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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Do Arco-da-Velha”

Atualmente essa expressão serve para qualificar uma narrativa ou alguma coisa que é extemporânea, absurda, improvável, extraordinária e que não parece verdadeira. Quem não conhece as histórias do “arco-da-velha” ou as coisas do “arco-da-velha", para indicar algo remoto, muito antigo, do tempo do ronca. Mas como surgiu essa expressão tão corriqueira? 

Ainda do século XIX, “arco-da-velha” era empregado para descrever o arco-íris. E a própria Bíblia narra como surgiu o primeiro arco-íris. Em Gênesis 9:16, Deus afirma que o arco-íris “serve como lembrança de uma aliança feita por Deus com o homem, aliança que indicava que Ele não voltaria a enviar um dilúvio para destruir a vida na Terra”. 

E “velha”, qual seria o motivo? O que uma senhora em idade provecta tem a ver com esse fenômeno meteorológico? Ainda é a Bíblia que subentende que o termo “velha” representa a velha e indissolúvel aliança que Deus firmou com o homem, razão pela qual o arco-íris também é conhecido como arco-da-aliança. 

Em suas origens portanto, “arco-da-velha” não queria dizer que algo ou um episódio é muito antigo, mas que é incrível, fantástico, surreal, pois abstraindo sua explicação bíblica, o arco-íris, com sua incrível e multifária (multiforme) beleza, sempre se cercou de fabulações delirantes, como a do pote de ouro, ou que ele está bebendo água - quando seus extremos tocam a superfície do mar, de um rio ou de um lago - ou até a suposta e fantasiosa mudança instantânea de sexo de quem o vê bem de perto, resultando dessa última assertiva, sua utilização como símbolo mundialmente aceito das opções sexuais do ser humano.

Há quem especule no sentido de que o correto seria “arca-da-velha” porque “arca” e “baú” possuem o mesmo significado, bastando lembrar que nossas avós e bisavós guardavam seus pertences, suas relíquias e os seus tesouros pessoais ou familiares em suas arcas de madeira, “fechadas a sete chaves”. 

Uma história do arco-da-velha seria, portanto, uma narrativa tirada “do baú de uma anciã”. O conhecido “conto da carochinha” era usado com essa mesma intenção, neste caso, derivado de “carocha”, expressão do regionalismo português que significa feiticeira, uma mulher velha e assustadoramente feia. Daí o sentido de muito antigo, com que se invoca “Arco-da-Velha”, que oscila entre a Bíblia e o paganismo, sem que se possa atribuir a sua origem a um, com exclusão completa do outro. Mas é induvidoso que ambas as fontes contribuíram no decorrer do tempo, para o absoluto sucesso dessa expressão.

Existe uma copiosa produção literária, principalmente de livros infantis, contando as histórias do “arco-da-velha”, sendo uma das mais antigas o livro editado em 1913 pela Quaresma e Cia. Livreiros Editores, do escritor Viriato Padilha, assim como denominações em músicas, livrarias, brechós, antiquários, cafés e demais estabelecimentos comerciais onde se vendem antiguidades, encontrados em qualquer cidade brasileira.

Arco da Velha dá nome a uma das melhores bandas de fado portuguesas e isso demonstra a popularidade da expressão, aqui e na terra de Camões. Mas o que melhor se extrai da expressão são mesmo as muitas histórias “do arco-da-velha” que contam por aí, algumas com pouca ou nenhuma verossimilhança com a realidade. 

Quem já foi a Caxias do Sul teve a possibilidade de visitar a excelente Livraria e Café “Do Arco da Velha” um local muito bonito, famoso pelo atendimento impecável e pela infinita variedade de livros, temas e gêneros, tudo isso com a possibilidade de saborear um excelente café, desses ambientes acolhedores e convidativos, onde o cliente é capaz de passar o dia todo.

Na música, o Grupo Arco da Velha é um sucesso com seu repertório de consagrados cantores da MPB com o CD do mesmo nome e a playlist da Kboing com famosos interpretes internacionais. É algo que vale a pena ouvir. Finalmente, o livro infantil da escritora Elida Ferreira denominado “Histórias do arco-da-velha” (Bagaço, 3.ª edição, ano 2019), ricamente ilustrado, dá conta que dona Iaiá, que transformava tudo que chegava às suas mãos em brinquedo, encantava a todos contando lindas e antigas histórias. Quem de nós não ouviu tantas delas, na nossa saudosa infância? 
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras (Floresta/PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Dicas de escrita para escritores, pelos famosos (Luís Fernando Veríssimo)


Luís Fernando Veríssimo, renomado escritor, cronista e humorista brasileiro, é conhecido por sua escrita leve, criativa e cheia de humor. Embora não tenha um manual formal para novos escritores, suas entrevistas, textos e obras oferecem lições valiosas para quem está começando na escrita. Aqui estão algumas dicas extraídas do estilo e das ideias de Veríssimo, com base em sua abordagem literária:

1. Leia muito e de tudo

Veríssimo frequentemente destaca a importância da leitura como base para a escrita. Ele é um leitor ávido e diversificado, o que enriquece sua obra.

Leia autores diferentes, de gêneros variados, para expandir seu vocabulário, seu estilo e sua visão criativa.

“A leitura é essencial. Não há escritor que não seja antes de tudo um leitor.” (LFV)

2. Escreva sobre o que você conhece

Ele acreditava que escrever sobre o que você conhece (seja experiências, comportamentos ou situações) torna o texto mais autêntico e envolvente. Ele usava muito do cotidiano em suas crônicas.

Observe pessoas, situações e diálogos reais ao seu redor. Transforme o comum em algo interessante.

“O humor está no cotidiano, no que vivemos todos os dias. Basta saber olhar.” (LFV)

3. Use o humor como ferramenta

O humor é a marca registrada dele. Ele usava o humor para criticar, questionar e até emocionar. O humor não precisa ser escancarado; pode ser sutil ou irônico.

Experimente inserir humor em situações inesperadas, como em uma conversa banal ou em um momento de tensão.

“O humor é uma forma de olhar o mundo. Às vezes, ele é o único jeito de suportá-lo.” (LFV)

4. Seja simples e direto

Veríssimo evitava floreios desnecessários. Sua escrita é clara, acessível e fluida, o que o torna compreensível para leitores de todas as idades.

Evite palavras complicadas ou frases muito longas. Priorize a clareza e a naturalidade.

“O mais difícil é escrever simples.” (LFV)

5. Observe e capture o comportamento humano

Muitas das histórias e crônicas de Veríssimo são baseadas no comportamento humano, com descrições precisas e engraçadas de situações do dia a dia.

Preste atenção em como as pessoas falam, se movem e reagem. Isso pode inspirar personagens e diálogos autênticos.

“O ser humano é fascinante, porque ele é previsível e imprevisível ao mesmo tempo.” (LFV)

6. Experimente diferentes gêneros e formatos

Sua escrita transita entre crônicas, contos, romances, quadrinhos e roteiros. Essa versatilidade o ajudou a alcançar públicos diferentes.

Se você escreve contos, experimente crônicas. Se escreve prosa, tente poesia. Expandir suas habilidades pode surpreender você.

“Eu gosto de experimentar. Às vezes funciona, às vezes não. Mas o importante é tentar.” (LFV)

7. Não se leve tão a sério

Veríssimo acreditava na leveza e no prazer de escrever. Ele não tentava ser pretensioso ou “literário” demais.

Escreva com naturalidade, sem se preocupar excessivamente com perfeição. Divirta-se no processo.

“Escrever é como contar uma boa piada: tem que fluir, senão perde a graça.” (LFV)

8. Cultive a curiosidade

Ele era curioso por natureza e usava isso para criar histórias e personagens. Ele observava o mundo com olhar atento e questionador.

Pergunte-se “e se?” com frequência. Por exemplo: “E se esse vizinho estranho fosse um espião?” ou “E se o mundo acabasse amanhã?”

“A curiosidade é o que move o escritor.” (LFV)

9. Não tenha medo de reescrever

Ele mencionava que reescrever faz parte do processo de escrita. Nem sempre o primeiro rascunho será perfeito.

Depois de escrever, deixe o texto descansar. Volte a ele com um olhar crítico e faça ajustes.

“Escrever é reescrever.” (LFV)

10. Seja um observador do tempo em que vive

Veríssimo usava suas crônicas para refletir sobre questões sociais, políticas e culturais. Ele transformava o contexto em ficção ou humor.

Olhe ao redor e escreva sobre o que está acontecendo no mundo – com crítica, ironia ou emoção.

“A crônica é um reflexo do tempo em que vivemos.” (LFV)

11. Não tenha pressa para encontrar sua voz

Segundo Veríssimo, o estilo de um escritor surge com o tempo e a prática. Não se preocupe em ser original no início; a autenticidade virá.

Escreva todos os dias, mesmo que seja apenas um parágrafo. Aos poucos, você encontrará seu próprio jeito de contar histórias.

“O estilo é uma consequência, não um objetivo.” (LFV)

12. Divirta-se escrevendo

Acima de tudo, ele acreditava que a escrita deve ser prazerosa, tanto para o autor quanto para o leitor.

Escreva sobre temas que você gosta ou que o divertem. Isso transparecerá no texto e cativará o leitor.

“Se você não se diverte escrevendo, o leitor não vai se divertir lendo.” (LFV)

Resumo das dicas de Luís Fernando Veríssimo

- Leia muito e observe o mundo ao seu redor.

- Escreva com simplicidade, autenticidade e leveza.

- Inclua humor e ironia sempre que possível.

- Reescreva e experimente novos formatos.

- Não tenha pressa: a prática e a consistência são essenciais.

Essas lições mostram que a escrita é tanto uma arte quanto um ofício – e, como Veríssimo demonstrava em sua obra, ela pode ser ao mesmo tempo inteligente e divertida.

Luís Fernando Veríssimo é mestre em usar o humor em suas crônicas para criticar, refletir ou simplesmente entreter. Seu estilo é marcado por uma combinação de ironia, observações do cotidiano, diálogos engraçados e situações aparentemente banais que ele transforma em algo hilário. Aqui estão alguns exemplos de como ele usa o humor em suas crônicas, com explicações sobre as técnicas empregadas:

1. Observação do Cotidiano

Veríssimo transforma situações comuns em algo cômico ao destacar o absurdo ou a ironia escondida no dia a dia.

Exemplo: “A Dieta”
Nesta crônica, Veríssimo brinca com a obsessão por dietas e o comportamento contraditório das pessoas que tentam emagrecer. Ele narra a história de alguém que segue uma dieta rigorosa durante o dia, mas à noite devora um bolo inteiro escondido na cozinha.

Humor: A graça está no exagero e na identificação do leitor com o comportamento descrito. Quem nunca tentou enganar a própria dieta?

Trecho:
“A dieta é questão de honra. Você toma só suco no café da manhã, come só salada no almoço, recusa a sobremesa, mas, à noite, o bolo de chocolate começa a cochichar seu nome na cozinha.”

2. Humor Autodepreciativo

Ele usa a si mesmo ou narradores fictícios como alvos da piada, criando empatia com o leitor.

Exemplo: “Academia”
O narrador conta sua experiência desastrosa ao entrar em uma academia de ginástica, fazendo piada sobre a falta de preparo físico e o desconforto em meio a pessoas saradas.

Humor: A graça está no contraste entre o narrador comum (fora de forma) e os frequentadores da academia, além da ironia com a própria situação.

Trecho:
“Eu sabia que estava fora de forma, mas não sabia que a forma era tão fora de mim. No primeiro exercício, quase desmaiei. No segundo, desmaiei mesmo.”

3. Diálogos Bem-Humorados

Cria diálogos rápidos e engraçados, muitas vezes absurdos ou carregados de ironia.

Exemplo: “O Analista de Bagé”
O Analista de Bagé, um dos personagens mais famosos de Veríssimo, é um psicanalista gaúcho que mistura o rigor da análise freudiana com a rusticidade e a franqueza típicas do interior do Rio Grande do Sul.

Humor: O contraste entre o cenário sofisticado da psicanálise e a simplicidade gaudéria cria situações hilárias.

Trecho:
Paciente: “Doutor, eu tenho um problema com a minha mãe...”
Analista: “Problema com a mãe? Pois te atira de joelhos no chão e pede perdão pra velha, tchê!”
Paciente: “Mas ela está morta!”
Analista: “Então pede perdão mais alto, que ela há de ouvir, vivente!”

4. Ironia e Crítica Social

Usa o humor para criticar comportamentos, preconceitos ou aspectos da sociedade, mas de forma leve e acessível.

Exemplo: “A Mulher Ideal”
Ele descreve o que seria a mulher ideal de acordo com os padrões absurdos da sociedade, brincando com os estereótipos de beleza e comportamento.

Humor: A ironia está em exagerar os padrões irreais, tornando-os absurdos e, portanto, engraçados.

Trecho:
“A mulher ideal é aquela que acorda maquiada, tem o corpo de atleta olímpica, nunca reclama e ainda acha graça das piadas do marido. Em resumo, não existe.”

5. Exagero e Situações Surreais

Veríssimo leva situações cotidianas ao extremo para torná-las cômicas.

Exemplo: “A Guerra do Lanche”
A crônica narra uma discussão entre amigos sobre quem vai pagar a conta de um lanche, que acaba escalando para uma guerra literal, com batalhas e exércitos.

Humor: O exagero transforma algo trivial (dividir a conta) em uma situação épica e absurda.

Trecho:
“No início, era só um argumento: ‘Eu pago.’
Depois, começaram os insultos: ‘Você pagou da última vez, então deixa que eu pago agora!’
Em minutos, estávamos armados com os canudos e os guardanapos como bandeiras.”

6. Troca de Expectativas

Surpreende o leitor ao subverter o desfecho esperado de uma situação.

Exemplo: “Amor”
Um homem vê uma mulher maravilhosa no trânsito e sente que é amor à primeira vista. Ele fantasia sobre como seria a vida ao lado dela, mas, quando finalmente decide segui-la, descobre que ela está dando carona para o marido.

Humor: O final inesperado quebra o clima romântico e traz o leitor de volta à realidade.

Trecho:
“Ela era perfeita, e eu já imaginava nossos filhos, nossa casa e nosso cachorro. Mas então ele apareceu, e eu me perguntei: ‘Será que o marido dela também é perfeito?’”

7. Paródias e Referências Culturais

Usa paródias para brincar com obras literárias, filmes ou eventos históricos.

Exemplo: “Romeu e Julieta às Avessas”
Ele reconta a história de Romeu e Julieta, mas com um final cômico e invertido: os dois sobrevivem e, anos depois, estão entediados no casamento.

Humor: A graça está na desconstrução de uma história clássica e no contraste entre o romance idealizado e a realidade.

Trecho:
“Romeu e Julieta sobreviveram e se casaram. Dez anos depois, Julieta gritava: ‘Deixa de ser dramático, Romeu, e vai lavar a louça!’”

8. Personagens Cômicos

Cria personagens marcantes e engraçados, como o Analista de Bagé, a Velhinha de Taubaté (que acreditava cegamente no governo) ou Ed Mort (um detetive atrapalhado).

Exemplo: “Ed Mort”
Ed Mort é um detetive particular que sempre se mete em confusões absurdas. Seu humor vem da mistura de autoconfiança e incompetência.

Humor: A graça está nas situações ridículas que Ed Mort enfrenta e na forma como ele tenta resolvê-las.

Trecho:
“Ela entrou no meu escritório com um vestido vermelho e um problema. Eu estava com fome e sem dinheiro. Era o início de um caso perfeito!”

Luís Fernando Veríssimo usava o humor de maneira inteligente e versátil, explorando ironias, exageros, diálogos bem-humorados, críticas sociais e situações do cotidiano. O segredo do seu sucesso está na leveza com que ele aborda temas sérios e banais, sempre criando identificação e risadas no leitor. Seu humor é uma aula de como usar a simplicidade para criar textos memoráveis!

Fontes:
José Feldman (org.) Como escrever? Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Meta do Whatsapp

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Duas caras”


O notável escritor, filósofo, professor, romancista, artista plástico, ensaísta, poeta, político, advogado e imortal da ABL Ariano Suassuna, um dos maiores nomes da literatura brasileira, em uma de suas apresentações, narrou que certa vez uma senhora indiscreta, ao saber que ele era do signo de Gêmeos, teria afirmado que todo “geminiano” possui “DUAS CARAS”. 

Apanhado de surpresa viu-se Suassuna confrontado com a crença que associa as pessoas de Gêmeos com o estereótipo de "duas caras", sinônimo de falsidade. de quem age sem firmeza de propósitos, sempre “acendendo uma vela a Deus e outra ao diabo”. De pronto, respondeu Ariano em tom jocoso:

- E você acha que se eu tivesse duas caras, eu usaria esta?...

A invertida demonstra a agilidade mental, a sagacidade e o bom humor do festejado dramaturgo paraibano, que de forma leve e inteligente, usou a vil acusação para engordar seu vasto repertório de situações cômicas.

Embora “DUAS CARAS” seja geralmente utilizada em sentido pejorativo, não se pode circunscrevê-la aos nascidos sob Gêmeos, signo que felizmente não tem o monopólio de albergar em seus limites cronológicos o tanto de gente falsa que existe em nossa volta, pois eles frequentam com desenvoltura e posando de sinceros, todas as demais faixas imaginárias do Zodíaco.

Atualmente não mais se discute a origem da expressão "DUAS CARAS". Remonta ela à dualidade inerente à natureza humana e ao vezo da manipulação, alcançando quem age com hipocrisia, falsidade e dissimulação, dependendo da situação. A expressão não tem uma origem única e pontual. Sofreu desenvolvimento gradual, encontrando paralelos em metáforas muito antigas, que evidenciam e desnudam a dualidade das pessoas. 

Exemplo mais remoto de “dupla face” foi o de Judas, ao entregar Jesus aos sacerdotes, não em troca de sinecuras, porém movido pela cupidez argentária de receber trinta moedas de prata. Ele era o tesoureiro do grupo e como tal, o responsável por administrar o dinheiro da comunidade de apóstolos, vendo na ignóbil oferta oportunidade imperdível de acumular riqueza pessoal, da qual, por sinal, sequer pode desfrutar, pois esmagado pelo peso do arrependimento resultante de sua vil traição, enforcou-se. 

Séculos depois, Joaquim Silvério dos Reis repetiu nas Alterosas o gesto infame de Iscariotes, ao trair os inconfidentes em troca do perdão de suas elevadas dívidas com a Coroa portuguesa, aliado ao medo de perder sua patente militar de coronel e seu prestigiado status social. Como o apóstolo maldito, agiu por ganância, oportunismo e interesses pessoais, não propriamente por lealdade à Coroa Portuguesa ou convicção política. Estudiosos da ciência jurídica e da História admitem que a atitude do coronel Silvério dos Reis pode ser considerada a primeira "delação premiada" do Brasil, instituto jurídico através do qual o delator é recompensado por revelar o envolvimento de seus pares. 

A colaboração ou delação premiada, pelo qual o investigado em um processo penal recebe benefícios em troca da deduragem. está prevista em diversas leis brasileiras e em qualquer delas, as informações do “colaborador” causam superlativo estrago, tanto que a protagonizada por Silvério dos Reis fulminou a Inconfidência Mineira e motivou o martírio de Tiradentes.

Há hipóteses, entretanto, que dão ensejo a acusações infundadas sobre alguém ter agido com “duas caras”. Como exemplo, vale lembrar o caso do ex-jogador da Ponte Preta de Campinas (SP). Na partida final do Campeonato Paulista do de 1977 disputada com o Corinthians, uma das mais memoráveis da história pois o Coringão buscava encerrar um longo jejum de títulos do campeonato paulista, no terceiro e decisivo jogo, ele foi expulso no início da partida após uma discussão com o árbitro. 

E sem o seu principal artilheiro, a Ponte Preta foi derrotada por 1-0 e o Corinthians finalmente sagrou-se campeão. Por coincidência, no ano seguinte, o jogador foi contratado justamente pelo Corinthians, o que aumentou a desconfiança de que ele teria facilitado a vitória do seu novo clube, o que nunca foi provado, pois o jogador com veemência sempre negou esse fato, no que foi corroborado pelos demais jogadores da Ponte, assim finalmente se livrando de ser rotulado de “duas caras”. 

É inevitável que essa repudiada expressão surja da observação do comportamento de indivíduos insinceros, que agem ao sabor da conveniência ou da situação que lhes parece mais favorável, fazendo jus ao rótulo de "falso" ou "hipócrita". A propósito, o vilão Duas-Caras do Batman, é um indicativo clássico dessa dualidade, com um lado bom e outro mau. Virou ele um dos mais famosos "Duas Caras" da nossa cultura, ajudando a popularizar o termo e consolidar a assertiva de que ter “duas caras" é próprio de alguém desonesto, sem decência e sem integridade moral.

O típico “duas caras”, exibe facetas contraditórias, marcadas pela hipocrisia (ostenta uma imagem, diversa do que é na verdade é), pela duplicidade (tem atitudes diferentes em contextos distintos), são vistos como os “morde-e-assopra” pelo povo, pois dizem uma coisa e fazerem outra, que estão “deste lado” mas também “do outro”, que são moralistas inflexíveis mas topam transigir, tudo, claro, em troca de vantagens, ainda que insignificantes.  

O tema é tão palpitante, que assegurou o êxito da novela “Duas Caras”, da rede Globo, exibida entre 2007 e 2008. Aguinaldo Silva caprichou na trama e alcançou grande invulgar sucesso de audiência abordando a história de um homem que, após roubar a fortuna da esposa, assume nova identidade. O enredo pode ser interpretado de várias maneiras, mas torna-se impossível não associá-lo à falsidade, mudança de comportamento, da ocultação de intenções, para concluir sobre existência de diferentes facetas da personalidade de cada um, dependendo da situação que enfrenta ou pretende enfrentar.

Para a Psicologia, a dupla personalidade pode ser resultado de experiências traumáticas ou mecanismos de defesa. Acredita-se que a pressão social pode levar pessoas a mostrar diferentes "caras", para de algum modo tirar proveito. A Filosofia exorta que a falta de autenticidade pode ser justificada pela dualidade do espírito humano. Entretanto, dúvida não resta que o selo de “duas caras” encerra impressão muito negativa sobre terceiro, associado que está à hipocrisia, à falsidade, à enganação, à dissimulação, ao disfarce e à capacidade de alguém se fazer passar por quem não é. 

Na música, tal a expressão descreve um tipo de personalidade falsa, que assim age para enganar os outros, especialmente em contextos amorosos. Tais composições (existem várias na MPB) são frequentemente cantadas para expor a decepção em um relacionamento, quando uma pessoa descobre, sob o peso da decepção, que a outra não é quem parecia ser, sentindo-se traída em sua confiança. A música "DUAS CARAS" de Paula Mattos, usa essa metáfora para expressar a dor de descobrir a infidelidade do parceiro.

“A minha raiva é não ter
aquela raiva de você
deve ser porque não deu, pra te esquecer.
Sofro sabendo que era só um truque
quando beijava tirando o look.
Dói saber que existem duas de você
uma é o meu amor a outra é meu desprazer.
Quem é você?
Quem tá aqui na minha frente
a verdadeira ou a que mente?
Quem é você?
Que dá o céu e tira o chão
a verdadeira ou a que mente
a top 1 na ilusão
e o pior de tudo ainda amo essa decepção
você é duas caras zero coração”

A paulistana Edna Frigato, famosa por seus poemas que exploram a profundidade das emoções humanas e a importância da autenticidade, sintetizou de forma magistral o que se deve pensar sobre esse tipo de gente: “O problema de conviver com pessoas de duas caras é que a gente nunca sabe a qual delas nos dirigir, já que as duas são falsas”. 

Excelente reflexão, diga-se de passagem, para encerrar esta crônica, pois dificilmente poderíamos conceituar de modo mais exato esse abominável desvio de personalidade, como fez numa única e antológica frase, essa carismática pensadora e poetisa brasileira.
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Dicas de Escrita (Como Escrever o Resumo de um Livro)

coescrito por Annaliese Dunne* no Wikihow


Escrever o resumo de um livro ajuda qualquer um a absorver o que está lendo, bem como facilita a consulta a referências — para o caso de você precisar se lembrar dos pontos principais da obra, por exemplo. Para isso, leia o livro com atenção e faça anotações sobre ideias, trechos e personagens importantes. Depois, use-as para redigir e revisar o trabalho final!

Método 1: Fazendo anotações

1 Faça anotações enquanto lê. 

Use um caderno quando for avançar na leitura para escrever seus pensamentos. Assim, você vai conseguir registrar tudo de forma correta, facilitando o trabalho nos passos seguintes.

Se possível, anote as informações em vários pedaços de papel. Você pode usar um para as impressões gerais e suas ideias básicas, outro para listar os personagens e eventos, outro para falar dos temas principais da obra etc.

Você também pode listar as palavras que não conhece para pesquisar. Encontre seus significados em um dicionário e, em seguida, anote suas definições.

Não sublinhe nem marque o livro: além de permanentes, essas marcas não vão servir muito para a sua memorização.

2 Monte uma lista dos personagens principais.

Escreva o nome e uma breve descrição das personalidades ou características principais dessas pessoas. 

Inclua uma ou duas linhas para falar dos desejos e objetivos de cada uma. Depois, use as anotações para pensar em como os personagens ilustram os temas centrais do livro.

Você também pode criar uma linha do tempo dos principais eventos do livro, ainda mais se a cronologia for complicada ou confusa. Faça várias delas se a história der saltos entre o passado e o presente.

3 Divida o livro em seções.

Pense, por exemplo, em três partes — começo, meio e fim — para não ficar sobrecarregado. Depois, organize suas anotações de acordo com elas.

No começo, apresente os personagens principais e o cerne da história.

No meio, explore o principal "problema" do livro, seja a batalha entre o bem e o mal ou até um assassinato misterioso.

No fim, resolva o problema principal do livro.

4 Identifique o ponto principal de cada seção.

Pense no que o autor explora em cada parte, bem como na relação que elas têm entre si.

5 Determine a ideia principal do livro.

Conforme avança na leitura, pense em que lição a obra quer ensinar e nos temas que são recorrentes: algo de que os personagens falem, um defeito das pessoas que cause problema atrás de problema etc.

Por exemplo: talvez o autor queira mostrar aos leitores que o orgulho faz as pessoas tomarem decisões ruins. Para demonstrar isso, os personagens principais vivem se metendo em situações inusitadas porque são orgulhosos e arrogantes.

Se estiver lendo uma obra de não ficção, a ideia principal pode ter algo a ver com a história ou a sociedade. Talvez o autor queira mostrar aos leitores que comer fast food é nocivo — e, para isso, traga vários exemplos que comprovem suas afirmações.

Método 2: Montando e editando o resumo

1 Descubra se há alguma orientação quanto ao tamanho do resumo.

Se o texto for parte de um trabalho de escola ou faculdade, você provavelmente vai ter que respeitar algum limite de palavras ou linhas. Aproxime-se ao máximo desse número: se for curto demais, vai parecer que não leu o livro; se for muito longo, vai ser muito prolixo.

Por exemplo: se o limite for de 200 palavras, escreva entre 190 e 200.

Mesmo que esteja escrevendo o resumo por conta própria, tente deixá-lo curto, com cerca de 500 palavras, para que ele seja uma ferramenta de consulta acessível.

2 Descreva os pontos centrais e os personagens principais da história.

Comece apresentando o título e o autor do livro e, depois, dizendo o que acontece na obra — tudo em poucas frases, como uma introdução breve.

Por exemplo: "A obra Harry Potter e a Pedra Filosofal, de J.K. Rowling, conta a história de um menino órfão que descobre que é um bruxo. Ele descobre também que existe um mundo fantástico, repleto de bruxos e bruxas do bem e do mal, durante seu primeiro ano na escola de magia de Hogwarts".

3 Explique os pontos principais das seções do livro.

Use suas anotações para resumir o desenrolar da história. Dedique algumas frases a explicar o que acontece em cada seção, como os eventos se sucedem, e por que esse trecho é importante no enredo como um todo.

Essa parte do resumo pode ficar assim: "A primeira parte do livro apresenta o mundo dos bruxos. O leitor vivencia essa experiência com o próprio Harry, que também é lançado naquele mundo novo. Conforme a história progride, fica claro que há algo de ruim acontecendo em Hogwarts — e Harry e seus amigos, Rony e Hermione, decidem descobrir o que é. O fim da obra traz uma série de testes e provações que o menino precisa superar com a ajuda dos amigos e o amor de sua mãe".

4 Conclua com a ideia central do livro.

Termine o resumo dizendo qual a lição que a obra passa. Consulte suas anotações e lembre-se do que havia pensado antes. Escreva uma última frase bem impactante.

Por exemplo: "J.K. Rowling usou a história para mostrar que até pessoas talentosas precisam de amizade e amor para superar o mal".

5 Não dê sua opinião no resumo.

Ele deve conter uma descrição neutra do livro, focada em fatos. Não escreva sobre o que sente quando lê a obra ou dos pontos em que concorda e discorda do autor.

6 Faça uma revisão gramatical do resumo.

Veja se há erros de ortografia ou gramática. Leia o texto em voz alta para encontrar vírgulas fora de lugar e afins e reconte o número de palavras.

Mesmo que esteja escrevendo o resumo para uso pessoal ou para um clube de leitura, ainda é essencial fazer uma revisão — pois o texto tem que fazer sentido. Leia-o com cuidado para saber se há algo a ser mudado.

7 Mostre o resumo a um colega, ainda mais se tiver que entregá-lo na escola ou faculdade.

Essa é uma ótima ideia, já que a pessoa vai detectar erros que você não veria. Se pedir a um colega de sala, ele também pode lhe entregar o texto que escreveu para que ambos se ajudem!

Método 3: Lendo com atenção e cuidado

1 Vá para um lugar quieto, onde possa ler sem distrações.

Fique longe da TV; ponha o celular no modo silencioso e deixe-o guardado; concentre-se somente no livro e no tempo que vai dedicar à leitura.

Leia perto de uma lâmpada ou janela para não forçar os olhos.

2 Divida a leitura em etapas curtas.

Leia em sessões de 20 minutos para não se cansar. 

Se gosta mesmo do livro, leia por uma ou duas horas de cada vez. Dessa forma, vai processar o enredo com mais calma.

3 Se tiver um prazo, dedique tempo suficiente para a leitura.

Ninguém gosta de ficar a noite toda acordado para ler o livro e escrever o resumo de uma vez. Separe pelo menos duas semanas para obras menores e um mês para as maiores. Leia um pouco todos os dias.

Se tiver que fazer o resumo para um trabalho de escola ou faculdade ou um clube de leitura, comece a ler assim que possível. O professor ou orientador do grupo provavelmente calculou quantas semanas são necessárias para que cada pessoa leia a obra e faça o resumo sem pressa.

4 Releia trechos importantes.

É fácil detectá-los: eles acontecem, por exemplo, quando um personagem principal descobre algo significativo ou quando há uma reviravolta surpreendente.

Esses trechos não costumam focar em descrições, e sim em mudanças significativas do enredo: um evento trágico, a resolução de um conflito etc.

5 Preste muita atenção nos personagens principais.

Preste muita atenção nos personagens principais. Os protagonistas são aqueles cujos erros, ações e sentimentos têm a ver com os pontos centrais do livro. Leia com muito cuidado quando eles aparecerem.

6 Não se distraia com os detalhes menores.

Quando estiver escrevendo o resumo, não precisa incluir informações muito específicas sobre personagens, descrições ou partes do enredo que são secundários. Mesmo que ainda tenha que ler esses trechos, não se sinta preso a eles.
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* Annaliese Dunne é Professora de Inglês de Ensino Médio. Com mais de 10 anos de experiência no ramo, é experiente no ensino de gramática e de escrita, assim como no de interpretação. É formada em Inglês.

Fontes:
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sábado, 6 de setembro de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Meia tigela”

O premiado romancista e acadêmico Ademar Amaral, comentando em rede social mais uma sandice do títere venezuelano em fim de carreira, que da toca onde está homiziado propôs ao Brasil o envio de uma brigada de mil homens e mulheres do meio rural, sabidamente carentes de qualquer treinamento militar, visando com esse imaginário reforço de infantaria mambembe se defender de eventual confronto com as forças navais americanas, foi cáustico e direto: 
- “Pobre de nós se entrarmos na lorota desse ditador de meia tigela”. 

Ao assim se manifestar, esse grande escritor paraense colocou na expressão “MEIA TIGELA”, toda a repulsa que a bravata lhe causou, enfatizando ainda mais o sentido degradante que ela tem, geralmente dirigida a alguém despido de competência, lucidez, conhecimento ou habilidade naquilo que faz. Muito usada nos dias de hoje, essa designação aviltante surgiu em Portugal na Idade Média. E durante todo o período feudal ganhou força de gíria, de lá chegando ao Brasil com a mesma conotação depreciativa com que foi concebida.

No feudalismo, o bem mais precioso dos suseranos era a terra, que lhes assegurava produção farta e prosperidade, passaporte para o enriquecimento gerado pelo controle do comércio, donde vinha a influência, o mando político, os privilégios e o poder sem contestações em determinada região. Para impulsionar a produção em seus domínios territoriais, possuía a nobreza uma legião de servos incumbidos da atividade agrícola, exaustivo trabalho pago com alimentos, sempre servidos em rústicas e primitivas tigelas.

Havia absoluta necessidade dessa mão de obra gratuita e os servos que se destacavam pela maior produtividade, recebiam suas refeições em tigelas transbordantes de comida, ao contrário daqueles que não cumpriam as metas ditadas pelo patronato, no plantio ou na colheita, punidos com o recebimento de apenas metade da porção dos primeiros, minguada meia tigela de comida e designados pejorativamente como “trabalhadores de meia tigela”. 

Como na Europa, os negros que à força labutavam nas minas de ouro do Brasil Império, na sombria época da escravidão, nem sempre conseguiam alcançar as “metas” que lhes eram impiedosamente impostas. Quando isso acontecia, o que não era raro pela exaustão física e a subnutrição, como reprimenda recebiam apenas metade da tigela de comida e o injurioso epíteto de “meia tigela”, para que todos vissem o infeliz como uma pessoa despida de valor.

Chamar um profissional "meia tigela", longe de ser inconsequente brincadeira, tem sentido deveras ofensivo, porquanto alude a alguém com reputação de medíocre, desqualificado, sem versatilidade no que faz ou se propõe a fazer. E a expressão alcança com a mesma e deletéria intensidade o trabalhador intelectual, técnico ou manual, de vez que o alvo é sempre a pessoa e não o trabalho por ela realizado.

Engenheiros cometem erros graves nos cálculos de uma edificação, onde a falha no dimensionamento da estrutura, resulta na queda do prédio. Médicos se equivocam em cirurgias, como no caso de São Paulo em 2022, onde um cirurgião plástico foi denunciado por 20 pacientes cujos corpos restaram deformados após os procedimentos realizados, desaguando numa enxurrada de denúncias ao CRM/SP e em ações indenizatórias na justiça. Advogados sem preparo e juízes mal preparados desconhecem, vulgarizam ou afrontam o direito das partes. Odontólogos desatentos removem dentes saudáveis de seus aflitos clientes. Professores se perdem em proselitismo político e nada ensinam. Jornalistas deturpam notícias para atender interesses insondáveis, enfim, esta ligeira amostragem inclui o inconsequente comandante italiano que abandonou o “Costa Concórdia”, logo depois que o navio de cruzeiro se chocou com um rochedo e afundou matando 32 pessoas, em janeiro de 2012, todos se igualam como profissionais de “meia tigela”, sem competência em seu ofício, de conceito claudicante, por fazerem tudo muito mal feito. Chamado à atenção pela pintura desastrosa feita num apartamento de luxo, o mela-mão “meia tigela” ainda se saiu com esta:

- É patrão, eu ainda sei fazer pior...

Alguns relatos sugerem que a expressão também era usada antigamente para designar pessoas de baixa posição social, os que não tinham o privilégio de quebrar a tigela em certos rituais familiares, como era comum entre a nobreza da Idade Média. Em qualquer hipótese, a expressão sempre será considerada depreciativa, por isso deve ser evitada em tratamentos mais formais ou em conversas com pessoas sensíveis a alusões discriminatórias. 

Na literatura, o cearense Alves de Aquino, editor da revista Mutirão, que incentiva meritoriamente os novos autores do Ceará, se autointitula o “Poeta de Meia-Tigela”, embora não o seja, pois já publicou obras como  o “Memorial Bárbara de Alencar & outros poemas” (ano 2008) e lançou o livro “Concerto N. 1 Nico em Mim Maior para Palavra e Orquestra - Realidade de Combinações Puramente Imaginárias” (em 2010), nome respeitado das letras cearenses, que se empenha em romper com o lugar-comum em sua poética. 

Na musica popular brasileira, a dupla “Cacique e Pajé” lançou “PESCADOR MEIA TIGELA”, tirando sarro com a classe dos que buscam nas águas, por diletantismo ou profissão, o prazer da pesca ou o sustento da família:

“Pescador MEIA TIGELA gosta muito de pescar
Leva caixa de cerveja mantimentos no picuá
Leva barraca de luxo, leva até a sacaria
Pra trazer peixe pra casa ele sonha com esse dia.

Cadê o peixe pescador MEIA TIGELA?
Pra você não passar fome come pão com mortadela...”

Sequer escapou do injurioso conceito o escrete canarinho. Sob o título de “Seleção Meia Tigela”, o jornalista Leal Júnior, colunista do Portal LJ de Miracema do Tocantins (TO), na edição de 12/10/2024 questionou o pífio futebol da seleção brasileira, que nem de longe lembra a fase gloriosa de craques dignos desse nome que conquistaram cinco títulos mundiais, afirmando sem rodeiros: 

“Ao que parece, não tem jeito; nem mesmo diante do fraquíssimo time chileno (a seleção) conseguiu jogar bem; venceu praticando um futebol decepcionante. Vejo que os brasileiros abandonaram de vez o escrete canarinho, pois, poucas pessoas se arriscam até tarde da noite esperando a bola rolar, e mesmo assim passam o jogo cochilando ou só acordam no outro dia. Infelizmente hoje a realidade é essa! (...). Vamos ficando mesmo com nosso futebolzinho feijão com arroz das séries A e B do brasileirão. Pelo menos vai entretendo! É o que eu penso!!!”

Se bem analisado, dizemos agora nós, é o que a maioria pensa também...
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fonte:
Enviado pelo autor
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sábado, 30 de agosto de 2025

Dicas de Escrita (Como Criar um Bom título de Livro) – 2, final

texto de Alicia Cook*
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INSPIRANDO-SE EM OUTRAS FONTES

1
Pesquise. 

Anote os elementos fundamentais da sua história, principalmente objetos e locais. Pesquise sobre eles e procure por uma inspiração para criar seu título.

Por exemplo, se o enredo é centrado em uma esmeralda que é passada através de gerações de uma mesma família, você pode pesquisar sobre elas e irá descobrir que são associadas com fé e esperança para criar um título para o livro (como "A Pedra da Esperança", por exemplo).

2
Dê uma olhada em suas próprias estantes de livros. 

Inspire-se vendo os títulos dos livros que possui, anotando os que mais chamarem sua atenção.
Anote tanto os títulos que chamarem sua atenção agora, durante sua pesquisa, quanto os que você já conhecia anteriormente.

Analise sua lista e tente determinar o que os títulos de sucesso possuem em comum. Por exemplo, eles apelam para os sentidos das pessoas, a imaginação delas, suas curiosidades, etc?

3
Use uma alusão. 

Uma alusão é uma referência ou uma frase retirada de um contexto externo, como outra obra literária, uma música ou até algo comum, como um slogan ou o nome de uma marca.

Muitos autores já se inspiraram em obras clássicas, como William Faulkner, cuja obra Sound and the Fury (O Som e a Fúria) é inspirada no solilóquio de Macbeth, e John Steinbeck, que se inspirou na canção patriótica americana "The Battle Hymn of the Republic" para dar o título Grapes of Wrath (As Vinhas da Ira) a seu livro.

Outros escritores já se utilizaram de provérbios vernáculos, como Anthony Burgess, que definiu o título de seu livro como A Clockwork Orange (Laranja Mecânica) inspirando-se no provérbio Cockney “queer as a clockwork orange” (tão estranho quanto uma laranja mecânica).

Muitos outros também já se inspiraram na cultura popular, como Kurt Vonnegut, que usou o slogan da marca Wheaties para o livro Breakfast of Champions (Café da Manhã dos Campeões).

EVITANDO ERROS COMUNS

1
Crie um título que se relacione com o tipo de seu livro. 

Se você escolher um título que parece ser de outro gênero e não do conteúdo de sua obra, os leitores ficarão confusos e alienados.

Por exemplo, se o título do romance dá a entender que é uma obra de fantasia (Os Dragões da Velha Torre, por exemplo), mas o enredo é sobre ataques terroristas nos Estados Unidos, você vai alienar as pessoas que comprarem o livro procurando por uma história de fantasia, enquanto os que gostam de temas de guerra e terrorismo nunca irão adquirir esta obra, pois não farão ideia de que o livro, com este título, aborda o assunto.

2
Limite a extensão. 

Na maioria dos casos, títulos breves e impactantes fazem muito mais sucesso que os longos e difíceis de serem lembrados.

Por exemplo, o título “Um Homem e sua Aventura Solitária ao Escalar o Perigoso Monte Himalaia" é menos atraente aos leitores que "Desbravando a Montanha Mortal", mais curto e mais imaginativo.

3
Torne-o interessante. 

Títulos que usam linguagem poética, imagens vívidas ou um pouco de mistério tendem a ser mais atraentes a leitores em potencial.

Linguagem poética num título, como “A Rose for Emily” (Uma Rosa para Emily) ou Gone with the Wind (E o Vento Levou) irá atrair leitores com um jogo de frases elegante, que promete uma história ou estilo de escrita igualmente poéticos.

Títulos que evocam imagens vívidas agradam leitores, pois invocam coisas tangíveis e significativas. Um título como Midnight in the Garden of Good and Evil (Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal), apesar de longo, cria imediatamente uma ideia e uma imagem vívida da batalha entre o bem e o mal.

Dar um toque de mistério ao título também irá atrair leitores. Something Wicked This Way Comes (obra de Ray Bradbury, que também faz alusão a Macbeth, lançada no Brasil como "No Templo das Tentações", mas se traduzida ao pé da letra pode ser interpretada como "Algo Perverso Está Vindo") ou “The Black Cat” (O Gato Preto) são títulos que dão informações suficientes para levantar perguntas que irão atrair o leitor a continuar lendo.

4
Use aliterações com muita moderação. 

Apesar da aliteração — que consiste na repetição de sons sucessivos no começo de palavras — poder realmente chamar a atenção ou deixar um título muito mais memorável, é um recurso que também deixará o título sem graça e medíocre se não for feito corretamente.

Aliterações sutis, como I Capture the Castle (Castelo dos Sonhos, no Brasil, mas pode ser traduzido como "Eu Capturo o Castelo") ou The Count of Monte Cristo (O Conde de Monte Cristo), poderão deixar os títulos mais atrativos.

Aliterações forçadas ou óbvias, por outro lado, podem rapidamente desestimular um leitor a ler sua obra ("A Aventura Amedrontadora de Amélia Amendola" ou "O Guia Gourmet do Grande Guilherme").

DICAS

Se um título parecer familiar demais a você, provavelmente ele já foi usado — usado em excesso, até — e deve ser evitado.

Caso não consiga criar o título de jeito nenhum, tente fazer "brainstorm": escreva livremente, faça listas ou crie um agrupamento das ideias que permeiam seu texto; o que melhor funcionar para você.

O título deve ser bem simples e não longo demais.
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* Alicia Cook é uma Escritora Profissional que mora em Newark, New Jersey. Com mais de 12 anos de experiência, Alicia é especialista em poesia e usa sua plataforma para defender famílias afetadas por vícios e para combater os preconceitos relacionados a doenças mentais e a vícios. É formada em Inglês e Jornalismo pela Georgian Court University e possui MBA pela Saint Peter's University. Alicia é poeta bestseller pela Andrews McMeel Publishing e seu trabalho já foi destacado por inúmeras plataformas midiáticas, como NY Post, CNN, USA Today, Huffington Post, LA Tims, American Songwriter Magazine e pela Bustle. Foi apontada pela Teen Vogue como uma das 10 poetas de redes sociais a serem seguidas. Sua mixtape com poemas, "Stuff I've Been Feeling Lately" foi finalista no Goodreads Choice Awards de 2016.
Fontes:
https://pt.wikihow.com/Criar-um-Bom-T%C3%ADtulo-de-Livro
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