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domingo, 14 de dezembro de 2025

Hans Christian Andersen (No quarto das crianças)

 

O papai e a mamãe e os irmãos tinham ido ao teatro. Só ficaram em casa a Ana, que era muito pequena, e  o avô.

   Mas o avô disse:

   - Nós também havemos de ter uma comédia. E vai começar já, já.

   - Mas nós não temos teatro - disse a menina.- E não temos ninguém para representar... A minha boneca velha não pode, porque ela é muito feia; e a nova, a nova não há de amarrotar assim o vestido, que é tão fino...

   - Ora, atores a gente arranja: é só contentar-se com o que tem. Vamos construir o teatro. Aqui vai este livro de pé, lá outro, e mais outro...uma fila oblíqua. Agora  outros  três do outro lado, assim. Pronto: já temos os bastidores. Aquela caixa velha pode servir de fundo: é só virar o fundo para cima. O cenário representa uma sala, isso logo se vê. Precisamos agora arranjar os personagens. Vejamos o que há nesta caixa de brinquedos... Primeiro, os personagens, depois faremos a comédia: uma coisa depois outra, e tudo sairá bem. Aqui está um fornilho de cachimbo, e ali uma luva sem par: serão pai e filha.

  - Pois sim, vovô!  Mas são só dois...Oh! Aqui está o colete velho do meu irmão... Ele poderá também desempenhar um  papel?

   - Tem tamanho suficiente para isso... Pode fazer o galã. Não tem nada nos bolsos, e isso não deixa de ser interessante: é a metade de um namorado infeliz... E aqui temos um quebra-nozes em forma de bota, e com espora. Arre! Como a bota se pavoneia, e pisoteia tudo... Pois ela vai ser o pretendente antipático, que a mocinha aborrece... E agora que gênero de peça preferes?  Uma tragédia, ou um drama de família?

   - Um drama de família, sim, vovô? Todos gostam tanto disso... O senhor conhece algum?
   - Sim, centenas! Os que o público preferem são traduzidos do francês, mas esses não convém para uma menininha como tu... Mas a gente pode escolher um mais conveniente. No fundo, todos são iguais. Pois bem! Vamos lá! Entrem por aqui, senhoras e senhores... O drama de família mais novo! Quinhentas representações, com a casa lotada! Vejamos agora qual é o elenco.

   E o avô pegou o jornal, fingindo que lia:
       
 " O FORNINHO E O BOM RAPAZ"
        - Drama familiar em uma ato - 
          Personagens:
Senhor Fornilho - pai.
Senhorita Luva - filha.
Senhor Colete - galã.
Senhor de Bota - pretendente.

     – Vamos começar. Levanta-se o pano - como não temos pano, já está levantado. Todos os personagens estão presentes, não nos falta nada. Agora vou falar, como se eu fosse o Senhor Fornilho. Ele está muito zangado hoje... Bem se vê que foi feito de espuma-do-mar, e amarelada!

   Fala então, como se fosse o Fornilho:

  - Que tolice! Tudo isso é asneira, ora essa! Quem manda nesta casa sou eu! Sou o pai da minha filha! Ouçam, pois, o que estou dizendo: o Senhor da Bota é uma pessoa em que a gente pode mirar-se como em um espelho. Por cima é de marroquim,  e embaixo tem espora. Ora essa! É ele quem há de casar com  a minha filha!
 
  - Agora, Aninha, presta atenção ao que diz o Colete; agora é o Colete quem fala. Ele tem a gola virada e é muito modesto, mas sabe o que vale, e tem toda a razão quando diz:

  - Sou imaculado! E devem tomar também em consideração a fazenda! Fui feito de legítima seda, e tenho galões.
 
  A isso acudiu logo o Senhor Fornilho:
   
- Mas é só no dia do casamento! Depois, acabou-se! A sua cor não se mostrou muito firme na lavagem. Agora o Senhor de Bota é a prova d'água, é feito de couro forte, e muito macio. Sabe ranger, sabe fazer a espora tinir! E tem feições italianas.
 
 - Mas eles deviam falar em verso! - exclamou a Aninha. - Dizem que é a coisa mais linda que há...

  - Pois sim, podem falar em verso, podem. Se o público assim o determina, fala-se em verso... Olha para a Senhorita Luva, vê como estende as mãos... e diz:
  
   " Hei de me empenhar, hei de me empenhar,
          Hei de ter um par!
    Mas não o consigo... não posso alcançar...
    Já sinto meu couro, de dor, estalar!"

O Senhor Fornilho:
  - Asneiras...

– Agora é o Colete quem fala:
"Luva, minha bem-amada!
 Oponha-se a quem quiser;
 Eu aqui declaro a todos:
 Hás de ser minha mulher!"

Aqui o Senhor de Bota começa a dar pontapés, e derruba três bastidores, enquanto Aninha grita:

   - Mas que maravilha!

   - Silêncio! Silêncio! - brada o avô. - O aplauso silencioso mostra que o público que está na plateia - porque tu estás na plateia - é um público culto. Agora a Senhorita Luva vai fazer uma mesura, e depois cantará a sua grande ária, acompanhada de castanholas:
    " E quem não tem boa voz,
      E não canta de verdade,
      Cantará ' coricocó!'
     Na frente da sociedade.”  

 - E agora é que chega o momento mais empolgante, Aninha!  O que há de mais  importante, em uma comédia . Olha, o Senhor Colete entreabriu-se; vai falar. E é a ti que ele se dirige, para que batas palmas no fim. Mas... não, não batas palmas; é mais distinto. Repara... ouve o ruge-ruge da seda... Ele começa:
   - Estou extraordinariamente exasperado! Cuidado! Começa agora a intriga! O senhor é o Fornilho, bem sei: mas eu sou o bom rapaz... Zás-trás! Pronto! Sumiu-se o Fornilho!

- Vês, Aninha, como o cenário e a mímica são perfeitos? O Senhor Colete pega no velho Fornilho e mete-o no bolso... O Fornilho lá fica escondido, e o Colete diz:
   - Agora está o senhor dentro do meu bolso, e não poderá sair daí enquanto não me prometer em casamento a sua filha, a Senhorita Luva da Esquerda, a quem darei a minha Direita!

    - Mas é extraordinário! - gritava Aninha.

   - Ouve agora o que responde o velho Fornilho:
 " Eu ouço perfeitamente,
  Mas...parece que estou tonto...
  Que é do meu antigo espirito,
  Que dantes era tão pronto?
  Meu tubo onde foi parar?
  Se saio desta armadilha,
  Prometo; Com minha filha,
  Irás depressa casar!"

- Acabou-se a comédia? - perguntou Aninha.

 - Qual! Acabou somente para o Senhor de Bota. Agora os namorados ajoelham, e ela canta:
   " Ó meu pai!"

E o namorado canta também:
   " ...sai escondido!
   Vem teus filhos abençoar!"

  Ambos recebem a benção, celebra-se o casamento. Os móveis cantam em coro;
     "Tilintintim! Tilintintim!
   Já se acabou a comédia!
    Tilinrintim!"

- Agora sim, vamos bater palmas; vamos  chamar todos os atores, e os móveis também, porque são de acaju!
  
- Vovô, a nossa comédia não foi tão boa como a que eles foram ver lá no teatro de verdade?

  - A nossa é muito melhor! É mais curta, não custa nada, e serviu para nos entreter até a hora do chá.
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Hans Christian Andersen foi um escritor dinamarquês, autor de famosos contos infantis. Nasceu em Odense/Dinamarca, em 1805. Era filho de um humilde sapateiro gravemente doente morrendo quando tinha 11 anos. Quando sua mãe se casou novamente, Hans se sentiu abandonado. Sabia ler e escrever e começou a criar histórias curtas e pequenas peças teatrais. Com uma carta de recomendação e algumas moedas, seguiu para Copenhague disposto a fazer carreira no teatro. Durante seis anos, Hans Christian Andersen frequentou a Escola de Slagelse com uma bolsa de estudos. Com 22 anos terminou os estudos. Para sair de uma crise financeira escreveu algumas histórias infantis baseadas no folclore dinamarquês. Pela primeira vez os contos fizeram sucesso. Conseguiu publicar dois livros. Em 1833, estando na Itália, escreveu “O Improvisador”, seu primeiro romance de sucesso. Entre os anos de 1835 e 1842, o escritor publicou seis volumes de contos infantis. Suas primeiras quatro histórias foram publicadas em "Contos de Fadas e Histórias (1835). Em suas histórias buscava sempre passar os padrões de comportamento que deveriam ser seguidos pela sociedade. O comportamento autobiográfico apresenta-se em muitas de suas histórias, como em “O Patinho Feio” e “O Soldadinho de Chumbo”, embora todas sejam sobre problemas humanos universais. Até 1872, Andersen havia escrito um total de 168 contos infantis e conquistou imensa fama. Hans Christian Andersen mostrava muitas vezes o confronto entre o forte e o fraco, o bonito e o feio etc. A história da infância triste do "Patinho Feio" foi o seu tema mais famoso - e talvez o mais bonito - dos contos criados pelo escritor. Um dos livros de grande sucesso de Hans Christian Andersen foi a "Pequena Sereia", uma estátua da pequena sereia de Andersen, esculpida em 1913 e colocada junto ao porto de Copenhague/ Dinamarca, é hoje o símbolo da cidade. Quando regressou ao seu país, com 70 anos de idade, Andersen estava carregado de glórias e sua chegada foi festejada por toda a Dinamarca. Após uma vida de luta contra a solidão, Andersen logo se viu cercado de amigos. Faleceu em Copenhague, Dinamarca, em 1865. Devido a importância de Andersen para a literatura infantil, o dia 2 de abril - data de seu nascimento - é comemorado o Dia Internacional do Livro Infanto-juvenil. Muitas das obras de Andersen foram adaptadas para a TV e para o cinema.
Fontes:
Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente em 1859. Disponível em Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Laé de Souza (Bebedeira do Orlei)


Orlei era daqueles sujeitos sérios por quem se podia pôr a mão no fogo que nunca trairia a mulher. Poucos e raros pertencentes de uma raça em extinção, na qual me incluo. Traí uma vezinha só, num desvio que, após juras de arrependimento, fui perdoado e o episódio esquecido pra nunca mais. Não que eu seja santo, mas é que não consigo segurar uma mentira. Se me for questionado, não adianta, gaguejo, tremo e me entrego. Foi assim, daquela maldita vez, primeira e última. Por sorte, minha companheira percebeu que realmente eu era marinheiro de primeira viagem e que não tinha habilidade para fugas e aventuras às escondidas, concedendo-me seu perdão. Aliás, o perdão, quando dado, deve ser absoluto, nunca cobrado e vigiado. O meu, por exemplo, me foi dado de forma que parece que nunca existiu pecado. É como se começasse tudo de novo. 

Se por acaso a senhora perceber que o companheiro deu uma “pisada na bola”, e, se chegou ao ponto de arrependimento, e consenso de que é caso de perdão, passe realmente o apagador de vez por cima e vida nova, sem olhares suspeitos. Bem, mas voltemos ao nosso Orlei, que também era desse nosso clube de gente direita.

Numa noite, num bar, apresentado por um amigo, conheceu a Gracelinda e entre conversas e afagos, aconteceu. Sim, aconteceu mesmo. Mas, acredito que mais pela inteligência da cachaça do que pela sua própria vontade. Ou até, talvez, afloramento de uma vontade subconsciente e fora do seu domínio. De qualquer forma, a noitada foi sem igual e mesmo com aquele esquecimento natural do ocorrido, durante a bebedeira, nunca saíram de sua mente aqueles momentos extravagantes e descompromissados.

No dia seguinte, mesmo ressabiado, com a cabeça pesada e a consciência a gritar (meu pesadelo foi de longos anos), não dá motivos para encrencas e cumpre o prometido passeio ao zoológico com a família.

Numa curva, sente um pé de sapato solto que roça os seus pés, num indo e vindo. Relembra Gracelinda risonha, bêbada e arteira, fazendo estrepolias sobre o banco e ele rindo com suas artes. Ruborizado e de soslaio, percebe um batom no console e tem medo de vasculhar mais cantos, embora seus olhos se desviem para a marca dos lábios da Gracelinda, incentivada por ele a deixar no canto do para-brisa. Discretamente, e valendo-se da agilidade aprendida no curso de mágica, quando mocinho, apanha o sapato e o batom jogando-os pela janela. O outro pé, vasculhado por baixo do banco, sorrateiramente, também foi lançado, acompanhado do apagar do beijo no para-brisa numa passada de mão. Sentiu um leve arrepio e deu um Graças a Deus por ter-se livrado de tudo.

Ao chegarem ao parque, a sogra, com os pés inchados, procura os seus sapatos que jura ter tirado no carro. Procuram, e o próprio Orlei vasculha o carro, várias vezes, e a sogra quase o esgana, ao ouvi-lo cochichar no ouvido da mulher que a sua mãe estava caducando. A sogra afirma que deixou os sapatos aos seus pés, enquanto a mulher aponta o lugar em que deixou o seu batom. Orlei acenou à possibilidade de coisas estranhas e a mulher responde que só pode ter sido espírito que encostou por causa da tal bebedeira de ontem. – É culpa tua, Orlei - Orlei engoliu em seco, desviou o olhar e rumaram para o remédio.

No terreiro do Pai Mané, depois do carro lavado com sal grosso para espantar as coisas ruins, ficou esclarecido que foi arte de um espírito zombeteiro que encontrou fraqueza na bebedeira, nunca ocorrida, do Orlei. E o Orlei balançava a cabeça “É, foi consequência da bebedeira de ontem.”
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LAÉ DE SOUZA é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fonte:
Laé de Souza. Espiando o mundo pela fechadura. 26a. edição. SP: Ecoarte, 2018.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Autor Anônimo (O professor e o anel)


Em um pequeno vilarejo vivia um velho professor, que de tão sábio, era sempre consultado pelas pessoas da região.

Uma manhã, um rapaz que fora seu aluno, vai até a casa desse sábio homem para conversar, desabafar e aconselhar-se.

- Venho aqui, professor, porque sinto-me tão pouca coisa, que não tenho forças para fazer nada. Dizem-me que não sirvo para nada, que não faço nada bem, que sou lerdo e muito idiota. Como posso melhorar? O que posso fazer para que me valorizem mais?

O professor sem olhá-lo, disse:

- Sinto muito meu jovem, mas não posso ajudar-te. Devo primeiro resolver meu próprio problema. Talvez depois.

E fazendo uma pausa falou:

- Se você ajudasse-me, eu poderia resolver este problema com mais rapidez e depois, talvez, possa ajudar-te.

- C... Claro, professor, gaguejou o jovem, mas sentiu-se outra vez desvalorizado e hesitou em ajudar seu antigo professor.

O professor tirou um anel que usava no dedo pequeno, deu ao rapaz, e disse:

- Monte no cavalo e vá até o mercado. Devo vender esse anel porque tenho que pagar uma dívida. É preciso que obtenhas pelo anel o máximo valor possível, mas não aceite menos que uma moeda de ouro. Vá e volte com a moeda o mais rápido possível.

O jovem pegou o anel e partiu.

Mal chegou ao mercado, começou a oferecer o anel aos mercadores. Eles olhavam com algum interesse, até quando o jovem dizia o quanto pretendia pelo anel. Quando o jovem mencionava uma moeda de ouro, alguns riam, outros saiam sem ao menos olhar para ele, mas só um velhinho foi amável a ponto de explicar que uma moeda de ouro era muito valiosa para comprar um anel.

Tentando ajudar o jovem, chegaram a oferecer uma moeda de prata e uma xícara de cobre, mas o jovem seguia as instruções de não aceitar menos que uma moeda de ouro e recusava as ofertas.

Depois de oferecer a joia a todos que passaram pelo mercado, abatido pelo fracasso, montou no cavalo e voltou.

O jovem desejou ter uma moeda de ouro para que ele mesmo pudesse comprar o anel, livrando assim seu professor das preocupações. Dessa forma ele poderia receber a ajuda e conselhos que tanto precisava.

Entrou na casa e disse:

- Professor, sinto muito, mas é impossível conseguir o que me pediu. Talvez pudesse conseguir 2 ou 3 moedas de prata, mas não acho que se possa enganar ninguém sobre o valor do anel.

- Importante o que disse, meu jovem... contestou sorridente. Devemos saber primeiro o valor do anel. Volte a montar no cavalo e vá até o joalheiro. Quem melhor para saber o valor exato do anel? Diga que quer vender o anel e pergunte quanto ele te dará por ele. Mas não importa o quanto ele te ofereça, não o venda... Volte aqui com meu anel.

O jovem foi até o joalheiro e deu-lhe o anel para examinar.

O joalheiro examinou o anel com uma lupa, pesou o mesmo, e disse:

- Diga ao seu professor, que se ele quiser vender agora, não posso dar mais que 58 moedas de ouro pelo anel.

- 58 MOEDAS DE OURO!!! - exclamou o jovem.

- Sim, replicou o joalheiro. Eu sei que com tempo eu poderia oferecer cerca de 70 moedas, mas se a venda é urgente...

O jovem correu emocionado à casa do professor para contar o que ocorreu.

- Sente-se - disse o professor.

Depois de ouvir tudo o que o jovem contou-lhe, falou:

- Você é como este anel, uma joia valiosa e única, e que só pode ser avaliada por um "expert". Pensava que qualquer um podia descobrir o seu verdadeiro valor?

E, dizendo isto, voltou a colocar o anel no dedo.

- Todos somos como esta joia: valiosos e únicos, e andamos por todos os mercados da vida pretendendo que pessoas inexperientes nos valorizem. Você deve acreditar em si mesmo. Sempre! Ninguém pode fazê-lo sentir-se inferior sem o seu consentimento.

Fonte:
Vários autores. Lendas para reflexão.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Aparecido Raimundo de Souza (Por conta de um cochilo...)

O URUBUGANÇAVIC entrou no ônibus lotado até os cabelos do motorista. Nessa hora, não havia nenhum assento vago. Viagem de trajeto longo, careceu de ficar um bom tempo amargando em pé seu sofrimento, até que um cidadão que ocupava uma daquelas cadeiras destinada aos idosos sinalizou que saltaria na próxima parada. 

Atrapalhando aos empurrões uns tantos “bocas abertas” em seu caminho, finalmente, por pura sorte, conseguiu se acomodar. Em face do cansaço do corpo provocado pelo trabalho árduo, onde das sete da manhã às cinco da tarde descarregava caminhões e carretas que chegavam ao supermercado, não levou muito tempo, caiu nos braços de Morfeu. 

À medida que o coletivo marchava em direção ao seu bairro, um trajeto de (quase uma hora e vinte de viagem), com pessoas subindo e se acotovelando, outras tantas descendo, sem mencionar a sinalização ao longo das vias e o problema insolúvel do trânsito caótico, Urubugançavic acabou literalmente envolvido num sono pesado. Enquanto isso, o “quarenta janelinhas”* seguia a sua rota de destino, objetivando galgar o ponto final. 

Em meio ao trajeto, de repente, dois passageiros se estranharam e começaram a discutir acaloradamente. Ao redor deste bafafá, Urubugançavic despertou de sua exaustão letárgica. Não fosse por tal imprevisto, teria certamente passado da hora aprazada de cair fora e quem sabe, somente fosse acordar no final da linha. Graças a Deus, a briga lhe servira de base para voltar à realidade do seu mundinho habitual.

Por outro lado, se não apeasse na localidade costumeira, se veria obrigado a morrer em uma nova passagem, o que implicaria em um crédito a menos em seu cartão com dias de idas e vindas contados. Três esquinas antes de deixar a condução, ele se levantou. Perto de sua comunidade, poucos gatos pingados. Pediu licença para uma jovem lindíssima sentada ao seu lado. Ela se fazia cheia de sacolas de compras.  

No tempo em que a diva concedia o pedido para que saísse do canto onde estivera acomodado, a formosa, num gesto gentil, puxou conversa.

Moça:
— Descansou?

Urubugançavic: 
— Não como queria, mas valeu...

Moça:
— Você roncou alto. Nossa, parecia uma locomotiva puxando um trem de carga desgovernado. Me desculpe... foi mal... me perdoa... meu nome é Thayssa.

Ambos riram. 

Urubugançavic explicou:
— Meu trabalho é pesado. Chega neste horário, saio do ar... prazer, eu sou o Urubugançavic...

Para Urubugançavic, a sua “parada de machimbombo”* finalmente se fez presente. Apesar do tempo escasso, trocaram nomes e telefones. Urubugançavic pressionou o botão da campainha. Se abrindo num rosto de alegria e felicidade, completou: 
— Me liga... 

A moça, encantada com o carinho que emanava da voz máscula daquele espadaúdo, deixou-se levar por uma emotividade radiante:
— Ligo sim. Tchau. Bom descanso... não vá se esquecer, meu nome é Thayssa...

Urubugançavic apeou sorrindo de felicidade. Na calçada, após acenar um adeus para a sua mais nova companheira de viagem, ao olhar para seus pés, espantou-se. Não só se espantou. Mais que isso — abalou-se, estarrecido. Meteu as duas mãos na cabeça. Começou a tremer copiosamente. Estava descalço. Enquanto ele dormia, alguém passou os cinco dedos em seu par de tênis novinhos em folha que recentemente havia ganhado de sua mãe.
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Explicações necessárias: 
*Quarenta janelinhas: um dos muitos nomes atribuídos aos transportes de passageiros. O mesmo que ônibus. 
*Parada de machimbombo: maneira diferenciada de dizer local de descida, ou ponto de descida.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Anderson Rocha (O poder das palavras)


Sempre num lugar onde passavam muitas pessoas, um mendigo sentava-se na calçada e ao lado colocava uma placa com os dizeres:

– Vejam como sou feliz! Sou um homem próspero, sei que sou bonito, sou muito importante, tenho uma bela residência, vivo confortavelmente, sou um sucesso, sou saudável e bem humorado.

Alguns passantes o olhavam intrigados, outros o achavam doido e outros até davam-lhe dinheiro.

Todos os dias, antes de dormir, ele contava o dinheiro e notava que a cada dia a quantia era maior.

Numa bela manhã, um importante e arrojado executivo, que já o observava há algum tempo, aproximou-se e lhe disse:

- Você é muito criativo! Não gostaria de colaborar numa campanha da empresa?

- Vamos lá. Só tenho a ganhar!, respondeu o mendigo.

Após um caprichado banho e com roupas novas, foi levado para a empresa. Daí pra frente sua vida foi uma sequência de sucessos e a certo tempo ele tornou-se um dos sócios majoritários.

Numa entrevista coletiva à imprensa, ele esclareceu de como conseguira sair da mendicância para tão alta posição.

Contou ele: 

“– Bem, houve época em que eu costumava me sentar nas calçadas com uma placa ao lado, que dizia: ‘Sou um nada neste mundo! Ninguém me ajuda! Não tenho onde morar! Sou um homem fracassado e maltratado pela vida! Não consigo um mísero emprego que me renda alguns trocados! Mal consigo sobreviver!’

“As coisas iam de mal a pior quando, certa noite, achei um livro e nele atentei para um trecho que dizia: - Tudo que você fala a seu respeito vai se reforçando. Por pior que esteja a sua vida, diga que tudo vai bem. Por mais que você não goste de sua aparência, afirme-se bonito. Por mais pobre que seja você, diga a si mesmo e aos outros que você é próspero.

“Aquilo me tocou profundamente e, como nada tinha a perder, decidi trocar os dizeres da placa para: ‘Vejam como sou feliz! Sou um homem próspero, sei que sou bonito, sou muito importante, tenho uma bela residência, vivo confortavelmente, sou um sucesso, sou saudável e bem humorado.’

“E a partir desse dia tudo começou a mudar, a vida me trouxe a pessoa certa para tudo que eu precisava, até que cheguei onde estou hoje. Tive apenas que entender o Poder das Palavras. O universo sempre apoiará tudo o que dissermos, escrevermos ou pensarmos a nosso respeito e isso acabará se manifestando em nossa vida como realidade. Enquanto afirmarmos que tudo vai mal, que nossa aparência é horrível, que nossos bens materiais são ínfimos, a tendência é que as coisas fiquem piores ainda, pois o Universo as reforçará. Ele materializa em nossa vida todas as nossas crenças.”

Uma repórter ironicamente questionou:

- O senhor está querendo dizer que algumas palavras escritas numa simples placa modificaram a sua vida?

Respondeu o homem, cheio de bom humor:

- Claro que não, minha ingênua amiga! Primeiro eu tive que acreditar nelas!
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Anderson Rocha é formado em administração de empresas e especialista em gestão de pessoas, comunicação e desenvolvimento de líderes. Foi consultor do programa da qualidade no Serviço Público do Governo Federal e membro do comitê Gestor e do Fórum da Qualidade do Estado do Espírito Santo. Ocupou funções de assessoria, direção, coordenação de programas, instrutoria de treinamento e facilitação de grupos. Foi docente do Senac, Sebrae, IEL, ESESP, Professor de Oratória da Faculdade de Direito de Vitória - FDV, da Pós-graduação Pitágoras e da Pós-graduação da EMESCAN. Autor de artigos publicados em diversos sites, revistas e jornais, no Brasil e exterior. Colunista e colaborador de principais sites do país, nas áreas de Gestão de Pessoas, Liderança, Administração, Vendas, Motivação, entre outros. Escritor, colunista do Jornal A Tribuna) e de diversos outros Jornais e Revistas. Criador do revolucionário método FALE BEM, que consiste no conhecimento das técnicas mais modernas e poderosas de comunicação e oratória, aplicação na prática das técnicas e obtenção por parte do treinando de retorno imediato a sua performance. Palestrante nas áreas de liderança, comunicação, atendimento e motivação, um profundo estudioso do desenvolvimento e comportamento humano

Fontes:
Metáforas.
https://andersonrocha.com.br/?13/pagina/metaforas
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing 

Arthur Thomaz (Pegasus e Edgard)


Edgard, morador de um tranquilo condomínio em uma cidade do interior, levava uma vida pacata, sendo muito comunicativo com seus vizinhos.

Certa manhã, recebeu em seu WhatsApp uma mensagem que, mesmo sendo cordial, o intrigou profundamente. Era de Pegasus, que solicitava permissão para uma visita.

Concordou imediatamente e foi até o estacionamento aguardar o impressionante ser mitológico.

Após um longo abraço, Pegasus foi logo dizendo que iria conduzi-lo a uma aventura inimaginável, uma peripécia inesquecível.

Edgard aquiesceu, ligeiramente apreensivo com o que poderia advir, e disse:

– Espere, vou avisar Dona Zila, minha esposa.

Voltou com um casaco, orientação dela, para não “pegar friagem”.

– Antes de partirmos, gostaria de saber, por mera curiosidade, quem forneceu meu contato do WhatsApp para você?

– Edgard, um morador do seu condomínio, com quem você conversa diariamente sobre diversos assuntos: livros, astronomia, ecologia, plantas, política, esportes e muitos outros. Ele também me contou que você está escrevendo três livros, sendo que um deles, em especial, atraiu o interesse dos habitantes do Olimpo.

Prosseguiu:

– O “Dicionário da Mitologia”. Zeus até solicitou um exemplar para nossa biblioteca.

– Ah, meu alado amigo, assim que o livro estiver editado, enviarei para vocês.

Pegasus acomodou gentilmente Edgard em sua sela e partiram.

Sobrevoaram lindas regiões, incluindo um voo rasante sobre a cidade de Analândia, onde Edgard pôde matar a saudade de sua querida propriedade, com frondosas árvores frutíferas que plantara com as próprias mãos, motivo de grande orgulho.

Continuando o voo, Edgard percebeu que as imagens alteravam-se, revelando épocas passadas. Questionou Pegasus a respeito e foi informado de que realmente estavam voltando no tempo.

Edgard, como bom historiador, extasiou-se com o fato.

Algum tempo depois, sobrevoaram o que ele identificou ser uma feroz batalha entre guerreiros romanos e um povo bárbaro. Solicitou que Pegasus se aproximasse mais do conflito.

O cavalo, sorrindo, disse:

– Sim, meu caro amigo, isso faz parte da aventura que imaginei para você.

Pegasus colocou uma armadura para protegê-lo e deu-lhe um escudo e uma espada. Lembrou-o de que um homem moderno não conseguiria levantar aquela antiga espada, mas que, no momento da batalha, tudo mudaria e ela se tornaria leve.

Edgard respondeu:

– Confesso não ser dos melhores espadachins, mas já tive algumas aulas de Esgrima. Quando chegar a hora do entrevero, entre os guerreiros e a horda de bárbaros, lutarei bravamente, dentro das minhas forças.

Como não poderia descer no meio da batalha, Pegasus deixou Edgard na retaguarda do exército de bárbaros. Ele começou a desferir golpes e dizimar dezenas de inimigos. Esses, hoje, devem estar no inferno, chamando-o de covarde por atacá-los pelas costas.

– Paciência, não se pode agradar a todos, pensou Edgard.

Vencida a batalha, com apenas alguns arranhões, juntou--se aos guerreiros para bradar os gritos de vitória ao verem a horda bárbara em fuga.

Uma equipe médica cuidou dos ferimentos. Derramaram uma poção sobre os arranhões sofridos por Edgard, que ardeu tanto que o fez sentir saudade dos tempos em que sua mãe passava Merthiolate em seus machucados.

Já estavam comemorando, comendo carne de javali assado, bebendo vinho e outros destilados, quando viram a sombra de Pegasus sobrevoando o local.

Ele pousou em frente aos surpresos soldados. Edgard despediu-se rapidamente, montou e voaram, ouvindo os gritos que os chamavam de “bruxos”.

De volta ao condomínio, despediam-se quando ouviram a voz de Dona Zila:

– Edgard, venha para dentro colocar um Band-aid nesse arranhão. Depois vou costurar sua camisa rasgada.

– Até breve, meu amigo alado. Acho mais prudente eu entrar. Nos veremos na próxima aventura.
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Este conto é uma homenagem ao casal Zila e Edgard, que se mudaram para outro local, deixando em nós muita saudade. 
Muito obrigado pela partilha, Zila Bastos e Edgard Alves Bastos.
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ARTHUR THOMAZ é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: Inimagináveis. Santos/SP: Bueno Ed., 2025. Livro enviado pelo autor.   
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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Sammis Reachers (Deambulações urbanas num domingo carioca)


São dezessete horas de um domingo de primavera. Cumprindo uma missão agora há pouco na UERJ do Maracanã, aquele monstro de concreto, ao sair me deparei com os vazios e desertos de uma cidade grande aos domingos de tarde. Foi instantâneo: me recordei de quando era rodoviário e solteiro e, ao trabalhar nos domingos, por vezes ao largar daquele trampo feito de sacolejar e de pessoas, saía sozinho pelos vazios urbanos de Niterói ou Rio, desarvorado, desavisado e destemidamente. Sem destino ou maiores objetivos. Que solidão especial, trotando lotada de melancolia e levando na carroça sua refém apaixonada, pois adoentada da Síndrome de Estocolmo, a poesia... Sim, muitos poemas nasceram nessas andanças. Não, nunca fui assaltado ou indagado. Deus e minha cara de cana (e minha decana bolsa atravessada nas costas) talvez tenham me guardado.

Outro detalhe que me traz reflexão é que a melancolia de andar numa mata, campo ou descampado deserto é diferente da de andar num deserto urbano. Cada qual tem sua docilidade, mas o campo fala de sentimentos atávicos, instintivos ou transcendentes do que é puramente humano; já a urbe possui uma "linha de ansiedade" (é o melhor termo que pude) toda própria, o humano se celebra e exaure em seus próprios maquinários concretos e simbólicos, num jogo de topofilia/ topofobia que nos faz querer continuar o jogo do ver e do rever, do estar e do deixar de estar, enquanto somos acolhidos/moídos pelo espaço que incessantemente nos ressignifica enquanto o ressignificamos. Jogo por sinal tão caro à corrente da Geografia que me apraz, a Geografia Humanista ou Fenomenológica.

Divagações livres, mas as deambulações (deambular é justamente andar à toa) hoje interditadas a um homem casado.

Bem, melhor assim.
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Sammis Reachers Cristence Silva nasceu em 1978, em Niterói/RJ, mas desde sempre morador de São Gonçalo/RJ, ambos municípios fluminenses. Sammis é poeta, escritor, antologista e editor. Licenciado em Geografia atua em redes públicas de ensino de municípios fluminenses. É autor de dez livros de poesia, três de contos/crônicas e um romance, e organizador de mais de cinquenta antologias.  Aos 16 anos inicia seus escritos e logo edita fanzines, participando do assim chamado circuito alternativo da poesia brasileira, com presença em jornais e informativos culturais. Possui contos e poemas premiados em concursos do Brasil, bem como textos publicados em antologias e renomadas revistas de literatura.

Fontes:
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A. A. de Assis (Filharada rebelde)


Um poeta paulistano, em crônica recente, confessou que foi um guri ranheta e levado da breca. Se mais tarde se tornou um rapaz bonzinho, foi graças à boa e firme educação que recebera da mãe: “Mamãe me ‘domesticou’, arrancou as ervas daninhas do meu íntimo, amansou a fúria de um espírito quase indômito. Quem me conhece talvez ache que estou exagerando. Mas eu era uma criança difícil, de gênio bravio, impulsivo e inconsequente. Dei muito trabalho a ela, mas valeu a pena. Com ela aprendi a ter bons modos, pedir a bênção aos meus tios, tratar as mulheres com respeito e igualdade e não ser machista, ser pontual e cumprir minhas obrigações,  chamar os mais velhos de ‘senhor’ ou ‘senhora’. Sobretudo, ela me incutiu a crença em Deus, a reverência a um Ser Superior”.      

Súbito pensei: ele é então uma sinédoque  ou metonímia da história humana. A humanidade é quenenzinho se fosse um guri rebelde e inquieto que Deus criou com máximo amor e faz tempo vem tentando civilizar, na esperança de algum dia vê-lo apto a ser transferido para um lugar bonito e alegre chamado Céu. 

Tal qual foi o menino, assim é a filharada de Deus: uma criançada “difícil, de gênio impulsivo e inconsequente”. Tem dado muito trabalho ao Pai, mas vale a pena insistir. Falta ainda  arrancar muita erva daninha, porém a essência é boa.

Deus é um Pai paciente e entende muito bem de crianças. Vai deixando a gente fazer traquinagens, dar topadas, cair-levantar, dar de cara na parede. Adota a velha didática do aprender errando. Errando e aprendendo, numa hora dessas a gente finalmente toma tenência na vida, pega rumo e vira gente de verdade.

O Pai poderia simplesmente dar um “stop” nessa maluquice geral, pronunciar um novo “Fiat” e num de repente mudar a cabeça, o coração e a alma da filharada toda, deixando todo mundo bonzinho. Estaria assim inaugurada a era do pleno amor.

Ninguém mais brigaria com ninguém, ninguém mataria, ninguém roubaria, ninguém mentiria, ninguém humilharia os diferentes, ninguém faria maldades contra os mais fracos, ninguém mais fabricaria bombas e mísseis, ninguém mais morreria de doenças  tipo egoísmo-ambição-inveja-raiva-rancor-arrogância-preconceito.

Só que o Pai prefere deixar a gente aprender por experiência própria. Desse jeito o aprendizado será mais consistente. Quando Ele achar que chegou a hora, reunirá a filharada toda numa grande festa. Até lá, poeta.  
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 30.10.2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes:
Texto obtido no facebook do autor.
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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Renato Benvindo Frata (Piá* de Homem)


- O menino tá ficando homem - disse meu pai - irá comigo... - ao que ela sorriu, puxou-me para o quarto dando-me para vestir uma calça comprida, camisa e a cinta que ele ajustara para minha cintura. E logo me apresentei.

- Ahl bom... vestido igual a mim... como homem. Vamos, que o seu Chiquinho nos espera.

Era alto, espadaúdo, magriça e de pele tão branca que o avermelhado do sangue, em relação aos cabelos claros, fazia-o mais branco.

Deu-me o dedo indicador que agarrei com força, e foi nesse toque que senti o quão forte era a sua mão. A junção de calor me deu segurança; afinal, era a primeira vez que eu iria a uma barbearia, e a se comparar as ferramentas do barbeiro com a tesoura de costura de minha mãe, picotando-me as mechas, o aparato dele com tesoura, pente, escova, navalha, talco, toalhas e Gumex a gosto, era a novidade a quase me deixar nervoso. Que logo se desfez, quando seu Chiquinho, ao me cumprimentar, estendeu–me um pirulito que foi logo desembrulhado e colocado na boca.

- Como quer o corte? - perguntou - à la Humphrey Bogart ou a Yul Brynner?

Dei de ombros, sem entender, até que meu pai interveio:

- Bodinho, no capricho!

E riu da piada sobre os artistas, um de cabelo alinhado, garboso e belo a atrair olhares femininos, e o outro completamente careca, cara de rude, cenho fechado, que vim conhecer e admirar só depois, nos filmes em Cinemascope. O Hamphrey era namorador, o Yul, matador de bandidos. Humphrey Bogart provocava suspiros às moças casadoiras nos filmes de romance, enquanto Yul Brynner se destacava nos de ação a arrancar aplausos da molecada, coisas que a memória armazena para não esquecer.

Terminado o trabalho, segurei de novo seu indicador e o contato das mãos grandes, como na vinda, me deu sensação de segurança, ao tempo que me levou a ver no pai não o mandão que era, mas um homem forte e decidido. 

Deu-se ali a ligação de firmeza, de certeza, altivez que só eu desfrutava perante as outras pessoas das calçadas, porque aquele homem alto de pele avermelhada que unia sua mão à minha, era o meu pai e ele estava ao meu lado a provocar em nós sentimento da cumplicidade de amigos caminhando lado a lado, devotando amizade, companheirismo, confiança, crédito e, por consequência, felicidade e demais adjetivos que se queira dar à relação que se fazia diferente das até então.

Eu estava a sair pelas ruas sem a presença da mãe que geralmente me guiava como criança, e poderia ter ido ao banco com ele, ao bar, ao jogo de bocha, às discussões políticas, mas não: fora ao barbeiro, como faziam os homens a cada mês, incursão primeira que marcou indelével o relacionamento.

Mão com mão vale mais que um abraço apertado, quando há no toque a reciprocidade.
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* Piá = termo utilizado no Paraná que significa criança do sexo masculino.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil..

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
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Aparecido Raimundo de Souza (Só ficou, de fato, a escuridão)


AS MINHAS MENINAS se foram. De repente, partiram, bateram asas como pássaros assustados numa manhã solitária. Minhas princesas voaram para longe. Alçaram um voo sem volta para um planeta desconhecido que não sei dizer com precisão onde fica situado. Acredito, inclusive, que viajaram para um lugar onde meus passos não alcançam. Ficou por aqui morando comigo o silêncio. De roldão, além do silêncio, se engrandeceu o eco das risadas que antes preenchiam a casa. Se solidificou o choro convulso quando eu ralhava por alguma discordância, ou por uma arte não prevista. Ficou mais, se fez presente um vazio denso que se alastrou com a ausência infame que pesa mais do que qualquer lembrança. Igualmente restou o vácuo dos carinhos que me endereçavam; uma com os olhinhos perdidos num ponto distante; a outra, chupando o dedinho como se pensasse num amanhã que ainda nem havia chegado para nós. 

Hoje, preso e acorrentado nesta solidão, procuro caminhos, sendas, trilhas e veredas. Invento mapas, crio expectativas, ensaio palavras, faço músicas, escrevo crônicas, mas o destino delas, o paradeiro, eu sei, (não, eu não sei), se esconde atrás de janelas e portas invisíveis. E eu, aqui, aos setenta e dois anos, sigo perguntando ao vento: como chegar até onde elas estão? O vento não responde. Não sei! As minhas meninas desapareceram como quem fecha uma porta sem fazer barulho. Não houve aviso, não houve bilhetes na mesa. Apenas o vazio pesado e denso, esse hóspede antigo que sabe se instalar sem pedir licença. De repente, elas, as minhas meninas, se tornaram sombras em outro quintal — risos em outras casas, segredos em mãos que não conheço o calor do toque. E eu, meu Deus, eu fiquei aqui, permaneci estancado, tentando decifrar o mapa de um território que não existe, 

E ainda agora, aqui estou, procurando incansável e atônito, atalhos em ruas e vielas, alamedas e desvãos que não levam a lugar algum, a não ser para dentro da minha própria solidão. Venho aprendendo, dia após dia, que o tal do desconhecido é uma espécie de labirinto de Dédalo. Sei que há vida lá dentro, ouço barulhos, distingo vozes, risos — por vezes choros, mas não consigo enxergar, ver claramente o âmago da realidade. É como se o tempo tivesse engolido as minhas meninas e cuspido apenas lembranças frágeis como migalhas de um vidro enorme quebrado em mil pedaços. No silêncio da noite, tarde da noite, a coisa fica mais insuportável. Escuto, mergulhado nos meus medos, passos que não vêm. Invento diálogos, imagino retornos, contudo, do nada, o tudo, o tudo se dissolve como fumaça em meio à forte ventania. 

Talvez seja isto: eu preciso urgentemente aprender mais, ou seja — careço de conviver com o que não se alcança, com aquilo que se perde sem explicação. Enquanto não distingo, sigo assim, me abalando entre o peso da ausência e a leveza da esperança. Vou à frente, mas à esmo, ao Deus dará, como um autônomo — tipo uma espécie de robô que escreve cartas ao vento, na expectativa de que um dia ele descubra o caminho de volta. E nele, traga as minhas meninas. Pois é, meu Deus! As minhas meninas se foram. Não houve despedida, não houve promessas de retorno. Apenas um silêncio pesado, denso, volumoso, insípido, que se instalou como poeira sobre móveis antigos, cobrindo cada canto da casa. De repente, elas se tornaram invisíveis, como se tivessem atravessado uma fronteira secreta — um portal que só elas conheciam. 

Eu, eu fiquei aqui, permaneci do lado de cá, tentando decifrar sinais, rastros, pegadas, qualquer vestígio que me indicasse o caminho para chegar até elas. O desconhecido é um senhor sem rosto, sem voz, sem saída, e cada tentativa de alcançá-lo me devolve ao mesmo ponto, qual seja, a ausência. Sei que é inusitado pensar que o tempo continua, segue adiante, mesmo quando a vida parece suspensa. As horas passam, ou melhor, voam, os dias se acumulam, se atropelam e eu sigo colecionando perguntas sem respostas. Onde, onde estão? Quem as guarda? Que vozes as chamam agora? Às vezes imagino que se tornaram personagens de um livro-romance que nunca li, vivendo capítulos que não me pertencem. Outras vezes, penso que são como estrelas: astros distantes, mas ainda brilhando em algum lugar lá em cima, no imenso céu, mesmo que eu não consiga vê-las.

O desconhecido é mais que um senhor sem rosto, é uma sombra tenebrosa que não se revela.  Mesmo tapa, uma porta fechada, sem chave, um nome que não se pronuncia. E eu, aqui, eu aqui, sigo escrevendo cartas que nunca serão entregues, tentando dar forma ao vazio, como se pedisse socorro a alguém que nunca virá para me dizer “ei, ser vivente, elas apesar dos pesares, voltarão, se acalme, estão chegando”. Talvez seja isto que restou: eu no meu oco tentando aprender a toque de caixas, a porradas de uma vida vazia e cruel a conviver com o invisível, com o que me escapa das mãos. Aceitar que há histórias que não se contam, destinos que não se alcançam — tendo consciência de que a perquisição de toda esta infelicidade atroz segue sendo uma só: até quando? Só Deus tem as respostas. Enquanto estas indagações não são respondidas, eu sigo.

Me embrenho, me descabelo, entre o peso esmorecido e consternado da ausência e a leveza gélida, perversa e lancinante da imaginação. Me infiltro às apalpadelas, entre o silêncio mordaz e pétreo que dói e as palavras impiedosas que tentam preencher o meu “eu interior”. Sigo como quem caminha em direção ao nada. Me enlaço acreditando que o nada também pode guardar segredos. Talvez seja isso: eu, aqui, sem saída, sem horizonte, aprendendo de alguma forma, ainda que meio destrambelhado e feérico, que nem tudo precisa ser efetivamente revelado. Tenho urgência em tomar ciência, ou consciência, de que há histórias as mais diversificadas que se escrevem no invisível. Mesmo modo, destinos que se cumprem longe dos nossos olhos. E que, mesmo sem saber como chegar, colocar na cabeça, de uma vez para sempre, que ainda é possível, ainda é possível ESPERAR.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Reside atualmente em Vila Velha/ES.
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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Silmar Bohrer (Croniquinha) 149


Protagonista da existência, aprendi que o bom viver é vivenciado pela gama de situações vividas, essa mistura em variedade onde se aproveita um pouco de tudo - legítimo caldão dos dias.

O que é o caldão?

Dezenas de contextos que podemos viver no dia a dia, ao longo do tempo, capazes de insuflar a vida de qualquer um quando vê com os olhos de esperança, bons pensares, alegrias, bom humor sempre. Conjunturas como estas fazer parte do cardápio de pequenas doses de porções diárias como estas a seguir.

Acordar sorrindo, ouvir os pássaros, contar histórias, gargalhadas diárias, apreciar as auréolas do amanhecer, cultivar o otimismo, vibrar com as coisas bonitas, leituras, viver o presente, tomar bastante água.

Deixar a vida fluir, cantarolar com o riacho, ouvir a voz do silêncio, conversar com os animaizinhos, gritar para o infinito, vida vibrante, cantar sempre, ouvir estórias, assobiar cantigas com o vento.

Viver! 
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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).
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Texto enviado pelo autor.
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Eduardo Martínez (Vitinho, o craque que gostava de roubar)

O policial e aquele ladrão já se conheciam de longa data, tanto é que, apesar de estarem de lados opostos, havia certa empatia entre os dois. Tanto é que eles se tratavam sem muita cerimônia: Marcelo e Vitinho. Ambos se respeitavam, não existia trairagem entre eles. No entanto, sabiam que, enquanto um faria o possível para prender, o outro não pouparia esforços para escapar.

Marcelo conhecia tanto da vida daquele criminoso, que não entendia o porquê dele não ter permanecido num grande time de futebol de São Paulo, para onde havia sido levado, ainda menino, por um olheiro. Sabia que Vitinho logo se destacara entre os jogadores e, por isso, cedo ganhou a camisa 10. Era titular absoluto! 

Um futuro brilhante pela frente o aguardava. Todavia, sem avisar quem quer que fosse, fugiu da concentração, onde morava com outros também meninos. Sumiu!!! Vitinho, além de ser craque com a bola, era também muito bom de lábia. Pegou algumas caronas e, três dias depois, surgiu na casa dos pais, naquela pequena cidade do interior.

– Por que você fez isso, Vitinho? 

  – Sabe, Marcelo, eu não suportava ficar preso naquela concentração! A gente não podia sair, aqueles caras eram muito controladores. Isso me deixava doido! Eu não gostava daquilo!

– E do que você gosta?

– Quer saber mesmo? Cara, eu adoro roubar! Eu até trafico de vez em quando, mas o que eu gosto mesmo é da adrenalina de estar com um berro na mão e não ter a certeza de que vai dar certo. 

O policial, olhando para aquele quase amigo, se questionou sobre o que leva alguém a fazer certas coisas na vida. Ele não julgou os atos daquele criminoso, mesmo porque ele próprio, assim como a maioria de nós, nem sempre havia trilhado o caminho dos puros. Contudo, pensou na ironia do destino, pois o Vitinho, que não gostou de ficar preso naquele famoso time da capital paulista, iria passar um bom tempo trancafiado no presídio.
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

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