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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

José Feldman (Visitas ao Médico)

 Visitar o médico é uma daquelas experiências que pode ser tanto um drama quanto uma comédia, dependendo da sua perspectiva. A sala de espera, por exemplo, é um espaço que parece estar fora do tempo e do espaço, onde a normalidade dá lugar a um espetáculo de peculiaridades humanas.

Logo ao entrar, você é recebido por um cheiro familiar de desinfetante misturado com um toque sutil de ansiedade. A primeira coisa que se vê é a recepcionista, que tem a habilidade mágica de fazer a fila de espera parecer uma maratona. Ela é a guardiã da porta do conhecimento médico e, ao mesmo tempo, a porta-voz da boa e velha burocracia. Com um olhar que poderia congelar o mais corajoso dos pacientes, ela diz a frase que já virou um clássico: “O médico já vai atender”.

E ali está você, sentado em uma cadeira que parece ter sido projetada para torturar, cercado por uma variedade de personagens que poderiam facilmente ser protagonistas de um filme. 

À sua esquerda, uma senhora idosa que, com certeza, já passou por mais consultas do que você pode imaginar. Ela está equipada com um caderno e uma caneta, anotando tudo o que o médico diz, como se estivesse escrevendo um best-seller sobre “Como Sobreviver a Consultas Médicas”. A cada espirro e tosse, ela lança olhares severos, como se estivesse julgando a saúde de todos ao redor.

À sua direita, um jovem que parece recém-saído de uma festa “rave” tenta esconder o fato de que está ali por pura pressão social. Ele está com a cara de quem acabou de descobrir que o “mal-estar” que sentiu na noite passada não era apenas uma ressaca. Enquanto isso, ele observa nervosamente os outros pacientes, como se estivesse em um episódio de “Survivor”. A cada chamada do médico, ele dá um pequeno pulo, como se temesse que seu nome fosse o próximo.

E então, a conversa na sala de espera começa. O “Hipocondríaco” é o verdadeiro protagonista. Ele olha para o seu celular e faz uma pesquisa sobre os sintomas que não tem, mas que, se você perguntar, ele descreverá com detalhes que fariam qualquer médico levantar uma sobrancelha. 

“Você já sentiu essa dor estranha aqui?” ele pergunta, apontando para a parte mais improvável do corpo. Os outros pacientes, em sua maioria, tentam ignorá-lo, mas é impossível não se deixar levar pela espiral de paranoia que ele cria.

Quando o médico finalmente o chama, você tem a impressão de que a sala de espera inteira respira aliviada, como se um resgate tivesse ocorrido. 

Ao entrar no consultório, você se depara com o “médico zen”, que parece mais um guru do que um profissional de saúde. Ele está cercado por plantas, livros de autoajuda e um difusor de óleos essenciais que exala um aroma que poderia facilmente ser confundido com um spa. 

“Como você se sente hoje?” ele pergunta, enquanto você tenta encontrar as palavras entre a serenidade da sala e a ansiedade que lhe acompanha.

Enquanto você fala sobre seus sintomas, ele escuta com um olhar que mistura interesse genuíno e uma leve confusão, como se estivesse tentando resolver um quebra-cabeça. 

Quando você menciona que a dor é “como uma picada de abelha”, ele acena, como se tivesse acabado de descobrir a resposta para a última charada do jogo. 

“Vamos fazer alguns exames”, ele diz, e você se pergunta se isso significa que ele vai te transformar em um experimento de laboratório.

Após a consulta, você volta à sala de espera, onde o “Hipocondríaco” agora está em uma fase de autodiagnóstico avançado. Ele discute com a senhora idosa, que, para sua surpresa, parece estar concordando com suas teorias mirabolantes. É como assistir a um documentário sobre fauna e flora, mas com muito mais drama. A cada espirro, ele se inclina mais perto dela, em busca de uma validação que nunca chega.

Finalmente, chega a sua vez de sair do consultório. Você percebe que a sala de espera tem sua própria linguagem. Os olhares trocados entre os pacientes são como um código secreto que apenas eles entendem. Há um entendimento tácito de que todos ali estão enfrentando um mesmo desafio. E, enquanto você se despede do “Médico Zen” e sai do consultório, não consegue deixar de pensar que, apesar do estresse, a visita ao médico é uma verdadeira comédia humana.

Ao se encaminhar para a saída do consultório, você se depara com a recepcionista mais uma vez. Ela sorri, mas, ao mesmo tempo, parece estar esperando que você diga algo extraordinário. 

“E aí, tudo certo?” pergunta, como se a resposta pudesse mudar o curso da medicina. E você, em um momento de reflexões profundas, responde: “Sim, tudo ótimo, exceto por ter que voltar aqui na próxima consulta”.

E assim, você deixa o consultório, levando consigo não apenas receitas e conselhos médicos, mas também uma coleção de histórias. 

Visitas ao médico são, no fundo, uma mistura de comédia e drama, onde cada paciente é uma peça única no grande quebra-cabeça da saúde.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

domingo, 3 de novembro de 2024

José Feldman (Reflexões sobre a Solidão Coletiva)

Houve um tempo em que a solidariedade existia nas pequenas ações do cotidiano. Lembro-me de histórias contadas por meus pais sobre como as comunidades se uniam durante momentos difíceis. Os vizinhos se ajudavam, as portas estavam sempre abertas, e a empatia era uma norma não escrita. As desgraças alheias eram sentidas como se fossem próprias, e a coletividade era um valor inegociável.

Hoje, no entanto, vivemos em uma era marcada pela insensibilidade. A compaixão parece ter se esvaído, dando lugar a um egoísmo crescente. As desgraças que antes nos uniam agora são frequentemente ignoradas. Vemos imagens de catástrofes naturais, guerras, e crises humanitárias deslizando nas redes sociais, como se fossem apenas mais um item na lista interminável de conteúdos a serem consumidos. O coração, antes pulsante de solidariedade, parece ter se petrificado.

A falta de ação diante do sofrimento alheio é alarmante. O que poderia ser um chamado à empatia se transforma em um mero espetáculo. As tragédias se tornam cifras em estatísticas, e as pessoas, rostos anônimos em uma multidão. O “like” nas redes sociais substitui a verdadeira ação; compartilhar uma postagem é considerado um ato de solidariedade, quando, na verdade, é apenas um gesto vazio.

Enquanto a empatia se esvai, o que vemos na televisão e nos meios de comunicação é um festival de desavenças e baixarias. Programas que promovem a discórdia, que elevam o conflito ao status de entretenimento, se tornaram comuns. A audiência ri e se diverte com as provocações, enquanto a verdadeira conexão humana se perde em meio a gritos e insultos. O respeito ao próximo foi substituído pelo espetáculo da desgraça alheia, e a cultura da crítica feroz tomou conta.

Esses programas não apenas alimentam a insensibilidade, mas também moldam comportamentos. A banalização da hostilidade se infiltra no cotidiano das pessoas, que começam a ver a desavença como norma. As discussões se tornam debates acalorados, onde a razão dá lugar à ofensa. O diálogo, antes um espaço de construção, se transforma em um campo de batalha.

E, como se não bastasse, o som alto dos carros ecoa pelas ruas como um símbolo da falta de respeito. A música, que poderia ser uma forma de expressão e celebração, se transforma em uma arma de desrespeito. O barulho ensurdecedor invade o espaço público, desconsiderando aqueles que buscam paz e tranquilidade. Os motoristas, absortos em seu próprio prazer, ignoram os olhares de reprovação e os pedidos silenciosos por um pouco de silêncio.

Essa cultura do “eu primeiro” se reflete em todas as esferas da vida. As pessoas se tornam ilhas em meio a um mar de indiferença, cada uma preocupada apenas com seu próprio bem-estar. O respeito ao próximo, que outrora era um pilar fundamental das interações sociais, se torna uma relíquia do passado.

Vejo muitos poetas, trovadores e outros literatos que escrevem sobre fraternidade, sobre humanidade, sobre solidariedade, mas são palavras vazias por quem, ao contrário delas, só pensam em si mesmas, não movem um dedo em favor da empatia. Ficam simplesmente em cima do muro. Falam de respeito, mas não respeitam os outros. Lembro que meus pais sempre diziam, se você quer mudar o mundo deve primeiro mudar a si mesmo, seus pensamentos, suas atitudes, senão serão ações vãs. Ou como se diz: “O inferno está cheio de boas intenções”.

Entretanto, mesmo em meio a essa escuridão, há pequenas chamas de esperança. Existem aqueles que ainda lutam pela solidariedade, que se mobilizam para ajudar os necessitados, que se importam com o bem-estar do outro. Grupos comunitários, ONGs, e iniciativas locais são exemplos de que a empatia ainda vive em algumas partes do mundo. Essas ações, embora muitas vezes ofuscadas pelo barulho da indiferença, são fundamentais para reacender o espírito solidário que parece ter se perdido.

A reflexão sobre a falta de solidariedade do ser humano nos tempos atuais nos convida a repensar nossas próprias atitudes. Como podemos ser agentes de mudança em um mundo que parece se desumanizar? A resposta pode estar nas pequenas ações do dia a dia: um gesto de gentileza, um ouvido atento, um momento de silêncio respeitoso.

A solidariedade não é uma característica inata; ela deve ser cultivada. Cada um de nós tem o poder de transformar o ambiente ao nosso redor, de ser a mudança que desejamos ver. Ao olharmos para o próximo com olhos de compaixão, podemos começar a restaurar a conexão que foi perdida.

Assim, enquanto caminhamos por um mundo que muitas vezes parece indiferente, é essencial lembrar que a verdadeira força reside na solidariedade. O eco do egoísmo pode ser ensurdecedor, mas a voz da empatia, quando unida, pode criar um coro poderoso. Que possamos, juntos, redescobrir o valor da compaixão e do respeito, e que nossas ações sejam um lembrete de que a humanidade ainda tem um longo caminho a percorrer, mas que o primeiro passo começa dentro de cada um de nós.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

sábado, 2 de novembro de 2024

José Feldman (O Mistério do Barco Celta)


Na pequena vila de Caerwyn, localizada na costa acidentada da Escócia, uma antiga lenda circulava entre os moradores. Falava-se de um barco celta perdido, que, segundo as histórias, trazia consigo uma maldição. Aqueles que ousassem tocá-lo eram impelidos a ir para o mar, como se as ondas o chamassem. A lenda, até então, era considerada apenas uma história para assustar crianças, até que uma equipe de arqueólogos decidiu investigar a costa em busca de vestígios da cultura celta.

A equipe, liderada pelo Dr. Angus McGregor, um renomado arqueólogo, chegou à vila em um dia nublado de primavera. Com um grupo de estudantes e assistentes, ele começou a escavar uma área próxima a uma enseada isolada. Após dias de trabalho árduo, uma tempestade repentina fez com que o grupo se abrigasse em uma caverna próxima. Enquanto esperavam a chuva passar, um dos estudantes, Lucas, notou algo brilhando sob a água turva da enseada.

Intrigado, ele e Angus decidiram investigar. Com a água ainda agitada, mergulharam e, para sua surpresa, descobriram um barco celta, perfeitamente preservado, encalhado entre rochas. A madeira estava coberta de musgo, mas os entalhes e desenhos que adornavam a proa eram claramente visíveis.

Assim que o barco foi descoberto, a equipe imediatamente começou a estudar o local. Angus, ciente das lendas que cercavam a embarcação, hesitou em tocá-la. No entanto, a curiosidade foi mais forte, e, com cuidado, ele estendeu a mão e acariciou a madeira fria e úmida.

No instante em que sua pele tocou a superfície do barco, uma sensação estranha o envolveu — um chamado suave, quase hipnótico, que parecia vir do mar. “É só a adrenalina,” pensou Angus, tentando se convencer. Mas, ao olhar para Lucas, viu que ele também estava enfeitiçado, seus olhos fixos no horizonte, como se estivesse ouvindo uma música distante.

Na manhã seguinte, enquanto a equipe se preparava para continuar as escavações, Lucas não apareceu. A princípio, pensaram que ele poderia ter decidido dormir mais um pouco, mas conforme as horas passavam, a preocupação crescia. Angus, sentindo uma inquietação crescente, decidiu investigar.

Após perguntar aos outros membros da equipe, ele seguiu em direção à enseada. Para seu horror, encontrou Lucas de pé, na beira da água, olhando para o mar com uma expressão sonhadora. “Lucas! O que você está fazendo?” ele gritou.

Ele virou-se lentamente, como se estivesse despertando de um transe. “Eu… eu não sei. Senti que precisava vir aqui,” ele murmurou, seus olhos ainda perdidos nas ondas.

Angus o puxou para longe da beira, mas a inquietação permaneceu. A maldição da lenda parecia estar se manifestando.

Preocupado, Angus decidiu se reunir com os moradores locais para pedir conselhos. Ele se encontrou com Mairead, uma anciã da vila, conhecida por sua sabedoria. Ao ouvir a história da descoberta do barco, Mairead balançou a cabeça com seriedade.

“Aquela embarcação não é apenas um artefato. É um portal,” disse ela. “Os antigos celtas acreditavam que os espíritos dos marinheiros mortos habitavam suas embarcações. Aqueles que tocassem o barco poderiam sentir o chamado do mar, como se fossem levados por aqueles que já partiram.”

Mairead advertiu Angus sobre os perigos de continuar a exploração. “Os que foram atraídos para o mar não voltaram. Você deve respeitar a vontade dos que vieram antes de nós.”

Apesar do aviso, Angus e sua equipe decidiram continuar suas investigações. Naquela noite, enquanto os membros da equipe se reuniam em volta de uma fogueira, mais uma pessoa desapareceu: Sarah, a assistente de Angus. Na manhã seguinte, sua mochila foi encontrada na areia, mas Sarah não estava em lugar algum.

Com o coração acelerado, Angus e os outros começaram a procurar na enseada. Quando finalmente a encontraram, Sarah estava novamente na beira da água, hipnotizada pelo mar. “Sarah, volte!” Angus gritou, mas Sarah não parecia ouvir.

Com esforço, conseguiu puxar Sarah de volta para a segurança da areia. “O que aconteceu?” perguntou, ofegante.

“Eu… eu não sei. Senti que precisava ir,” Sarah respondeu, com os olhos ainda vidrados.

Com a situação se deteriorando, Angus decidiu que era hora de confrontar o barco. Naquela noite, ele se aproximou da embarcação sozinho, determinado a entender o que estava acontecendo. Quando tocou a madeira novamente, a sensação do chamado se intensificou, quase irresistível.

“Atraí-los para o mar não é o que você quer!” ele gritou, desafiando os espíritos que habitavam o barco. “Respeito sua dor, mas não posso permitir que mais vidas sejam perdidas!”

Nesse momento, o vento começou a soprar com força, e as ondas rugiam. Angus sentiu uma presença ao seu redor, como se as almas dos marinheiros o observassem. “Libere-os!” ele implorou. “Deixe-os encontrar paz!”

De repente, as visões começaram a aparecer diante dele: imagens de marinheiros antigos, navegando em tempestades, lutando contra as ondas. Angus pôde sentir a dor e a perda desses espíritos, mas também a sua tristeza por não poder partir. Ele percebeu que o barco era um símbolo de esperança e um lembrete dos que haviam se perdido no mar.

Com uma determinação renovada, fez um ritual de despedida, falando em voz alta para os espíritos. “Vocês não estão sozinhos. Não precisam mais chamar os vivos. Em vez disso, sigam em paz!”

A tempestade começou a acalmar, e um silêncio profundo caiu sobre a enseada. Angus sentiu uma onda de alívio e compreensão, como se os espíritos finalmente fossem libertados.

Na manhã seguinte, após a tempestade, a equipe encontrou Sarah e Lucas acordados na praia, sem lembrança do que havia acontecido. Relataram que haviam sonhado com o mar, mas não tinham ideia de como haviam chegado ali.

Angus contou a eles sobre a noite anterior, e juntos decidiram que era hora de deixar o barco em paz. Com o apoio dos moradores da vila, fizeram uma cerimônia de despedida, envolvendo o barco em flores e agradecendo aos espíritos.

Embora a lenda do barco celta continuasse a existir, a experiência de Angus e da equipe trouxe um novo entendimento. O barco não era apenas uma relíquia; era um lembrete da conexão entre os vivos e os mortos, e da necessidade de respeitar o que havia sido.

Ao deixar Caerwyn, Angus olhou para o mar, sentindo-se em paz. A maldição havia sido quebrada, e os espíritos agora poderiam finalmente descansar. E assim, enquanto o sol se punha no horizonte, a equipe partiu, levando consigo não apenas uma história, mas também um profundo respeito pela herança dos que vieram antes deles.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

José Feldman (O Arranha-Céu nas Nuvens)

Era uma manhã qualquer em Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo, e o novo arranha-céu da cidade, o "Céu de Aço", finalmente estava completo. Com seus 300 andares, ele se elevava tão alto que, em um dia nublado, parecia perfurar as nuvens. O arquiteto, Leonardo, estava em êxtase. Ele não apenas havia projetado uma obra-prima, mas também se vangloriava de ter criado o prédio mais alto do mundo.

Após uma manhã cheia de reuniões e comemorações, Leonardo decidiu fazer uma última inspeção no topo do edifício. Ele subiu até o 300º andar, ansioso para ver a vista. Assim que chegou, porém, algo inesperado aconteceu. O céu se iluminou, e, de repente, ele se viu atravessando uma nuvem espessa. Quando a névoa se dissipou, ele ficou pasmo ao ver que havia chegado ao que parecia ser a entrada do céu!

— O que... onde estou? — murmurou, olhando ao redor.

Diante dele, uma porta dourada se abria com um rangido celestial. E, para sua surpresa, São Pedro estava ali, com uma prancheta na mão e uma expressão que misturava curiosidade e ceticismo.

— Olá, amigo! — disse São Pedro, com um sorriso. — O que traz você por aqui?

Leonardo, ainda atordoado, tentou entender a situação.

— Eu... eu sou o arquiteto do "Céu de Aço"! Acabei de completar o edifício mais alto do mundo!

São Pedro ergueu uma sobrancelha.

— Ah, sim, o arranha-céu que fura as nuvens. Muito interessante! Mas, veja bem, você precisa de permissão para estar aqui.

— Permissão? — Leonardo exclamou, ofendido. — Eu sou o arquiteto! Fiz tudo legalmente! Tenho documentos de propriedade!

São Pedro olhou para a prancheta.

— Documentos de propriedade? Aqui no céu? Não sei se isso vai funcionar.

Leonardo se aproximou, gesticulando com as mãos.

— Olha, São Pedro, eu não sei como você faz as coisas aqui, mas na Terra, eu tenho todos os papéis necessários. Licença de construção, planta do edifício, até o alvará da prefeitura!

— E quem te deu a licença para furar nuvens? — São Pedro perguntou, tentando segurar o riso.

— É... isso não estava nos regulamentos! — Leonardo admitiu, um pouco envergonhado.

— Então você me diz que invadiu o espaço aéreo celestial sem autorização? — São Pedro disse, cruzando os braços. — Isso é um problema!

Leonardo, percebendo que estava perdendo a discussão, decidiu apelar para a lógica.

— Mas, veja, se eu estou aqui, isso significa que o arranha-céu é tão impressionante que até as nuvens não conseguiram resistir! Eu trouxe beleza e inovação para a cidade. Você não gostaria de ver isso?

São Pedro coçou a barba, pensativo.

— Bem, é verdade que o céu tem uma nova perspectiva agora. Mas o que temos aqui é uma questão de propriedade. Você realmente tem documentos?

— Eu tenho! — Leonardo gritou, puxando um rolo de papéis do bolso. Ele começou a desenrolar os documentos, mas a brisa celestial os fez voar.

— Não! — Leonardo gritou, enquanto os papéis dançavam no ar.

São Pedro começou a rir.

— Olha, talvez você devesse considerar a possibilidade de que a burocracia no céu é um pouco diferente da sua. Aqui, não temos essa coisa de papéis!

— Como assim? — Leonardo estava perplexo.

— Aqui no céu, nós confiamos uns nos outros. Não precisamos de licenças para apreciar a beleza! — São Pedro respondeu, com um brilho nos olhos.

— Mas e se eu quisesse construir um shopping no céu? Precisaria de permissão para isso! — Leonardo argumentou.

— Ah, um shopping? Isso seria complicado. Você teria que passar pela comissão de anjos do comércio! — São Pedro brincou.

— Olha, eu só quero saber quem é o responsável por essa parte do céu! — Leonardo insistiu, ainda segurando os pedaços de papel que sobreviveram à ventania.

— Eu sou! — São Pedro respondeu, rindo. — Mas pense bem. Em vez de se preocupar com documentos, que tal usar seu talento para criar algo incrível aqui?

Leonardo refletiu por um momento. Ele tinha sempre sonhado em projetar algo grandioso. E se ele pudesse fazer isso no céu?

— Você está dizendo que eu poderia criar uma nova estrutura aqui? — perguntou Leonardo, seus olhos brilhando.

— Exatamente! Um café nas nuvens, uma galeria de arte celestial, quem sabe até um parque onde os anjos possam passear! — São Pedro respondeu, empolgado.

— Isso seria incrível! — Leonardo exclamou. — Mas... e os documentos?

— Ah, isso é só um detalhe. Vamos fazer assim: você me promete que não vai furar mais nuvens sem avisar, e eu deixo você criar o que quiser! — São Pedro disse, piscando um olho.

— Fechado! — Leonardo respondeu, estendendo a mão para um aperto.

E assim, com um acordo feito, Leonardo começou a planejar seu novo projeto celestial, enquanto São Pedro anotava tudo em sua prancheta, agora cheia de ideias criativas.

— E se você fizesse uma escada que levasse ao céu? — sugeriu São Pedro, pensando alto.

— Uma escada? Isso seria revolucionário! — Leonardo respondeu, agora empolgado.

— E que tal um mirante? Para as pessoas apreciarem a vista das nuvens? — continuou São Pedro.

— Adorei a ideia! — estava cada vez mais animado. — E uma área para piqueniques!

— Piqueniques nas nuvens? Agora você está falando! — São Pedro riu, imaginando a cena.

No final das contas, o arquiteto e o guardião do céu se tornaram amigos improváveis, e o "Céu de Aço" ganhou uma nova dimensão. Leonardo voltou para a Terra, não apenas com um projeto incrível em mente, mas também com uma história extraordinária para contar.

E assim, o arranha-céu que furava nuvens se transformou em um verdadeiro símbolo de criatividade e amizade, onde a burocracia se encontrava com a imaginação, e onde as nuvens não eram mais barreiras, mas sim oportunidades.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

José Feldman (Pafúncio na Exposição de Quadros)

Era uma noite elegante e sofisticada no renomado Museu de Arte Moderna, onde uma exposição de quadros de artistas contemporâneos estava prestes a ser inaugurada. Pafúncio, o jornalista da revista “Fuxicos & Fofocas”, foi enviado para cobrir o evento e, claro, trazer algumas fofocas quentinhas sobre a alta sociedade local.

Vestido com um terno que parecia ter sido emprestado de um filme dos anos 80 e uma gravata estampada com desenhos de patos, Pafúncio entrou no museu com um sorriso radiante, mal sabendo que a noite se tornaria um verdadeiro desfile de trapalhadas.

Assim que chegou, Pafúncio observou as pessoas da alta sociedade conversando em pequenos grupos, todas vestidas com roupas de grife e segurando taças de champanhe. Ele, por outro lado, parecia um pato fora d’água. 

“Aqui estou eu, pronto para fazer história!” ele pensou, enquanto caminhava em direção ao coquetel.

Ao se aproximar da mesa do coquetel, Pafúncio viu uma bandeja cheia de canapés e, sem pensar duas vezes, pegou um punhado deles. 

“Deliciosos! Vou dar uma entrevista sobre eles!” ele exclamou, enquanto começava a mastigar e a falar com um grupo de convidados.

“Desculpe, você é…?” uma mulher bem-vestida perguntou, olhando para ele com uma expressão de confusão.

“Sou Pafúncio, da revista “Fuxico & Fofocas”! Estou aqui para cobrir a noite e descobrir os segredos da alta sociedade!” ele respondeu, com um pedaço de canapé preso entre os dentes.

Pafúncio decidiu que era hora de tirar algumas fotos. Ao tentar ajustar a câmera, ele acidentalmente esbarrou na mesa, fazendo com que uma taça de champanhe voasse pelo ar e aterrissasse bem em cima do vestido da mulher que acabara de entrevistá-lo. 

“Ai!” ela gritou, enquanto todos ao redor se viravam para olhar.

“Desculpe! Era para ser uma homenagem ao seu vestido!” Pafúncio disse, tentando se desculpar, mas as pessoas apenas o encararam, perplexas.

Determinado a se recuperar, Pafúncio começou a se mover em direção aos quadros. Ele parou em frente a uma obra de arte abstrata e começou a explicar para uma pequena multidão o que achava que era a mensagem do quadro. 

“Eu vejo aqui um grito pela liberdade, uma luta contra a opressão dos… das azeitonas!” ele comentou, fazendo referência a um prato que ainda estava na sua mente.

As pessoas começaram a cochichar entre si, claramente divididas entre o riso e a perplexidade. 

“Quem é esse?” alguém murmurou.

Enquanto tentava tirar uma selfie com a pintura ao fundo, Pafúncio, em sua animação, deu um passo para trás e, sem querer, esbarrou na mesa de bebidas. A bandeja, cheia de copos, fez um movimento pendular e se despedaçou no chão, com um barulho estrondoso que fez todos os convidados se virarem, boquiabertos.

“Meu Deus!” gritou um dos organizadores, enquanto Pafúncio tentava ajudar a limpar a bagunça, mas acabou escorregando no líquido derramado e caindo de joelhos. 

“Estou apenas testando a resistência do chão!” ele gritou, enquanto se levantava, agora com as calças molhadas.

Finalmente, chegou a hora do discurso do curador da exposição. Pafúncio, pensando que poderia ajudar a animar o ambiente, decidiu se posicionar perto do microfone. 

“Eu tenho algo a dizer!” ele interrompeu, mas o curador já estava no palco.

“Por favor, não…” o curador murmurou, já prevendo o desastre.

Pafúncio puxou o microfone com tanto ímpeto que ele se soltou e fez um ruído ensurdecedor, causando um alvoroço. 

“Desculpe, só queria dizer que a arte é como um… um sapato apertado! Às vezes, você só precisa tirar para se sentir livre!” ele gritou, enquanto as pessoas cobriam os ouvidos.

A essa altura, a situação era tão cômica quanto caótica. Os convidados começaram a olhar para Pafúncio com uma mistura de medo e diversão. O que ele faria a seguir? Uma mulher de um grupo próximo murmurou: “Espero que ele não derrube mais nada!”

E foi então que, ao tentar fazer uma pose engraçada para uma foto, Pafúncio decidiu subir em uma cadeira para ser mais visível. No entanto, a cadeira não aguentou o peso e se quebrou, fazendo com que ele caísse novamente, agora em uma pilha de casacos que estavam pendurados em um cabideiro.

No final da noite, enquanto todos estavam atordoados, Pafúncio, ainda tentando se recompor, levantou-se e olhou para a multidão. 

Os convidados começaram a se dispersar, alguns ainda rindo, outros balançando a cabeça em incredulidade. “Quem era aquele?” alguém perguntou, enquanto Pafúncio se despedia, feliz e satisfeito por ter, de alguma forma, conseguido alguma coisa naquela noite.

Enquanto saía, ele pensou: “Talvez eu devesse fazer mais reportagens em eventos da alta sociedade.” 

E assim, com sua personalidade peculiar, Pafúncio deixou sua marca — e um pouco de caos — na noite que deveria ser de arte e sofisticação.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

José Feldman (Mini-contos) 6 –> 10

A Amizade Inesperada 
Durante um passeio no parque, Beatriz avistou um rapaz sentado, sozinho. O olhar dele refletia tristeza, mas ela sentiu uma conexão. Aproximou-se e ofereceu um sorriso. Eles começaram a conversar sobre livros e sonhos. Com o passar do tempo, uma amizade inesperada floresceu. Juntos, descobriram que a solidão pode ser vencida com um simples gesto de carinho. 

O Último Trem 
Na estação deserta, o último trem apitou. Marcos aguardava, sentindo o peso da solidão. Ao seu lado, uma senhora idosa observava a mesma cena. Eles trocaram sorrisos tímidos, e, em um instante, a conexão se formou. A conversa fluiu, e o tempo passou, esquecendo a tristeza. Quando o trem chegou, ambos embarcaram, levando consigo um pouco da luz do outro. 

A Casa Vazia 
A casa de Marcondes ecoava com tantas lembranças. Cada cômodo guardava risos e histórias do tempo de uma família unida. Mas agora, o silêncio era ensurdecedor. Ele olhou para as fotos na parede, sentindo o vazio do abandono. Um dia, decidiu organizar um jantar, convidando velhos amigos. A casa voltou a vibrar com risos, e a luz voltou a brilhar na casa da solidão. 

O Livro Esquecido 
Em uma prateleira empoeirada, havia um livro esquecido. Carina o pegou e começou a folhear suas páginas. As palavras pareciam dançar na sua frente. Cada história a transportava para mundos distantes, fazendo com que se esquecesse da solidão. Decidiu então compartilhar essas histórias em um clube de leitura. Com cada reunião, novos laços se formaram. O livro, que antes era só um objeto, tornou-se a ponte para novas amizades. 

O Último Dia de Verão 
O verão chegava ao fim, e com ele, a alegria das férias. Mirna sentou-se na areia, observando o pôr do sol. O mar refletia seu estado de espírito: sereno, mas melancólico. Ao seu lado, crianças brincavam, mas ela se sentia distante. Um garoto se aproximou e ofereceu uma pá para construir um castelo de areia. Juntos, construíram algo belo. Naquele momento, Mirna percebeu que a felicidade pode renascer mesmo nas despedidas.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

domingo, 27 de outubro de 2024

José Feldman (Mini-contos) 1 –> 5


A Solidão do Pintor 
Na pequena sala, o pintor observava a tela em branco, seu único companheiro. As cores dançavam em sua mente, mas o medo da crítica o paralisava. Dias passavam, e as sombras se acumulavam. 

Uma tarde, ao misturar tintas, descobriu que a solidão podia ser sua musa. Com cada pincelada, sua dor se transformou em arte. Finalmente, a tela revelou não apenas suas cores, mas sua alma. 

Felicidade na Simplicidade 
Certa manhã, Maria acordou com o canto dos pássaros. Decidiu preparar um café especial e sentou-se à mesa. Observou as flores pela janela e sorriu ao lembrar de momentos simples. A felicidade, pensou, não estava nas grandes conquistas, mas nas pequenas alegrias. Ao dar o primeiro gole, compreendeu que a vida era feita de detalhes. E assim, a simplicidade se tornou seu maior tesouro. 

O Abandono do Cachorro 
No canto da rua, um cachorro esperava. O frio da noite não o intimidava, mas a solidão do abandono o marcava. Havia sido amado um dia, mas agora, seu olhar refletia tristeza. Um menino, ao passar, parou e se agachou. Com um gesto suave, acariciou o animal e levou-o para casa. O amor resgatou o pequeno ser, e a solidão se desfez no calor de um novo lar. 

Lições da Escola 
Na escola, Ana se sentia invisível entre os colegas. As risadas e conversas pareciam distantes, como ecos em um túnel. Um dia, a professora pediu que escrevessem sobre um sonho. Ana, hesitante, compartilhou sua paixão por dançar. Ao final, recebeu aplausos sinceros. Naquele instante, percebeu que, mesmo na solidão, sua voz poderia ser ouvida. A escola, então, tornou-se um lugar de descoberta. 

Um Dia de Chuva 
A chuva caía, formando poças nas calçadas. Lucas decidiu sair, mesmo com o tempo inclemente. Cada gota que caía parecia lavar a tristeza acumulada. Ele pulava nas poças, rindo como uma criança. O som da chuva era uma sinfonia, e a solidão se dissipava. Naquele dia, aprendeu que até mesmo a chuva pode trazer alegria. 

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

sábado, 26 de outubro de 2024

José Feldman (Os caçadores das compras perdidas)

Era uma manhã ensolarada quando Epitáfio de Carvalho Troncoso, um homem de meia-idade, decidiu que era hora de fazer compras no supermercado. Sua esposa, Dona Etelvina, uma mulher de coração grande e paciência infinita, concordou em acompanhá-lo. Afinal, a última vez que Epitáfio foi ao mercado sozinho, ele trouxe para casa uma caixa de chá de hibisco, um item que ninguém lembrava de ter pedido.

Assim, armados com uma lista de compras que, segundo Dona Etelvina, era "um pouco mais longa do que o habitual", eles adentraram no supermercado. A atmosfera estava cheia de aromas de pão fresco e frutas maduras, e Epitáfio, que por anos havia se considerado um expert em compras, estava confiante.

"Vamos começar pela seção de frutas", sugeriu Dona Etelvina, já mirando as maçãs. 

Epitáfio, no entanto, estava mais interessado em fazer uma competição com ele mesmo: quantas maçãs conseguiria pegar de uma vez? Ele se agachou, esticou os braços e, no meio da sua acrobacia, acabou derrubando uma maçã que rolou para longe.

"Uma já foi", ele disse, rindo. 

Mas a coisa não ficou por ali. Enquanto tentava pegar a maçã perdida, ele se distraiu e, sem querer, esbarrou em uma prateleira de latas de molho de tomate, que começou a desabar como uma cascata descontrolada. Latas rolavam para todos os lados, e Epitáfio ficou paralisado por um momento, tentando avaliar a situação.

"Querido, você não acha que está exagerando?", perguntou Dona Etelvina. "Isso é um supermercado, não um circo!"

Epitáfio, em sua defesa, apenas deu de ombros e continuou a coleta das latas caídas. Ao menos algumas delas estavam intactas.

Após o "incidente do molho de tomate", eles prosseguiram para a seção de cereais. Dona Etelvina sempre dizia que era a parte mais tranquila, mas Epitáfio, que não conseguia resistir a um bom desafio, decidiu que era hora de testar a resistência dos pacotes de cereal. Ele começou a empilhar os pacotes um sobre o outro, como se estivesse construindo uma torre de Babel.

"Se essa torre cair, vai ser um desastre", alertou Dona Etelvina. 

No entanto Epitáfio estava determinado. "Confie em mim, vai dar certo!" 

Naquele momento, tudo parecia tranquilo, até que, em uma fração de segundo, um pacote de cereal escorregou e, como um efeito dominó, derrubou todos os outros. Cereais voaram para todos os lados, e Epitáfio estava, mais uma vez, cercado por uma cena digna de comédia pastelão.

"Você é mesmo um talento para desorganizar tudo, Epitáfio!", comentou uma senhora que passava, rindo da situação. 

Epitáfio, com um sorriso amarelo, começou a juntar os pacotes, enquanto Dona Etelvina tentava ajudar. Mas na tentativa de recolher os cereais, Epitáfio começou a se irritar.

"Por que sempre eu?", ele resmungou, olhando ao redor, como se estivesse no centro de um espetáculo de teatro. "Todo mundo aqui é tão calmo, e eu sou o único que parece um maluco!"

Dona Etelvina, tentando aliviar a tensão, disse: "Querido, relaxe! Isso é só um dia de compras. Não vale a pena perder a paciência."

Finalmente, após o que parecia uma eternidade, Epitáfio e Dona Etelvina conseguiram completar a lista. Mas, ao se dirigirem para o caixa, a carrinho de compras, já cheio de itens, parecia um verdadeiro campo de batalha: frutas, cereais, e uma quantidade razoável de latas de molho de tomate estavam misturados, parecendo uma obra de arte moderna.

Assim que passaram pelo caixa, Epitáfio se distraiu novamente, olhando para uma promoção de biscoitos. E, claro, foi o suficiente para que o carrinho, que já estava em estado de colapso, cedesse. Tudo se espalhou pelo chão: biscoitos, frutas, e até um pacote de arroz que, por alguma razão, decidiu se juntar à festa.

"Não, não, não!" gritou Epitáfio, em um momento de desespero. Ele se agachou para pegar as coisas, enquanto outros clientes olhavam, divertidos. 

Algum tempo depois, ele se levantou, tentando manter a dignidade, mas a cena era insustentável.

"Eu não aguento mais!", ele exclamou, olhando ao redor. "O que eu fiz para merecer isso? Até o arroz está me olhando com desprezo!"

Dona Etelvina, rindo, colocou a mão no ombro dele. "Amor, acho que precisamos de mais do que apenas compras. Precisamos de uma boa dose de calma! Vamos para casa e esquecer isso tudo."

Epitáfio, ainda um pouco frustrado, concordou. 

"Ok, mas da próxima vez que você me acompanhar para o mercado, prometo não fazer mais malabarismos com as maçãs!"

E assim, com o recolhendo as compras espalhadas pelo chão, Epitáfio e Dona Etelvina deixaram o supermercado, prontos para enfrentar a próxima batalha da vida a dois: a cozinha.

Retornando para casa, foram organizar a cozinha.

Epitáfio: (segurando um pacote de arroz aberto) Olha, Etelvina, acho que esse arroz decidiu se rebelar contra nós. Está mais espalhado do que dentro da embalagem!

Dona Etelvina: (rindo) É, parece que ele queria ver o mundo. Ao menos, agora temos um "arroz à la chão".

Epitáfio: (suspirando) Se eu soubesse que ia ser assim, teria me limitado a comprar um pão e um queijo.

Dona Etelvina: Ah, vai! Você sabe que as compras nunca são só pão e queijo com você. Sempre tem uma aventura à vista!

Epitáfio: (brincando) Aventura é uma coisa. Mas eu não assinei para ser o protagonista de um filme de comédia!

Dona Etelvina: (com um sorriso) E você está se saindo muito bem na sua atuação. Olha só essa cena do arroz!

Epitáfio: (começando a rir) Verdade. Vou me candidatar ao Oscar de “Melhor Desastre em Supermercado”.

Dona Etelvina: (começando a juntar os biscoitos) A gente poderia fazer um filme sobre isso. “Os Caçadores de Compras Perdidas”!

Epitáfio: (fazendo pose) E eu seria o herói que sempre acaba se metendo em encrenca!

Dona Etelvina: (com um olhar divertido) E eu seria a heroína que tenta salvar o dia, mas acaba rindo da situação.

Epitáfio: (abrindo um armário para guardar as coisas) E o vilão? Quem seria o vilão da nossa história?

Dona Etelvina: (pensativa) Acho que seria o molho de tomate. Sempre pronto para causar uma explosão!

Epitáfio: (apontando para o chão) Ou o arroz, que decidiu se espalhar como um exército rebelde!

Dona Etelvina: (rindo) Isso! Precisamos de um grande final, com todos os ingredientes se unindo para fazer um jantar épico.

Epitáfio: (sorrindo) Que tal um arroz carreteiro? Assim, o arroz rebelde se redime!

Gato (Bolota): (entrando com um ar de desdém) E eu aqui, esperando um pouco de respeito. Esse chão não é um buffet, sabia?

Epitáfio: (surpreso) Olha quem apareceu! O nosso crítico gastronômico felino! O que você acha do nosso “arroz à la chão”, Bolota?

Bolota: (lambendo as patas) Precisamos conversar sobre a apresentação. Não é assim que se serve um prato!

Dona Etelvina: (com um sorriso) E você, o que sugere, senhor gourmet? Um prato sem arroz?

Bolota: (com um olhar arrogante) Bem, um pouco de atum na receita não faria mal. Mas, por favor, nada de bagunça!

Epitáfio: (brincando) Atum? Você não foi ao supermercado, foi? Se fosse, teria visto o que aconteceu lá!

Bolota: (com um olhar cético) Isso não é desculpa. A organização é fundamental, mesmo em meio ao caos.

Dona Etelvina: (começando a juntar os biscoitos) E você, o que vai fazer? Ficar sentado enquanto nós limpamos a cozinha?

Bolota: (dando um salto para uma prateleira) Eu estou aqui para garantir que nada do que vocês preparam venha a me incomodar. E se sobrar algum atum, eu aceito!

Epitáfio: (abrindo um armário para guardar as coisas) Olha, Bolota, se você nos ajudar, prometo que vou procurar um atum especial na próxima compra.

Bolota: (sorrindo com um ar de superioridade) Isso é um bom começo. Mas não se esqueçam da apresentação!

Dona Etelvina: (brincando) Claro! Atum em um prato bem decorado, com um toque de arroz do chão!

Epitáfio: (fazendo pose) E eu seria o herói que sempre acaba se metendo em encrenca, enquanto o gato dá as ordens!

Bolota: (com um olhar de aprovação) Finalmente, você entendeu seu papel.

Dona Etelvina: (rindo) Vamos lá, então! Com as nossas forças e a ajuda do nosso crítico felino, faremos um jantar épico.

Epitáfio: (sorrindo) Combinado! E que venha o próximo supermercado, porque com você e o Bolota, sempre há histórias para contar!

Bolota: (com um ar de sabedoria) E lembrem-se: a próxima vez, menos bagunça, mais atum!

Dona Etelvina: Perfeito! Vamos juntar nossas forças na cozinha e fazer isso acontecer. E, claro, sem mais malabarismos!

Epitáfio: (com um olhar determinado) Combinado! Agora vamos fazer esse jantar e deixar as aventuras para o próximo dia de compras!

Dona Etelvina: (com um sorriso) Isso! E que venha o próximo supermercado, porque com vocês haverão histórias para contar!

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.