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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Mensagem na Garrafa = 137 =


ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

CUMPLICIDADE

Pequeno preito de gratidão à lua.

Tu me seduzias com tua inebriante claridade.

E eu, cativo, não resistia aos teus insistentes apelos.

Sob o manto da noite, me guiaste, soberana, quando percorri caminhos improváveis e situações inusitadas.

Me ajudaste em paixões, exibindo tuas companheiras estrelas, para que eu as contasse quando estivesse nos braços de alguém.

Sou-lhe grato também pelas inúmeras vezes, que para conter meus excessos, tu me indicavas estar indo embora, e que a intensa luz do dia não mais encobriria minha conduta.

Tu, recatada, por vezes se escondia atrás das nuvens para não presenciar minha desvairada boemia. Fostes testemunha e cúmplice de minhas aventuras em amores proibidos.

Ocultaste-me em tuas sombras quando eu corria perigo em minhas descuidadas andanças.

Certa vez, talvez para exibir-me perante os companheiros de copo, ousei afirmar que tu não passavas de matéria que se deslocara da Terra após o choque com o planeta Theia.

Ao sair, olhei para o céu, e tu, tristonha, estavas minguante. Voltei então à mesa e desdisse tudo o que antes afirmara de ti. Ao sair novamente, tu estavas crescente a sorrir para mim. 

Foi o sinal para nossa eterna cumplicidade.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Mensagem na Garrafa = 136 =

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA 
Vila Velha/ES

O Tempo corre, passa e não retrocede

O TEMPO, SEMPRE O TEMPO! Esse senhor misterioso que nos rodeia a cada dia, que passa, e avança. Ele não para. Vai em frente, segue emparelhado e sorrateiro, grudado em cada um de nós à tiracolo. O tempo, sempre o tempo! Essa criatura carrega consigo uma certeza inabalável. Cada segundo que se esvai é como uma gota de água que escorrega entre os nossos dedos. Portanto, impossível de ser recuperada. Desde o primeiro respirar, até o último, somos marionetes de suas cordinhas escondidas, como se fossem outros fantoches ocultados dançando ao som de uma melodia que nunca estanca.

Às vezes, paramos para refletir. Nesses intervalos de quietude, percebemos como as memórias se acumulam iguais folhas caindo no outono. Cada uma delas traz fragmentos de nós, tipo uma experiência que nos moldou e que embora distante, ainda ecoa em nosso “eu” encoberto. Mas o tempo inexorável não espera por ninguém. Não dá trégua, nem é adepto de um possível armistício. Não dorme, não come, não dá uma folga. Ele se move incessantemente, indiferente ao nosso anseio de reverter o relógio. Aliás, o relógio também não estanca para alicerçar um descanso quando todos os ponteiros se cruzam no mesmo ponto nevrálgico. 

Apenas se cumprimentam, trocam mensagens ocultas e seguem perambulando sem dizer coisa alguma. No entanto, se prestarmos a devida atenção, se não estivermos grudados na tela de um celular assistindo vídeos imbecilizados, notaremos que há uma beleza rara nessa transitoriedade. O tempo, entre tantas facetas que não percebemos, seja por descuido ou negligência, muitas vezes não atinamos por puro descaso. Apesar dos pesares, ele nos ensina a valorizar o agora, a saborear cada instante do hoje, como se fosse o nosso “já,” ou faz bailar aquele antigo jargão piegas, do “ei, cara, pega, agarra e não larga.” Certamente nos deslumbraríamos com um vivenciar edificante e magistral. 

É na urgência açodada de um minuto e outro que descobrimos que o viver que encontramos é exatamente onde se faz presente a verdadeira essência da vida. Cada riso, cada lágrima, cada amor e desilusão compõem uma tapeçaria rica e complexa que, mesmo a gente sabendo que não poderá ser desfeita, num perímetro ainda que fugaz, essa alfombra colocará uma chama de perspectiva em nosso descaso. Nesse tom, ao invés de temê-lo, talvez devêssemos abraçar o tempo com gratidão. Ele nos empurra para frente, nos desafia a evoluir, a deixar nossas marcas no ontem do mundo. O tempo corre, passa faminto de amanhã e não retrocede em busca de migalhas. 

Todavia, deixa em seus calcanhares, um legado: somos todos, sem tirar nem pôr, parte integrante de uma história que continuará a ser escrita, onde cada capítulo nos mostrará uma nova oportunidade de transformação. Lá adiante, no final da caminhada, quando olharmos para o “de onde viemos”, nos será dada a chance, talvez a derradeira, para que possamos fazer tudo o que não fizemos e agradecer com um sorriso de retribuição no rosto, e o melhor de tudo, cientes de que cada instante vivido foi, de fato, precioso. O tempo não retrocede porque a sua natureza é linear e irreversível. Essa característica é intrínseca à forma como percebemos e medimos o tempo do nosso momento presente. 

Cada lance se sucede de maneira contínua. Essa linearidade é refletida em tudo que nos cerca: as estações mudam, as fases da vida se sucedem e as experiências se acumulam. Cada ação e escolha nos molda e deixa marcas que não podem ser apagadas. Essa irreversibilidade nos mostra, nos faz ver, nos ensina a importância de valorizar o presente, a agir com consciência e a aprender com o que deixamos na poeira do passado. Além disso, o tempo também é uma força que impulsiona o crescimento e a transformação. Ele nos dá a oportunidade de prosperar, de superar desafios e de redescobrir a nós mesmos a cada novo dia, toda vez que acordamos. 

Se pudéssemos retroceder, uau!... se pudéssemos descontinuar... talvez não apreciaríamos a beleza ímpar do agora, a riqueza maviosa desse vai e vem incansável e a opulência das lições aprendidas ao longo da estrada que nos trouxe até onde estamos. Por isso o tempo nos sucede, avança, e, nesse eclodir, nos convida a seguir em frente, a correr como ele e a construir uma sequência de coisas novas que não podem ser desfeitas. Em retribuição, nos oferece uma gama incalculável de aprendizado e crescimento. Assim, ao invés de temê-lo, talvez devêssemos abraçar o tempo, esse nosso tempo com o mais glorioso reconhecimento. 

Ele nos empurra com toda força para a frente, nos desafia a evoluir, a deixar nossas marcas no ontem do mundo. O tempo corre, repito, passa e não retrocede, mas deixa em seus passos, melhor dito -, acumula em nossas pegadas, um legado excepcional, qual seja, o de entendermos que somos todos, sem tirar nem acrescentar, parte integrante de uma história que continuará a ser escrita e onde em cada capítulo se consubstanciará em uma nova “porta-oportunidade” de transformação. Lá adiante, no final da caminhada, esperando, sempre que ela seja bem longa, oxalá, quando olharmos para os lugares onde passamos e vivenciamos coisas (todas as coisas) nos seja dada a chance para que possamos sentar à sombra de uma árvore de aconchego caridoso e agradecer com um sorriso vindo não do rosto, mas do mais profundo das nossas entranhas. 

E o melhor de tudo: cientes de que cada instante se fez excepcional, peregrino e privilegiado, ainda que especial e incontroverso. Pois bem! Enquanto o tempo avança e desbrava, e nos leva aos cuidados da dona morte, ele também nos convida a refletir sobre o que realmente importa. O que fazemos com os momentos que temos agora, as conexões que formamos e as experiências que adquirimos. Essas pequenas coisas formam “o todo,” ou alimentam tudo aquilo que dá significado à passagem pelo tempo. Em última análise, levando em conta que mencionamos a morte, falemos um tiquinho apenas dela. A morte pode ser vista não como um fim, como uma parte do ciclo da vida. 

O tempo, sempre o tempo, apesar disso, ele não "supera" a morte, bem entendido, não desbasta, ou não se nivela no sentido de reverter o processo. Contudo, nos incita a encontrar significado e beleza mesmo no inesperado da existência. Essa capacidade de renovar ou desfigurar foi, de fato (se pararmos para pensar e analisar friamente, chegaremos) à conclusão de que tudo o que vivemos e vivenciamos, se fez inesquecível e indubitavelmente precioso. Pense, pois, reflita friamente o que você tem feito com o seu tempo? Olhe em volta, ou melhor, espie para dentro do seu âmago e procure achar a reposta. Faça isso agora. Amanhã?! O amanhã... pode ser tarde demais.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Mensagem na Garrafa = 135 =

INGRID APARECIDA DITZEL FELCHAK 
Ivaí / PR

Pedro e a Pedra

Neste caminho de cruzes ele nasceu. Franzino e triste pesava mais de dois quilos de aflição. Chegou com as defesas em punho e a coragem à mostra. Lutou com o peito seco da mãe e o abandono do pai. Aos sete anos se viu sozinho no mundo de Deus.

Perambulou pela rodoviária, avenidas e ruas. Desfilou em frente às vitrines e restaurantes. Encontrou e desencontrou amigos. Dormiu namorando as estrelas e teve como cobertor o frio e a garoa. Em algumas ocasiões correu, correu e correu. Completou dezoito anos e começou a labutar. Engraxava, lustrava e o troco guardava. Mas foi naquele dia que tudo mudou.

Na amarga desventura numa pedra tropeçou. Ele, o sobrevivente, agarrou com fé as últimas moedas. Olhou o cartão, marcou e apostou. Não deu outra...

Hoje Pedro mora em Petrolina. Colhe frutas nos vastos pomares. Continua a namorar o céu na noite de São João. Nunca esqueceu o frio que transpassava a alma e a fome que corroía as entranhas. Sempre repete:

– Jamais negue um copo d'água, pão e cobertor, pois na vida você pode tropeçar em uma pedra. A minha guardo até hoje no bolso. Não desgrudo não! A sorte é para todos... Não é, senhor?

(2. lugar na modalidade conto, Estadual, no IV Concurso Literário Foed Castro Chamma, 2023)

Fonte: Luiza Nelma Fillus e Flávio José Dalazona (org.). IV Concurso Literário Foed Castro Chamma 2023. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2023.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Mensagem na Garrafa 134

 


Autor Anônimo
(adaptação do texto de Homero) 
Argos

A história de Argos, o cão que esperou 20 anos pelo retorno de seu dono para poder morrer, é uma das mais tocantes demonstrações de lealdade que o mito grego preserva. Ulisses, o herói que sobreviveu às mais cruéis batalhas e aos desafios épicos da Odisseia, retornava finalmente à sua amada Ítaca. Não era mais o guerreiro robusto e vibrante que partiu para a Guerra de Troia; o tempo e a guerra haviam marcado profundamente seu corpo e sua alma. Sua esposa não o reconheceu. Entre a multidão de rostos que passavam, ninguém sabia quem era aquele homem envelhecido e disfarçado como mendigo. Apenas um ser, silencioso e fiel, viu além do tempo e das aparências.

Argos, o cão que o esperou por duas décadas, mesmo cego, enfraquecido e à beira da morte, soube que Ulisses estava de volta. A ligação entre os dois transcendia o tempo, a guerra, e até mesmo o disfarce do herói. Quando Ulisses cruzou os portões de sua terra natal, Argos, exausto pelos anos de espera, arrastou-se até seu mestre, com o último fio de energia que lhe restava. O olhar de Argos foi o reconhecimento silencioso que Ulisses nunca precisou pedir. Sem poder revelar sua verdadeira identidade para proteger sua missão, Ulisses não pôde chamá-lo, mas suas lágrimas denunciaram a dor e o amor contidos naquele reencontro.

A cauda de Argos balançou uma última vez, um movimento lento, carregado de anos de espera e dedicação. E ali, nos pés do herói que tanto aguardara, Argos deu seu último suspiro. A sua morte simboliza algo maior que a lealdade canina: é a prova de que o amor verdadeiro, mesmo silencioso e paciente, jamais se apaga. Como o mais fiel de todos os companheiros, Argos morreu apenas quando sua missão estava cumprida. O seu dono estava de volta, e só então, o cão pôde descansar.
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SIGNIFICADO

A história de Argos não é apenas um conto de lealdade. É um lembrete profundo de que, por mais distantes que estejamos dos que amamos, o verdadeiro amor sempre reconhece o retorno. Mesmo depois de 20 anos, a alma de Argos nunca esqueceu.

O cão, apesar de inúmeras tentativas infantis de humanizá-lo nos dias de hoje, pelas atribuições de características que não são de sua natureza, completa o homem com sentimentos e emoções que o homem não tem. Invés de tentar torná-lo semi-humano, poderíamos aproximar mais nossos corações do coração canino. E assim, talvez fosse possível absorver esta enorme generosidade, comum entre os cães, mas tão difícil para os homens.

Descrito pela literatura de Homero, no século VIII a.C., a lembrança de Argos, nome grego de significado “o que tem luz”, permanece pela eternidade, afinal todos os cães do mundo são iguais ao fiel amigo Argos.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Mensagem na Garrafa = 133 =

RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Porque sou poeta

Era uma casinha modesta no meio do chapadão. Ali o sertão me cultivava. 

Lá fora, o vento com seus dedos esguios tocava a folhagem e as árvores gemiam. A noite passeava em mim e seguia seu curso em busca de um novo amanhecer. 

Tudo era um chamado à meditação, tudo mostrava um recado do Criador que, em minha precoce alma de poeta, eu procurava decifrar. 

O dia amanhecido me reerguia igual ao sol daquela manhã cheia de significados, enquanto eu, miúda de extravagâncias, deixava que a santidade do sertão me cultivasse de acordo com aquele momento sublime, vazio de ambições, mas repleto de Deus. E minha alma vagava pela imensidão dos campos verdes pisando aquela manhã orvalhada de poesia. 

Ali, nasceu meu jeito de ser poeta. Um poeta das miudezas, diante do imenso mundo que me cercava. 

Minha alma foi treinada para menos, sou abastada de conformidades, a poesia me fez terra, rio e sertão. Isso me basta. 

Sou poeta porque a natureza versa em mim.

Fonte: Texto enviado pela autora 

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 132 =


MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

Presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, trevo machucado,
folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo.
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 131 =


ANTOINE DE SAINT EXUPÉRY
Lyon/França, 1900 – 1944, Mar Mediterrâneo

As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. 

Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. 

Mas todas essas estrelas se calam. 

Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! 

Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. 

Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). 

Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. 

Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!

domingo, 28 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 130 =


MARIA DE QUEIROZ
(Rio de Janeiro/RJ)

Gratidão

Diariamente eu chego a simples conclusão de que a vida é tão maravilhosa porque também é feita de colos, de feridas que cicatrizam, de amigos que celebram ou choram junto, de café coado com coador de pano, de gente que pega ônibus ou faz caminhada pela manhã, de quem planta o que se pode comer, de vizinhos que alimentam seus gatos com comida de gente. Que a vida é feita de algumas pessoas que direcionam todo o seu potencial criativo para melhorar a qualidade de vida de gente que eles nem conhecem. Que é feita de e-mails que chegam recheados de saudade e de cartas extraviadas solitárias numa gaveta de um correio qualquer. De muros e pontes e cais. De aviões que suprimem distâncias e de barcos que chegam. De bicicletas que atravessam cidades. De redes que balançam gente. De rostos que recebem beijos. De bocas que beijam. De mãos que se dão. Que existem pessoas altamente gostáveis, altamente rabugentas, altamente generosas, pessoas distraídas que perdem as coisas, mal-educadas que buzinam sem necessidade, pessoas conectadas que se preocupam com o lixo, pessoas sedutoras e seduzíveis, possíveis e impossíveis, pessoas que se entregam, pessoas que se privam, pessoas que machucam, pessoas que chegam pra curar desencadeadores de poemas, de sorrisos, de lições de vida que ficarão guardadas para sempre… A vida é tão maravilhosa porque ela nos compensa com ela mesma.

sábado, 27 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 129 =


SILVANA DUBOC

Trem da vida

Há algum tempo atrás, li um livro que comparava a vida a uma viagem de trem. Uma leitura extremamente interessante, quando bem interpretada.

Isso mesmo, a vida não passa de uma viagem de trem, cheia de embarques e desembarques, alguns acidentes, surpresas agradáveis em alguns embarques e grandes tristezas em outros.

Quando nascemos, entramos nesse trem e nos deparamos com algumas pessoas que julgamos, estarão sempre nessa viagem conosco: nossos pais. Infelizmente, isso não é verdade; em alguma estação eles descerão e nos deixarão órfãos de seu carinho, amizade e companhia insubstituível... mas isso não impede que, durante a viagem, pessoas interessantes e que virão a ser super especiais para nós, embarquem.

Chegam nossos irmãos, amigos e amores maravilhosos.

Muitas pessoas tomam esse trem apenas a passeio. Outros encontrarão nessa viagem somente tristezas. Ainda outros circularão pelo trem, prontos a ajudar a quem precisa. Muitos descem e deixam saudades eternas, outros tantos passam por ele de uma forma que, quando desocupam seu acento, ninguém nem sequer percebe.

Curioso é constatar que alguns passageiros que nos são tão caros, acomodam-se em vagões diferentes dos nossos; portanto, somos obrigados a fazer esse trajeto separados deles, o que não impede, é claro, que durante o trajeto, atravessemos com grande dificuldade nosso vagão e cheguemos até eles... só que, infelizmente, jamais poderemos sentar ao seu lado, pois já terá alguém ocupando aquele lugar.

Não importa, é assim a viagem, cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, despedidas... porém, jamais, retornos. Façamos essa viagem, então, da melhor maneira possível, tentando nos relacionar bem com todos os passageiros, procurando, em cada um deles, o que tiverem de melhor, lembrando, sempre, que, em algum momento do trajeto, eles poderão fraquejar e, provavelmente, precisaremos entender porque nós também fraquejaremos muitas vezes e, com certeza, haverá alguém que nos entenderá.

O grande mistério, afinal, é que jamais saberemos em qual parada desceremos, muito menos nossos companheiros, nem mesmo aquele que está sentado ao nosso lado.

Eu fico pensando se quando descer desse trem sentirei saudades ... acredito que sim. Me separar de alguns amigos que fiz nele será, no mínimo dolorido. Deixar meus filhos continuarem a viagem sozinhos, com certeza será muito triste, mas me agarro na esperança que, em algum momento, estarei na estação principal e terei a grande emoção de vê-los chegar com uma bagagem que não tinham quando embarcaram... e o que vai me deixar feliz, será pensar que eu colaborei para que ela tenha crescido e se tornado valiosa.

Amigos, façamos com que a nossa estada, nesse trem, seja tranquila, que tenha valido a pena e que, quando chegar a hora de desembarcarmos, o nosso lugar vazio traga saudades e boas recordações para aqueles que prosseguirem a viagem.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 128 =


APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Traumas 

AS INCISURAS invisíveis da alma –, ou aqueles talhos sangrentos que não dimensionamos à olhos nus, são como terremotos internos que abalam as estruturas mais profundas do nosso ser. Elas não escolhem hora nem lugar, tampouco avisam que estão coladas em nossa pele. Sempre deixam cancelas profundas e marcantes que nem o tempo é capaz de apagar, pelo menos de uma maneira que acreditamos completa e sem melindres para reclames posteriores.                                                                               
 
Cada pessoa carrega dentro de si seus medos e aflições, assombros e espantos de maneira única, tipo assim, como se fosse uma ferida questionando a maneira de como vemos o mundo e interagimos com ele. São memórias dolorosas alojadas em cantos e desvãos esquecidos dentro da mente e, para o nosso desespero, emergem do corriqueiro nosso de cada dia, notadamente quando menos esperamos. 

As repugnâncias e as decepções, podem nascer de momentos de grandes dissabores, seja por perda ou por simples melancolia. Podem vir, em paralelo, tipo uma infância difícil, uma quadra de relações debilitadas sem motivos aparentes, ou seja, de palavras vazias que somente têm por objetivo ficarem mais profundamente visíveis que qualquer outro corte físico. Elas nos ensinam, apesar dos pesares, a sermos moderados, cautelosos e prudentes. 

Nós, brasileiros, de um modo geral, não somos, nem levamos a coisa à sério. Vivemos dispersos, voando em sonhos sem futuro lógico. Se estivéssemos ligados e atentos, unidos e agregados em um objetivo (vinte e quatro horas por dia), construiríamos muros altos ao redor do nosso coração e de suas fragilidades. Desse modo, olharíamos com mais atenção e carinho para o horizonte e, sobretudo, encararíamos o futuro com uma forte dose de esperança. Existe, por conta de tal imprevisto, pequenos outros entraves. Quais seriam?! As escoriações e os traumas. Referidas figuras também podem ser empecilhos, e sempre afloram com algo embutido no mesmo pacote. 

Outras situações rigorosas surgem a todo instante, nos ensinando lições valiosas sobre superação. Aprendemos a nos levantar após cada queda, a curar e tratar as feridas com compaixão e a transformar a dor em força.  A jornada de cura dos traumas é pessoal e muitas vezes solitária. Requer coragem para enfrentar de peito aberto e cabeça erguida, os fantasmas do passado. Atrelado a esses espectros, feito unha e carne, devemos alimentar a vontade férrea de buscar ajuda urgente quando ela se fizer necessária. 

Nessas horas, uma terapia ou o apoio de amigos e familiares são fundamentais no decorrer desse processo. É importante lembrarmos que, embora os percalços façam parte ativa do que somos, eles não nos definem. Tais imposições, nos ensinam apenas que somos muito mais poderosos que as nossas experiências, notadamente as doridas e amargas. Com o tempo, cultivando a paciência e o trabalho, poderemos aprender a conviver com os nossos piores pesadelos, sem permitirmos que eles destruam as nossas vidas ou a de nossas famílias. 

No final, os traumas, ou as crises, são apenas partes indistintas da complexa tapeçaria que nada mais é que a experiência humana disfarçada em outra roupagem. Eles, os traumas, nos ensinam, mais, ou melhor, nos mostram, nos orientam e nos falam abertamente sobre a vulnerabilidade e a força. Do mesmo modo, nos capacitam sobre a teoria do “se quebrar e se reconstruir.” Talvez, paralelamente, nos tornem mais empáticos e compreensíveis com as lutas e pelejas dos outros, todos, obviamente sem distinção de raça ou credo. 

O fato é que, de repente, sem que esperemos por algum resultado benéfico, poderemos ter diante de nosso cotidiano, as nossas batalhas internas, e, de roldão, as guerras particulares refreadas, saradas e apaziguadas, ou mesmo resultado, qualquer outro traumatismo que nos tente levar para o buraco da perdição, ainda que infâmias que no dia a dia, minuto a minuto pelejam arduamente para nos tirar o foco, ou a paz e o sossego da verdadeira jornada que intencionamos seguir trilhando... se faz mister termos os olhos abertos. A mente em alerta, o corpo todo em estado de vigilância total. Dessa forma, simples e corriqueira, conseguiremos a condução da tão sonhada, desejada e querida FELICIDADE.

(Texto enviado pelo autor)

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 127 =


por SILVANA DUBOC

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.

Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!

Se perceber que precisa seguir, siga!

Se estiver tudo errado, comece novamente.

Se estiver tudo certo, continue.

Se sentir saudades, mate-a.

Se perder um amor, não se perca!

Se o achar, segure-o!

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 126 =

IVO LIMA
São Paulo/SP

O que fazer com a saudade?

A saudade sempre estará presente em nossa vida. por mais que queiramos, nunca vamos afastá-la completamente de dentro de nós.

Sentimos saudade de um ente querido que já partiu dessa vida para outra dimensão; temos saudade do amigos (as) de infância; sentimos saudade de um lugar que era especial para nós; guardamos uma eterna lembrança de alguma coisa que nos marcou profundamente; temos saudade de um amor que foi eterno enquanto durou.

A saudade passeia pelas entranhas de nosso ser e mistura aos nossos sentimentos mais profundos.

A saudade nos faz sonhar acordados e ver na tela do tempo para além da imaginação e acima das aparências.

A saudade faz renascer dentro de nós imagens que nem o tempo, nem o vento e nem a distância conseguem apagar.

A saudade não respeita barreiras, tem a velocidade da luz e a sensação da eternidade.

Por causa da saudade muitas vezes choramos, outras vezes rimos de nós mesmos e também temos a sensação de que, muitas vezes, éramos felizes e não sabíamos.

Se pudéssemos arrancaríamos de nosso coração a saudade que carregamos de certas coisas e pessoas, porque assim não povoaríamos nossa mente com lembranças que só nós fazem sofrer na contramão do tempo.

Quando a saudade bate forte nos atira pelo alto, nos lança no palco do passado e perdemos o controle de nossa própria imaginação; e quando menos esperamos, damos de cara com lembranças que nos tomam de surpresa como o furor de um vendaval no descampado da vida.

A saudade também traz recordação de momentos felizes que passamos, e ai ela nos joga nos braços do contentamento outra vez e sentimos o que vivemos no passado vale a pena. de outra parte, se nós não sentíssemos saudade, nosso passado seria como um livro de páginas arrancadas; nada seria acrescentado das experiências vividas em nosso presente e nem poderíamos usá-las como suporte para ajudar nossas buscas na rota do futuro.

Já que não é possível deixar de sentir saudade, precisamos transformar a saudade que sentimos em motivação para superar os obstáculos que a vida nos coloca no caminho.

Que saudade não seja uma sina maldita, com o qual temos que conviver para o resto da vida, nas que saibamos transformá-la em dádivas para escrevermos no diário de nossa história muitas lições na arte de viver e ser gente.

Que o lado negativo de nossas lembranças não pesem mais na balança de nossos sentimentos.

A saudade é será sempre nossa eterna companheira de viagem. vida e saudade caminham lado a lado. é impossível dissociá-la.

Se não existisse saudade, que gosto a vida teria? a saudade abre lacunas que precisam ser preenchidas com vibrações de esperança, dose de otimismo e com o orvalho da serenidade.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 125 =


POETA DA COLINA
(Danilo Mendonça Martinho)
São Paulo/SP

Oração do Poeta

Que eu nunca me cale
Que a palavra vença a dor
Que alma grite as verdades

Prometo não fechar os olhos pro mundo
Sentir suas aflições
Revelar seus detalhes
Compartilhar sua realidade

Essa é a minha luta
Ter voz no meio do silêncio
Ter coragem quando há medo
Ter esperança quando se está perdido
Ser quem nunca desiste

Sou poeta
A palavra é minha arma
O verso é meu escudo
E a poesia viverá para sempre

domingo, 21 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 124 =


CLEUTTA PAIXÃO
(Cleutta Inêz Christina Paixão)
Alto Araguaia/MS

Oração do Escritor

Senhor Deus!
Arquiteto criador do Universo!
Inspiração aos escritores do livro da vida!
Venho hoje agradecer a graça
E o dom da escrita
Que me foi concedido.
E a vós pedir,
Que o Divino Espírito Santo
Que me rege,
Ilumine e inspira,
Criar os escritos
Que saem de minha alma.
E abençoe minha mente
Cada dia mais.
E abençoe meu Ser
Para que continue a ser
Responsável e virtuoso.
E Eu possa usar
Meus escritos com responsabilidade.
E que outras pessoas
Possam se alimentar deles.
E possam os leitores ter norte
Através dos meus escritos.
E que possam induzir
Aos leitores a busca
De leituras sadias
E do caminhos do bem
E da verdade.
Amém

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 123 =


Antonio Brás Constante 
Canoas/RS

A SIMPLES CORAGEM DE SORRIR

Sorrir é uma prova de coragem. Neste mundo pessimista e individualista, ter forças para sorrir nos faz compartilhar com nossos semelhantes à janela de nossas almas. O sorriso é um símbolo de carinho. É universal. Une as pessoas e embeleza a vida.

Pena que este gesto tão nobre e bonito, cada vez mais se perca dentro daqueles que se guiam pelo ódio e pelo preconceito. Para eles, um simples olhar já é motivo para externar toda sua raiva. Um sorriso é um sinal de fraqueza que deve ser combatido com agressividade insana, deboche ou tola antipatia. Não consideram os outros como sendo seus semelhantes, apenas intrusos aos seus domínios ilusórios. Comportam-se como animais. Não se enquadrando nas definições que conhecemos sobre humanidade. Pois preferem atear fogo em dicionários a descobrir suas definições. Pisar em sentimentos a ter que estender a própria mão.

Tais seres dantescos parecem estar sempre dispostos a tirar a luz de quem cruza o seu caminho nefasto. O único sorriso que conhecem é o do desprezo. Pobres essencialmente de espírito. São parasitas que apodrecem as relações entre as pessoas. Espalhando medo, crueldade e selvageria por onde passam. E é neste mundo louco em que vivemos, que a voz silenciosa do sorriso deve emergir com cada vez mais força. Combater o caos com civilidade, desespero com esperança, desamparo com auxilio, mas sempre com um cartão de apresentações saído de nossos corações e expresso em nossos lábios. O sorriso é uma arma de paz, que não mata, mas desarma. Encanta. Purifica sentimentos. Basta sabermos usá-lo, basta querermos usá-lo.

Enfim, mesmo vivendo em meio a uma realidade que cada vez mais nos fecha em conchas de solidão, quem sabe se esta demonstração de coragem oferecida gratuitamente e gentilmente aos nossos irmãos de vida, moradores e tripulantes desta pequena e grande nave chamada Terra, não consiga transformar as caras fechadas de tantas pessoas (meras fachadas vazias e tristes), em fachos de um singelo brilho de amizade, criando assim, um mundo onde nossos filhos tenham mais motivos para sorrir do que para chorar. O simples gesto de sorrir não depende de palavras, só depende de nós. 

Você já sorriu hoje?

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Mensagem na Garrafa = 122 =

A. A. DE ASSIS 
(Maringá/PR)

PROCURAM-SE OUVIDOS
 
Nós, os trovadores, aliás os poetas de modo geral, somos carentes de ouvidos que nos escutem. Os mortais comuns nem sempre estão dispostos a conversar sobre algo que não seja economia, política, esporte, programas de televisão, coisas assim. Papo poesia é do interesse de uns poucos privilegiados sonhadores, pouquíssimos. Por isso é preciso valorizar mais os nossos encontros, desde as reuniões mensais com os companheiros residentes na mesma cidade até os grandes momentos como os Jogos Florais. Nessas ocasiões a gente fala e ouve tudo o que estava acumulado no coração, à espera de chance para vir à tona. E como isso faz bem! Puxa vida... é muito triste, por exemplo, você fazer uma trova e não ter a quem dizê-la. Ficam aqueles versos presos na garganta, querendo sair, e não há por perto um ouvido generoso capaz de hospedar e de entender o seu recado. Algumas vezes a angústia é tanta que a gente pega o telefone, liga para um trovador ou para uma trovadora distante e solta o desabafo. Fazemos falta uns aos outros. Muita falta. Somos gente rara neste mundo seco; então, quando nos encontramos, é aquela festa enorme. Cada qual aproveita para libertar a alma, trocar ideias, atualizar notícias, matar saudade. O problema é que os nossos encontros duram tão pouco. Umas poucas horas de intensa alegria, e temos logo de descer do Parnaso, voltar ao que habitualmente as outras pessoas chamam de realidade... Que pena!

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Mensagem na Garrafa = 121 =

Lóla Prata
Bragança Paulista/SP

PLENITUDE

O anjo-menina pulou de nuvem em nuvem e apresentou-se para o plantão do serviço noturno. O santo encarregado designou-a a proteger várias pessoas, à quais fora ligada por humanos afetos familiares. A primeira que constava era o nome de sua mãe terrena. O anjo-menina saltitou em êxtase de cristalina alegria! Ora, cuidar da mãe temporal seria um acréscimo de graça à abundância de paz e luz que gozava desde a vinda para a eternidade...

Como todo anjo, era ligeirinha, voava, no sentido literal. Num milésimo de segundo desceu e reviu a mãe biológica descansando na cama: linda velhinha com cabelos despenteados, mas no semblante, os mesmos traços meigos.

O anjinho abraçou-a repetidas vezes enquanto a mulher sorria como se captasse os fluidos amorosos. Com certeza, sentia-lhe a presença, pois percorria com o olhar o ambiente semiescuro, tentando localizar a fonte de tal sensação. Seria a invisível presença da filhinha que partira há tanto tempo?

As duas deixavam-se penetrar de santo amor!

A pequena mensageira divina acomodou-se ao lado da anciã, acariciando-lhe os cabelos até ela adormecer, embalada pela repetição das Ave-Marias do rosário. Cumprida a missão, alçou voo, alegremente, em busca dos outros da relação do trabalho noturno.

Possuía a felicidade em plenitude!

domingo, 12 de maio de 2024

Mensagem na Garrafa = 120 =


Francisco José Pessoa
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Quem sou eu?

Sou o que sou... triste, olhando os que me pisam na indecisão de aonde ir, esquecida pela mãe água, açoitada pelo pai vento, como num castigo de quem fez algo errado. Provação? No meu rego, antes para mim sagrado, agasalho um protótipo de homem que prometeu a fertilidade do meu solo. 

Ledo engano...

E, vendo-me hoje, sem o acalanto das noites antes bem dormidas, quando a lua na sua máxima circunferência com o seu ofuscante clarear, era a inspiração do artista que me cantava em prosa e verso, quedo-me faminta por um amor que deveria ter sido criado pelo nosso Grande Geômetra.

Orgulho-me em ser útero de pulmões, pois, dos meus filhos verdejantes, respira o homem o mais puro dos ares.

Às vezes, abraçada por cascalhos onde brotam vegetais teimosos, outras, afogada pela exagerada água que me asfixia, torno a viver, bendizendo ao meu Deus Sol, pronta, mais uma vez, a ser morada das raízes que alimentarão o corpo das ervas mesmo que daninhas.

E, no entrechocar de pás e enxadas que castigam, choro calada em oração pedinte para aqueles que lançam-me ao vento, dilacerando a minha epiderme mas, o meu interior, este sim, é protegido das agressões do homem que não pensa… E continuo a viver para protegê-lo.

Chamam-me TERRA, morada dos vermes, alimento dos homens.

(Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013. Livro enviado pelo autor.)

sábado, 11 de maio de 2024

Mensagem na Garrafa = 119 =


George Washington Abrão
Maringá/PR

A ESTAÇÃO

Em meados do século passado, mormente aos domingos ou feriados, a juventude jaguariaivense, vestida com os seus trajes domingueiros, sabedora dos horários de passagem dos trens de passageiros (misto, passageiro e noturno), dirigia-se à Estação Ferroviária para assistir a passagem dos comboios.

Da plataforma já se escutava o apito da locomotiva aproximando-se e também do sino que lá havia e que badalando dava o “pode” para que o trem adentrasse a estação. Quando ele estacionava, espalhando o cheiro acre de fumaça, começava o corre-corre dos vendedores de amendoim, sanduíches, doces e outras guloseimas; do desembarque e embarque dos passageiros; das moças e rapazes locais procurando olhar os jovens viajantes, mesmo que fosse apenas para ganhar apenas um olhar ou um sorriso. Também havia os que tinham mais sortes às vezes entabulavam breve diálogo com algum deles, a troca de endereços e promessa de correspondência. Era um encantamento fugaz que fazia com que as moças mais românticas sonhassem com um príncipe encantado, que talvez conhecessem naquele passeio.

Então, novamente o sino tocava, o apito langoroso em tom de despedida soava da locomotiva e o trem partia, a princípio lentamente, depois ganhando velocidade, levando lembranças e deixando saudades naquelas mentes juvenis.

Então, pouco a pouco, fazia-se o silêncio na bela estação, e todos iam se retirando para esperar a chegada do próximo comboio.

[George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017. Enviado pelo autor.]

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Mensagem na Garrafa = 118 =


Tito Olívio
Lisboa/Portugal

O VERÃO DE ANTIGAMENTE

Nos anos 30 e 40 do século passado, que incluíam os seis anos da Segunda Guerra Mundial, já havia uma grande afluência às praias, mas ao domingo, que era o único dia de descanso semanal. No campo ainda se trabalhava de sol a sol e só tinham férias de um mês os funcionários públicos. Na atividade privada, os patrões davam quinze dias de férias por ano e apenas aos empregados mais antigos.

Como a quase totalidade das pessoas tinha de utilizar os transportes públicos, somente podia frequentar as praias servidas por eles. Quem vivia em Lisboa tinha ao seu dispor o elétrico, o comboio de Cascais e os barcos do Tejo. O primeiro chegava até o Dafundo, permitindo que se aproveitasse a praia de Algés ou a da Cruz Quebrada; o segundo tinha início no Cais do Sodré e servia toda a chamada linha, permitindo usar as praias de Caxias, Paço de Arcos, Parede, Estoril e Cascais; os terceiros partiam de Belém e dirigiam-se para a Trafaria, de onde havia autocarros (chamavam-se camionetas) para a Costa da Caparica. O transporte mais barato era o elétrico, mas, mesmo assim, andava-se muito a pé, para poupar uns centavos. O custo dos bilhetes estava dividido em três escalões, conforme a distância, sendo de cinquenta (verde), oitenta centavos (amarelo) e um escudo (vermelho). Aos dias de semana e antes das oito horas da manhã, este último tinha um desconto para setenta e cinco centavos e chamava-se bilhete operário.

Os pobres atravessavam a cidade de Lisboa, a pé, descendo para a rua marginal, onde apanhavam o elétrico que partia de Xabregas e seguia até à Cruz Quebrada, passando pelo Terreiro do Paço, Cais do Sodré, Alcântara, Belém e Algés, cujo bilhete custava um escudo, estando isentas as crianças até os quatro anos.

Na praia, os banheiros instalavam barracas e toldos, mas os mais pobres sentavam-se na sombra formada nas traseiras das barracas, onde não tinham de pagar. Os banhos eram de manhã e à tarde e o almoço não era menos importante. Comia-se de prato e garfo e ninguém dispensava o garrafão de vinho. Para isso, as mulheres levavam, em alcofas de palha ou em cestos de verga, a comida feita, a louça e talheres necessários. Estas refeições também não dispensavam o guardanapo de pano e a fruta. Por essa altura, estavam na moda os piqueniques, que, fora do Verão, eram feitos nos campos de cultivo e nas hortas dos arredores da capital, porque ainda não estavam ligados a Lisboa o Lumiar, Odivelas, Sacavém e Olivais.

As férias escolares eram de três meses, de Julho a Setembro. A burguesia alugava casas de pescadores nas praias do litoral oceânico, entre Sintra e Mafra, onde, os homens deixavam a família e as criadas, ficando em Lisboa a trabalhar, apenas podendo aproveitar aquela mudança de ares nos domingos e nas suas pequenas férias. As pessoas do povo, porém, não podendo dar-se a esse luxo, iam ao domingo à praia, de transporte público. Os oriundos de fora da capital aproveitavam as férias do chefe da família para irem para a terra, exibindo, na pobreza das aldeias provincianas, uma falsa riqueza de quem vivia em Lisboa, traduzida em roupas novas e em dinheiro para gastar nas vendas.

Fonte> Carlos Leite Ribeiro e Iara Melo (eds.). Recanto da Prosa e do Verso. Ano II - Agosto - 2009.