sexta-feira, 18 de julho de 2025

Asas da Poesia * 52 *


Trova de
SARAH MARIANI KANTER
São Paulo/SP

A saudade é luz de vela
iluminando o que eu sou:
descolorida aquarela
que uma renúncia pintou.
= = = = = =

Poema de 
LUCIANA SOARES CHAGAS
Rio de Janeiro/RJ

A cadeira

Você cria histórias em um lugar só seu 
E tem apenas uma vida para se encontrar. 
São saudades de conversas na varanda, 
Que trazem memórias junto ao mar.

A cadeira na varanda, os quadros na parede, 
As redes balançando, o sol, dias felizes. 
O cheiro de café, o bolo de laranja na mesa, 
Lembranças surgem, uma lágrima escorre...
Ah pai, nosso amor não morre.

Recordo-me de seu carinho, a mão em minha cabeça, 
Um gesto tão seu, cheio de ternura. 
Levantava-se da cadeira, ia à cozinha, 
Para se deliciar com as guloseimas que adorava.

Será que esses tempos bons vão voltar? 
Acredito que sim, de algum jeito, enfim... 
Mesmo que você não esteja mais presente, 
A cadeira de balanço ainda está aqui, 
Permanece no mesmo lugar, junto a mim.
= = = = = = 

Poetrix de
ALICE DANIEL
Porto Alegre/RS

achados & perdidos
 
revirando minha vida
achei alma e coração
ambos feridos
= = = = = = 

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Em vão

Vivo a procura de mim 
dentro de você...
numa busca interminável; 
nunca lhe encontro!

Tenho a impressão
que afinal, 
como se fosse um castigo
chegou de mansinho o  meu fim...

em igual sentido, ingrata reprimenda segue 
aumentando a minha solidão
e me torturando o coração 
simplesmente... simplesmente assim...
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Desta saudade infinita
não guardo mágoas, porque
foi a coisa mais bonita
que me ficou de você!
= = = = = = 

Soneto de
THALMA TAVARES
São Simão/SP

O anjo e o fauno

Por que tenho de ser de dois extremos feito?...
De um extremo, o melhor, vem a luz que me eleva.
Mas se às vezes sou luz, outras vezes sou treva,
que me impede enxergar o que é certo e direito.

Do outro extremo, o pior, eu direi contrafeito
que há um fauno viril que à luxúria me leva,
contra o qual, com razão, a razão se subleva
e me faz explodir a revolta no peito.

Quantas vezes me ergui do meu lado mais nobre
como quem, com a luz, de pureza se cobre
e a seguir, sem razão, deixa tudo sombrio.

Entre um anjo e um fauno eu passo a vida assim
a suplicar aos céus que afugentem de mim
o lascivo animal que anda sempre no cio.
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Cada tropeço me ensina
que a vida é eterno sonhar.
Na vida nada termina,
muda de forma e lugar.
= = = = = = 

Poema de 
IRENE LISBOA
(Irene do Céu Vieira Lisboa)
Arruda dos Vinhos/Portugal, 1892 – 1958, Lisboa/Portugal

Jeito de Escrever 

Não sei que diga.
 E a quem o dizer?
 Não sei que pense.
 Nada jamais soube.  

 Nem de mim, nem dos outros.
 Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
 Seja do que for ou do que fosse.
 Não sei que diga, não sei que pense.  

 Ouço os ralos queixosos, arrastados.
 Ralos serão?
 Horas da noite.
 Noite começada ou adiantada, noite.
 Como é bonito escrever!  

 Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
 Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
 No tempo vago...
 Ele vago e eu sem amparo.
 Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, 
este sereno luto das horas. 
Mortas!  

 E por mais não ter que relatar me cerro.
 Expressão antiga, epistolar: me cerro.
 Tão grato é o velho, inopinado e novo.
 Me cerro!

 Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
 solta a outra, de pena expectante.
 Uma que agarra, a outra que espera...

 Ó ilusão!
 E tudo acabou, acaba.
 Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?  

 Silêncio.
 Nem pássaros já, noite morta.
 Me cerro.
 Ó minha derradeira composição! 
Do não, do nem, do nada, da ausência e
 solidão.

 Da indiferença.
 Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
 Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
 Alonga-te.
 A ribeira acordou.
= = = = = = 

Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Disse pra linda tainha
o peixe, muito gamado:
– Casa comigo, peixinha,
que eu estou “apeixonado!”
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Seu sorrir

Eu fico tão feliz com seu alô,
por carta, viva voz, ou celular,
que até me esqueço que sou bisavô,
deixo a bengala e quero saltitar!

Do jeito como estou, borocoxô;
só faço versos para me animar,
passo calado o dia em meu bistrô,
bolando assunto para me inspirar...

Assim, quando você reaparece,
com seu alô gostoso de se ouvir,
minha alegria nesse instante cresce!

Sinto a felicidade bem de perto,
pois sei que o seu alô traz seu sorrir,
que é tudo o que eu preciso. Estou bem certo!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Velho em plena mocidade,
sem alma, sem ideais,
que faço desta saudade,
se nem ela me quer mais?
= = = = = = 

Hino de
SANTANA DO SERIDÓ/RN

Santana és orgulho do teu povo
Teus campos e serras me fascinam
Teu céu azul, salpicado de estrelas
Em noites de verão, o luar te ilumina.

Tuas ruas verdejadas de algarobas
Acácias, pés de fícus, flamboyants
A igreja guarda tuas tradições
Que o tempo solidificou.

Eu agradeço a Deus eternamente
Por ter nascido em Santana do Seridó
Pequena mas tão bela, 
Minha terra mãe gentil
De um povo varonil.

Do velho casarão sinto saudades
Perfil de nossa colonização
Do cruzeiro lá no pátio da capela
E dos campos alvejados de algodão.

A agricultura, a mineração e a pecuária
Ajudaram a esculpir a tua história
Desejamos de todo coração
Que o teu futuro seja de vitórias.

Santana do Seridó
Teu pavilhão queremos reverenciar
Teu povo com heroísmo e vigor
Com muita luta o teu solo desbravou
Vamos saudar, 9 de abril 
Oh! Terra querida 
Iremos sempre te exaltar.
= = = = = = 

Trova de
RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Quando uma ofensa me oprime
em silêncio enfrento tudo.
Qualquer grito se redime
ante meu protesto mudo.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
NOSSA CANÇÃO 
(canção, jovem guarda, 1966) 
Luiz Ayrão

Olha aqui, preste atenção
essa é a nossa canção
vou cantá-la seja onde for
para nunca esquecer o nosso amor,
nosso amor

Veja bem, foi você
a razão e o porquê
de nascer essa canção assim
pois você é o amor 
que existe em mim    

Você partiu
e me deixou
nunca mais você voltou
pra me tirar da solidão
e até você voltar
meu bem eu vou cantar
essa nossa canção
= = = = = = = = = 

Trova de 
BARRETO COUTINHO
Limoeiro/PE (1893 – 1975) Curitiba/PR

Destino é força que esmaga.
Credor austero, tremendo,
manda a conta e a gente paga 
sem saber que está devendo…
= = = = = = = = =

Quadrão à Beira-Mar de
FRANCY FREIRE
Assaré/CE

Meu amor vai na garoa
Remando em sua canoa
Cantando uma rima boa
Pra solidão espantar.
E eu fico aqui tão sozinha,
Levando a mesma vidinha,
Da sala para a cozinha
No quadrão a beira-mar.
“Beira mar, beira mar,
O quadrão só é bonito
Quando é feito a beira mar”
= = = = = = = = =

Trova de
SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ

Na aurora, à luz do arrebol,
quando o céu mais cores ganha,
Deus ergue a hóstia do Sol
por sobre o altar da montanha!
= = = = = = = = =

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Máquina do tempo

Vou inventar a máquina do tempo.
Vou voltar e fazer tudo outra vez.
Quero ter certeza de que meus erros e acertos
Foram os alicerces da minha lucidez.

Não repudio um só minuto vivido.
Não tenho dúvidas de que tenho muito a caminhar,
Mas cada pedra, que lapidei com tropeços,
Foram as mesmas que pisei pra escalar.

A montanha é íngreme. Eu bem sei,
Que chegarei lá no topo, nunca duvidei!
Cicatrizes nos punhos e pés vão ficar.

Mas se os rumos que tomei foram incertos,
Se, troquei águas claras por oásis no deserto,
Faria tudo de novo, se tivesse que recomeçar. 
= = = = = = = = =

Trova Humorística de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS (1932 – 2013) São Paulo/SP

Minha sogra está doente
e o diabo, apavorado:
- se ela morre de repente,
ele está desempregado!...
= = = = = = = = =

Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Mulher

Não importa a cor dos seus cabelos,
Loira, morena ou ruiva.
Não importa seu nome:
Leila, Maria, Iara, Lúcia, ou Sofia.
De qualquer nacionalidade ou raça.
É mulher!
Pelos poetas românticos é cantada,
Em prosa em versos idolatrada.
É mulher amada.
Você pode ser traída ou traidora,
Solteira, viúva, amante ou esposa.
Você pode ser poderosa.
É mulher!
Ser fada bonita, ou piloto, tanto faz.
Mulher corajosa, anjo do lar,
Companheira amorosa e prestimosa,
Sensível e audaciosa,
Sensual e conquistadora.
É mulher!
Homem nenhum pode viver, sem você,
Ele precisa de mulher para ser forte.
Quando fraco vai ficar na sorte.
Sem você mulher ele não avança,
Precisa do seu amor, como alavanca.
É mulher!
Mãe faz-se partilha, e o amor sempre cresce,
A vida floresce.
Briga, chora e canta, trabalha no lar e fora.
Mulher inteligente,
Sempre consegue conciliar amor e sentimento.
Um dia, os filhos tomam o rumo da vida,
Muitas vezes sozinha ela fica.
Embala sonhos, brinca com netos torna-se criança.
E a vida segue serena a sua dança!
= = = = = = = = =

Quadra Popular

Quem inventou a partida
não sabia o que era amar;
quem parte sem vida,
quem fica, fica a chorar.
= = = = = = = = =

Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN

Lágrimas

Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.

Minh' alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que morre...
= = = = = = = = =

Quadra Humorística de
IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina (1910 – 1994) São Paulo/SP

Todo sujeito sensato
sabe a verdade de cor:
A mulher bela, de fato,
sem fato fica melhor.
= = = = = = = = = 

Poema de 
HILDEMAR CARDOSO MOREIRA
São Mateus do Sul/PR, 1926  – 2021, Contenda/PR

Saudade imensa
                                       (À Neusa)

Que saudade, meu Deus, mas que saudade
Eu sinto de você minha querida.
Palmilhamos nossa estrada nos amando,
Éramos então vivendo enamorados
Como dois pombos enfrentando a vida.
Jamais pensando vivermos separados.
Mas você teve sua missão cumprida
E Deus veio buscar-lhe faz um ano.
E eu não pude lhe beijar na despedida,
Selei um beijo já em seu rosto inerte,
Molhando com lágrimas sua face linda.
Hoje não sinto seu calor humano,
Mas lhe sinto presente em toda a vida
E mesmo sem lhe ver é mais querida.
= = = = = = = = =

Rafael Felipe Lucas (Desatino)

Houve quem me ajudasse na empreitada de derrubar a lua, amarela, feita de cartolina, do alto do morro da santa. Foi plano meticuloso, desatino, ideia de madrugada, croqui em papel de guardanapo, desenhado sob a luz de âmbar do Dom Quixote. Tudo bem medido, com a ponta dos dedos, num mapa feito de açúcar que furtamos do balcão da padaria Iraty. A questão do trem, que passa balançando a noite, assustando as águas do arroio, foi resolvida com algodão que espalhamos pelos trilhos. Os guardiões a apitarem de hora em hora, guiando suas bicicletas nas brumas, trancamos todos com cancelas feitas de isopor. Então ouvi teus passos, tão perto, não sou médico, mas sei quando o sangue toma rumo contrário dentro do corpo. Saio do plano e dou nos teus olhos, o mundo vem todo desarrumado, meus pensamentos empilhados feito carrinhos de choque de parque de diversões e eu dizendo pra dentro letra por letra o teu nome e o céu da boca desmanchando. Quis te dizer é “inverno” e te oferecer meus casaco, mas tive medo de mexer no vento e esperei sozinho chegar ao meu peito o mesmo sopro que já havia passado por teus pulmões. Quis te dizer “foi aqui na Praça da Bandeira que tudo começou”, mas lembrei da Praça da Matriz e pensei que na verdade tudo poderia começar naquela igreja. Procuro agora quem me ajude na empreitada de tentar colocar de volta a lua, amarela, de cartolina, no alto do morro da santa. Vou zanzar rua por rua desta cidade com nome de mel. Espero que volte pelo mesmo caminho. Quebrarei garrafas de vinho e espalharei os cacos pelo chão, esperando que a luz difusa dos postes venha transformá-los em estrelas sob os teus pés. Da Casa da Cultura vem uma música, destas com o jeito dos rádios antigos, posso ouvir baixinho. Ouço teus sapatos, procuro tua mão num convite, e te conto: “nunca dancei contigo debaixo duma lua destas”…
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Rafael Felipe Lucas é de Irati/PR

Fontes:
Concurso Literário de Irati/PR – 2010 (1. Lugar em crônica)
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Wagner Ferreira (A alma do carnaval)

O carnaval estava para nascer, e a alma de Ana Maria queria fugir.

Parecia querer evadir-se de um mundo vivido no avesso.

Ela nunca se conformou em abandonar o Cenário carnavalesco depois que se casou. Nunca mesmo!

O marido lhe proibiu de desfilar na passarela, a alegria da sua juventude precocemente reprimida.

Desde então ela se limitou a ser uma dona de casa exemplar, alimentando o esposo, e guiando seus três filhos.

Odiava aquela monotonia perfeccionista temperada pela estabilidade inabalável da sua família.
Mas agora, neste carnaval, queria voltar a desfilar, principalmente para sentir sua liberdade ressurgir.

Os filhos já estavam crescidos e o marido precisava ser enfrentado.

Resolveu! Desfilaria mesmo contra a vontade da família, e falaria na hora do almoço quando todos estariam reunidos na mesa. 

“Tem que ser agora ou nunca.” Pensou.

Sequer se preocupou em servir a refeição de prato em prato como ela sempre fazia.

“Hoje eu não existo.” Pensou convicta. “Até as empregadas possuem seus dias de folga!”
E num único disparo atirou aquele rancor acumulado pelos anos:

– Vou sair no bloco das frenéticas andorinhas…

Como se não fosse ela quem estivesse ali, talvez uma irmã gêmea, ou um clone…

O marido e os três filhos se assustaram.

Como uma mulher exemplar, que não saia de casa, não fazia fofocas, sempre disposta e prestativa se interessaria por carnaval?

Ninguém acreditou. “Deve ser piada, ou crise da meia idade”, pensou o marido.

Ele se lembrou da sua irmã, que na menopausa pirou. Quis ser atriz de teatro, e abandonou tudo.

Todos os olhares se revelaram como censura e um jurado se constituiu.

O esposo na cabeceira tomou a palavra batendo o cabo da faca na mesa como se fosse o martelo de um magistrado.

– Não admitirei esta loucura de forma alguma, e não se fala mais nisso.

Mas ela não se intimidou:
.
– É isso mesmo, cheguei à conclusão que devo me libertar um pouco desta escravidão, desta rotina, esquecida do mundo. – Pra mim chega! – Acho que até Deus esqueceu que eu existo. – Eu gosto de carnaval e dai? – Quero me divertir também.  -Tenho meus direitos…

– Eu sabia que ficar assistindo aquelas novelas ia dar nisso. Contestou o marido.

– Eu nunca te tranquei em casa, taí os meninos de testemunha. 

– Que é isso mulher? Depois de velha pirou!

– Velha é sua mãe. – Retrucou.

– Não ponha minha mãe no meio, ela sim que era mulher exemplar, não confundia liberdade com libertinagem.

– Vamos parar com esta briga besta e me passe a salada. – Protestou o filho mais velho.

– E seu coração? – Perguntou o filho do meio.

– Não coloquem o meu coração como pretexto, ele está funcionando muito bem, e nada como fazer aquilo que gosto para ganhar vitalidade.

Todos tinham lhe condenado, com exceção da filha caçula.

– Deixa a mamãe, pô ! – Ela precisa se divertir um pouco.

– É nisso que dá tratar a mulher com carinho e não deixar faltar nada em casa…

– Antigamente isso era motivo de uma surra, é isso que você merece…

– Ah é assim, seu descarado, estou cansada de te fazer carinho quando você chega caindo de bêbado…

– Bêbado é seu pai, aquele pinguço, aliás, eu não sei onde estava com a cabeça quando tirei você daquele cortiço imundo.

– Tá vendo, filha o machista que é seu pai?…

– Sou machista mesmo, e dai? – Continuou gritando.

– Sabe mãe, eu acho que a senhora tem que se divertir mesmo, mas pera ai, né? Desfilar em bloco de rua é demais, se quiser te levo no clube, pelo menos meus colegas não vão ficar tirando sarro de mim. – Acrescentou o filho mais velho.

– Tá vendo? -Depois eu é que sou machista.

E o marido se aproveitando da situação, pediu que quem estivesse de acordo levantasse a mão.

Só a caçula levantou. 

– Vocês são todos quadrados acrescentou.

– Tá bem, mulher, se você quiser desfilar pode ir, nem tô ligando mais. Lavo minhas mãos como Calígula…

– E quer saber de uma coisa, vou aproveitar que é carnaval e comprar uma fantasia de palhaço, pois é isso que sou nesta casa.

– Não é Calígula, pai, quem lavou as mãos foi Pilatos… – Corrigiu o primogênito.

Ana Maria não se abateu com a opinião da família, aquilo era um quartel, um verdadeiro regime comunista.

“Abaixo Fidel Castro, e viva a sociedade capitalista”. Pensou.

Precisava mudar, agir, ser dona do seu nariz, ressuscitar aquela alma carnavalesca, encher-se de glória.

Abortaria o carnaval da sua vida? – Não! Murmurou.

Imaginou-se no meio da avenida, até que explodiu o carnaval…

Os brasileiros inflavam-se nesta bolha de ilusão, que estourava nas migalhas da quarta feira de cinzas…

Mas que lhe importava? A fantasia era sua liberdade, que mascarava sua fuga, mas alimentava o seu sonho de ser admirada por todos.

“Melhor isso do que uma traição”. Lampejou em pensamento.

As pessoas passeavam suas loucuras e o mundo para Ana Maria era a avenida, a vida era o ritmo do samba, e a cada pique e repique da batucada, era a vida que vingava em suas veias.

A máscara era sua identidade, cobrindo a amargura, que ela descontava em cada passo.

A lua já amadurecia quando ela surgiu no fim da avenida.

“Sobrepujava o bloco” “Asas do ”Falcão”. Depois o das” “Panteras”, e logo em seguida o das “Frenéticas Andorinhas,” que rompeu a passarela.

Aninha primava entre confetes e serpentinas, mesclados com os aplausos eufóricos da plateia delirante. Logo estaria diante da comissão de jurados.

“Falariam de mim no alto falante”? – Pensou.

Gastava os dentes de tanta emoção. Estava absoluta como porta estandarte.

Ofuscava, luzia ,brilhava, uma verdadeira rainha de carnaval.

O povo retribuía em aplausos. Sua vibração procrastinava a eletricidade da sua alma. Seu coração batia, batia , batia… Até que parou.

Sua garganta ficou sufocada por aquela emoção.

Ficou caída no asfalto, que de longe era colorido, mas de perto não escondia sua função de consolador de vítimas. Diante daquela mulher caída na avenida, houve um minuto de silêncio.

Ogum, Xangô, Iemanjá foram chamados para salvar a situação.

Ana se despediu desta vida e começou a chover.

Apagava a estrela, que imediatamente foi colocada numa maca onde algumas serpentinas pousavam lentamente, e partiu num carro que deu o socorro conveniente.

Ela esteve soberba. Foi, sem nunca ter sido.

Alguns minutos depois o samba voltou a tocar com mais força do que antes, e o povo pôs-se a cantar e a rebolar.

O pacto do carnaval havia se consolidado.

Para Ana Maria restou a soberba de conhecer sua alma.
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Wagner Ferreira, sorocabano, escreve poesias metafísicas e crônicas do cotidiano. Iniciou sua carreira nas letras com um romance místico: “O Caçador de Milagres” - uma história de autoconhecimento, que traz sabedorias milenares para a realidade brasileira, livro que foi distribuído para todo o Brasil pela Livraria Cultura. É coautor na “Antologia Roda Mundo 2008” e nas “3ª e 4ª Coletâneas do Espaço Literário do Sorocult” (2008/2009). Membro do CLIC Art & Letras de Sorocaba e região (do Sorocult). Escreve em alguns sites.

Fontes:
http://www.sorocult.com/el/view.php-cod=590.htm 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Romance Policial


O Romance Policial é uma categoria literária estruturada em torno da ocorrência de um assassinato, das indagações, pesquisas, inquirições de testemunhas e, finalmente, da descoberta do criminoso. Todo o enfoque do autor recai sobre o mecanismo de desvendamento dos segredos envolvidos no crime, levado a cabo normalmente por um detetive profissionalizado ou de natureza amadora. Afinal, às vezes o personagem que soluciona o mistério é uma pessoa comum que passa a atuar como detetive, já que faz investigações em busca da verdade.

Este gênero literário deixa claro que não há atividade criminosa perfeita, e que não deve haver espaço para tolerância à criminalidade nem para carência de punição. Geralmente o indivíduo que comete o crime é descrito psicologicamente como uma criatura inusitada, à margem da racionalidade que move os mecanismos da vida social.

A ficção policial é povoada por ingredientes como o temor, o inexplicável, a pesquisa dos dados que cercam o crime, a inquietação intelectual diante dos fatos, a perplexidade, a sede de descobrir o criminoso e os motivos que o impulsionam a cometer o ato ilícito, todos convenientemente combinados nas devidas proporções, conforme o estilo de cada escritor e seu contexto. O modelo tradicional se apoia na total verossimilhança, o que leva investigadores como Sherlock Holmes a buscarem a contribuição da própria Ciência em sua obsessiva procura da verdade.

O romance policial é uma narrativa de mistério centrada na solução de um crime.

A narrativa policial apresenta estes elementos:
  • crime;
  • investigação;
  • solução.

Os autores mais famosos do romance policial são Arthur Conan Doyle e Agatha Christie.

O signo dos quatro, de Arthur Conan Doyle, e o livro E não sobrou nenhum, de Agatha Christie, são famosos romances policiais.

CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE POLICIAL

Mistério e suspense
O acontecimento principal do romance policial é a ocorrência de um crime. Pode ser um roubo ou um assassinato. Portanto, o grande mistério desse gênero de romance é a identidade do ladrão ou assassino.

Detetive
Para solucionar o caso, é comum a presença de um detetive. Porém, também é possível que quem descobre a identidade do criminoso seja um personagem comum, mas que passa a investigar o roubo ou assassinato. O detetive clássico é racional, com grande capacidade de dedução. Mas esse tipo de detetive não é uma regra.

Pistas
Durante a narrativa, o narrador vai revelando pistas que podem indicar a identidade do criminoso. Essas pistas servem para o detetive chegar a uma conclusão plausível, mas também são utilizadas pelo leitor ou pela leitora, que se diverte em tentar desvendar o mistério.

Revelação
Com raras exceções, a verdade só aparece no final do romance, quando é feita a revelação e, assim, termina o mistério.

Motivação
O criminoso sempre tem uma motivação para cometer o crime. Pode ser vingança, interesse na herança da vítima ou simplesmente ambição. Mas a motivação também pode ser de ordem psicológica e, por isso, menos evidente.

PERSONAGENS
Além da vítima e do detetive, existem outros personagens. Eles têm alguma relação com a vítima. Mas também é comum um ou mais personagens que fazem parte do convívio social do detetive.

Criminoso
O autor do crime é um dos personagens da narrativa. Todos são suspeitos, sem exceção.

Entretenimento
A maioria dos romances policiais é narrativa de entretenimento. Portanto, serve para a diversão, não pretende apresentar uma visão crítica da realidade.

Narrador
O narrador observador é o tipo mais comum nesse gênero de narrativa. Isso não quer dizer que o romance não possa ter um narrador-personagem ou um narrador onisciente.

Importante: Vale mencionar que, apesar de os detetives mais famosos dos romances policiais serem do gênero masculino, pode haver também detetives do gênero feminino. Um exemplo é a personagem Miss Marple, presente em alguns romances de Agatha Christie. Além disso, pode haver um criminoso, uma criminosa ou vários criminosos.

A história deste gênero tem início com a obra Assassinatos na Rua Morgue, do renomado Edgar Allan Poe, lançado há mais de um século; este clássico determinou as principais qualidades estéticas do romance policial. Poe praticamente dita as regras que serão seguidas por seus sucessores; quase todos adotam a figura do parceiro do detetive, que lhe vale como suporte. Também não faltam a aparência austera e a solidão que acompanha o investigador.

Muitas destas obras apostam igualmente na caracterização psicológica dos personagens; são seres normais, como qualquer um, mergulhados em seus dramas pessoais, repletos de aflições, tristezas, ansiedades, pavores e expectativas. Seu público-alvo devora todos os livros de seu escritor dileto, não estão enquadrados em gêneros ou faixas etárias definidas e geralmente navegam pelo romance de uma única vez.

Boa parte dos escritores deste gênero escreve em língua inglesa, confirmando a tradição desta ficção, nascida nos Estados Unidos; são nomes como Arthur Conan Doyle, Aghata Christie, Rex Stout, Raymond Chandler, Dashiell Hammett, Denis Lehanne, P.D. James, Patricia Cornwell, entre outros.

A galeria de detetives famosos também é vasta e conhecida; dificilmente alguém habituado a viajar pelas páginas de um livro irá desconhecer personagens como Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Maigret, Sam Spade, e outros tantos. São figuras de destaque no imaginário de cada leitor.

No Brasil a ficção policial vem ganhando impulso com escritores como Luiz Alfredo Garcia-Roza, um mestre na arte de caracterizar psicologicamente seus personagens, e em retratar cenários cariocas, onde são ambientadas suas narrativas, protagonizadas pelo detetive Espinosa; e Patrícia Melo, autora, entre outros, de Inferno, vencedor do Prêmio Jabuti em 2001, especialista em mergulhar na mente dos criminosos. Em São Paulo o campo de ação é de Joaquim Nogueira e seu investigador Venício. É impossível deixar de lado a clássica obra de Rubem Fonseca, ex-policial que se vale da própria experiência na criação de suas tramas, nas quais desfilam os velhos colegas de profissão.

Fontes:
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