lebre ágil e rápida, conhecida por seus saltos altos e sua energia contagiante.

Os dois eram amigos, mas havia algo que Lili não conseguia ignorar: a atenção que Pedro recebia. Sempre que ele cantava, outros animais paravam para ouvi-lo, aplaudindo sua beleza e talento. Lili, por outro lado, sentia que suas habilidades não eram tão valorizadas. Isso começou a gerar ciúmes em seu coração.

Um dia, enquanto Pedro nadava e cantava alegremente, Lili decidiu que precisava fazer algo para chamar a atenção. "Se eu conseguir saltar mais alto do que nunca, todos irão me notar", pensou ela. Assim, ela começou a treinar todos os dias, tentando realizar saltos cada vez mais altos.

No entanto, a cada tentativa, Lili se sentia mais frustrada. Sempre que ela saltava, Pedro estava lá, cantando e recebendo aplausos. O ciúme consumia seu coração, e ela começou a se distanciar de Pedro, evitando suas interações e se isolando.

Um dia, enquanto Lili treinava, ela viu um grupo de animais se reunindo à beira do lago. Curiosa, foi até lá e viu Pedro cantando uma linda canção sobre amizade. Os animais dançavam e aplaudiam, e Lili sentiu uma pontada de dor ao perceber que estava perdendo momentos felizes com seu amigo.

Decidida a mostrar seu valor, Lili interrompeu Pedro e disse: "Olhem todos, eu posso saltar mais alto do que qualquer um aqui!" E, cheia de determinação, ela se preparou para um salto grandioso. Com um impulso forte, Lili pulou, mas, na sua pressa, não percebeu uma pedra na beira do lago.

Ela tropeçou e caiu, machucando-se levemente. Os animais correram para ajudá-la, e Pedro, preocupado, veio até ela. 

"Você está bem, Lili?" perguntou ele, com um tom de voz gentil.

Lili, envergonhada e com dor, respondeu: "Estou bem. Só queria ser notada como você."

Pedro, com compaixão, disse: "Você não precisa se comparar a mim. Cada um de nós tem suas próprias qualidades. Você é rápida e ágil, e eu admiro isso! A verdadeira amizade não se baseia em competir, mas em apoiar um ao outro."

Lili percebeu que seu ciúme a havia afastado de seu amigo e que ela estava perdendo a alegria de sua amizade. Com lágrimas nos olhos, ela pediu desculpas a Pedro e prometeu valorizar suas próprias habilidades, sem comparações.

A partir daquele dia, Lili e Pedro se tornaram ainda mais unidos. Lili começou a ensinar Pedro a saltar, enquanto ele a ajudava a cantar. Juntos, eles descobriram que a amizade era mais importante do que qualquer competição.

Moral da História
O ciúme pode nos afastar de quem amamos, mas reconhecer e valorizar nossas próprias qualidades traz verdadeira felicidade e fortalece as amizades.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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sábado, 5 de julho de 2025

José Feldman (Os Rabugentos e a Tecnologia Moderna)


Na praça central de Velharruda, Arlindo e Eulália estavam novamente em seu banco, prontos para mais uma discussão acalorada. Desta vez, o assunto era a tecnologia moderna, especialmente os smartphones.

— Você viu, Arlindo? — começou Eulália, balançando a cabeça. — As pessoas estão tão grudadas nesses smartphones que parecem zumbis! Não conseguem nem olhar para o lado!

— Zumbis, realmente! — Arlindo concordou, fazendo uma careta. — No meu tempo, a gente conversava cara a cara! Agora, tudo é emoji e mensagens de texto! Que tipo de comunicação é essa?

— E o pior é que não sabem nem escrever! — Eulália exclamou. — Você já viu as mensagens? “Vc é mt legal” e “bjs”! Onde foi parar o português?

— Ah, o português! — Arlindo riu, balançando a cabeça. — Eu estava lendo um livro, e a autora escreveu “k” em vez de “que”! Se fosse no meu tempo, ela teria sido expulsa da escola!

— E agora, se você não estiver nas redes sociais, é como se não existisse! — Eulália continuou, indignada. — O que aconteceu com a privacidade? Ninguém mais sabe o que é isso!

— Exato! — Arlindo concordou. — No meu tempo, a gente contava os segredos para os amigos, não para um aplicativo que pode ser raqueado! Malditos celulares!

— E você percebeu que as crianças não brincam mais na rua? — Eulália disse, gesticulando. — Elas ficam trancadas em casa, jogando e olhando para a tela! Eu não sei como eles conseguem!

— Pois é! — Arlindo concordou, com um sorriso irônico. — Eu costumava ficar horas jogando bola, não “jogando” só no celular! Se eu tivesse um celular na minha infância, acho que teria esquecido até como andar!

— E se você tivesse um smartphone na sua juventude, Arlindo? — Eulália perguntou, divertida. — Você teria tirado fotos do seu famoso “passo do relógio” e postado na internet? “Olha como eu danço, pessoal!”

— Ah, para com isso! — Arlindo riu. — Eu seria uma sensação! Mas, pensando bem, você teria sido a primeira a comentar: “Arlindo, isso é um desastre!” 

— Eu só estaria sendo honesta! — Eulália defendeu-se, com uma risada. — E você sabe que eu teria razão!

— E quem precisa de razão quando se tem um smartphone? — Arlindo disse, sarcástico. — Hoje em dia, a verdade é o que mais se “curte”!

— E não me fale dos vídeos! — Eulália exclamou. — Todo mundo quer ser “influencer”! Você já viu como eles se comportam? Fazem dancinhas ridículas e acham que são artistas!

— E o que você prefere? — Arlindo provocou. — Um vídeo de dancinha ou ouvir você cantar “Asa Branca” no karaokê?

— Ah, você sabe que eu canto bem! — Eulália respondeu, rindo. — Mas se eu fosse uma influencer, eu teria mais fãs!

— Isso se eles soubessem o que é um karaokê! — Arlindo disparou. — Dificilmente alguém hoje em dia saberia o que é se divertir sem uma tela na frente!

— E você já reparou que eles não conseguem ficar sem seus telefones por um minuto? — Eulália continuou. — Se você pedir para alguém desligar o celular, é como se pedisse para desligar a vida!

— Pois é! — Arlindo completou, balançando a cabeça em reprovação. — No meu tempo, a gente ficava horas sem precisar de nada além de uma boa conversa!

— E uma boa xícara de café! — Eulália acrescentou, com um brilho nos olhos. — Ah, como eu sinto falta das nossas conversas longas e do cheiro do café fresco!

— Então, vamos fazer isso! — Arlindo sugeriu, com um sorriso. — Vamos deixar esses smartphones de lado e tomar um café de verdade!

— Combinado! — Eulália concordou, animada. — E quem sabe, se tivermos sorte, não encontramos um zumbi ou outro pelo caminho!

Os dois velhos rabugentos riram, levantaram-se do banco e caminharam juntos em direção à cafeteria, prontos para celebrar a amizade e as boas conversas, longe das telas e da tecnologia moderna.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior. Assina seus escritos por Floresta/PR. 
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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