Marcadores

Mostrando postagens com marcador Meus manuscritos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Meus manuscritos. Mostrar todas as postagens

sábado, 11 de outubro de 2025

José Feldman (Fábulas) O Pinguim Destemido

Na Antártica, havia um jovem pinguim chamado Leandro que sonhava em voar. Enquanto seus amigos se contentavam em deslizar sobre o gelo e mergulhar nas águas geladas, ele olhava para os pássaros que voavam acima dele. Sempre se perguntava como seria sentir o vento em suas penas.

Um dia, enquanto explorava uma nova parte da costa, ele encontrou um velho pinguim chamado Gonçalo. Gonçalo era conhecido por suas histórias de aventuras. 

"Você já pensou em como seria voar, meu jovem?", perguntou Gonçalo, notando o olhar sonhador de Leandro.

"Sim, mas sou apenas um pinguim. Nunca poderei voar", respondeu, desanimado.

"Voar pode não ser a única maneira de sentir liberdade. Às vezes, a aventura está em explorar o que está ao seu redor", disse Gonçalo. 

Inspirado, Leandro decidiu que, em vez de lamentar sua condição, ele iria se aventurar em explorar a costa.

Nos dias seguintes, começou a escalar as rochas mais altas e a mergulhar nas águas profundas. Conheceu outros animais marinhos, aprendeu a pescar e até se tornou um ótimo nadador. 

Um dia, durante uma de suas expedições, se deparou com um grupo de aves migratórias que estavam descansando.

"Você gostaria de voar conosco?", perguntou uma das aves. 

Leandro hesitou, mas a ideia o fascinava. Ele subiu em uma montanha alta e, com um impulso, se lançou, deslizando pela encosta abaixo. Embora não tivesse asas, ele aprendeu a deslizar como o vento.

Ele percebeu que, mesmo sem voar como os pássaros, estava experimentando uma liberdade única. 

Ao voltar para sua colônia, compartilhou suas histórias de aventuras, mostrando que o verdadeiro espírito de aventura está em se abrir para novas experiências, independentemente de como elas se apresentem.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

José Feldman (Mini-contos sobre a natureza) 1 – 5

1. A Árvore Solitária
Em uma vasta planície, uma única árvore se erguia, suas folhas dançando ao vento. Ela era testemunha de muitas estações, desde a florada da primavera até a queda das folhas no outono. Um dia, uma criança se sentou à sua sombra e desenhou um mundo onde as árvores falavam... A árvore, em silêncio, sorriu.

2. O Rio Sussurrante
O rio serpenteava pela floresta, murmurando segredos para quem quisesse ouvir. As pedras e peixes eram seus fiéis ouvintes. Um velho pescador se sentou à beira e, ao lançar sua linha, sentiu que o rio o conectava a tudo que existia, como se ele próprio fosse parte daquela correnteza.

3. O Perfume das Flores
Lara caminhava por um campo coberto de flores silvestres. O aroma doce a envolvia, fazendo-a sentir-se em paz. Ao se agachar para cheirar uma margarida, lembrou-se de sua infância, quando dançava entre as flores… A natureza sempre teve o poder de trazer de volta memórias esquecidas.

4. O Sol Poente
Carlito subiu a colina para assistir ao pôr do sol. À medida que o céu se tingia de laranja e roxo, ele se lembrou de como a vida é feita de ciclos. O sol se despedia, mas sempre voltava… Aquela visão o acalmou, lembrando-o de que novos começos sempre são possíveis.

5. O Canto do Sabiá
Toda manhã, o sabiá cantava na árvore em frente à casa de Lúcia. Seu canto melodioso trazia alegria ao despertar. Certa manhã, Lúcia decidiu abrir a janela e cantar junto. A música ecoou pela vizinhança, unindo os moradores em um concerto improvisado.
Fontes:
José Feldman. Pérgola de textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

terça-feira, 7 de outubro de 2025

José Feldman (Carta a Najla e Yasmin)

Carta que nunca será enviada, em continuação ao texto “Amor e tragédia nas sombras da intolerância” (https://pergola-de-textos.blogspot.com/2024/12/amor-e-tragedia-nas-sombras-da.html) . Yasmin foi morta por ladrões e Najla se suicidou.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
Queridas Najla e Yasmin,  

Há cinquenta anos eu carrego esta dor, um peso que não se alivia, que me acompanha como uma sombra em todos os momentos do dia e em cada instante da noite. São quase cinco décadas que se passaram, mas é como se tudo tivesse acontecido ontem, como se o tempo tivesse congelado naquele momento em que vocês partiram e eu fiquei aqui, sozinho, rasgado por dentro, tentando juntar os pedaços de um coração que nunca mais foi o mesmo.  

Najla, minha amada, você era o meu mundo, o meu norte, a razão de cada suspiro. Eu me lembro do brilho dos seus olhos, olhos que falavam mais do que qualquer palavra, que diziam tudo o que havia em sua alma. Lembro do seu sorriso, tão delicado, tão cheio de vida, da forma como você tocava as coisas, como se cada gesto fosse uma dança. Você era a minha paz, mas também o meu fogo, e eu nunca soube como um só coração podia conter tanto amor.  

E Yasmin, nossa pequena Yasmin, tão frágil, tão cheia de promessas. Eu me lembro de como ela era pequenina, como cabia inteira nos meus braços, como eu olhava para ela e via o futuro, um futuro que parecia tão brilhante, tão cheio de possibilidades. O cheiro dela, seu chorinho suave, a forma como seus olhos começavam a se abrir para o mundo... Tudo nela era um milagre, e eu me pergunto, todos os dias, por que Deus me deu esse milagre apenas para arrancá-lo de mim tão cedo?  

Eu não consigo parar de pensar naquele dia. Eu me pergunto, ainda hoje, o que você sentiu, Najla, nos momentos finais. Você estava com medo? Estava com raiva? Ou será que sentiu que não havia outra saída? Eu nunca vou entender plenamente o que te levou a isso, mas eu sei que o mundo te feriu. Eu sei que as barreiras que nos separavam — essas malditas barreiras impostas por crenças, por tradições, por um Deus que deveria unir, mas decidiu nos dividir — te esmagaram.  

Eu amaldiçoei esse Deus tantas vezes, Najla. Eu gritei para o céu, questionei, xinguei, implorei por respostas que nunca vieram. Como pode um Deus criar algo tão belo quanto o amor entre duas pessoas e depois destruí-lo só porque elas nasceram em culturas diferentes, em crenças diferentes? Que crueldade é essa? O que fizemos de errado, Najla, além de nos amarmos? Que pecado cometemos além de querer construir uma vida juntos, uma vida onde Yasmin pudesse crescer cercada de amor?  

Mas o mundo não nos deixou. E eu nunca vou perdoar por isso. Eu nunca vou esquecer as palavras duras que ouvimos, os olhares de reprovação, as portas que se fecharam. Eu vi você se desgastando, Najla, sendo abandonada pelos seus próprios pais, que deveriam te apoiar, vi você tentando ser forte, tentando carregar o peso de tudo isso, até que não conseguiu mais. E eu me culpo todos os dias por não ter conseguido te proteger, por não ter sido suficiente para te manter junto.  

E Yasmin... Ah, minha pequena Yasmin. Você foi arrancada de mim antes mesmo que eu pudesse te ver crescer, antes que eu pudesse te ensinar sobre o mundo, antes que eu pudesse te mostrar que, apesar de tudo, a vida ainda pode ser bonita. Eu me pergunto, todos os dias, como você seria hoje. Será que teria os olhos da sua mãe? Será que teria o meu sorriso? Será que seria tão teimosa quanto nós dois? Mas essas perguntas nunca terão respostas, e isso é o que mais me dói.  

Minha pequena e querida Yasmin... Eu desejaria te pegar nos braços, mesmo que fosse só por um instante, e te diria o quanto te amo, o quanto sonhei com o seu futuro, o quanto lamento não ter podido te ver crescer. Eu te contaria sobre tudo o que planejei para nós, sobre os passeios que imaginei, as histórias que eu queria contar para você antes de dormir, as risadas que jamais pudemos compartilhar. Eu te diria que você foi a luz mais pura e breve que já passou pela minha vida, e que, mesmo tão pequenina, você mudou tudo em mim.

Eu também pediria perdão. Perdão por não ter sido capaz de impedir que a dor do mundo nos separasse. Perdão por não ter conseguido ser maior que os preconceitos e as barreiras que nos cercaram. Perdão por não ter podido te dar a infância que você merecia, cheia de amor e segurança.

Eu daria tudo, absolutamente tudo, para poder abraçar vocês mais uma vez. Para sentir o calor do seu corpo, Najla, para ouvir o som da sua voz dizendo que tudo vai ficar bem. Para segurar a pequena Yasmin nos braços, para sentir o cheiro dela, para ouvir seu riso. Mas tudo o que me resta são lembranças, memórias que, ao mesmo tempo em que são preciosas, são como facas que me cortam toda vez que as revisito.  

Najla, eu espero que, onde quer que você esteja, você tenha encontrado a paz que o mundo te negou. E Yasmin, minha pequenina, espero que você esteja nos braços da sua mãe, sentindo o amor que eu nunca tive a chance de te dar como gostaria. Eu espero que vocês estejam juntas, em um lugar onde a dor não existe, onde os preconceitos não separam as pessoas, onde o amor não é julgado.  

Quanto a mim, eu sigo aqui, sobrevivendo, dia após dia. Não vou mentir, há momentos em que tudo parece insuportável, momentos em que eu penso que talvez fosse melhor se eu estivesse aí, com vocês. Mas algo me mantém aqui, talvez a necessidade de carregar a memória de vocês, de lembrar ao mundo que vocês existiram, que vocês foram amadas, que vocês foram tudo para mim.  

Se eu pudesse falar com vocês agora, Najla e Yasmin, eu diria que vocês são a razão de eu ainda buscar algum sentido para essa vida, mesmo em meio à dor. E que um dia, espero, nos reencontremos. Até lá, vivam em meu coração — porque é o único lugar onde o amor que sinto por vocês jamais será tocado pelo tempo ou pela distância, ou pelo preconceito de um mundo ignorante.

Eu não sei se algum dia nos reencontraremos, mas eu me agarro a essa esperança. Porque, Najla e Yasmin, vocês são e sempre serão o amor da minha vida. E enquanto eu viver, vocês viverão em mim.  

Com toda a dor e todo o amor do mundo,  
De quem nunca deixou de amar vocês.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

José Feldman (As Cócegas da Discórdia)

Henrique e Pafúncio eram amigos inseparáveis, há uns 40 anos, mesmo na terceira idade, já aposentados. Passavam as tardes jogando cartas, contando histórias e tomando um bom café. Mas, como em toda amizade de longa data, um dia a paz foi abalada.

Uma discussão sobre quem seria o melhor contador de histórias rapidamente se transformou em um combate acalorado. Pafúncio, com um brilho travesso nos olhos, revelou que tinha um novo amigo que era “muito mais unido” do que Henrique. O velho Henrique ficou furioso. 

— Ah, é? Se eu morrer primeiro, vou puxar o seu pé à noite! — disse ele, com a voz embargada de raiva e um sorriso nervoso.

Pafúncio riu, achando que Henrique estava apenas exagerando. Mas, para sua surpresa, alguns dias depois, Henrique teve um infarto fulminante e faleceu. 

O velório foi triste, mas Pafúncio não pôde evitar de pensar: “Quero ver puxar meu pé, velho malandro!”.

Naquela noite, após o funeral, Pafúncio se acomodou na cama, tentando apagar da mente a discussão ridícula. Mas, ao fechar os olhos, uma sensação estranha começou a invadir o quarto. Ele se virou para o lado e, de repente, sentiu algo gelado tocar seu pé.

— Quem está aí? — sussurrou, com o coração disparado.

E, como se tivesse respondido ao chamado, o espírito de Henrique apareceu, com uma expressão travessa.

— Olá, Pafúncio! Lembra da minha promessa? 

Pafúncio quase caiu da cama. Ele começou a gritar e a rir ao mesmo tempo, enquanto o espírito de Henrique fazia cócegas em seu pé.

— Para! Para! — ele berrou, se contorcendo na cama.

Mas Henrique, em forma de espírito, não parecia se importar. Continuou a fazer cócegas, enquanto Pafúncio tentava explicar que tudo não passou de um desentendimento.

— Eu juro, não tenho outro amigo! Só falei isso para você ficar ciumento! — gritou Pafúncio.

Henrique, contente com a confissão, finalmente parou. Ele olhou para o amigo, agora ofegante, e riu.

— Então, você quer dizer que eu sou seu único amigo? 

— Sim! — respondeu Pafúncio, ainda rindo. — Sempre foi!

O espírito de Henrique decidiu dar uma trégua. Mas a paz durou pouco. Na noite seguinte, ele voltou, insatisfeito pelo amigo o ter enganado e novamente começou a fazer cócegas.

— Ah, você de novo! — gritou ele, rindo desesperado. — Se continuar assim, vou acabar morrendo de tanto rir!

As noites se tornaram um verdadeiro dramalhão. Pafúncio passou a contar para os amigos que “Henrique estava puxando seu pé” e todos achavam que ele tinha ficado maluco. Mas, na verdade, ele apenas estava com saudades dos velhos tempos com seu amigo.

Finalmente, uma noite, teve uma ideia. Ele se deitou e, em vez de se assustar, começou a conversar com o espírito de Henrique.

— Olha, a gente pode fazer diferente. Que tal você me contar histórias em vez de fazer cócegas?

Henrique, surpreso com a proposta, aceitou. E assim, as noites se tornaram um festival de risadas, rindo e trocando as histórias que sempre amaram.

No fim, a amizade deles perseverou até mesmo além da morte, e aprenderam que, às vezes, a melhor maneira de lidar com a raiva é através do riso. 

E, claro, sempre mantendo os pés encolhidos, longe de espíritos travessos!
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.
Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sábado, 27 de setembro de 2025

José Feldman (71 Anos de Gratidão e Memórias)

imagem criada com Microsoft Bing

Em setembro celebrei meus 71 anos de vida, e confesso que não consigo esconder a alegria de ter chegado até aqui. Não é só pela idade em si, mas por tudo que vivi, por tudo que vi mudar ao longo do tempo e por tudo que ainda tenho a agradecer. Há algumas décadas, chegar aos 70 anos era quase um feito heróico, um marco raro. Hoje, olho para trás e percebo como o mundo evoluiu, como a vida mudou, e como eu tive o privilégio de acompanhar cada pedacinho dessa transformação.

Eu sou do tempo dos carros como o Aero-Willys, o Karmann-Ghia e o Simca Tufão. Lembro bem do barulho característico de seus motores e da sensação de sentar em um banco que parecia eterno, feito de materiais duráveis, quase indestrutíveis. Ah, e os primeiros Fuscas! Aqueles carrinhos simpáticos que, com frequência, precisavam de um empurrãozinho para "pegar no tranco". Quem nunca passou por isso? E o afogador? Era quase um ritual matutino nos dias frios. Hoje, os carros são completamente diferentes, com injeção eletrônica, cheios de recursos tecnológicos. Mas, cá entre nós, parecem quase descartáveis, feitos de materiais leves, fáceis de substituir. Perderam aquele "peso" de durabilidade que os antigos tinham, mas em troca, ganharam praticidade.

Também sou do tempo do telefone com fio, aquele que para discar exigia girar um disco com paciência. Era quase um exercício de meditação! Depois, vieram os celulares, que começaram como um verdadeiro tijolo — pesados, grandes, com uma antena enorme. E hoje? Hoje, os celulares são pequenos, leves, cabem na palma da mão e fazem tudo: ligações, fotos, navegação... às vezes até mais do que eu consigo acompanhar! Mas, curiosamente, parecem ter nos afastado uns dos outros. As famílias, que antes se reuniam ao redor da mesa para almoçar e conversar sobre o dia, mal conseguem desgrudar dos celulares. Vejo isso com tristeza, comparando com os tempos em que o diálogo era o centro das refeições e o amor era partilhado em cada palavra.

E as ruas? Ah, como eram diferentes! Nos tempos da minha infância, jogávamos bola na rua, andávamos de carrinho de rolimã, e um carro ou outro passava raramente. Hoje, as ruas são como rios de asfalto, inundadas por uma correnteza de carros. Tanta pressa, tanto movimento, que já não há espaço para essas brincadeiras simples e saudáveis. A cidade que antes era feita de casas a céu aberto, hoje é uma floresta de prédios. É impressionante como tudo cresceu, para cima e para os lados.

Mas, apesar de tantas mudanças — algumas que me trazem nostalgia, outras que me impressionam —, hoje meu coração está repleto de gratidão. A celebração dos meus 71 anos não seria a mesma sem Krishna, minha amiga fiel, que esteve e está comigo em todos os momentos, na alegria e na tristeza, sempre me apoiando, sempre ao meu lado. Ela é aquela presença que me dá força, aquele porto seguro que só os verdadeiros amigos sabem ser.

E como não falar da minha companheira de quatro patas, a Sunshine? Desde que ela tinha pouco mais de um mês, criamos um vínculo tão especial que, hoje, ela é como um raio de sol em minha vida. Seu nome não poderia ser mais adequado. Todos os dias, ela ilumina minha jornada, afastando qualquer sombra que possa querer pairar sobre mim. Não importa o que aconteça, o olhar dela, cheio de amor, me lembra que há sempre algo pelo que sorrir.  

Mas, além dessas presenças tão próximas, há também os que, mesmo de longe, aquecem meu coração. Meu irmão e suas filhas, com quem compartilhei tantos momentos importantes da minha trajetória, ocupam um lugar especial na minha vida. A distância pode nos separar fisicamente, mas jamais diminuirá o sentimento que construímos ao longo dos anos. Somos parte uns dos outros, e sei que, mesmo nas ausências, eles torcem por mim, assim como eu torço por eles.  

E como esquecer os amigos, aquelas almas que cruzaram meu caminho e deixaram marcas profundas? Alguns estão perto, outros tomaram rumos diferentes, mas cada um deles contribuiu para que minha vida fosse mais rica, mais alegre e mais significativa. Foram risadas compartilhadas, conselhos trocados, ombros oferecidos nos momentos difíceis. São essas amizades que me ensinaram que, na caminhada da vida, nunca estamos sozinhos.

Hoje, ao olhar para tudo isso, só consigo sentir gratidão. Gratidão por cada memória vivida, por cada pessoa que cruzou meu caminho e por cada instante que me trouxe até aqui. Deus me abençoou com essas pessoas maravilhosas, e por isso, não há como não sorrir. Aos 71 anos, celebro não apenas minha vida, mas também as vidas que, de uma forma ou de outra, se entrelaçaram com a minha. E por tudo isso, só posso dizer: obrigado. Que venham mais anos, mais histórias e mais motivos para agradecer!
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

domingo, 21 de setembro de 2025

José Feldman (A visita da felicidade)

Texto construído tendo por base a trova de Lucília A. T. Decarli (Bandeirantes/PR)
A felicidade é rara
e bem poucos a conhecem…
Os que a viram “cara a cara”,
nunca mais dela se esquecem!
A felicidade, dizem, é uma dama rara. Não é dessas que se encontra todos os dias na praça, nem das que se deixam levar por promessas vazias ou abraços apressados. Ela tem seus próprios caprichos e, ao que tudo indica, gosta de aparecer quando menos se espera — mas nunca por acaso.

Certa vez, ouvi dizer que um homem a viu de perto. Era um sujeito simples, desses que a vida insiste em testar. Trabalhava duro, sonhava pouco, mas guardava um sorriso no canto dos lábios, como quem sabe que, mesmo em dias nublados, há um sol por trás das nuvens. Um dia, enquanto varria o quintal ao som do vento, ali, entre as folhas secas e a poeira da estrada, ela apareceu.

A felicidade chegou sem avisar, como uma brisa que refresca sem pedir licença. Não trazia roupas luxuosas, nem se anunciava com fanfarra. Era apenas uma sensação — um calor que lhe subiu pela espinha ao ouvir o riso de seu filho brincando no quintal, ao sentir o cheiro do café fresco vindo da cozinha, ao perceber que, naquele instante, nada lhe faltava. Ele parou. Olhou ao redor e percebeu: ela estava ali.

Mas a felicidade, como sabemos, não é dessas que ficam para sempre. Ela tem o hábito de visitar e partir, deixando atrás de si um rastro de saudade. O homem sabia disso; não tentou prendê-la, não fez perguntas, nem exigiu explicações. Apenas a contemplou, “cara a cara”, como quem sabe que momentos assim nos transformam. Quando ela se foi, deixou consigo algo precioso: a memória do instante.

E é isso que os que a viram carregam consigo. A felicidade, quando surge, não precisa durar uma eternidade para ser inesquecível. Basta um momento, uma fagulha, e ela finca raízes no coração de quem a viveu. Porque, no fundo, não é ela que é rara — rara é a nossa capacidade de reconhecê-la.

Então, se por acaso a felicidade lhe fizer uma visita, não a obrigue a ficar. Apenas a viva. E quando ela for embora, não a lamente. Afinal, os que a viram, mesmo que por um breve instante, nunca mais dela se esquecem.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

Fontes:
José Feldman. Caleidoscópio da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 14 de setembro de 2025

José Feldman (Reescrevendo o Mundo: Vozes Femininas e a Construção de Novas Narrativas) – Introdução


Prefácio
por Cailin Dragomir (Timisoara/Romênia, 1949)

A literatura tem sido, ao longo dos séculos, um espelho da sociedade, refletindo suas nuances, tensões e transformações. No entanto, por muito tempo, as vozes femininas foram silenciadas ou relegadas a papéis secundários. "Reescrevendo o Mundo: Vozes Femininas e a Construção de Novas Narrativas" propõe uma jornada pelas páginas da literatura, explorando como as mulheres têm desafiado e reconfigurado narrativas, trazendo à tona suas experiências, lutas e conquistas.

Desde os primórdios da literatura, figuras como Christine de Pizan, no século XIV, já se destacavam ao questionar o lugar da mulher na sociedade e na escrita. Sua obra "A Cidade das Damas" não apenas defendeu a capacidade intelectual das mulheres, mas também lançou as bases para um movimento que reverberaria por séculos. Avançando no tempo, o século XIX trouxe autoras como Jane Austen e Emily Brontë, que exploraram a condição feminina com uma profundidade que ainda ressoa hoje. Elas desafiaram as normas sociais, utilizando a ficção como uma ferramenta de crítica e empoderamento.

O século XX foi marcado por uma explosão de vozes femininas que, através de suas histórias, começaram a desconstruir o patriarcado e a reivindicar espaço no cânone literário. Autoras como Virginia Woolf e Simone de Beauvoir não apenas escreveram sobre a experiência feminina, mas também questionaram as estruturas que limitavam essa experiência. Woolf, em "Um Teto Todo Seu", argumentou sobre a necessidade de espaço e liberdade para que as mulheres escrevessem, enquanto Beauvoir, em "O Segundo Sexo", desafiou as normas que definem o que significa ser mulher.

Hoje, vivemos um momento em que a escrita feminina se tornou uma força poderosa e transformadora. Autoras contemporâneas como Chimamanda Ngozi Adichie, Elena Ferrante e Margaret Atwood não apenas expandem as narrativas femininas, mas também abordam questões de identidade, raça, classe e sexualidade, revelando a complexidade das experiências femininas. Elas estão reescrevendo o mundo, criando novas narrativas que refletem a diversidade e a riqueza da vida das mulheres.

Este livro é uma celebração dessa evolução. Cada capítulo explorará não apenas a obra de escritoras icônicas, mas também as vozes emergentes que estão redefinindo a literatura. Discutiremos como essas narrativas não apenas empoderam as mulheres, mas também provocam mudanças sociais, oferecendo novas perspectivas sobre o que significa ser mulher em um mundo em constante transformação.

Ao longo das páginas que se seguem, convidamos você a refletir sobre a importância da escrita feminina como um ato de resistência e criação. As histórias contadas por mulheres são essenciais para a construção de uma nova visão de mundo, uma onde suas vozes não apenas são ouvidas, mas celebradas. Juntas, essas narrativas formam um mosaico poderoso que nos permite imaginar e construir um futuro mais inclusivo e igualitário.

Em seu conteúdo, as escritoras não são apenas personagens em suas próprias histórias; elas são arquitetas de novas realidades, reescrevendo o mundo à sua maneira. Que suas palavras inspirem, provoquem e, acima de tudo, empoderem.


1. INTRODUÇÃO

A escrita feminina desempenha um papel crucial na desconstrução social, atuando como uma força transformadora em várias dimensões:

1.1. Visibilidade e Representação
A escrita feminina traz à tona histórias e experiências que, muitas vezes, foram marginalizadas ou ignoradas. Ao dar voz a mulheres de diferentes origens, etnias e classes sociais, a literatura feminina desafia a narrativa hegemônica e busca uma representação mais justa e diversificada da sociedade. Essa visibilidade é fundamental para que as experiências femininas sejam reconhecidas e validadas.

1.2. Desafio às Normas de Gênero
Autoras como Virginia Woolf e Simone de Beauvoir questionaram normas de gênero e papéis tradicionais atribuídos às mulheres. Suas obras não só expuseram a opressão que as mulheres enfrentavam, mas também propuseram novas formas de pensar sobre identidade e feminilidade. Essa desconstrução ajuda a criar um espaço onde as mulheres podem se libertar das expectativas sociais restritivas.

1.3. Crítica Social
A literatura feminina frequentemente serve como uma ferramenta de crítica social. Autoras como Chimamanda Ngozi Adichie e Angela Davis abordam temas como racismo, sexismo e desigualdade econômica, desafiando as estruturas de poder estabelecidas. Ao expor injustiças sociais, a escrita feminina estimula a reflexão e o debate sobre questões fundamentais da sociedade.

1.4. Empoderamento e Autonomia
A escrita é um meio de empoderamento. Ao escrever, as mulheres não apenas reivindicam seu espaço, mas também afirmam sua autonomia. Através da literatura, elas podem explorar suas próprias histórias, desejos e lutas, ajudando a construir uma identidade mais forte e autêntica. Esse empoderamento é vital para a construção de uma sociedade mais igualitária.

1.5. Solidariedade e Comunidade
A escrita feminina também promove a solidariedade entre mulheres. Autoras frequentemente compartilham experiências comuns, criando um senso de comunidade e apoio. Essa conexão ajuda a fortalecer movimentos sociais e a lutar por mudanças coletivas, mostrando que a luta pela igualdade é um esforço compartilhado.

1.6. Reimaginando o Futuro
As narrativas femininas não se limitam a descrever o presente ou o passado; elas também imaginam futuros alternativos. Autoras de ficção especulativa, como Margaret Atwood, exploram cenários que questionam as normas sociais e políticas, oferecendo visões de um mundo mais justo. Essas histórias inspiram a reflexão sobre o que é possível e encorajam a ação em direção a mudanças sociais.

1.7. Educação e Conscientização
A literatura feminina é uma ferramenta poderosa para a educação. Ao abordar questões como violência de gênero, sexualidade e direitos humanos, as obras escritas por mulheres ajudam a conscientizar leitores sobre problemas sociais. Essa conscientização é o primeiro passo para a mudança, pois promove o entendimento e a empatia.


A importância da escrita feminina na desconstrução social reside em sua capacidade de desafiar normas, promover a diversidade e fomentar a transformação. Ao dar voz às experiências das mulheres, a literatura não apenas enriquece o panorama cultural, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais equitativa e inclusiva. Através da escrita, as mulheres continuam a moldar narrativas que ressoam profundamente, provocando reflexão e ação em prol de um futuro melhor.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

Fontes:
José Feldman. Reescrevendo o Mundo: Vozes Femininas e a Construção de Novas Narrativas. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

sábado, 13 de setembro de 2025

O Romance Policial no Brasil

HISTÓRICO

O romance policial no Brasil tem uma trajetória rica e diversificada, refletindo as transformações sociais, culturais e políticas do país. 

Surge no século XIX, fortemente influenciado pela literatura europeia, especialmente os clássicos de Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle. Embora as bases do gênero já estivessem se formando, o primeiro romance policial brasileiro amplamente reconhecido é "O Mistério do Crime de São Paulo" (1887) de Joaquim de Almeida e Silva. No entanto, muitos estudiosos citam o impacto das obras de Machado de Assis, que, embora não sejam romances policiais no sentido estrito, exploram temas de mistério e crime em obras como "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

O gênero começa a ganhar forma e popularidade nas primeiras décadas do século XX. Autores como Mário de Andrade e, posteriormente, Agatha Christie começam a influenciar a escrita de romances policiais. Em 1924, publica-se "O Caso Morel" do escritor argentino Adolfo Bioy Casares, que combina elementos de ficção científica e mistério, mostrando a versatilidade do gênero.

Na década de 1940, vários autores começam a se destacar no Brasil. Um dos pioneiros é Rubem Fonseca, que traz uma abordagem urbana e contemporânea ao gênero, refletindo a violência e a complexidade social do Brasil. Seus contos e romances, como "Feliz Ano Novo", são marcos dessa nova fase do romance policial.

Durante as décadas de 1970 e 1980, o romance policial brasileiro começa a ter uma voz mais forte e crítica. O crime e a corrupção se tornam temas recorrentes, refletindo a realidade política do período da ditadura militar. Autores como João Gilberto Noll e os influenciados pela Escola de Escritores de São Paulo incorporam elementos do gênero noir, apresentando personagens complexos e tramas sombrias. 

Neste período, as publicações começaram a se diversificar, e surgiram editoras dedicadas ao gênero, que possibilitaram a publicação de novas vozes e narrativas.

Nos anos 1990 e 2000, o gênero passa a conquistar um público cada vez maior. Autores como Luiz Ruffato, com "Estação das Chuvas", e os romances de policial de contador de histórias como a série "O Sétimo" de Lúcia Hiratsuka, vão ganhando espaço nas prateleiras.

O best-seller "O Silêncio dos Inocentes", que foi adaptado para o cinema e se tornou fenômeno mundial, também influenciou o mercado brasileiro, fazendo com que mais autores tentassem explorar essa narrativa cheia de suspense e reviravoltas.

Na contemporaneidade, o gênero policial brasileiro é extremamente prolífico e diverso. Autores como Patrícia Melo, com suas tramas policiais que exploram a marginalidade da sociedade, e Raphael Montes, que traz uma abordagem mais psicológica e perturbadora, têm atraído a atenção tanto de críticos quanto de leitores.

Além disso, a literatura policial brasileira começa a se expandir para outras mídias, como séries de televisão e filmes, aumentando sua visibilidade e popularidade.

Em suma, o romance policial no Brasil evoluiu de influências estrangeiras para uma identidade própria, refletindo as complexidades da sociedade brasileira. Através de suas histórias, os autores abordam questões sociais, dilemas morais e as nuances do comportamento humano, consolidando o gênero como uma das expressões literárias mais vibrantes do país.

ELEMENTOS DO ROMANCE POLICIAL

O romance policial é um gênero literário caracterizado por uma série de elementos que, quando combinados, criam tramas intrigantes e envolventes. Abaixo estão os principais elementos que compõem um romance policial:

1. Crime

O crime é o núcleo central da narrativa policial. Geralmente, envolve um ato ilícito, como um assassinato, um roubo ou um sequestro. O crime serve como ponto de partida para a investigação, e o autor deve apresentar os detalhes de como e por que o crime ocorreu.

2. Detetive ou Investigador

O protagonista muitas vezes é um detetive, seja profissional (como um policial, investigador particular) ou amador. Esse personagem é encarregado de resolver o crime e geralmente possui habilidades de percepção e raciocínio lógico aprimoradas. O detetive é fundamental para a condução da história, guiando o leitor através da investigação.

3. Suspeitos

Os romances policiais tipicamente apresentam uma lista de suspeitos - indivíduos que podem ter motivos e oportunidades para cometer o crime. Cada suspeito traz suas próprias características, motivos e segredos, que o detetive (e o leitor) deve desvendar ao longo da narrativa.

4. Pistas e Indícios

As pistas são os elementos que podem levar à solução do crime. Elas podem ser físicas (como objetos deixados na cena do crime), testemunhos ou comportamentos suspeitos. O autor deve distribuir as pistas de maneira estratégica, permitindo que o leitor também tente solucionar o mistério ao lado do detetive.

5. Investigação

A investigação é o processo pelo qual o detetive coleta informações, interroga suspeitos e analisa evidências. Esse elemento é central ao enredo e envolve muitas reviravoltas e revelações. O desenvolvimento da investigação deve ser claro e intrigante, conduzindo o leitor através de uma série de descobertas e deduções.

6. Revelação ou Clímax

Ao longo do romance, as tensões aumentam em direção a um clímax, onde o detetive apresenta suas descobertas. Essa revelação crucial geralmente oferece a solução do crime e pode incluir uma reviravolta surpreendente que desafia as expectativas do leitor.

7. Motivo e Contexto

O motivo é a razão pela qual o crime foi cometido. Pode envolver questões como vingança, ganância ou ciúme. O contexto social, cultural e psicológico também desempenha um papel importante, proporcionando profundidade à história e explicando por que os personagens agem da maneira que fazem.

8. Ambiente

O ambiente onde a história se desenrola pode influenciar a trama e os personagens. Pode ser uma cidade grande, uma área rural, ou um espaço fechado, como uma casa ou barco. O cenário pode ser utilizado para criar uma atmosfera de mistério e suspense.

9. Narrador

O ponto de vista do narrador é crucial na narrativa policial. Pode ser em primeira pessoa, do ponto de vista do detetive ou de um personagem interessado, ou em terceira pessoa, oferecendo uma visão mais ampla sobre a trama. A escolha do narrador pode impactar a carga emocional e as revelações da história.

10. Finalização

O desfecho do romance policial geralmente resolve as questões levantadas ao longo da narrativa. Uma conclusão satisfatória revela a verdade sobre o crime e fornece um encerramento para a história dos personagens, embora algumas obras possam deixar espaço para interpretações ou reflexões mais profundas.

Considerações finais

Esses elementos trabalham em conjunto para criar uma narrativa envolvente, que mantém os leitores intrigados e ansiosos para descobrir a resolução do mistério. O sucesso de um romance policial muitas vezes depende não apenas de um enredo bem construído, mas também da habilidade do autor em manipular os elementos mencionados para surpreender e prender a atenção do leitor.

Bibliografia:
– Abreu, Augusto de. “O Romance Policial Brasileiro: Uma Análise de sua Evolução”. *Revista Brasileira de Literatura Comparada, n° 12, 2010.
– Bakewell, Joan. Edgar Allan Poe: A Biografia. Editora Rocco, 2006 (sobre a influência de Poe no gênero).
– Eagleton, Terry. A História da Literatura. Editora Oxford, 2013. 
– Pereira, Roberta. “Outras Vozes no Crime: A Literatura Policial Contemporânea no Brasil”. Cadernos de Literatura Comparada, v. 4, p. 112-127, 2014.
– Rowland, Barbara. The Detective's Companion: A Guide to the Mystery Genre. Blackstone Publishing, 2003.
– Wagner, Luiz Rufatto. O Libre.to: Ensaios sobre a Literatura Policial. Editora Saã Paulina, 2016.

Fontes:
José Feldman. Literatura tintim por tintim. Floresta/PR. Bibl. Voo da Gralha Azul. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

José Feldman (O Mistério da Floresta Encantada)

Era uma vez, em uma pequena aldeia cercada por uma densa floresta, uma mulher carinhosa chamada Dona Benta, conhecida por suas delícias culinárias e por cuidar de todos na comunidade. Ela também tinha um profundo amor pela natureza. 

Todos os dias, Dona Benta caminhava pela floresta, admirando as árvores majestosas e os pássaros que cantavam alegremente.

Um dia, enquanto colhia ervas para fazer um chá, ela percebeu que algo estava errado. As árvores estavam murmurando, e o vento parecia sussurrar um aviso. Intrigada, ela decidiu investigar. Com seu cesto cheio de ervas, seguiu o som até uma clareira iluminada pelo sol.

Lá, encontrou Saci, o menino travesso de uma perna só, que estava fazendo travessuras com algumas folhas secas. Ele estava tão concentrado em suas brincadeiras que não percebeu a chegada de Dona Benta.

— Saci! — chamou ela. — O que você está fazendo aqui?

— Ah, Dona Benta! — respondeu ele, dando uma pirueta. — Estou tentando fazer uma poção mágica para fazer as folhas dançarem! Mas parece que as árvores estão tristes. Você percebeu?

Dona Benta assentiu, preocupada.

— Sim, Saci. Algo está acontecendo com a floresta. Precisamos descobrir o que é.

Nesse instante, um ruído ecoou entre as árvores, e o Curupira, guardião da floresta, apareceu, seus cabelos flamejantes brilhando sob os raios de sol. Ele tinha uma expressão séria.

— Olá, Dona Benta, Saci. A floresta está em perigo! Os homens estão cortando árvores sem parar, e os animais estão fugindo. Se não fizermos algo, perderemos este lugar encantado.

Dona Benta, com seu coração bondoso, decidiu que não poderia ficar parada. Juntos, eles formaram um plano. Saci usaria suas travessuras para distrair os homens que estavam desmatando, enquanto Dona Benta e Curupira procurariam uma solução mais permanente.

Na manhã seguinte, o Curupira criava ilusões, fazendo com que os madeireiros se perdessem entre as árvores. Quando eles tentavam seguir um caminho, mudava a direção das trilhas, levando-os a lugares inesperados. Ele usava o vento para sussurrar avisos às árvores e aos animais, alertando-os sobre a presença dos madeireiros. Isso ajudava os animais a se afastarem e evitarem perigos.

O Saci era conhecido por sua habilidade de fazer objetos desaparecerem. Ele escondia ferramentas e equipamentos dos madeireiros, fazendo com que eles não conseguissem trabalhar. Emitia risadas altas e sons estranhos que assustavam os trabalhadores, fazendo com que eles se sentissem inseguros.

Enquanto isso, Dona Benta preparou uma deliciosa refeição com ingredientes da floresta. Ela sabia que a comida poderia unir as pessoas.

Convidou os aldeões para um grande banquete em sua casa, onde serviu pratos feitos com os frutos e ervas da floresta. Durante a refeição, começou a falar sobre a importância de preservar a natureza, mostrando como a floresta era essencial para a vida de todos.

— Se continuarmos a desmatar, — disse Dona Benta, — não teremos mais água limpa, ar puro e alimentos frescos. Precisamos cuidar do que temos!

Os aldeões, tocados pela sabedoria de Dona Benta, começaram a entender a gravidade da situação. Eles decidiram se unir e proteger a floresta. 

No dia seguinte, armados com ferramentas e determinação, foram até a clareira onde os homens cortavam as árvores.

Com a ajuda de Saci, que continuava a confundir os madeireiros, e do Curupira, que se manifestava como eco e vento, os aldeões conseguiram impedir o desmatamento. Juntos, formaram um círculo em volta das árvores que ainda estavam de pé, cantando e dançando em celebração à vida.

Os madeireiros, confusos e assustados, foram embora, e a floresta voltou a respirar aliviada. 

Com o tempo, os aldeões aprenderam a viver em harmonia com a natureza. Plantaram novas árvores e criaram um jardim comunitário, onde todos podiam colher as bênçãos da floresta sem destruí-la.

E assim, com a ajuda de Dona Benta, do travesso Saci e do protetor Curupira, a floresta encantada prosperou, e os habitantes da aldeia aprenderam a respeitar e preservar a beleza natural ao seu redor. A amizade entre eles e a natureza se fortaleceu, e a floresta nunca mais esteve em perigo.

E sempre que alguém caminhava pela floresta, o riso de Saci, as chamas do cabelo do Curupira brilhantes, lembrava que a verdadeira magia estava na preservação e no cuidado com o mundo ao nosso redor.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias, trovas, crônicas e contos no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 7 de setembro de 2025

José Feldman (A Porta fujona)

Era uma manhã ensolarada em um bairro tranquilo, onde a rotina dos moradores seguia em um compasso sereno. No entanto, na entrada de uma casa localizada em uma ladeira, um grupo de homens estava prestes a transformar essa tranquilidade em um espetáculo cômico. Eles eram os instaladores da nova porta de correr, e a expectativa era alta — uma porta de correr sempre traz um toque de modernidade!

Com a fita métrica em mãos e a serra elétrica zumbindo, os homens estavam concentrados na tarefa. Entre eles estava o chefe, um tipo bem-humorado chamado João, que sempre fazia piadas para aliviar a tensão. “Se essa porta fosse mais rápida, eu a contrataria para correr na maratona!” disse ele, rindo.

Após algumas tentativas e erros, a porta estava finalmente instalada, mas os homens, em um momento de distração e descoordenação, esqueceram de fixá-la corretamente. E, como se a própria porta tivesse vida, ela decidiu que era hora de uma aventura.

De repente, a porta escapuliu de suas garras e, com um estrondo, começou a deslizar ladeira abaixo. 

“Ei! Volta aqui!” gritou Carlos, o ajudante mais jovem, enquanto seus colegas se entreolhavam em estado de choque. 

A porta, agora em plena fuga, derrubou uma lata de lixo, espalhando garrafas e restos de comida por toda a calçada.

As pessoas que passavam, inicialmente perplexas, começaram a reagir. Uns corriam para se afastar da porta descontrolada, enquanto outros paravam para rir da cena inusitada. Uma senhora, com um gato no colo, soltou uma gargalhada tão alta que fez o animal pular e sair correndo.

Carlos e seus colegas, em uma corrida frenética, tentavam alcançar a porta. 

“Parece que a porta tem mais energia que a gente!” gritou Pedro, um dos instaladores que já estava sem fôlego. 

A porta continuava sua corrida, desgovernada, e a cada metro que descia, deixava um rastro de destruição. Bicicletas foram derrubadas, e um ciclista que vinha descendo a ladeira teve que se desviar, quase caindo ao chão.

“Isso é um verdadeiro filme de ação!” exclamou um morador que assistia a tudo de sua varanda, enquanto outros começavam a filmar a cena com seus celulares.

Em meio à confusão, um dos homens, o robusto Roberto, decidiu que seria o herói do dia. Ele viu a porta se aproximando e, em um impulso, lançou-se na direção dela como um jogador de futebol, tentando agarrá-la. Mas a porta, indiferente aos seus esforços heroicos, continuou deslizando. Roberto ficou agarrado na borda, sendo arrastado ladeira abaixo como um brinquedo de criança.

“Me solta! Me solta!” ele gritava, enquanto a porta ignorava seu apelo, correndo mais rápido do que ele. O grupo de instaladores, agora em uma verdadeira missão de resgate, corria atrás deles, com gritos de desespero.

Finalmente, após o que pareceu uma eternidade, a porta encontrou um obstáculo: uma árvore robusta. Com um baque surdo, ela colidiu contra o tronco e parou abruptamente. Roberto, aliviado, se desvencilhou da porta, caindo no chão com um suspiro de alívio e uma expressão que misturava cansaço e incredulidade.

Os homens se reuniram ao redor da porta, agora paralisada, e começaram a rir descontroladamente. 

“Acho que ela estava apenas procurando uma nova casa!” comentou Carlos, enquanto todos riam para aliviar a tensão.

Aquela manhã, que havia começado como um simples dia de trabalho, se transformou em uma memória inesquecível para todos os presentes. E, claro, a ladeira nunca mais seria vista da mesma forma. Para os moradores, a porta de correr que havia fugido se tornaria uma lenda local — a história da porta que decidiu dar uma volta.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing