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segunda-feira, 14 de julho de 2025
Ivan Jaf (A gata apaixonada)
Quando perguntam como é que eu consegui sair com a Carla, eu respondo que foi por causa do Aldemir Martins. O pintor famoso.
Eu estava, tranquilo, estudando. Juro.
Lá pelas 3 da tarde o telefone tocou. Era ela, a vizinha da casa 3.
A mãe morreu há uns quatro anos.
O pai é superciumento, não a deixa sair de casa nunca.
– Oi, Rodrigo… Você tem um gato grande, malhado?
– Tenho. O nome dele é Sorvete.
– Sorvete?
– Quando a gente encosta a mão, ele se derrete todo.
– Ele briga com a minha gata, a Tati.
– Já aconteceu várias vezes. Acho que é ciúme.
– De outro gato?
– Não. De um quadro. Uma pintura. Do Aldemir Martins.
Dez minutos depois eu estava na sala da casa dela. Só nós dois.
– Você vai ver ela disse.
– É sempre na mesma hora. Já ouviu falar do Aldemir Martins?
– Já. É um pintor famoso pra caramba. Mora aqui em São Paulo.
– Morava. Morreu há pouco tempo. Minha mãe era apaixonada pela pintura dele. Ele ilustrava livros, revistas, jornais… Pintava cangaceiros, galos, passarinhos, peixes…
– Tô sabendo. Desenhava até rótulos de maionese, de vinho…
– Minha mãe comprava tudo que podia.
– A gente comia em pratos desenhados por ele, tinha lençóis, tapetes, cortina de banheiro…
Carla me levou pra um canto da sala. Em cima de uma imitação de lareira, havia uma tela do Aldemir Martins, pequena, com o desenho de um gato. Um gato gordo, vermelho e azul, um focinho enorme, mostrando as garras, sedutor, os olhos verdes calmos, hipnóticos.
– Minha mãe adorava esse quadro.
Então ela me puxou pra trás de uma cortina pesada, que cobria a vidraça que dava pro jardim.
Tati entrou na sala. Pulou pro beiral da falsa lareira e parou em frente ao quadro, olhando pro gato pintado. Ficamos assim uns 20 minutos, escondidos, calados. Até que ele apareceu. O velho Sorvete.
O gato mais descolado do pedaço. Veio gingando, passou entre os móveis, parou na frente da lareira, olhou pro alto, e não gostou nada do que viu.
Carla segurou no meu braço.
Sorvete pulou pro beiral.
Briga de gato é mais rápido que videogame. Tati pulou, atravessou uma janela aberta e fugiu pro jardim, com o Sorvete atrás.
– Minha mãe dizia que um artista é capaz de recriar a vida. Se Deus existe, com certeza é um artista. Mas acho que você vai ter de trancar o Sorvete em casa, Rodrigo.
– Não gostei daquilo.
– Não, Carla. A gente encontra outro jeito. Pra mim as pessoas, os bichos, qualquer coisa que se mexa… têm de ter liberdade. Têm de ter uma janela aberta.
– Mas o Sorvete é meio selvagem…
– Isso. É assim que eu gosto dele. Eu também sou meio selvagem. Sabe o que eu faço?
– Eu como o tomate inteiro. Eu não fico esperando a minha mãe partir e colocar na salada!
Ela riu. Não sei de onde eu tirei essa história do tomate. Aí me empolguei, e ia dar mais exemplos de como eu era selvagem, mas a cortina abriu de repente e o pai dela apareceu.
O cara ficou nervoso, quase chamou a polícia, mas depois a gente explicou, ele se arrependeu e acabou até deixando a filha sair comigo.
Eu e a Carla estamos namorando. Juro.
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Ivan Jaf, escritor, roteirista, redator e editor nasceu no Rio de Janeiro, em 1957. Autor de mais de 60 livros de ficção para o público infantojuvenil, premiado pela União Brasileira dos Escritores, Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil e duas vezes finalista do Jabuti. Roteirista de histórias em quadrinhos, com trabalhos publicados em revistas brasileiras e italianas, em parcerias com renomados ilustradores. Escreve roteiros para cinema, acumulando prêmios como o Melhor Curta-Metragem - Festival Cinema Brasil in Tokyo 2007 e Melhor Curta-Metragem Brasileiro - 7º Festival de Cinema Brasileiro de Paris e Melhor Animação Brasileira/ RJ e SP/ Anima Mundi 2003. Como dramaturgo, tem diversas peças encenadas, com direção de Nelson Xavier, Amir Haddad entre outros, e texto premiado e publicado pela Funarte/2005.
Fontes:
Revista Nova Escola: Contos. 5 fev 2013.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Jaf
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Alguns Pseudônimos e os respectivos nomes originais
Agatha Christie (Mary Westmacott)
Anatole France (Jacques Anatole François Thibault)
Apporelly (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly)
Artur da Távola (Paulo Alberto Monteiro de Barros)
Barão de Itararé (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly)
Boas Noites (Machado de Assis)
Cora Coralina (Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas)
Dr. Semana (Machado de Assis)
Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira)
George Eliot (Mary Anne Evans)
George Orwell (Eric Arthur Blair)
George Sand (Amandine Aurore Lucile Dupin)
Helen Palmer (Clarice Lispector)
Inácio Costa (Lima Barreto)
Ítalo Svevo (Ettore Schmitz)
J. Caminha (Lima Barreto)
Janete Clair (Janete Emmer Dias Gomes)
João das Regras (Machado de Assis)
João do Rio (João Paulo Emilio Cristovão dos Santos Coelho Barreto)
Johannes Clímacus (Soren Kierkegaard)
Johannes de Silentio (Soren Kierkegaard)
Joseph Conrad (Józef Teodor Konrad Korzeniowski)
Lelio (Machado de Assis)
Lewis Carroll (Charles Lutwidge Dodson)
Luiz Poeta (Luiz Gilberto de Barros)
Malba Tahan (Júlio César de Melo e Sousa)
Manassés (Machado de Assis)
Marcos Rey (Edmundo Nonato)
Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens)
Marques Rebelo (Eddy Dias da Cruz)
Moliere (Jean-Baptiste Poquelin)
Myrna (Nelson Rodrigues)
Otto Maria Carpeaux (Otto Carpfen)
Pablo Neruda (Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto)
Pagu (Patricia Galvão)
Pedro Dantas (Prudente de Morais Neto)
Possidônio Cezimbra Machado (Marcelo Gama)
Qorpo-Santo (José Joaquim de Campos Leão)
Robert Galbraith (J. K. Rowling)
Stanislaw Ponte-Preta (Sérgio Marcus Rangel Porto)
Stendhal (Henri-Marie Beyle)
Stephen King (Richard Bachman)
Suzana Flag (Nelson Rodrigues)
Tennessee Williams (Thomas Lanier Williams)
Teresa Quadros (Clarice Lispector)
Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima)
Victor de Paula (Machado de Assis)
Victor Eremita (Soren Kierkegaard)
Voltaire (François Marie Arouet)
Maria Nascimento Santos Carvalho (Romance Inacabado)
Romance Inacabado é uma história triste, como tantas outras que já escrevi, retratando não só o meu drama pessoal, mas, também, o de muitos seres humanos cujo romantismo, despreparo psicológico ou a carência afetiva os levam a acreditar nas mais absurdas utopias do Destino, como continuo, ingenuamente, acreditando.
Um dia, que poderia ser qualquer um do mês de agosto, Maria, como fazia há algum tempo, saiu para fazer uma caminhada de fim de tarde, que lhe fora imposta pelo excesso de peso gerado pela vida sedentária que ultimamente levava.
Mal chegou ao destino avistou, a meia distância, um cavalheiro que, em princípio, lhe pareceu muito familiar, mas depois de observar atentamente percebeu que era um estranho, uma daquelas pessoas que, à primeira vista, encantam e deixam uma impressão tranquilizadora.
O seu mais novo conhecido, anônimo, parecia um artista. Sua beleza negra era de tirar o fôlego de qualquer mulher desacompanhada ou encostada num “estaleiro”. Estava num papo animado com um amigo, simpático, com jeito brejeiro, rindo como se estivessem fazendo comentários maliciosos a respeito de alguma coisa ou de alguém.
Estavam andando em posições opostas e Maria percebeu, ao passar olhando para o “artista”, que sua presença parecia fazer parte da paisagem das pedras do Calçadão, que ele estivesse acostumado a pisar todos os dias, sem se dar conta, sequer, de que ela poderia ser uma pedra com formato diferente.
Ao voltarem, novamente se encontraram e Maria teve a sensação de ser a mesma pedra do calçadão que ele havia ignorado e pisado há menos de uma hora e por mais que ela olhasse em sua direção não foi nem notada, porque os dois amigos só tinham sorrisos um para o outro, o que reforçou a sua certeza de que andavam o tempo todo debochando de colegas ou de quem quer que por eles passasse.
Mais uma vez, mesmo nunca tendo avançado um sinal em sua vida afetiva, olhou com admiração para o “artista” e o achou a “paisagem” mais interessante que já havia passado diante dos seus olhos e, instintivamente, desafiando a sua timidez e esquecendo todos os Mandamentos da Lei de Deus, pela primeira vez na vida se via transgredindo todas as normas de boa conduta e como se os seus olhos despertassem a sua mente, sua alma e o seu coração, como uma louca que perdeu a noção do raciocínio, pensou alto, pronunciando, imaginariamente : “- eu quero este artista para mim”.
Maria era solteira e não pensava em se prender a ninguém, mas aquele “atleta” havia mexido com sua cabeça e por um momento pensou em tentar conquistá-lo, esquecendo sua meta principal : a liberdade … E, fugindo daquele pensamento brusco, pensou: como queria conquistar um homem que nem havia olhado para ela, que não sabia seu nome, que nada sabia a seu respeito, a não ser que a ignorara como se ela fosse mais um pedaço do calçamento embaixo da sola dos seus tênis?
Maria, mesmo sem perceber, passou a observá-lo, e, por incrível que pareça, tinha sempre a mesma impressão do dia em que o conheceu. Seu colega parecia mais falante e ele mais observador, mas, no fundo, dava para notar que tinham sempre um bom repertório de coisas engraçadas para comentar enquanto malhavam e nada que considerassem errado ou ridículo passava despercebido por seus olhos críticos.
O tempo foi passando e cada dia mais crescia a vontade de Maria ouvir a voz do ilustre “desconhecido”, de saber se era gentil, atencioso, se era romântico… essas coisas que mulher, geralmente, tem curiosidade de saber. Mas, mesmo quando uma vez ou outra estava sozinho, não lhe dava a menor chance de se sentir mais visível do que aquela pedra à qual já se reportou.
Maria se sentia a pessoa mais insignificante da face da terra, mas jurava que, um dia, nem que tentasse o resto de sua vida, derreteria aquela pedra de gelo e falaria com o “dito cujo”, nem que fosse para ficar mais decepcionada do que já estava com a sua indiferença, ou seu preconceito inconcebível.
Depois de poucos meses de tê-lo visto, Maria já estava tão escravizada à presença daquele ilustre desconhecido que nem sabia como andar, quando passava por ele. Tinha medo de parecer que estava rebolando para chamar a sua atenção, de que ele a interpretasse mal… mas como iria interpretar isso ou aquilo se não se dava conta da sua existência ?
Maria, na ânsia de perder peso mais depressa, caminhava usando meias compridas, roupas grossas etc. o que, para eles, poderia dar a impressão de que estava com as pernas mais riscadas de varizes do que o Mapa do Brasil, uma vez que pareciam observar o que viam e o que imaginavam ver para aumentar o rol de assuntos engraçados para as longas caminhadas.
Por isso, para não alimentar a má impressão, com o tempo Maria foi se desvencilhando dos excessos do vestuário, descobriu as pernas, passou a usar camisetas, como quase todos os “atletas” com excesso de peso, e só faltou pendurar uma melancia no pescoço para que aquele homem lhe dirigisse a palavra.
Apesar de saber que estava agindo errado, ela não abria mão do seu desejo de ser notada, e comeu o pão que o Diabo amassou por conta dessa maluquice que se havia apoderado dela. Ela reconhecia o “seu artista” a uma distância incrível e seu coração começava a bater desordenadamente. Pouco tempo depois, passou a pensar nele vinte e quatro horas por dia e quase toda noite chorava e se desesperava pela sua incapacidade de falar com uma pessoa que via quatro ou cinco vezes por semana e não era vista por ele hora nenhuma.
Às vezes, ele sumia uma, duas semanas, para o seu maior desespero e quando o revia era como se o céu se abrisse aos seus pés e ela pudesse entrar nele com o seu “admirador imaginário” que, magicamente, a tornava invisível, como se nunca tivesse passado por ele. Era como se Deus se lembrasse de lhe devolver uma felicidade que nem lhe pertencia e talvez nunca fosse pertencer. Seu coração disparava e ela já não tinha mais controle da situação.
Em síntese, já estava com os nervos à flor da pele e só faltava agarrá-lo a força e dizer : — eu estou aqui, eu o amo, eu sou louca por você… só falta eu me pendurar no seu pescoço e você finge que nunca me viu ? Será que sou uma porcaria tão sem valor que você não inclina seu rosto nem para rir de mim ?
Mas, felizmente, sua loucura, por milagre, não chegou a tanto, embora tenha faltado muito pouco para ter um ataque histérico e se jogar nos braços dele.
Um dia, quase três anos já passados, após tanto sofrimento, Maria viu, de longe, que “seu artista” estava sozinho e, quase como um desafio, prometeu a si mesma: é hoje que vou fazer este homem falar comigo, custe o que custar … e ficou maquinando o que poderia fazer. De repente, quando ele se aproximou, fingiu que estava se sentindo mal, mas, nem assim ele parou para lhe perguntar se estava com algum problema de saúde, se precisava de ajuda.
Foi a pior ideia que ela poderia ter, pois nunca pensou que mesmo fingindo que nunca havia cruzado com ela, ele fosse passar como um cometa, sem lhe dirigir uma palavra, nem perguntar se ela estava precisando de alguma ajuda. Parece até que sabia que a única coisa que ela estava precisando era ouvir sua voz e receber um gesto de carinho, por menor que fosse.
Como não estava sentindo nada além da vontade de tê-lo mais perto, quando percebeu que nem olhou para trás para ver se alguém havia se importado com ela, recomeçou a caminhada e na volta, com voz trêmula, fingindo uma ousadia que não tinha, se atravessou na frente dele, quase o atropelando e foi logo perguntando, num fôlego só. — Porque você não deixa de ser metido a importante demais e não fala comigo? Só falta eu engolir você com os olhos e você finge sempre que não me vê ? Fingi que estava passando mal e você nem quis saber se eu precisava de auxílio… — Você já me viu algum dia aqui, por acaso ?
Ele, surpreso, com voz pausada disse, com um ligeiro sorriso, não sei se de nervosismo pela reação de Maria ou de deboche pelo inusitado : — Eu conheço você, sim, e quando você usava aquelas meias grossas eu comentava com o meu amigo : — esta mulher, coitada, deve ter as pernas cheias de varizes, por isso, só anda com elas cobertas com estas meias ridículas. — Adorei quando você tirou as meias e passou a caminhar com roupas mais joviais. Aí, disse ele : — percebi como é uma mulher charmosa, interessante e sensual. Nesse momento ela se esqueceu de que era apenas uma pedra do calçadão e começou a se sentir uma pedra bruta, mas visível aos olhos do novo “amigo”.
Seguiram batendo papo, embora ela estivesse morrendo de medo que alguém a visse com um estranho e a interpretasse mal. Mas estava tão feliz com o rumo que a conversa estava tomando que queria que o mundo parasse naquela noite.
Depois desse dia, “seu príncipe”, o José, como se identificara, volta e meia aparecia sozinho e saíam conversando amenidades, separados como dois estranhos, com receio das línguas maldosas, uma vez que ele se revelara comprometido.
Das amenidades passaram para conversas mais arrojadas, até que, um dia, chegaram ao ponto que ela queria : Ficar a sós com aquele deus negro, há tanto tempo dono dos seus sonhos, das saudades, de sua alma, dos maus pensamentos; enfim, do seu todo.
Foi o que de mais bonito aconteceu em toda a sua vida. Ela se sentiu mulher de verdade, pela primeira vez, e abandonou aquela sensação de estar errada por amar tanto aquele adorável desconhecido.
Em seus encontros e desencontros esporádicos foram descobrindo as suas afinidades… E quantas !
Maria pensava que suas afinidades fossem capazes de aproximá-los cada vez mais, mas lhes faltava um fator em comum: ele a queria como amiga que aceitasse apenas uma “amizade colorida”; ela o queria como amigo, como homem e como o pai dos filhos que ela tanto sonhava ter, o que levava suas afinidades a um grande distanciamento, a um imenso abismo. O quase tudo em comum parecia muito pouco para um relacionamento mais sólido e, dia a dia, se perdeu na diversidade dos seus sentimentos, como nesses versos :
Coincidências
Agora que conheço a tua infância,
eu vejo que foi quase igual à minha:
a falta de recursos, com constância,
e tudo o que não tinhas … eu não tinha !
Nós tínhamos irmãos em abundância,
pais honrados que, às vezes, à noitinha,
percorriam a pé longa distância
para vermos um circo, na pracinha.
Lutando, já formados, progredimos,
mas os nossos destinos não unimos
porque em teu peito não me dás guarida …
Noventa e nove por cento há em comum …
e eu não sei como apenas ” menos um “
pode matar os sonhos de uma vida ! …
Meses depois, José se desvencilhou de Maria como se tivesse se desvencilhado de um par de tênis desgastado pelo uso, sem um desentendimento, sem uma explicação … Apenas sumiu como havia aparecido, sem se importar com o que poderia estar acontecendo com ela, como se percebesse que ela estava precisando do seu apoio, de cuidados especiais para enfrentar uma gravidez de risco, uma vez que estava na primeira gestação, com quase quarenta anos de idade.
José, que se dizia caixeiro viajante, durante muitos anos não foi visto por Maria, que criara seus dois filhos, Leonardo e Lena, os gêmeos gerados num relacionamento proibido e sem importância para José. Foi num momento de desânimo e decepção que expressou mentalmente as suas
Marcas na Alma
Partiste sem aviso, às escondidas,
sem promessa de um dia regressar..
e, embora com saudades incontidas,
eu me recusaria a te esperar.
Se eu tivesse o milagre de outras vidas,
e motivos de sobra para amar,
com receio de novas despedidas
eu jamais voltaria a te aceitar …
Foram tantos projetos que ruíram,
tantos sonhos de amor que se evadiram,
tanto estrago em minha alma a vida fez
que, farta de tristeza e desengano,
queria que o destino desumano
acabasse comigo de uma vez.
Quando passou para a faculdade, num “trote de calouros”, Leonardo se feriu gravemente e sua colega de cursinho, Andressa, que estava com ele, ajudou a socorrê-lo e passou a noite no hospital aguardando notícias.
Maria, avisada da tragédia, chegou pouco tempo depois e conversava com a coleguinha de seu filho quando José chegou preocupado, tentando levar a filha para casa, sem perceber que era a mãe de Léo que se encontrava de costas. Foi um choque muito grande para os dois.
Léo estava sendo operado e José logo se ofereceu para doar sangue, se fosse preciso e para ficar com Maria, enquanto o pai do garoto não chegasse. Maria agradeceu, dizendo que não era preciso, mas José levou Andressa para casa e voltou para lhe fazer companhia, confessando que sua esposa estava doente, há muitos anos, e que ele era quem cuidava dos dois filhos : Andressa e Anderson, já quase adultos.
Foi no hospital que José teve certeza de que Leonardo era seu filho, depois de se submeter a exames para descobrir se havia compatibilidade para doação de um rim, uma vez que o acidente havia comprometido os rins do novo universitário.
Leonardo, depois de muito tempo hospitalizado, voltou à vida normal, mas, ainda muito magoado por não ter conhecido seu pai, leu uma poesia que havia encontrado num “livro de bolso”, e parecia a sua história :
Desilusão
Ao ver um pai chegar na minha escola
trazendo a mão do filho em sua mão,
carregando, feliz, sua sacola,
sinto uma enorme dor no coração…
Penso em mais tarde os dois jogando bola
e sinto até inveja da emoção
daquele pai que, às vezes, se controla
para não dar no filho uma ”lição” …
Agora, quase adulto como estou,
nem ligo para o pai que me gerou
e não dirige a mim um simples ai …
Se esse pai não me deu nenhum conforto,
não sabe se estou vivo, ou se estou morto,
não quero nem saber se tenho um pai!…
Hoje, com os filhos ultrapassando os vinte e um anos de idade, Maria olha para trás, revive todo o sofrimento porque passou e ainda encontra forças para agradecer a Deus por seus filhos, fruto de um amor proibido e inconsequente, e reza para que seu “artista preferido” encontre o amor que teve e jogou fora, sem sequer tomar conhecimento da existência de seus filhos, que, inteligentemente, talvez pouco estão se importando se em suas certidões de nascimento existe apenas um pai ignorado, como costumam dizer nos momentos mais angustiantes, embora Maria tenha certeza de que dizem isto para não entristecê-la mais ainda.
Leonardo e Lena frequentam a mesma sala de aula, e num trabalho escolar, falando sobre o Dia do Papai, Lena resolveu apresentar seu
Sonho Adormecido …
Sonhei com o meu pai a vida inteira,
embora um pai que nem me viu crescer …
pois encontrei, no sonho, uma maneira
de encarar meu problema sem sofrer …
E, filha de um ausente e mãe solteira,
eu me humilhei demais para entender
que o preconceito é a mais triste barreira
que o mundo inteiro, um dia, há de vencer.
Meu pai, que era caixeiro viajante,
mudava de lugar a cada instante,
deixou o seu ” produto ” e foi embora …
Mas mesmo sendo um pai desconhecido,
se acordasses meu sonho adormecido
eu seria, meu pai, feliz agora.
Maria foi quase todos os gêneros de pedras no caminho de José, o seu príncipe, mas embora tenha rolado nas tempestades que o destino lhe impôs, continua com a mesma certeza do primeiro dia em que o viu, porque seu coração, seus olhos, sua mente, sua alma e todo o seu ser o escolheram para ser o homem de sua vida e, mesmo depois de tudo que já passou, mesmo com o coração sangrando por não havê-lo conquistado, ainda não perdeu a esperança de reencontrar a felicidade ao lado do homem que, um dia, sem conhecê-lo, sem nada saber da sua vida, pensou como quem reza em silêncio : — ” Eu quero este homem para mim”. Por enquanto, enquanto vive de esperança, faz de Contradição a sua prece de cada dia.
Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida …
Mas o que mais me dói, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu da tua jamais pude ser nada.
Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,
Carlos Drummond de Andrade me diria :
” E agora “, como vais viver, Maria,
sem o José que achavas que era teu ? !
Como a esperança é a última que morre, Maria espera, um dia, poder dizer :
– E serão felizes para sempre…
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Maria Nascimento Santos Carvalho nasceu em Coruripe/AL, em 1937. Radicada no Rio de Janeiro desde 1962. Jornalista, advogada, poetisa, escritora, formada em Direito pelas Faculdades Integradas Estácio de Sá (RJ), funcionária pública aposentada pela Universidade do Rio de Janeiro. Magnífica Trovadora em trovas líricas e filosóficas, foi esposa do também Magnífico Trovador Elton Carvalho, falecido. Atualmente reside em Maceió-AL. Publicou: "Batel de Fantasias" - 1973 (trovas), "Preces de Amor" - 1977 (trovas), "Confissões de Amor" - 1989 (trovas, sonetos e poemas em geral), "Promessas de Amor" - 2001 (trovas, sonetos e poemas em geral). Pertence a diversas entidades, como: Associação Brasileira de Imprensa - ABI - RJ; Academia Brasileira do Soneto - ABRASSO; Associação Alagoana de Imprensa; Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas; Academia Alagoana de Letras; Academia Maceioense de Letras, etc.
Fontes:
Imagem criada com Microsoft Bing
Carolina Ramos (Como de Costume…)
A majestade daquela lua enorme, exageradamente iluminada, não combinava, em absoluto, com o nebuloso astral daquele homem abatido à procura de um jeito honroso para retorno ao lar.
O dia fora terrível! O almoço, desastroso! Homem e mulher, se por uma balela qualquer se desentendem, a cada palavra cavam cada vez mais fundo o abismo que os separa, envolvidos pela avalanche verborrágica, que enrola razões, manipula argumentos, inflama egos e espicaça vaidades, na tentativa insana, de provar quem de fato é o dono da verdade.
Em poucos minutos, aquele casal, até ali tão unido, escorregara do éden conjugal para o inferno dantesco das acusações mútuas.
Lágrimas enxugadas na barra do avental e a batida violenta da porta, foram mais que convincentes para provar que o primeiro round estava findo, mas a luta , não.
Mirna empilhou os pratos sobre a mesa, transportando os copos para a pia, sem conseguir evitar que um deles se espatifasse a seus pés. Catou os cacos resignada. Era o primeiro copo quebrado, daquele bonito jogo azul, bico de jaca, presente de casamento da tia Júlia. Gostava dos copos. E mais ainda, da tia. Contudo, a dor que lhe doía no peito era tão forte que nem sentiu a perda. Com raiva, atirou os cacos na lata de lixo.
Largou-se em seguida na cama, soluçando desconsolada. Algum tempo depois, socava o travesseiro, como quem socasse a cara do marido desaforado…
De volta à pia, filosofava: – Por quê são os homens tão incompreensíveis?! Tão intransigentes, a ponto de comprometerem um diálogo sadio… um acerto de opiniões, uma análise de pontos de vista capazes de levar ao consenso ou, quem sabe, à discordância, já que nem sempre duas cabeças pensam de forma igual. Sempre cheios de razão …incapazes de admitir um erro… dar a mão à palmatória… E, que fácil seria dizer: – “Desta vez, errei, querida” . Até que aquele querida poderia ser dispensado. Bastaria dizer: – Errei, pronto! Perdoa, sim? – Claro que, depois disso, tudo terminaria bem. Qualquer mulher, mesmo entre raios e trovoadas, agiria assim, com aceitação… com naturalidade. Mas, qual deles à beira de uma tempestade, pensaria em valer-se do guarda-chuva do perdão, mesmo sabendo ser, essa. a única solução?
A esponja da filosofia, ajudou… e a louça foi lavada com requinte. A cozinha, arrumada, ganhou ares de cozinha de revista. Na fruteira, o brilho das frutas foi despertado pela flanela, em lustro vigoroso. As maçãs ficaram mais rubras, apetitosas. A raiva da moça exagerou no esfregão, a ponto de machucar uma delas.
Precisava ficar mais calma. Nenhum homem merecia uma lágrima de mulher – isso lhe dissera tantas vezes a mãe – pobre mãezinha, quantas vezes a vira chorar em silêncio!
O chuveiro lavou-lhe corpo e alma. Maquiou-se com cuidado e perfumou-se. Nenhum gladiador adentra a arena desarmado. Faltava pouco para o retorno do marido. Retornaria? – Ah… haveria de ouvir poucas e boas!
Dedos nervosos pegaram o tricô e ligaram o televisor. Tempo de novela. Tanto drama em casa e aquela mania tola de imiscuir-se nas tramas televisivas, como se a vida não passasse de histórias somadas entre tapas e beijos… briguinhas e abraços , intrigas e enrolações, quase sempre encaminhadas para um final feliz, a premiar bons e castigar maus. Como se tudo pudesse ser resolvido por toques no teclado de um computador, à disposição dos dedos do autor. Como se aqueles dedos fossem pequenos deuses a tal ponto poderosos que capazes de criar vidas, tecer tramas e alterar destinos, a bel prazer.
Envolta em mágoas, Mirna deixou escapar a malha do tricô e perdeu o fio da novela. Ao ouvido atento, porém, não passou despercebido o torcer da chave na fechadura.
Ele! Sequer virou a cabeça ou desgrudou os olhos do vídeo. O tricô…
Esperava pela primeira palavra, que não veio. A tensão cresceu quando sentiu a aproximação do marido. Teve vontade de encará-lo. Conteve-se. Ele sentou-se no sofá ao seu lado. Tenso e mudo.
O corpo da moça retesou-se, pronto para recomeçar a batalha verbal interrompida.
Relaxou, quando sentiu a cabeça do marido aninhar-se no seu colo, como de costume. E, como de costume, os dedos dela deslizaram mansamente pelos cabelos macios, como que alisando, com a ternura de sempre, o pelo macio de um gato fujão.
Naquela noite, o amor falou tão alto… que nem foi necessária palavra alguma!
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CAROLINA RAMOS nasceu em Santos/SP, em 1924. Dia 19 de março de 2025, comemorou seu 101. aniversário. Desde cedo atraída pelas letras, seus amigos mais chegados eram os livros. Essa preferência aproximou-a das artes e literatura. Na Escola Normal, diplomou-se como Professora e Secretariado.. Completou seus estudos formando-se em música. Fez o curso completo de Música. Vários cursos de Literatura, de Folclore, Línguas e um pequeno Curso de Enfermagem. Leu na adolescência, tudo o que lhe caia nas mãos, desde toda a obra de Machado de Assis, José de Alencar, e outros nacionais e estrangeiros. No ginásio, costumava fazer algumas quadrinhas de pé quebrado. Fez seu primeiro poema quando a filha, Márcia, nasceu, “Se eu soubesse esquecer”. Publicou versos num Suplemento de Arte, do Jornal local, A Tribuna. Possui vários prêmios, no Brasil e alguns no Exterior, de Contos, Poesias, Trovas e Crônicas. Por seu poema, Paz, foi agraciada com Diploma e Medalha de Mérito Internacional, em Nocera - Salerno, Itália. Trovadora, contista, poeta, santista ilustre, foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos por oito anos (2001 a 2007) e Presidente da União Brasileira de Trovadores – Seção de Santos. Pertence a diversas entidades culturais, como Academia Santista de Letras, Academia Feminina de Letras, Academia Cristã de Letras de São Paulo, Confraria Brasileira de Letras, e de várias outras Academias de Letras e entidades culturais do Brasil. Agraciada com diversas medalhas de mérito cultural em Santos, com a “Medalha do Sesquicentenário de Santos”, outorgada pela Prefeitura Municipal; “Medalha dos Andradas”, pelo IHG de Santos e “Medalha Brás Cubas”, outorgada pela Câmara de Santos, em 2006”. Recebeu diversos títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola. Em 2021 o título de "Princesa da Trova" . Em 2023, vencedora do Hino Oficial da Academia Cristã de Letras de São Paulo. Alguns livros publicados:
“Sempre” – (Poesias); “Cantigas Feitas de Sonho” – (Trovas); “Interlúdio” – (Contos); “Paulo Setúbal – Uma Vida Uma Obra” (em parceria c/Cláudio de Cápua); “Júlia Lopes de Almeida” – (Biografia); “Feliz Natal!” – (Contos Natalinos); “Príncipe da Trova” – (Biografia); “Liberdade... Sonho de Todos!” – (Prosa – Poesia – Trova) ; “Destino” - (Poesias); ”Canta...Sabiá!” (Folclore do Brasil); ”Bichos... Bichinhos... e Bichanos...” (livro infantil), entre outros.
Nas palavras de Carolina em entrevista concedida a José Feldman:
“A obra do escritor não tem fronteiras. Não há limites que cerceiem a sua criação, e, muito menos, cronológicos. Mas o escritor não é imune às influências do meio e da época em que vive. Seus escritos bebem a água da inspiração, na fonte que corre perto de seus pés. A voz do escritor incorpora a voz do seu tempo e, automaticamente, através do que escreve, passa a interagir, de acordo, ou não, com a vida que rola à sua volta, e até mesmo contra suas próprias convicções, segundo as exigências da personagem criada. Note-se, que há, sempre, escritores e poetas envolvidos nas grandes causas que o cercam e que acabam por marcar suas existências. É por isso, que podemos afirmar que poetas e escritores, em qualquer tempo ou lugar, são quase sempre ativistas sociais e arautos dos grandes acontecimentos que marcam o seu tempo.”
Fontes:
RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. SP: EditorAção, abril 1993. Enviado pela autora,
Imagem com Microsoft Bing.
Franklin Ras Lopes (Esboço: A força dos medos e desejos)
“Sou contraditório por que sou vasto”
Walt Whitman
A fria e afiada lâmina da razão corta o meu coração contraditório. O meu coração tem ímpetos naturais e contraditórios como ondas feitas de medo e desejo. A proximidade gera atritos, questionamentos sobre a minha liberdade e o afastamento natural vêm através de desavenças. Este afastamento gera o desejo de proximidade, de estreitar os laços e o ciclo continua.
O grande poeta e filósofo alemão Nietzsche dizia “cuidado ao tirar o pior de você, para que junto com ele você não tire também o seu melhor”. Sim meus caros leitores as rosas e o espinhos estão ligados. E a poesia nos diz “ O medo de espinho o desejo de flor, a tensão da roseira é a beleza em vigor, em meios a estas pedras a beleza chegou.” (Franklin Ras Lopes)… Se negarmos a tensão natural entre os opostos, perdemos a beleza, perdemos o melhor de nossas vidas.
As crianças quando brigam resolvem isto facilmente, não é necessário interferência Eles darão o dedinho e tudo continuará, os laços serão mais fortes, os irmãos serão mais amigos quando a maturidade chegar. O amor não pode ser imposto, ele surge da tensão entre os opostos, ele é um processo natural e por isto surge através da liberdade de aprendermos com os altos e baixos de nossas vidas. Negar, cortar um é negar, cortar o outro, e a mornidão gerada desta forma de agir, de nenhuma forma é a ponderação ou o caminho do meio dos sábios.
Li um relato há muito tempo do místico Hassid, que me esqueci o nome e não consegui encontrar referências em minha pesquisa. Mas vale a pena comentar a explicação que ele deu a respeito da luminosidade surgida de alguém que a todos consideravam um grande devasso, um pecador, ele disse - “Quanto maior o pecador maior o santo” E particularmente acredito que não existem mais santos sobre a terra, porquê as pessoas constroem casas em cima da areia, constroem na verdade uma personalidade, aquilo que não são.. Tentam e acreditam serem maiores do que são e não trabalham onde realmente estão. A rocha firme para fazer nossos alicerces, estão nos processos associados aos nossos medos e desejos, no medo de não sermos amado que gera ciúmes, invejas, rancores, raivas, geram julgamentos capitais que servem apenas para amparar o nosso ego, em meio a esta vastidão.
Somente um rebelde, somente um homem que foi ao deserto e enfrentou seus medos e desejos mais profundos podem proclamar e instigar a liberdade como fez Jesus na parábola do filho pródigo. Ele incentiva as pessoas a se aventurarem, a serem errantes, a experimentarem com seus próprios olhos, a vida. Não existe outra forma de poder andar sem ser caindo e se levantando, ficando forte para andar sem andador ou muletas. E quando um errante voltar à casa do pai, a sua origem, ele voltará completamente transformado, pois estará fazendo os laços porque quer, estará se prendendo por gosto. A meu ver, uma grande liberdade que surge em quem ama.
Obviamente existirão ciúmes por parte de quem ficou, daquele que seguiu os preceitos e nunca abandonou as regras da sociedade, pois a verdade da presença luminosa daquele que voltou trará uma festa, uma alegria que ele creditará ser o seu direito. Ele se sentirá injustiçado apenas por que se esqueceu que nós estamos aqui para aprender os caminhos da confiança, e o norte deste caminho é o amor.
Particularmente eu demorei muito a reconhecer o vasto pântano de homens que não sabem nem sair e nem entrar, demorei muito a olhar pra cima e ver a tabuleta que dizia - pântano do ser e do não ser. Nós não somos, nós estamos num fluxo contínuo feito de polaridades como o dia e a noite. A crença no pântano impede a aventura do vir a ser, impede o fluxo natural de aceitação da polaridade de nossas vidas, o reconhecimento que temos que estar atentos, sermos testemunha de nós mesmos e assim mudarmos com a delicadeza e a tendência que quer a amorosidade.
A liberdade para encontramos a nossa essência, não é a mesma coisa que libertinagem. O processo tem de ser consciente, tem de ser intenso, um verdadeiro ato corajoso ou como diria o poeta Fernando Pessoa “sabendo viver bem saberemos navegar com todos os ventos”. Com estas considerações acredito que quando Walt Whitman disse “sou contraditório por que sou vasto” de forma nenhum estava se eximindo ou fugindo, eu pude sentir nestas palavras a afirmação da sua própria vida, do seu próprio processo de sanidade e não da paranoia que corta e dilacera o nosso natural coração contraditório.
Assim, em verdade, eu vos digo, meus caros, o meu amor quebra taças, gera silêncio e é muito carinhoso, o meu amor é delicado e esta delicadeza é fonte de asperezas, o meu amor é atento e dedicado e isto é a fonte do meu desejo de liberdade, o meu amor não é meu e me deixa inseguro, o meu amor existe com dois espinhos para exigir a atenção do outro, o meu amor quer o voo e quer a liberdade de estar junto, porque queremos, o meu amor nem eu entendo, mas uma coisa eu sei, ele é frágil e precioso, pois sem medo e sem desejo não existe possibilidades de ir além.
Assim me ergo em oração: Deus afastai de mim os homens de moral, afastai de mim estes seres que pouco sabem da vida, mas querem encher meu coração de culpa, afastai de mim estes seres que massageiam os pés, mas logo chegam a agarrar o pescoço, Deus, afastai de mim estes imaturos papagaios, afastai de mim estes seres que porventura irão vir morder o meu dedo, ao invés de ver a lua clara na noite escura, para somente assim poder dizer com o meu próprio peito, eu sou um bem aventurado, eu sou um filho de Deus.
Paz e prosperidade a todos.
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Franklin Rodolfo Aguiar Silveira (Ras) Lopes é de Piracicaba/SP, possui graduação em Oceanologia pela Universidade Federal do Rio Grande (1998), mestrado em Aquicultura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e doutorado em ciências pela Universidade de São Paulo (CENA-USP) (2008) .
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
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domingo, 13 de julho de 2025
Asas da Poesia * 50 *
EDY SOARES
Vila Velha/ES
O conjunto da obra
Não me verão sacrificar meu texto
somente em prol da rima ou da estrutura.
Nos vincos da melhor literatura
versejo, sem alarde, sem pretexto.
Há quem compõe de forma audaz, segura,
buscando a perfeição de um anapesto
e ao se perder, contudo, no contexto
destina o seu poema à sepultura.
Há que se ater nas regras alfabéticas
e, salvo engano, as criações poéticas
exigem mais que forma e conteúdo…
Também, não se esquecer que a poesia
há de fluir com pompa e galhardia…
Formalidade é bom, mas não é tudo!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Ao ver-te fico perdido,
mulher – onça desalmada,
sinto dor, fico ferido
vai-se ver – não tenho nada.
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/ Portugal
A saudade
encontra sempre velhos trilhos
e deixa vestígios onde o amor
semeou a paz das margaridas
a indicar o caminho.
O tempo, impávido matreiro
assistiu ao extinguir da chama
sem manifestar qualquer emoção;
para desespero da palavra
tremendo na ausência do afago,
de um abraço sentenciado.
Que importa agora
tentar atrasar as horas?
Se os lençóis são testemunho
de que nada devolve a forma original
ao côncavo deixado na partida.
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Sextilha de
MILTON SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS
Ilusões, esta vida tantas deu
que eu bebi desta luz de tantas cores,
muitas delas, já mortas encontrei,
outras vivas, com brilhos multicores...
Ilusões, as mais lindas transformei
nas certezas totais dos meus amores…
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
E os teus olhos ficaram mais distantes
(Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas", p. 97)
E os teus olhos ficaram mais distantes
Quando na luz da tarde se perdeu
O aceno da partida que doeu
Como nunca me tinha ferido antes.
Fiquei parado, ali, por uns instantes
Naufragando no mar que, então, desceu
Do meu olhar que a noite ao mundo deu
Habitada por gritos suplicantes.
Tu partiste e eu fiquei de mim ausente
O tempo corre e apenas sei que sinto
Que na terra já nada mais me importa,
Errante vou seguindo inconsciente
Perdido nos sopés de um labirinto
Como se em mim já fosse a vida morta.
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Trova de
MARIA THEREZA CAVALHEIRO
São Paulo/SP , 1929 – 2018
De meu peito arranquei tudo
que de ilusão ainda houvesse,
e ela então, mato miúdo,
com o tempo de novo cresce!
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Poema de
ANDRÉ GRANJA CARNEIRO
Atibaia/SP, 1922 – 2014 , Curitiba/PR
Eu escapo
Não tenho gravata,
o último bigode raspei em primeiro de abril
de sessenta e quatro.
Darcy menina, inventora da mini-saia
ficou com as crianças, eu fugi
na subversiva perua Volkswagem.
Tenho pudor de ser poeta,
prefiro escritor, cineasta, hipnotizador emérito,
palavras nem explicam
a economia doméstica,
amordaçam lágrimas ditas femininas,
derramadas pelo sexo másculo.
Há sempre um atrás nos versos
a libertar rostos, mostrar pegadas viscosas
em direção ao seu quarto.
Minhas balas nunca explodiram,
a navalhada espanhola é barbeador elétrico.
Tento ser eclético, abarcar o continente.
Fui Navajo no Arizona,
joguei pôquer em cartas marcadas,
dou nó em pespontos,
lavo louça sem nenhum interesse.
De onde surgem estas formigas minúsculas?
Deus displicente, esmago-as sem pena,
almas sem micróbios e baratas são desprezíveis.
Do satélite, só avisto a muralha da China
e a floresta amazônica em chamas.
Meu carro tem pontos de ferrugem,
o aço se transforma em marrons abstratos,
alguns botões da camisa fecham ao contrário,
marca feminina do contraste.
Sigo cego o rumo coletivo deste ônibus.
Passam cenhos cerrados,
proíbem beijar de língua nas bibliotecas,
trocar roupas nos alpendres,
casar filhas com negros,
gargalhar no tribunal togado.
A morte vai batendo de porta em porta,
vendendo bilhetes irrecusáveis
aos guardiães da sociedade.
Eu me escondo no banheiro,
disfarço lendo histórias em quadrinhos
e escapo.
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Quadra de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989
Tem horas que é caco de vidro
Meses que é feito um grito
Tem horas que eu nem duvido
Tem dias que eu acredito.
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
A jangada
Ei-la singrando a imensidão dos mares
tão frágil, tão veloz e independente,
deixando a praia, busca outros lugares
sem medo, sem temor, inconsequente...
Lançada ao mar... As ondas pelos ares...
Vai conquistando o mar azul, fremente,
não há tristezas, dores, nem pesares...
Só a jangada deslizando à frente.
As ondas vêm e vão... E chega a tarde,
aflora um sentimento de saudade
e ela retorna cheia de emoções...
Quantos sonhos viajam na jangada?
mas ao raiar da fresca madrugada
vai para o mar repleta de ilusões!
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Trova de
AMARYLLIS SCHLOENBACH
São Paulo/SP
Contra a angústia e o contratempo,
eu vivo de sobreaviso...
Pelos meandros do tempo,
perdeu-se meu pobre riso!
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Poema de
MARIA EFIGÊNIA MALLEMONT
Petrópolis/RJ
Amor em poesia
Sobre a mesa,
livros, canções,
odes e sonetos,
onde me debruço,
aconchegando,
meus sonhos.
Na face da noite,
a voz do poeta,
murmurando sonhos
em meu coração deserto!
Aos seus devaneios,
me entrego invisível,
nua, sem resposta.
Deixa-me amar,
do mundo alheia,
nas frágeis torrentes
da tua poesia.
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Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC
Receita de saúde e felicidade
Não antecipe nunca o sofrimento!...
Diga “Bom Dia!” ao sol que lhe saúda.
Seja qual um discípulo de Buda:
- É mister se gozar cada momento.
No “que será...será” que não se muda,
se abrigam primaveras...(mais de um cento!)
os “depois” nem podem ser tormento
se os “agoras” lhe derem boa ajuda.
“Cara feia” - sinal de enfermidade -
com certeza, costuma sobrepor
mais pesos aos obstáculos da idade.
"Alegre-se e sorria, por favor!
Um sorrisinho dá felicidade,
pois contagia e ativa o bom humor"
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Trova de
JESSÉ F. NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ
Tempo em louca disparada,
- isso me causa terror -
a vida na autoestrada
pisa no acelerador.
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Soneto de
PAULO VINHEIRO
(Paulo Vieira Pinheiro)
Monteiro Lobato/SP
Quimera
Quimera, alguma esperança mantenho
Cantilena, monotônica toada trovoa
Do boi o carro carroçando vai cantando
À vera trocam letras tropeçando pedras
Escrevo sem sentidos, abstraio teus olhos
Perdoe o perverso que rabisco a toa
Enxugo lágrimas que não nasceram
Em vão de página… Quem sabe em vão
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP
"Casamento... - alguém já disse –
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice
e começa...a criançada..."
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Poema de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR
Velho Teatro
Velho teatro abandonado,
que tantos sucessos houve,
palco de um tempo passado…
Hoje só restam cadeiras vazias,
quebradas, num canto jogadas,
memórias daqueles dias
de glórias conquistadas.
A parede carcomida
com cartazes, página rasgada
no livro de uma outra vida,
num passado condenada.
Na estação da saudade
cinzas de um fado,
testemunhas da verdade.
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Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020
Nos quatro dias de momo
ante tanta bebedeira,
eu estarei, não sei como,
quando chegar quarta-feira!
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Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR
Índios,
Ao longo
Dos séculos
Sambaquis
De almas...
Na natureza,
A vida
Clama
Em silêncio.
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Trova de
AUROLINA ARAÚJO DE CASTRO
Manaus/AM (1933 – 2004)
Ao reler o livro antigo,
grande emoção me tomou:
deu-me a impressão de um amigo
que de repente voltou.
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Poema de
CARLOS FERNANDO BONDOSO
Alcochete/ Portugal
Canto à flor
germinam sementes
e outras secam por incúria
nascem trepadeiras e uma flor
que guardo no espaço
e no tempo
é o cheiro do mundo
num momento de silêncio
é a flor da buganvília
que cresce sempre primeiro
histórias escritas
e rasuradas
contadas como contos verdadeiros
pinceladas
aquarelas
tintas trabalhadas
com cheiros de verdade
é a flor
que se solta no tempo
com a fúria do temporal
mas que não se quebra
nas asas do vento
é a tristeza e a dor
num canto simples e triste
que se funde na alma
onde só os sonhos podem morar
é este o meu canto à flor
aqui nesta folha de papel
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Trova de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN
Inimigo do trabalho,
é meu primo, o “Paraíba;”
seu emprego é no baralho:
buraco, truco e biriba.
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Poema de
MÁRIO JSL LOUREIRO
Ourém/ Portugal
Amo-te como quem ama uma trajetória lunar
como quem mata a sede na areia do deserto
Amo-te como à luz do sol que aquece a terra
sempre terno e empenhadamente marítimo
E como não haveria eu de amar dos teus lábios
a mais eloquente poesia
Dos teus olhos encantados risos
e os mais coloridos sonhos de amor
Amo-te nua
sem outra decoração que a do teu coração
Sólida sensual como um axioma que é livre
pedra filosofal da alegria ou de uma lágrima
que repousa funda na verdade que nunca foi dita
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Trova do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/ RN
Morre a flor na flor da idade,
padece a planta de dor;
a ausência deixa saudade,
até na morte da flor!
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Hino de
RONDONÓPOLIS/MT
Quão rebento brotastes radiantes,
como estrela de raro fulgor
Tão sonhada na força que emana,
fruto terno de nosso suor
Neste solo de seiva gigante,
esta linda cidade floriu
Dando brilho as cores que marcam,
a bandeira do amado Brasil.
Rondonópolis, Rondonópolis
Surgiste oh... brasão imponente
Praza Deus que em ti paire a graça
Que envolve de amor tua gente
Nas belezas das matas e montes,
nas entranhas de vales e rios
Na nobreza do denso cerrado,
foi assim que este sonho seguiu
Brasileiros de plagas distantes,
cá vieram trazer seu labor
E na luta perene e vibrante,
construímos solene penhor
Rondonópolis, Rondonópolis
Surgiste oh... brasão imponente
Praza Deus que em ti paire a graça
Que envolve de amor tua gente
Rio vermelho e majestoso,
lenda viva que a todos encanta
Onde a balsa Rosa Bororo,
navegou transportando esperança
Foi sustento do índio que viu,
tudo isso gestar e nascer
E o presente nos passa o comando,
pra fazer essa terra crescer
Rondonópolis, Rondonópolis
Surgiste oh... brasão imponente
Praza Deus que em ti paire a graça
Que envolve de amor tua gente
Todos que precederam essa história,
salve, salve a nobre missão
Pois sabiam que a nossa vitória,
era certa na força do chão
E cantamos tuas maravilhas,
em memória do marechal
Novos passos teu povo palmilha,
pelas trilhas do seu ideal.
Rondonópolis, Rondonópolis
Surgiste oh... brasão imponente
Praza Deus que em ti paire a graça
Que envolve de amor tua gente
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal
A última vez
Nunca soube
quando seria a última vez
que te beijava,
que te abraçava,
que te tocava.
Nunca soube…
Vivi tudo tão intensamente,
pensando apenas no presente
e nunca num futuro fugidio.
Porque, se soubesse
que seria a última vez,
tudo teria sido diferente.
Mas nunca soube,
nunca me despedi,
levaram-te os ventos,
fiquei sem ti.
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Trova de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP
Eu juro, mas com loucura,
minha emoção num relance,
abre a porta, quebra a jura
e a ti concede outra chance.
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