sábado, 2 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 16 –

 


Olivaldo Júnior (Crônica de um Ano Realmente Novo)


Não, não sei como é que foi que tudo isso começou. Só sei que, mesmo que não pareça, ainda estamos em plena pandemia, e a alegria tem sido conquistada a cada dia, a cada hora, a cada instante, como se Monalisa de um simples sorriso sem graça tivesse que sorrir e até rir do que é trágico. Mágico, talvez fosse assim que quiséssemos que um ano realmente novo começasse. Um ano em que fôssemos realmente mais irmãos e tivéssemos aprendido “algo”.

Muito tem-se falado em esperança e em folhas, flores e frutos novos no jardim. Há de se acreditar nisso, há de se acreditar que, sim, valeu a pena ter passado por tudo que temos passado e, ainda assim, tocar em frente pois muitos já não podem mais fazer o mesmo. De novo, já nos basta o vírus, dirão alguns. E, talvez, estejam mesmo certos. Talvez fosse melhor cantar aquela música de outro jeito: “Adeus, Ano Novo / Feliz, Ano Velho!”, se nos fosse adiantar.

A vida, em verdade, parece feita de dificuldades. Atravessá-las parece ser a sina do ser humano. Humanos, damo-nos virtualmente as mãos, ora contentes, ora nem tanto. E, mesmo sabendo do perigo, enchemos os barzinhos, ficamos em casa, isolamo-nos, festejamos, numa dupla realidade que se instalou desde que vimos tudo virar de cabeça para baixo e voltar, num giro de 360 graus, sem direito à escolha. Estamos na dança, brinquemos de roda e... de viver.

Tudo promete mudar. E a esperança é mesmo a última que morre. “Alegria era o que faltava em mim”, diz um samba antigo e muito lindo. Lindo. Belo. Incrível. Talvez seja isso o que buscamos todos. A beleza em nós, a beleza em outros, a beleza em todos, quando ainda há tanto de feio e de triste no mundo. “Mas vamos fechar os olhos / E pensar numa noutra coisa”, diria Quintana, do Céu dos Poetas, caso pudesse. Só se pedisse a um passarinho para cantar.

O homem atrás do bigode / é sério, simples e forte. / Quase não conversa. / Tem poucos, raros amigos / o homem atrás dos óculos e do bigode.”, diria Drummond. Não, não abandono Drummond. Não, não sou Drummond, nem queria ser ele. Queria ser eu. Ah, se eu fosse eu!... Se eu fosse eu, talvez fosse um filho melhor para meus pais, e um irmão melhor para meu irmão, e um amigo melhor para meus amigos, para quem realmente gostasse de mim, no ano novo.

Mogi Guaçu, São Paulo, 31 de dezembro de 2020.

Fonte:
texto enviado pelo autor.

Baú de Trovas XXIV


Tua promessa fingida
foi razão do meu sofrer.
— Esperei toda uma vida
para poder te esquecer!
ANTENOR JOSÉ DIAS
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A poesia sempre alcança
o seu maior esplendor
no riso de uma criança,
nos olhos do meu amor!
ANTÔNIO MAIA
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Se no amor foste iludida,
não deves guardar rancor.
— Mais triste é passar a vida
sem ter um beijo de amor!...
APARÍCIO FERNANDES
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Não se deve amar ninguém
só para o tempo passar.
— Passa o tempo e nós também,
mas o amor pode ficar...
ELZIO COELHO
- - - - - -
Pode crer, Maria Rosa,
hoje em dia ninguém vê
mulher sincera e bondosa,
bonita como você.
FRANCISCO DE MATOS
- - - - - -
Solitário ele vagueia,
entre as dunas, a sonhar...
E a praia é o convés de areia
do velho Lobo-do-Mar.
FRANCISCO MADUREIRA
- - - - - –
Teu amor só me deu mágoa...
Mas eu sou grato à maior:
foi com os olhos rasos d'água
que te pude ver melhor...
GENTIL FERNANDO DE CASTRO
- - - - - -
A todos repito e ensino
a minha definição:
o beijo é o til pequenino
da palavra coração.
GODOFREDO MENDES VIANA
- - - - - -
Como tudo é passageiro,
como tudo é enganador...
Quem dera que fosse eterna
toda promessa de amor!
GUILHERMINA DE FIGUEIREDO
- - - - - -
Debalde as mulheres tentam
saber, ansiosas, aflitas,
como é que os poetas inventam
tantas mentiras bonitas!
GUIOMAR MACHADO
- - - - - -
Depois que te amo, há quem jura
que perdi todo o meu siso.
Se isso que sinto é loucura,
lamento quem tem juízo...
HEITOR BELTRÃO
- - - - - -
Amor é simples afeto,
mas de poder tão profundo,
que torna as almas unidas
nos desertos deste mundo.
HÉLIO GARCIA DE MATTOS
- - - - - -
Uma rosa — sua face.
Um sonho — seu caminhar.
Se isso tudo não bastasse,
tem o céu dentro do olhar!
JANDIRA GRILLO
- - - - - -
Às vezes sofro contigo,
mas deixo bem claro aqui:
se a teu lado vivo mal,
pior seria sem ti!
J. CASSIMIRO DE OLIVEIRA
- - - - - -
Por tua boca adorada,
por teu olhar feiticeiro,
minha alma vive ajoelhada
num eterno cativeiro!
JOSÉ FERREIRA BAPTISTA
- - - - - -
Não faço fé nas Marias,
descreio delas até:
a que destruiu meus dias
era Maria da Fé!
JOSÉ MARQUES
- - - - - -
Olhos verdes peregrinos,
olhos de estranha emoção!
São dois punhais pequeninos
que ferem meu coração.
JULY JÁCOME DE MELO
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Olhos profundos, estranhos,
sempre em cismares imersos,
esses teus olhos castanhos
já não são olhos... são versos!
LAURA MARGARIDA DE QUEIRÓS
- - - - - -
Ave noturna, agoureira,
não me apavora o teu canto.
— Mais desastres não receia
quem de amor desfaz-se em pranto.
LOURIVAL AÇUCENA
- - - - - -
Recebi tua cartinha,
mas, confesso, não gostei,
pois nela de volta vinha
o beijo que te mandei...
MARIO CEZAR DUARTE
- - - - - -
Desde que te conheci,
apenas isto é que sei:
fiquei perdido por ti
e nunca mais me encontrei.
MÁRIO GRAÇA
- - - - - -
Posso estar muito zangado,
mas, vendo o sorriso teu,
fico todo enamorado...
e penso que o mundo é meu!
PEDRO BRAILE
- - - - - –
Quando passas, criatura,
altiva, faceira e bela,
se é dia, o sol mais fulgura;
se é noite, o céu se constela!
RAIMUNDO ARAÚJO
- - - - - -
Esta verdade me ocorre
pelos amores que eu tive:
quanto mais de amor se morre,
tanto mais de amor se vive.
TEIXEIRA LEITE
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De tudo que iá sofri,
sofro mais o dissabor
de um grande amor que perdi,
por culpa de um falso amor.
TONINHO BITTENCOURT

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história e antologia. São Cristovão/RJ: Artenova, 1972.

A. A. de Assis (Maluf, o Pioneirão)


No princípio era assim: na colina o Maringá Velho, na planície o Maringá Novo. No meio havia um bom pedaço da floresta original, por onde passava uma trilha que ligava os dois povoados. Deu-se, porém, que um dia um funcionário do Maluf se perdeu na travessia e precisou-se de um dia inteiro de busca para reachar o moço.

Foi nessa ocasião que o megapioneiro Maluf entrou nervoso no escritório da Companhia Melhoramentos, dirigiu-se ao Dr. Hermann Morais de Barros e desabafou: “Não vim aqui pra morar no mato”. Imediatamente o Dr. Hermann deu ordem para que se transformasse a trilha numa avenidona, unindo finalmente os dois Maringás. Na época ainda não tínhamos prefeito.

Alfredo Moysés Maluf nasceu em 1900, na Síria; veio para o Brasil com menos de um ano de idade e viveu suas primeiras décadas em Piracicaba. Entrou na história de Maringá no mesmo ano em que a cidade oficialmente entrou no mapa – 1947.

Aqui comprou um terreno bem na divisa entre o Maringá Velho e o Novo e ali montou o famoso Posto Santo Antônio, distribuidor da Esso. O posto passou logo a ser um ponto de referência. Onde fica isso ou aquilo? Respondiam: Fica perto do Maluf, pra cá do Maluf, em frente ao Maluf... A própria praça, de nome José Bonifácio, na boca do povo passou a ser conhecida como “Redondo do Maluf”. Um marco geográfico e um marco histórico.

A cidade toda era uma aventura naqueles primeiros anos. Motoristas vindos de todo o Brasil chegavam no Maluf e paravam. Em épocas de chuvas ninguém podia ir para a frente nem para trás. Por isso, ao lado do posto, além da oficina e da loja de peças, havia um restaurante e um dormitório. Para distrair os primeiros moradores da cidade e os caminhoneiros em trânsito, Maluf comprou um projetor e exibia filmes todas as noites. Sempre de graça, mas os espectadores precisavam trazer cadeiras de casa.

O Maringá Velho, habitado desde 1942, já era uma vila movimentada, centralizando o desbravamento da região vizinha. No Maringá Novo, apenas montes de tocos deixados pela derrubada, ensaios de ruas e avenidas e umas poucas casinhas de madeira. Maluf entre os dois Maringás participando intensamente de tudo o que acontecia na jovem comunidade. Enquanto isso a sua empresa continuava crescendo. Nos anos 1953 e 1954 ele se classificou em primeiro lugar na revenda de gasolina da Esso em todo o Brasil.

Trabalhando de dia e de noite para dar conta de tanto que fazer, assim mesmo ele achava tempo para ajudar a cidade, no que sempre contou com o firme apoio de uma das pessoas mais queridas que Maringá conheceu – sua simpaticíssima esposa Dona Tita.

Alfredo Moysés Maluf foi um dos que mais trabalharam para que Maringá se emancipasse de Mandaguari. Carregou muita madeira para a construção da primeira catedral. Foi um dos fundadores do Rotary Clube, da Associação Comercial e Industrial e do Lar dos Velhinhos. Um homem intimamente ligado às raízes de tudo o que aqui existe. Saudade enorme dele.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 03 -12-2020)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Estante de Livros (O Largo da Palma, de Adônias Filho) – 4 –


QUARTO EPISÓDIO: UM CORPO SEM NOME


É o único episódio narrado na primeira pessoa. “A tarde se acaba, é verdade, mas a noite ainda não chegou. E por que me encontro aqui, quem sou, isto não importa. O que importa é que estou na esquina do Bângala, de pé e a fumar, buscando trazer a paz do largo para mim mesmo”.

O enredo é simples: o narrador vê uma mulher que chega cambaleando e morre nos degraus da escadaria da igreja no Largo da Palma. Como testemunha, tendo a mulher morrido em seus braços vai até à delegacia, curioso para saber de quem se trata. A morta tem o rosto magro, “as órbitas fundas, os cabelos grisalhos, a boca murcha com três cacos de dentes. Os braços tão secos quanto os seios e as pernas. O vestido imundo, frouxo na cintura e descosido nas mangas”, sintomas de fome e cansaço.

Essa imagem faz com que ele rememore um fato com uma mulher assim quando fez dezoito anos.

Nos pertences da mulher estão um pente, um lenço de linho. Um maço de cigarros e uma nota de dez cruzeiros, uma caixa de fósforo com um pó branco, que logo se verifica ser cocaína, uma saboneteira com mais de dez dentes da criatura humana.

O laudo médico é conclusivo; a morte foi por tóxico.

Dois meses depois, o narrador volta ao Largo da Palma. A visão humanizada do largo cuja memória não abarca todos os acontecimentos, talvez tenha esquecido a mulher sem nome.

O narrador se aproxima de “A Casa dos Pãezinhos de Queijo”, o ar tem o perfume de trigo, misturado com o incenso que vem da igreja.

Ao falar com o inspetor fica sabendo que não identificaram a mulher, o corpo com tóxico em todos os poros, o mistério dos dentes guardados nunca foi desvendado, só há conhecimento de que eles pertenciam a ela mesma. Agora, à noite, o narrador vê os gatos, que na madrugada se tornam os donos do largo porque os homens e os pombos estão dormindo.

E sobre a mulher: “A morte não a matou, porque morreu fora do corpo. E, por isso, não morreu no Largo da Palma”.

COMENTÁRIO

Há um narrador que não se identifica, trata-se de um “eu” que se diz, se fala, fala dos fatos em torno da morte, mas não se nomeia. A rememoração que faz da época que tem dezoito anos, faz lembrar Marcel Proust em “La recherche du temps perdue” (A procura do tempo perdido), quando uma realidade do presente evoca uma imagem do passado, caracterizando o impressionismo tanto na linguagem quanto nos signos.

O Largo de Palma, que no episódio anterior, apesar da idade, antigo de muitos séculos, tem boa memória, nesta narrativa, velho como é, já a esqueceu porque não tem memória para todos os acontecimentos.

A presença dos gatos, simbolicamente, relacionado com o mistério da vida e da morte, segundo a tradição oriental, está encarregado de transportar as almas para o outro mundo.

Fonte:
– ARAÚJO, Vera L. R. in Cultura, Contextos e Contemporaneidade. Disponível no Portal São Francisco.